Processo nº 0015833-26.2023.4.05.8100
ID: 311336388
Tribunal: TRF5
Órgão: 21ª Vara Federal CE
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0015833-26.2023.4.05.8100
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NELSON OLIVEIRA DOS SANTOS NETO
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL NO CEARÁ 21ª Vara Federal – Juizado Especial Federal/JEF Av. Washington Soares, 1321, Campus da UNIFOR, Bloco Z, Edson Queiroz, Fortaleza/CE S E N T E N Ç A …
PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL NO CEARÁ 21ª Vara Federal – Juizado Especial Federal/JEF Av. Washington Soares, 1321, Campus da UNIFOR, Bloco Z, Edson Queiroz, Fortaleza/CE S E N T E N Ç A Processo nº: 0015833-26.2023.4.05.8100T Dispensado o relatório, na forma do art. 38 da Lei 9.099/1995, aplicável subsidiariamente nos termos do art. 1º da Lei 10.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO Trata-se de ação cível em que se pretende a responsabilização civil por danos. DAS QUESTÕES PRÉVIAS Da aptidão instrumental da petição inicial Deflui claramente da peça vestibular a causa de pedir remota e a próxima, bem como os pedidos, que são juridicamente possíveis, compatíveis entre si e decorrem logicamente da sinopse fática aduzida nos autos, de sorte que restaram regularmente atendidos os parâmetros do art. 330, § 1º, do CPC. A peça exordial preenche, outrossim, os requisitos estatuídos no art. 319 do CPC e se encontra instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 320), de modo que não há defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, como dispõe o art. 321 do CPC, e se encontra formalmente correta, com especificação da causa de pedir e de pedido certo e determinado. Não há, portanto, qualquer inépcia a macular a peça vestibular, pois a exordial apresenta os requisitos legais exigidos quanto à clareza, à compreensão e à completude, de forma que a narração do fato constitutivo do suposto direito nela postulado consta de forma nítida em seu contexto, pressuposto, aliás, fundamental ao exercício da função jurisdicional. Da legitimidade passiva da ECT e da competência da Justiça Federal Conforme dispõe expressamente o art. 17 do CPC, para que se possa propor uma ação judicial, necessário se faz que reste caracterizada legitimidade, bem como interesse processual em coeficiente minimamente expressivo que justifique a movimentação da máquina judiciária em face da pretensão deduzida em juízo. Na mesma linha normativa, preceitua o art. 330, II e III, do CPC que a petição será indeferida “quando a parte for manifestação ilegítima” ou “quando o autor carecer de interesse processual”. Paralelamente, o art. 485, VI, do CPC, prescreve particular hipótese de extinção do processo, sem resolução de mérito, quando se consumar o fenômeno processual da carência de ação, decorrente da ausência original ou superveniente de qualquer das condições da ação, entre as quais se insere a legitimidade de agir. A questão atinente à satisfação ou não dessas condições constitui, ademais, matéria de ordem pública, razão pela qual não se sujeita a nenhuma preclusão pro judicato e pode ser examinada oficiosamente pelo Juiz, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, nos termos do § 3º do art. 485 do CPC. Nesses casos, como não se está a dissolver o processo por conta dos requisitos previstos nos arts. 319 (requisitos da petição inicial) e 320 (documentos indispensáveis à propositura da ação) ou por defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, ou mesmo sob o fundamento da prescrição ou da decadência, não se aplicam os ditames dos arts. 317, 321 e 487, § único, do CPC, sendo, portanto, dispensável a prévia intimação do autor para que corrija vícios, emende ou complemente a exordial ou se manifeste, na esteira da legislação processual específica dos JEFs, informada pelos princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, ex vi dos arts. 2º da Lei 9.099/1995 e 1º da Lei 10.259/2001. Por sinal, a esse respeito, o Enunciado 176 do FONAJEF dispõe que “A previsão contida no art. 51, § 1º, da Lei 9.099/1995 afasta a aplicação do art. 317 do CPC/2015 no âmbito dos juizados especiais”. A legitimidade ad causam constitui condição da ação que diz respeito à pertinência subjetiva com o objeto da demanda, de forma que, em havendo relação jurídica de direito material que envolva alguns sujeitos de direito, eventual discussão quanto àquela relação jurídica que possa porventura gerar determinado conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, e, por conseguinte, o ajuizamento de uma ação, terá como protagonistas, no plano processual, justamente, aquelas pessoas imiscuídas na lide, que figurarão, em princípio, como autores ou réus, por se inserirem naturalmente no raio de eficácia subjetiva da deliberação judicial pertinente. O art. 21, X, da CF/1988 dispõe que incumbe à União a competência material privativa de “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. No plano infraconstitucional, o art. 9º da Lei 6.538/1978, que regulamenta o serviço postal, predica que são exploradas pela União as atividades postais de “recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal” (inc. I) e de “recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição para o exterior, de correspondência agrupada” (inc. II). O art. 14 da Lei 6.538/1978 preceitua, ademais, que o objeto postal se classifica, quanto ao âmbito, em nacional, quando “postado no território brasileiro e a ele destinado”, e internacional, “quando em seu curso intervier unidade postal fora da jurisdição nacional”. Como operadora designada pela União, as atividades institucionais desempenhadas pela ECT encontram disciplina normativa no Decreto-Lei 509/1969, cujo art. 2º, I, enuncia que lhe compete “executar e controlar, em regime de monopólio, os serviços postais em todo o território nacional”. A esse respeito, o STF se pronunciou nos seguintes termos: A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional (art. 21, X). O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública, entidade da administração indireta da União, criada pelo DL 509, de 10-3-1969 (ADPF 46/DF, Relator do Acórdão Ministro Eros Grau, j. 5/8/2009, Pleno, DJe de 26-2-2010). Ao delimitarem o alcance das atribuições postais da ECT, essas normas jurídicas lhe incumbem das atribuições institucionais de recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e de expedição, para o exterior, de objetos postais. A pretensão de responsabilização civil deduzida na petição inicial se funda em suposta falha operacionais em serviços postais a cargo da ECT, o que a vincula subjetivamente ao substrato material da causa, do que resulta a sua legitimidade para figurar no vértice passivo da relação processual em curso. Com efeito, o transporte postal de bens no território nacional envolve a atuação institucional da ECT, o que a torna, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo em demandas dessa natureza (art. 17 do CPC) e atrai a competência ratione personae da Justiça Federal para conhecer, processar e julgar as pretensões deduzidas em seu desfavor, nos termos do art. 109, I, da CF/1988. No mais, conquanto a ECT apresente unidades operacionais vinculadas a diretorias regionais distintas, inclusive, com CNPJs diferenciados, possui personalidade jurídica unitária, de modo que figura, em verdade, como uma só empresa pública federal. A ECT monopoliza, aliás, a prestação de serviços postais em todo o território nacional, ainda que seja institucionalmente organizada mediante desconcentração administrativa, de sorte que não se justifica eventual alegação de ilegitimidade passiva ad causa fundada nas suas eventuais subdivisões orgânicas internas. Da inexistência de litisconsórcio passivo necessário Inexiste, na espécie, situação processual concreta que reclame a formação de litisconsórcio passivo necessário entre a ECT e eventuais empresas franqueadas que lhe prestam serviços de modo terceirizado. Com efeito, nos termos do art. 114 do CPC, “O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”. A eficácia da sentença relativamente à ECT não depende impreterivelmente da citação de empresas franqueadas, que, relativamente ao consumidores, figuram, em verdade, como extensões institucionais da ECT. A responsabilidade civil imputável à ECT pelos danos especificados pode ser, de fato, aferida independentemente de qualquer responsabilidade destas. A propósito, nos termos do § único do art. 7º e do § 1º do art. 25 do CDC, há solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços e, caso venha a suportar a integralidade dos efeitos econômicos da responsabilização civil relativamente ao(à) Demandante, remanescerá em favor da ECT o direito de regresso em face de outros partícipes da cadeia de fornecimento do serviço. Do interesse de agir em juízo Para configurar-se e manter-se o interesse de agir no início e no curso do processo, é imprescindível que confluam três subcondições: 1 – que exista necessidade de a parte ir a juízo ou permanecer em juízo para alcançar a tutela jurisdicional pretendida; 2 – que a tutela jurisdicional pretendida assegure alguma utilidade do ponto de vista prático; e 3 – que a via processual eleita seja capaz de conduzir à tutela jurisdicional postulada. Exige-se, pois, a satisfação da tríade composta pela associação do interesse-necessidade, do interesse-utilidade e do interesse-adequação. Como condição para que se justifique o cabimento da intervenção jurisdicional, a configuração do interesse processual nas vertentes necessidade e utilidade demanda a caracterização de uma lide ou litígio, isto é, de um conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita, na clássica lição de Francesco Carnelutti (CARNELUTTI, Francesco. Sistema de diritto processuale civile. Padova: Milano, 1936, vol. I, p. 394 e 444). Para que se materialize o interesse de agir em juízo, desnecessário se faz o prévio acesso e exaurimento da via administrativa para o ingresso de demanda judicial, conforme o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que predica que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Caracterizada, nos autos, a resistência à pretensão deduzida, resta, pois, configurado o interesse de agir em coeficiente que justifica o acionamento da máquina judiciária com o fito de equacionar o conflito em comento. Da inexistência de prazos diferenciados nos JEFs Conquanto o art. 12 do DL 509/1969 estenda as prerrogativas fazendárias à ECT, inclusive, no que tange aos prazos processuais, há, no âmbito dos JEFs, norma instrumental específica, preconizada no art. 9º da Lei 10.259/2001, que enuncia expressamente que “Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”. Sob esse prisma, no âmbito dos JEFs, não há prazos diferenciados em favor da ECT. Da gratuidade judiciária A legislação não requer que estejam os beneficiários da gratuidade judiciária em situação de pobreza ou, muito menos, de absoluta miserabilidade. Apenas se exige que a parte não possua, sem prejuízo de seu sustento próprio ou de sua família, condições financeiras de suportar o custo econômico do processo. Sob pena de se infringir a cara garantia fundamental do acesso à justiça, insculpida no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição, a concessão do benefício não deve ser pensada unicamente em favor dos estratos da população de baixa renda e em estado de miséria, pois também visa a amparar pessoas que porventura se encontrem, ainda que circunstancialmente, em situação de dificuldade financeira atual que impeça o pagamento das despesas processuais, à época da propositura da demanda ou no decorrer desta. Na espécie, como o(a)(s) Autor(a)(e)(s) postulou(aram) a concessão do benefício na forma dos arts. 98 e ss. do CPC, eventuais conjecturas contrapostas não figuram como prova suficiente de que ele(a)(s) há(ão) de ser diferenciado(a)(s) dos cidadãos que merecem a isenção judiciária, por ter(em) supostamente efetivas condições financeiras de arcar(em) com os encargos processuais sem comprometimento de seu sustento próprio ou de sua(s) família(s). Com efeito, não identifico, nos autos, elementos e maiores provas da inexistência ou o do desaparecimento dos requisitos materiais necessários à concessão ou à manutenção do benefício da gratuidade judiciária, o que justifica a sua concessão. Demais disso, ao disporem sobre a jurisdição no âmbito dos Juizados Especiais, os arts. 54 e 55 da Lei 9.099/1995 enunciam: Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas. Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita. Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. Do julgamento antecipado da lide Restaram devidamente satisfeitas as condições de acionamento judiciário, bem como os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular da instância. Não pendem, ademais, de exame quaisquer questionamentos preliminares ou prejudiciais correlatos. Conferiu-se, ainda, regular observância aos trâmites necessários ao regular processamento da demandada, com observância das garantias constitucionais fundamentais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. O processo comporta, por sua vez, julgamento no estado em que se encontra, nos termos do art. 355 do CPC. Na forma dos princípios da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento, previstos, respectivamente, nos arts. 370 e 371 do CPC, rejeito as diligências probatórias adicionais porventura requestadas. DO MÉRITO Considerações jurídicas Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, nos termos dos arts. 186, 187 e 927 do CC. A materialização do vínculo jurídico de responsabilidade civil demanda, em princípio, a conjugação dos seguintes elementos: conduta ilícita, dano, nexo causal e culpa latu sensu (dolo ou culpa strictu sensu, que envolve a negligência, a imprudência ou a imperícia). A ausência de qualquer desses elementos torna insubsistente a responsabilização civil por eventuais danos, à exceção das hipóteses de responsabilidade objetiva, nas quais a ausência de culpa latu sensu não inviabiliza a constituição do vínculo de responsabilidade. Instituída pelo Decreto-Lei 509/1969, a ECT figura como empresa pública que exerce o privilégio da exclusividade da prestação do serviço postal, nos termos da jurisprudência do STF: EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI. 1. O serviço postal – conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado – não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo. (ADPF 46, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 5/8/2009, DJe 26-2-2010). Como pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, a ECT se submete ao regime de responsabilidade objetiva preconizado no art. 37, § 6º, da CF/1988, que predica: Art. 37 [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. A esse respeito, o STF definiu os seguintes parâmetros jurisprudenciais: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º. I. – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. – Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. – Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. V. – R.E. não conhecido. (RE 179.147, Relator Carlos Velloso, 2ª Turma, j. 12/12/1997, DJ 27/2/1998). O STF ainda fixou a seguinte tese: Tema 130/STF – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Sem embargo de a ECT figurar como empresa pública prestadora de serviço público, a responsabilidade civil dos Correios nas relações com os usuários do serviço postal também se submete às normas aplicáveis a qualquer outro prestador de serviços no mercado de consumo, de modo que responde igualmente na forma do Código de Defesa do Consumidor (CDC ou CODECON), positivado pela Lei 8.078/1990. Nesses termos, a relação jurídica de direito material sob exame se qualifica como relação de consumo, consoante o preceituado nos arts. 2º e 3°, caput e § 2°, do CDC. No que toca à eventual responsabilidade civil pela execução de serviços postais pela ECT, aplicam-se, portanto, as modulações normativas específicas preconizadas no CDC, que divergem do sistema geral de responsabilização previsto no Código Civil (arts. 159 do CCB/1916, 186 e 927 a 954 do CC/2002). Nesse quadro, a responsabilidade civil da ECT, cuja condição de prestadora de serviço lhe impõe o encargo de zelar pela qualidade do serviço executado em padrões razoáveis, nele incluindo os deveres de informação, transparência, segurança, proteção e boa-fé objetiva para com o consumidor, há de ser aferida, em termos objetivos, independentemente da apuração de dolo ou de culpa. Para a configuração do dever de reparar ou de indenizar, deve-se, assim, apenas comprovar a ocorrência do dano diretamente decorrente, por nexo etiológico, de defeituosa operacionalização de serviços. Isso se dá, por sinal, em virtude de a Teoria do Risco do Negócio ou da Atividade Econômica ou Comercial servir de base para os esquemas de responsabilidade objetiva da legislação consumerista. Nessa perspectiva, cabe ao fornecedor assumir, em maior escala, a gama de riscos inerentes aos empreendimentos empresariais que explora na ordem econômica. A esse respeito, a jurisprudência do STJ tem se posicionado nos seguintes termos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. AGRAVO REGIMENTAL DA ECT DESPROVIDO. 1. As contratações tanto dos serviços postais como dos serviços de banco postal oferecidos pelos Correios revelam a existência de contrato de consumo, desde que o usuário se qualifique como destinatário final do produto ou serviço (REsp. 1.183.121/SC, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 7/4/2015). 2. Agravo Regimental da ECT desprovido. (AgRg no REsp 1.302.262/RJ, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. 13/3/2018, DJe de 22/3/2018). Na forma do § 1º do art. 14 do CDC, a responsabilidade pelo fato do serviço se configura quando, no desempenho de sua atividade-fim, o fornecedor não proporciona a segurança que dele possa o consumidor legitimamente esperar, tendo em conta circunstâncias relevantes atinentes ao modo do seu fornecimento e ao resultado e aos riscos que razoavelmente dele se esperam. Demais disso, nos termos dos arts. 7º, § único, 25, § 1º, e 34 do CDC, há solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de produtos e serviços. O § 3º do art. 14 do CDC é, por outro lado, categórico ao prescrever que, em controvérsias relativas a fatos do serviço, a responsabilidade objetiva ostentada pelo fornecedor só é passível de ser excluída se restar devidamente demonstrado que, prestado o serviço, o defeito inexiste (inc. I) ou que se trata de caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inc. II). Tratando-se, pois, de responsabilidade civil objetiva pelo fato do serviço, pautada no risco do empreendimento, cabe às empresas prestadoras arcarem diretamente com os prejuízos resultantes do fornecimento de serviços, cuja responsabilidade só poderá ser afastada caso comprove (ônus do fornecedor) a ocorrência de uma das causas que excluem o nexo causal. No ponto, a jurisprudência firmou a compreensão de que, salvo quando restar demonstrado que não houve o devido dever de cautela na condução da mercadoria, o extravio de objeto postal decorrente de roubo em veículo de transporte figura como motivo de força maior, a exonerar a responsabilidade civil respectiva dos Correios, como ilustram as ementas dos seguintes julgados: Tema 108/TNU – O roubo da mercadoria transportada constitui motivo de força maior, a exonerar o transportador da responsabilidade civil respectiva, uma vez demonstrado que não houve descuido no dever de cautela no transporte da mercadoria. Este Superior Tribunal consagra entendimento segundo o qual, caso não demonstrado que a transportadora deixou de adotar as cautelas que razoavelmente dela se poderia esperar, o roubo de carga constitui motivo de força maior a isentar sua responsabilidade. (AgInt no AREsp 2.142.433/MG, Relator Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, j. 13/3/2023, DJe 16/3/2023). À luz desse regime normativo, a jurisprudência nacional reconhece, de modo iterativo, a possibilidade jurídica de responsabilização civil da ECT por defeitos na prestação de serviços postais, consoante os seguintes excertos: [...] Os serviços postais são explorados mediante monopólio da União, que o faz através da ECT. III. Nos termos do art. 22, caput e parágrafo único do CDC, incumbe à empresa pública ré prestar seu serviço de modo adequado e eficiente, devendo ser responsabilizada pelo descumprimento de tal mister. [...] (Apelação Cível 0002358-33.2006.4.01.3307/BA, 6ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Jirair Aram Meguerian. j. 22/2/2016, unânime, e-DJF1 29/2/2016). [...] A ECT, como responsável pelo fornecimento de serviços postais, que atua ‘em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal’, está sujeita às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor) é parte legítima para integrar o polo passivo da demanda, cabendo-lhe arcar com as consequências decorrentes da falha da prestação do serviço fornecido. [...] (Apelação Cível 2011.51.01.006286-1/RJ (598546), 6ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, Rel. Convocado Carmen Silvia Lima de Arruda. j. 17/2/2014, unânime, e-DJF2R 24/2/2014). [...] A responsabilidade da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS/ECT, na condição de empresa pública prestadora de serviços delegados pela União (artigo 21, X, CF) é objetiva (artigo 37, § 6º, CF) e isso retira do prejudicado pela má (ou nenhuma) prestação do serviço (contratado sob regime oneroso) a necessidade de comprovar qualquer ‘culpa’ daquela, cabendo ao usuário demonstrar somente que a má prestação do serviço provocou-lhe um dano. [...] (Apelação Cível 0000586-56.2007.4.03.6116, 6ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Johonsom Di Salvo. j. 26/1/2017, unânime, e-DJF3 7/2/2017). [...] A responsabilidade civil da ECT, na condição de prestadora de serviço público, é objetiva, tanto por força do disposto no art. 14 do CDC como em face do comando do art. 37 parágrafo 6º da CF/88. A empresa pública deve ser responsabilizada por danos eventualmente decorrentes do serviço prestado, bastando que reste configurado o nexo de causalidade entre o defeito do serviço e prejuízos efetivamente comprovados. [...] (AC 525834/PE [0000239-47.2011.4.05.8308], 2ª Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Ivan Lira de Carvalho. j. 23/2/2016, unânime, DJe 29/2/2016). A relação de consumo materializada em operações postais envolve não só a empresa prestadora do serviço e o remetente, como também o respectivo destinatário do objeto postado, este, tal como o remetente, na qualidade de usuário. Nesse sentido, o destinatário também evidencia legitimidade autônoma para figurar no polo ativo de demandas dessa natureza, pois os danos materiais ou morais decorrentes de eventual falha na logística de prestação do serviço postal podem, sim, atingir a sua esfera individual, independentemente. É possível, ademais, responsabilizar-se solidariamente a ECT e o remetente do objeto postal em favor do destinatário-consumidor, tal como nos casos em que este adquire, inclusive, através de negócios online, bens no mercado de consumo que lhe são enviados pelo fornecedor por meio postal. Sob pena de se vulnerar a garantia fundamental de defesa do consumidor, enunciada no art. 5º, XXXII, da CF/1988 e suplementada, em matéria de responsabilidade, pelos arts. 6º, VI, e 51, I e III, do CDC, a responsabilização civil da ECT por danos materiais e morais porventura suportados pelo destinatário, consumidor final da operação postal, não é obstada pelas disposições normativas dos arts. 11 da Lei 6.538/1978 (Lei Postal), 5º e 23 da Convenção Postal Universal (CPU) e 30 da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (UNCITRAL), que tratam da propriedade ou titularidade patrimonial do bem postado e que predicam que, em remessas nacionais ou internacionais, o objeto postal pertence ao remetente até a tradição ou entrega efetiva a quem de direito. A propósito, é comum, em casos que envolvem o alegado extravio de objetos postais, a arguição por parte da ECT de que não é possível o ressarcimento, haja vista que o bem foi postado sem declaração do seu valor e do seu conteúdo. É certo que o usuário que pretender acautelar-se e garantir o célere ressarcimento em caso de extravio deve, em regra, declarar o valor dos bens enviados, na forma do art. 33, § 2º, da Lei 6.538/1978, que disciplina o serviço postal. No âmbito judicial, guiado pelo sistema da persuasão racional, o magistrado forma livremente seu convencimento e pode determinar o ressarcimento, desde que provado, por outros meios probatórios idôneos, o conteúdo e o respectivo valor do volume extraviado, nos termos da compreensão consolidada no Enunciado Sumular 59 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, que predica: Súmula 59/TNU – A ausência de declaração do objeto postado não impede a condenação da ECT a indenizar danos decorrentes do extravio, desde que o conteúdo da postagem seja demonstrado por outros meios de prova admitidos em direito. A TNU reconhece, pois, que a declaração do conteúdo, por ocasião da postagem, não é requisito imprescindível para que o usuário dos serviços dos Correios seja eventualmente ressarcido por falha na prestação do serviço postal, desde que exista, nos autos, prova suficiente a convencer o julgador de que o objeto extraviado foi efetivamente entregue aos cuidados da ECT. Nos casos em se postula em face da ECT tutela específica de entrega da coisa contratada e o bem correspondente foi extraviado no curso logístico da operação postal, é possível promover a conversão judicial do pedido em perdas e danos, nos termos do art. 499 do CPC. Por sinal, conforme iterativa jurisprudência do STJ, na forma do art. 499 do CPC, é possível ao magistrado converter a obrigação específica em perdas e danos, independentemente de pedido do titular do direito subjetivo, de sorte que não há de se falar em julgamento extra petita ou em violação do princípio da congruência, correlação ou adstrição nessa hipótese (AgInt no AREsp 1.534.371/SP, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. 17/12/2019, DJe 19/12/2019; e AgInt no AREsp 1.322.139/PR, Relator Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, j. 15/8/2022, DJe 26/8/2022). No que concerne especificamente à responsabilização civil por danos morais, a proteção normativa desse instituto tem matiz constitucional, uma vez que a Lei Magna prevê, no art. 5º, inc. V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem". O mesmo dispositivo estabelece, no inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No plano infraconstitucional, o direito à indenização por danos morais encontra fundamento em diversas disposições normativas, a exemplo dos arts. 186 do CCB e 6º, VI e VII, do CDC. Agressões a valores imateriais da personalidade, como a dignidade, a honra, a honestidade etc, podem, dessarte, constituir ofensa moral indenizável. O prejuízo associado ao dano puramente moral é, em rigor, presumível, dado que, como se trata de algo imaterial, ideal, espiritual, a sua constatação não pode ser empreendida através dos mesmos meios probatórios empregados para a comprovação do dano material. Em outras palavras, em rigor, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado e decorre da gravidade do ilícito em si, de sorte que se mostra descabida a sua demonstração empírica. Caracteriza-se, portanto, in re ipsa, o que repousa na consideração de que a concretização do prejuízo anímico suficiente para responsabilizar o praticante de ato ofensivo ocorre por força do simples fato da violação, de modo que é desnecessária a prova do prejuízo em concreto, consoante compreensão interpretativa consolidada pela TNU nos seguintes termos: Tema 185/TNU – O extravio pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) de correspondência ou encomenda registradas, e sem a demonstração de quaisquer das excludentes de responsabilidade, acarreta dano moral in se ipsa. Firmada, então, a desnecessidade da comprovação do dano moral em si, basta a configuração da ilicitude da conduta in re ipsa do fornecedor de bens e serviços para que se extraia a possibilidade da existência de responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais. De todo modo, nem toda ilicitude é apta a figurar como fonte de danos morais. Com efeito, os danos morais se configuram pela ilicitude que implica lesão significativa de bem jurídico integrante da personalidade, como a dignidade, a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica etc, o que pode, ou não, resultar em efeitos como sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. “A caracterização do dano moral exige a repercussão na esfera dos direitos da personalidade” (AgInt no AREsp 2.157.547/SC, Relator Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, j. 12/12/2022, DJe 14/12/2022), de sorte que “o dano moral não é a dor, a angustia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem [...] a conseqüência do dano. [...] O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria um interesse juridicamente reconhecido” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 82). Não é, assim, qualquer dissabor ou aborrecimento que pode gerar dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida e que viola os fundamentais direitos da personalidade. Não fosse assim, a vida em sociedade tornar-se-ia insuportável e o menor desconforto seria motivo suficiente para alguém solicitar a tutela jurisdicional do Estado a reclamar danos morais. Em suma, o direito subjetivo à indenização por danos morais resulta da potencialidade danosa em relação ao patrimônio imaterial da vítima, medida jurídica garantística em face de comportamentos virtualmente ofensivos a elementos constitutivos da personalidade. Conquanto o reconhecimento da consubstanciação de danos morais opere-se in re ipsa, não basta, portanto, a mera comprovação do cometimento de equívocos ou falhas operacionais na prestação de serviços e da existência de transtornos ou aborrecimentos associados para que reste configurada a existência cabal de infortúnios de ordem moral indenizáveis. Impende que se faça a efetiva demonstração de fatos e reflexos danosos potencialmente aptos a atingir, com extensão considerável, o foro subjetivo ou íntimo da vítima, de sorte a justificar a indenização pleiteada, na proporção estimativa do grau de lesividade extrapatrimonial da conduta ofensiva. Com efeito, como os danos morais não se confundem ontologicamente com os prejuízos materiais (danos emergentes e lucros cessantes), para além deles, devem restar evidenciados elementos de convicção que denotem, com razoável consistência, a ilação de que os problemas e percalços suportados podem ter efetivamente acarretado consequências, embaraços e atribulações pessoais de tal magnitude na esfera jurídica personalíssima ao ponto de legitimar a cobertura indenizatória do equilíbrio espiritual rompido. Dito de outro modo, em que pese o dano moral dispensar prova em concreto, compete ao julgador verificar, com o criterioso sopesamento dos elementos de fato e das provas colacionadas aos autos, se os eventos danosos são aptos, ou não, a causar abalos extrapatrimoniais cuja intensidade fuja das referências conceituais comumente ligadas aos meros aborrecimentos, desconfortos ou dissabores que permeiam a vida cotidiana numa sociedade de riscos, estes passíveis de serem sanados ou superados a contento pela simples recomposição do numerário injustamente desfalcado. Deve, para tanto, haver evidências ponderáveis de prejuízos imateriais sofridos pela parte, com indícios verossímeis de efetiva e concreta ofensa ou vulneração grave a direitos da personalidade que transborde do simples dissabor. A propósito, o Plenário do STF definiu que é válida a abertura de encomenda postada nos Correios por funcionários da empresa, desde que haja indícios fundamentados da prática de atividade ilícita. Nesse caso, é necessário formalizar as providências adotadas para permitir o posterior controle administrativo ou judicial, consoante a tese jurisprudencial expressa nos seguintes termos: Tema 1.041/STF – 1 – Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, salvo se ocorrida em estabelecimento penitenciário quando houver fundados indícios da prática de atividades ilícitas. 2 – Em relação à abertura de encomenda postada nos Correios, a prova somente será lícita quando houver fundados indícios da prática de atividade ilícita, formalizando-se as providências adotadas para fins de controle administrativo ou judicial. Em matéria de responsabilização civil por danos morais, a jurisprudência do STJ vem recepcionando ainda, na esteira dos precedentes firmados nos REsp´s 1.634.581/RJ, 1.737.412/SE e 1.929.288/TO, a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor, desenvolvida por Marcos Dessaune, segundo o qual: "O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável." (DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo: RT, 2011). A jurisprudência consolidou igualmente a compreensão de que pessoa jurídica também pode sofrer dano moral, nos termos enunciados na Súmula 227/STJ. Nada obstante, segundo a jurisprudência do STJ, "O dano moral à pessoa jurídica não é presumível, motivo pelo qual deve estar demonstrado nos autos o prejuízo ou abalo à imagem comercial" (AgInt no AREsp 2.219.357/MS, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 9/10/2023, DJe de 16/10/2023). Em outros termos, "Diferentemente do que ocorre com as pessoas naturais, as pessoas jurídicas não são tuteladas a partir da concepção estrita do dano moral, isto é, ofensa à dignidade humana, o que impede, via de regra, a presunção de dano ipso facto" (AgRg no AREsp 2.267.828/MG, Relator Ministro Messod Azulay Neto, 5ª Turma, j. 17/10/2023, DJe de 23/10/2023). Demais disso, segundo a jurisprudência do STJ, "baseada na teoria finalista, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a relações estabelecidas entre pessoas jurídicas é possível nas hipóteses em que a empresa é destinatária final do produto, não o utilizando como insumo de produção e, ainda, caso verificada extrema vulnerabilidade da pessoa moral contratante". Inexiste, ademais, óbice à possibilidade de cumulação de condenações por dano material e por dano moral relativamente ao mesmo evento danoso, a teor do Enunciado 37 da Súmula do STJ. O STJ também apreciou a matéria jurídica relativa à repetição em dobro enunciada no art. 42 do CDC e definiu: EREsp 1.413.542/RS (v. Tema 929/STJ – Pendente) – A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. (Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Relator p/ acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, j. 21/10/2020, DJe 30/3/2021). Nesse julgamento, o STJ reconheceu a irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o § único do art. 42 do CDC e fixou como parâmetro excludente da repetição dobrada a boa-fé objetiva do fornecedor para apurar, no âmbito da causalidade, o engano justificável da cobrança (ônus da defesa). Para tanto, evocou-se a seguinte cadeia de argumentos: A presente divergência deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor. O art. 42, parágrafo único, do CDC faz menção a engano e nega a devolução em dobro somente se for ele justificável. Ou seja, a conduta-base ou ponto de partida para a repetição dobrada de indébito é o engano do fornecedor. Como argumento de defesa, a justificabilidade (= legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva. Sob esse prisma, para a incidência da dobra, não se faz necessária a caracterização de má-fé ou culpa, de forma que basta que reste configurada uma situação de quebra da boa-fé objetiva, ou seja, de ausência de engano justificável por parte do fornecedor. De todo modo, o STJ modulou os efeitos desse julgamento e fixou que o referido entendimento somente seria aplicável a cobranças não decorrentes de prestação de serviço público realizadas após a data da publicação do acórdão no DJe, em 30/3/2021. Como o serviço postal prestado pela ECT se insere na categoria administrativa de serviço público, nos termos dos arts. 21, X, e 22, V, da CF/1988, não incide essa linha de compreensão jurisprudencial perfilhada pelo STJ em demandas a respeito de falhas operacionais na logística de transporte e entrega de objetos postais a cargo dessa empresa estatal, de forma que deve ser comprovado o elemento volitivo, sob as modalidades dolosa ou culposa. Caso concreto Elementos da causa Na petição inicial (ID[s]. id. 15954009), o(a) Demandante relata, em suma, que: 1) “Os pais da requerente tinham receio de que o passaporte não chegasse a tempo e visando uma maior segurança na condução do objeto, optaram por pagar mais caro e fazer o envio via SEDEX – QB837509076BR, postado em 18/01/2023, as 17:00, conforme comprovante anexo”; 2) “No dia 20/01/2023, quando os pais estavam chegando na residência, foi entregue a correspondência. Ao pegar o envelope o Sr. Sanderson percebeu que o envelope estava sem peso nenhum e, ao abrir, para a surpresa deles, o envelope estava COMPLETAMENTE VAZIO. Indagou-se ao porteiro o que houve e o mesmo disse que foi exatamente como recebeu, o que foi atestado, também, via câmeras de vídeo do próprio condomínio.” 3) “Com o passaporte emergencial em mãos, os pais tiveram que dar entrada em um novo visto que, por sinal, já tinham solicitado o cancelamento do antigo por e-mail, anteriormente. Entraram no site, realizaram os cadastros necessários – DS 160 novamente e pagaram a nova taxa. Aí conseguiram marcar a data mais próxima de atendimento para o dia 25/01. A forma mais viável que conseguiram achar para tentar uma solução foi comprar a passagem para a mãe do Sr. Sanderson, para que ela pudesse estar lá e tentar falar com alguém sobre a urgência da situação e pedir o “visto de emergência”.”; 4) “Psicológico abalado, perda de dia trabalhado, o desespero em não viajar com a filha, o desespero de, talvez, nem ter como viajar pois não teriam com quem deixar a filha, gastos extras e com multas, um sonho parecia estar ao fim, e tudo isso foi gerado por um total descaso de uma empresa pública que deveria zelar pelas correspondências dos usuários.” 5) pleiteam o valor de R$ 5.338,73 (cinco mil, trezentos e trinta e oito reais e setenta e três centavos) a título de danos materiais, bem como a pagar-lhe indenização por danos morais, consistente no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais). A documentação coligida no(s) id(s). 15954447 evidencia a contratação do serviço de remessa postal relativa ao protocolo narrado na exordial. Defesa da ECT Regularmente citada, a ECT apresenta contestação (id. 25894009), sustenta que o “objeto reclamado pela parte autora (SEDEX QB837509076BR) foi postado sem declaração de valor/conteúdo às 17:00h do dia 18/01/2023 na Agência de Correios - AC EQS 208 408 - BRASILIA / DF, com CEP de destino "60842-220" e encaminhado às 20:14h do mesmo dia ao Centro de Triagem de Cartas e Encomendas - CTCE FORTALEZA - CE. Na sequência foi recebido às 10:05h do dia 20/01/2023 pelo Centro de Distribuição Domiciliar CDD MESSEJANA - FORTALEZA / CE, unidade de distribuição responsável pela entrega no endereço de destino,no mesmo dia 20, às 13:20h. Ao passo que nenhum dos documentos acostados pelos autores comprovam que o ato de avaria / espoliação alegado tenha se dado por conduta praticada pela promovida, a própria Gerência do Centro de Distribuição Domiciliar CDD MESSEJANA assevera que o carteiro responsável pela entrega do SEDEX QB837509076BR a realizou nas mesmas circunstâncias físicas que adentrou na unidade, exatamente conforme o envelope fotografado e acostado à inicial no anexo nº 15954454, sem qualquer registro de recondicionamento da embalagem.” [grifos do original] Sustenta a ECT que se afigura “absolutamente estranho o responsável pela portaria do condomínio ter recebido um envelope lacrado de 80 gramas e não percebê-lo vazio. Se assim procedeu, resta clara a sua mais absoluta negligência e desídia ao receber um envelope sem nem sequer atentar para o peso de uma embalagem vazia, de modo a caracterizar a consequente culpa exclusiva do condomínio - apta a , de per si, excluir qualquer responsabilidade da ECT nos termos do Art. 14, § 3°, II, CDC.” [grifos do original] Em síntese, atribui a responsabilidade a terceiro, no caso, o condomínio, aduz que a prova documental caracteriza-se como inábil a demonstrar o prejuízo material alegado, e, nesse contexto, pugna pela improcedência do pedido. Operação(ões) postal(is) A(s) operação(ões) postal(is) descrita(s) envolve(m) os seguintes dados (ID[s]. 15954447): OPERAÇÃO 1 DATA 18/01/2023 CONTEÚDO(S) E VALOR(ES) DESCRITOS NA EXORDIAL PASSAPORTE Despesas Postais > R$ 79,10 CÓDIGO DE RASTREAMENTO QB837509076BR Por ocasião da postagem, houve a declaração do(s) objeto(s) postal(is)? () SIM (X) NÃO Por ocasião da postagem, houve a declaração do(s) valor(es) do(s) objeto(s) postal(is)? () SIM (X) NÃO Provas materiais A partir da prova material inserida nos autos, pode-se inferir as seguintes conclusões: OPERAÇÃO 1 Há prova material da operação postal descrita? (X) SIM () NÃO ID[s]. 15954447 Há prova material da alegada perda, roubo, extravio ou danificação do(s) objeto(s) enviado(s)? (X) SIM () NÃO ID[s]. 15954440; 15954454 Há prova documental que evidencie o prejuízo material alegado pelo(a) Autor(a)? () SIM (X) NÃO - Houve algum ressarcimento do prejuízo material suportado pelo(a) Autor(a)? () SIM (X) NÃO - Responsabilidade civil por danos materiais Em apreciação, observo que as decorrências do extravio do objeto postal, no caso, o passaporte da filha menor, tais como as despesas com a retirada de novo passaporte em virtude da proximidade da viagem marcada, não devem ser atribuídas pela Parte Autora à Requerida, haja vista a opção de ter antecipado tais expedientes. Nessa perspectiva, entendo que esse quadro fático-probatório denota que restou(aram) suficientemente evidenciada(s) falha(s) operacional(is) por parte da ECT que resultou(aram) no prejuízo material de R$ 79,10 (setenta e nove reais e dez centavos), sobre o qual deverá incidir correção monetária e juros moratórios. Responsabilidade civil por danos morais Conquanto o reconhecimento da consubstanciação de danos morais opere-se in re ipsa, não basta a mera comprovação do cometimento de equívocos ou falhas operacionais na prestação de serviços e da existência de transtornos ou aborrecimentos associados para que reste configurada a existência cabal de infortúnios de ordem moral indenizáveis. Impende que se faça a efetiva demonstração de fatos e reflexos danosos potencialmente aptos a atingir, com extensão considerável, o foro subjetivo ou íntimo da vítima, de sorte a justificar a indenização pleiteada, na proporção estimativa do grau de lesividade extrapatrimonial da conduta ofensiva. Com efeito, como os danos morais não se confundem ontologicamente com os prejuízos materiais (danos emergentes e lucros cessantes), para além deles, devem restar evidenciados elementos de convicção que denotem, com razoável consistência, a ilação de que os problemas e percalços suportados podem ter efetivamente acarretado consequências, embaraços e atribulações pessoais de tal magnitude na esfera jurídica personalíssima ao ponto de legitimar a cobertura indenizatória do equilíbrio espiritual rompido. Dito de outro modo, em que pese o dano moral dispensar prova em concreto, compete ao julgador verificar, com o criterioso sopesamento dos elementos de fato e das provas colacionadas aos autos, se os eventos danosos são aptos, ou não, a causar abalos extrapatrimoniais cuja intensidade fuja das referências conceituais comumente ligadas aos meros aborrecimentos, desconfortos ou dissabores que permeiam a vida cotidiana numa sociedade de riscos, estes passíveis de serem sanados ou superados a contento pela simples recomposição do numerário injustamente desfalcado. Deve, para tanto, haver evidências ponderáveis de prejuízos imateriais sofridos pela parte, com indícios verossímeis de efetiva e concreta ofensa ou vulneração grave a direitos da personalidade que transborde do simples dissabor. Ademais, quanto à ocorrência de dano moral, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal no sentido de que o extravio da encomenda dispensa a comprovação de abalo psicológico ou efetivo prejuízo, assim como a comprovação do conteúdo do objeto. É devida, portanto, a reparação do dano moral. Quanto ao ponto: por mais que a situação consumada possa ter induzido aborrecimentos ou dissabores, não restou configurado um quadro concreto de ofensa a direitos da personalidade a justificar a responsabilização civil por danos morais. X a situação experimentada pelo(a) Autor(a) efetivamente denota um quadro concreto de ofensa a direitos da personalidade a justificar a responsabilização civil por danos morais. COMENTÁRIOS: os elementos introduzidos nos IDs. 15954450; 15954439; 15954463; 15954457; 15954448; 15954455; 15954449; 15954458; 15954459; 15954456 justificam a responsabilização pelo desperdício do tempo útil ou vital, à luz da teoria do desvio produtivo do consumidor. Resolução meritória Nos termos do art. 487, I, do CPC, o caso é de resolução do mérito no seguinte sentido: PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO IMPROCEDÊNCIA X DISPOSITIVO Ante o exposto, condeno a ECT a pagar em favor do(a) Autor(a) a(s) seguinte(s) importância(s) de R$ 79,10 (setenta e nove reais e dez centavos), a título de indenização por danos materiais, e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelos danos morais. Sobre essa(s) importância(s) devem incidir acessórios com base no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal ou outro manual semelhante que venha a substituí-lo, a contar da data de 18/01/2023. Sem custas e honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei 10.259/2001). P. R. I. Sem reexame necessário. Se for interposto recurso inominado, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, na sequência, encaminhem-se os autos virtuais para a Turma Recursal, independentemente de juízo prévio de admissibilidade. No momento oportuno, arquive-se. Expedientes necessários. Fortaleza/CE, data supra Juiz Federal [Assinatura Digital] * * * [1] Art. 14. (...) § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. [5] Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...]. Omissis. VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
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