Processo nº 1019527-64.2025.8.11.0000
ID: 339728373
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1019527-64.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RICARDO MARQUES DE ABREU
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1019527-64.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinhe…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1019527-64.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Indenização por Dano Moral, Competência] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MATHEUS MARCAL DA SILVA - CPF: 052.453.871-90 (ADVOGADO), THAMIRIS OLIVEIRA MOTA - CPF: 038.806.101-42 (AGRAVANTE), RICARDO MARQUES DE ABREU - CPF: 900.336.471-00 (ADVOGADO), WAM BRASIL NEGOCIOS INTELIGENTES LTDA - CNPJ: 17.919.649/0001-03 (AGRAVADO), WPM VIAGENS E TURISMO LTDA - CNPJ: 18.601.079/0001-71 (AGRAVADO), SPE PORTO SEGURO 02 EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S.A - CNPJ: 22.059.167/0001-60 (AGRAVADO), LUIZ OTAVIO BOAVENTURA PACIFICO - CPF: 065.757.058-39 (ADVOGADO), LUIZ EDUARDO BOAVENTURA PACIFICO - CPF: 151.726.378-69 (ADVOGADO), PAULA LIMA CLASEN DE MOURA - CPF: 278.068.508-56 (ADVOGADO), JULIO CESAR SANTOS AMBROZIO - CPF: 359.111.368-99 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A AGRAVANTE: THAMIRIS OLIVEIRA MOTA AGRAVADO: WAM BRASIL NEGÓCIOS INTELIGENTES LTDA. WPM VIAGENS E TURISMO LTDA. SPE PORTO SEGURO 02 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A EMENTA. DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE FRAÇÃO DE IMÓVEL EM REGIME DE MULTIPROPRIEDADE. SISTEMA DE USO EM TIME SHARING. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. DECISÃO AGRAVADA QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA COMARCA DE OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRERROGATIVA DO CONSUMIDOR DE DEMANDAR EM SEU DOMICÍLIO. ARTS. 6º, VIII E ART. 101, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 63, §§ 1ª E 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECISÃO REFORMADA. PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que acolheu a exceção de incompetência apresentada pelas rés e determinou a remessa dos autos da ação de rescisão contratual à Comarca de Porto Seguro-BA, com fundamento na cláusula de eleição de foro constante no contrato firmado entre as partes. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia reside em verificar a validade e eficácia da cláusula de eleição de foro diante da configuração da relação de consumo entre as partes e da alegada hipossuficiência da consumidora. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A relação estabelecida entre as partes possui natureza consumerista, pois a aquisição da fração ideal de unidade imobiliária em regime de multipropriedade, vinculada ao sistema de uso por time sharing, foi realizada por pessoa física na condição de destinatária final do serviço, sem vínculo com sua atividade profissional ou econômica habitual. Inteligência dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no AREsp: 2506293 SP 2023/0366630-9). 4. A cláusula de eleição de foro não se sobrepõe às normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser mitigada quando implicar ônus excessivo à parte hipossuficiente. O deslocamento da tramitação da ação para comarca diversa do domicílio do consumidor, em outro Estado da federação, compromete o seu acesso à justiça e viola os princípios da facilitação da defesa e da vulnerabilidade do consumidor. Inteligência dos arts. 6º, VIII e 101, I, do Código de Defesa do Consumidor e do art. 63, §§ 1º e 3 º do Código de Processo Civil. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso provido. Tese de julgamento: “A aquisição de fração de imóvel em regime de multipropriedade, vinculada a sistema de time sharing, configura relação de consumo quando realizada por pessoa natural na condição de destinatária final, sem vínculo com sua atividade econômica ou profissional habitual.” “É abusiva a cláusula de eleição de foro inserida em contrato de aquisição de fração de imóvel em regime de multipropriedade, com uso em sistema de time sharing, quando impõe à parte consumidora ônus desproporcional ao acesso à justiça, devendo prevalecer o foro de seu domicílio.” __________ Dispositivo legal citado: arts. 6º, VIII e 101, I, do Código de Defesa do Consumidor e art. 63, §§ 1º e 3 º do Código de Processo Civil. Jurisprudência relevante citada: STJ - AgInt no AREsp: 2506293 SP 2023/0366630-9, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 13/05/2024; TJMT, AC 1006811-33.2024.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/07/2025; TJMT, AI 1004601-78.2025.8.11.0000, CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, Julgado em 23/05/2025. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL, interposto por THAMIRIS OLIVEIRA MOTA, contra decisão interlocutória proferida (ID. 195519832 – autos de origem PJE Nº 1000048-55.2025.8.11.0010) pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara-MT que, nos autos da Ação de Rescisão Contratual com Restituição de Valores e Indenização por Danos Morais movida em desfavor de WAM BRASIL NEGOCIOS INTELIGENTES LTDA. e OUTROS, acolheu a exceção de incompetência arguida pelas Rés, ora agravadas, e determinou a remessa dos autos à Comarca de Porto Seguro-BA, com fundamento na cláusula de eleição de foro, sob os seguintes fundamentos: [...] Trata-se de ação rescisória de negócio jurídico e condenatória de indenização por dano moral proposta por Thamiris Oliveira Mota Casagrande contra SPE Porto Seguro 02 Empreendimentos Imobiliários S.A., Club Cia Viagens e Vantagens S.A. e Wan Comercialização S.A., partes qualificadas na petição inicial. O recebimento da petição inicial, o deferimento de tutela de urgência vindicada e a concessão de assistência jurídica gratuita à autora se deram no pronunciamento de id. 180971746. As rés ofereceram contestação ao id. 187761263 arguindo preliminares de incompetência, ilegitimidade passiva e ausência de interesse processual e, no mérito, se contrapondo à pretensão autoral. Realizada audiência de conciliação, não houve autocomposição entre as partes (id. 187946458). A requerente impugnou a peça defensiva ao id. 190580255 rebatendo as teses apresentadas e ratificando os termos de sua pretensão. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Fundamento e decido. O contrato objeto da ação contém cláusula onde eleito o foro da Comarca de Porto Seguro/BA para processar as ações derivadas do negócio jurídico (cláusula décima oitava). O CPC possibilita às partes modificarem a competência em razão do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações, produzindo efeito a eleição quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação (artigo 63,capute § 1º). Todos os requisitos elencados se fazem presentes no caso concreto, pois, além da expressa previsão contratual, o foro eleito é o local onde celebrado o negócio jurídico e onde localizado o imóvel objeto contratual e também é onde localizada a sede da ré SPE Porto Seguro 02 Empreendimentos Imobiliários S.A., tanto é que lá foi citada (id. 184518733). Nesse viés, se mostra válida a cláusula e imperioso o declínio de competência. Em igual sentido: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ELEIÇÃO DE FORO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VÍNCULO COM O DOMICÍLIO DAS PARTES OU LOCAL DA OBRIGAÇÃO. CONFLITO IMPROCEDENTE. I. CASO EM EXAME 1.Conflito Negativo de Competência suscitado pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças/MT em face do Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, para processar e julgar execução de título extrajudicial. O juízo suscitado declinou da competência por considerar a eleição de foro aleatória e sem vínculo com o domicílio das partes. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.A questão em discussão consiste em verificar a validade da cláusula de eleição de foro à luz dos requisitos legais e do princípio do juiz natural. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A cláusula de eleição de foro é válida apenas se formalizada por escrito e vinculada ao domicílio das partes ou ao local da obrigação, conforme o art. 63, § 1º, do CPC. 4. Eleições de foro aleatórias, sem justificativa ou conexão com o negócio jurídico, configuram prática abusiva, autorizando a declinação de competência de ofício (art. 63, § 5º, do CPC). 5. No caso, tanto a autora quanto a ré possuem domicílio em Barra do Garças/MT, e a prestação de serviços objeto do contrato também se realizaria na mesma cidade, inexistindo vínculo com a Comarca de Cuiabá/MT. IV. DISPOSITIVO E TESE 6.Conflito improcedente. Tese de julgamento: 1.A cláusula de eleição de foro somente é válida se vinculada ao domicílio das partes ou ao local da obrigação (art. 63, § 1º, do CPC). 2. A eleição de foro sem justificativa plausível constitui prática abusiva e autoriza a declinação de competência de ofício (art. 63, § 5º, do CPC). Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVII; CPC, art. 63, §§ 1º e 5º; CDC, art. 101, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 967.020/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 02/08/2018; TJMT, N.U 1022803-40.2024.8.11.0000, Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, j. 27/03/2025. (TJMT, N.U 1011709-61.2025.8.11.0000, CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, Julgado em 22/05/2025, Publicado no DJE 26/05/2025). Ante ao exposto, acolhoa preliminar de incompetência arguida paradeclinara competência para processar e julgar a presente demanda ao foro Comarca de Porto Seguro/BA,determinandoa remessa do processo aquela Comarca. [...] [grifos nossos e do original] Em sua minuta recursal (ID. 293461365), a agravante sustenta as seguintes teses: Abusividade da cláusula de eleição de foro A tutela de urgência recursal foi deferida, nos termos da decisão de ID. 294209876, para suspender os efeitos da decisão objurgada até o julgamento deste Agravo de Instrumento. As agravadas, por sua vez, apresentaram contraminuta recursal (ID. 299189890) na qual rebatem as teses da agravante. Dispensado o Parecer Ministerial em razão da matéria e por inexistir parte incapaz. Recurso tempestivo, conforme aba de expedientes dos autos de origem (decisão-40526301), e preparo recursal isento, uma vez que a agravante é beneficiária da justiça gratuita, nos termos da certidão de ID. 293608359. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador V O T O R E L A T O R AGRAVANTE: THAMIRIS OLIVEIRA MOTA AGRAVADO: WAM BRASIL NEGÓCIOS INTELIGENTES LTDA. WPM VIAGENS E TURISMO LTDA. SPE PORTO SEGURO 02 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A VOTO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Reitero que se trata de recurso de Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara-MT que, nos autos da Ação de Rescisão Contratual com Restituição de Valores e Indenização por Danos Morais movida em desfavor das ora agravadas, acolheu a exceção de incompetência arguida pelas Rés e determinou a remessa dos autos à Comarca de Porto Seguro-BA, com fundamento na cláusula de eleição de foro. Em síntese, o Juízo a quo asseverou e concluiu que a cláusula de eleição de foro em favor da Comarca de Porto Seguro/BA, constante do contrato celebrado entre as partes, é válida e eficaz, pois atenderia aos requisitos do art. 63, caput e § 1º, do CPC, uma vez que foi formalizada por escrito, refere-se expressamente ao negócio jurídico e guarda pertinência com o local da obrigação, por ser a sede da empresa ré e local onde situado o imóvel objeto do contrato. Destacou que o foro eleito foi o mesmo onde se celebrou o negócio e onde a ré foi citada. A seguir, passo ao exame das teses sustentadas pela agravante. 1. Abusividade da cláusula de eleição de foro A agravante sustenta que é hipossuficiente e celebrou um contrato de adesão para aquisição de imóvel, o qual foi redigido unilateralmente pelas agravadas, sem possibilidade de negociação. Assim, assevera que a cláusula de eleição de foro foi imposta de forma padronizada, sem considerar sua vulnerabilidade como consumidora. Argumenta, ainda, que o negócio jurídico está inserido em uma relação de consumo, atraindo a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, especialmente o art. 6º, VIII (facilitação da defesa do consumidor) e art. 101, I (foro do domicílio do consumidor como competente). Outrossim, sustenta que a decisão de remeter os autos para Porto Seguro/BA viola o princípio do acesso à justiça e impõe barreiras econômicas e práticas, comprometendo o exercício do contraditório e da ampla defesa. Assim, assevera que, embora formalmente válida, a cláusula de eleição de foro deve ser considerada abusiva e, portanto, inaplicável no caso concreto, por gerar desvantagem excessiva ao consumidor, o que é vedado pelo art. 63, §5º, do CPC e pela jurisprudência do STJ. As agravadas, por sua vez, sustentam que a cláusula de eleição de foro constante no contrato firmado com a agravante é válida, eficaz e plenamente aplicável, nos termos do art. 63 do CPC. Ciam o enunciado da Súmula n.º 335 do STF: “É válida a cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato.” Outrossim, argumentam que a relação contratual não se caracteriza como relação de consumo, pois: a agravante não é consumidora final no sentido do art. 2º do CDC. o contrato refere-se à compra de unidade imobiliária em regime de multipropriedade, com possibilidade de locação para terceiros, o que configura natureza empresarial/investidora. mesmo que se admitisse certa vulnerabilidade, seria uma relação híbrida, e não uma relação consumerista pura. Nesse sentido, sustentam que o regime de multipropriedade está disciplinado na Lei nº 13.777/2018, que consolida esse modelo como direito real, afastando o enquadramento típico de relação de consumo. Reforçam que o modelo de “time sharing” é estruturado com objetivo econômico e patrimonial, e não essencialmente pessoal/residencial. Ademais, alegam que a cláusula de eleição de foro não representa obstáculo ao acesso à justiça e não foi demonstrada abusividade ou prejuízo concreto pela agravante. Aduz que o contrato, firmado com cláusulas claras e detalhadas, vincula as partes conforme o princípio do pacta sunt servanda. Pois bem. Não se pode olvidar que, em matéria de agravo de instrumento a análise é restrita ao acerto, ou desacerto, do ato recorrido, sob pena de caracterizar supressão de instância, isso sem descurar do caráter de cognição não exauriente que impera nesta fase processual. No caso em exame, verifica-se que a agravante celebrou o “Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda de Unidade Imobiliária do Empreendimento Ondas Praia Resort no Regime de Multipropriedade” com a agravada SPE Porto Seguro 02 empreendimentos imobiliários S.A., bem como o “Contrato de Associação para Utilização da WAM Fidelidade por Tempo Determinado Vinculado à Aquisição de Multipropriedade” com a agravada Club Cia Viagens e Vantagens S.A. (ID. 180527190, autos de origem), em 27/08/2024. O contrato se refere à aquisição de cota do apartamento mobiliado B204/14 do Ondas Praia Resort – Porto Seguro-BA. A área tota do apartamento é de 55,3754 m² e a fração ideal é de 0,1973%. O valor do contrato, sem corretagem, é de R$ 61.213,00. A comissão de corretagem é no valor de R$ 4.466,00. A forma de pagamento, por sua vez, foi assim definida: 1x R$ 4.466,00 (corretagem) via transferência 3 parcelas iniciais de R$ 50,00 120 parcelas mensais de R$ 508,86 (corrigidas pelo IPCA + 0,5% ao mês), com prazo final de quitação em 15/10/2034. O prazo para a construção é de 48 meses, com tolerância de 180 dias e prazo para outorga da escritura em 180 dias após o habite-se. Pelo contrato, a agravante teria o direito de usar o referido apartamento durante um período específico do ano, conforme um cronograma de uso compartilhado. Esse período é fixado e regulamentado pelo “Regulamento de Uso” e pela “Convenção do Condomínio”. O contrato permite, além do uso pessoal do imóvel, alugar para terceiros, trocar o período com outros cotistas (dependendo das regras internas) ou inserir o período em plataformas de intercâmbio de férias (como RCI, se for afiliado). Todavia, poucas horas após assinar o contrato, a agravante decidiu exercer o direito de arrependimento, nos termos do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de contrato firmado fora do estabelecimento comercial das agravadas, encaminhando cartas de arrependimento, por e-mail e pelos Correios, a todas as empresas envolvidas e solicitando o cancelamento imediato com a devolução integral dos valores pagos. No dia 03 de outubro de 2024, conseguiu firmar Termo de Distrato com a agravada WAM Negócios Imobiliários, porém, diante da omissão em receber o reembolso, ajuizou a ação ora em exame e no foro da Comarca de seu domicílio, qual seja, Jaciara-MT. Ressai dos autos que os contratos contam com cláusula de eleição de foro, in verbis: [...] Fica eleito o Foro da Comarca de Porto Seguro - BA, para dirimir dúvidas, controvérsias ou para processar ações próprias derivadas deste negócio jurídico, com renúncia expressa das partes contratantes a qualquer outro foro, por mais especial ou privilegiado que seja, ou venha a ser independentemente do domicilio ou residência atuais ou futura dos contratantes. [...] (ID. 180527190) [grifo nosso] Pois bem. Inicialmente, assevera-se que a relação entre as partes é de consumo e não relação empresarial de investimento, como sustentado pelas agravadas. Isso porque, a relação jurídica posta em juízo se qualifica como relação de consumo, nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, sujeitando-se, assim, à incidência de todas as disposições protetivas constantes na legislação consumerista. Veja-se: Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. [grifo nosso] Nesse sentido, cita-se ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO DE OCUPAÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL HOTELEIRA TIME SHARING. PEDIDO DE RESCISÃO. 1. LEGITIMIDADE PASSIVA ATESTADA. ABUSIVIDADE CONTRATUAL CONSTATADA. INADIMPLÊNCIA DOS CONTRATANTES NÃO COMPROVADA. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 2. NEGÓCIO. CELEBRAÇÃO NO EXTERIOR. PESSOAS FÍSICAS. DOMICÍLIO. BRASIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPETÊNCIA. AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA. ART. 22, II, DO CPC/2015. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO .1. O Tribunal de origem afastou a alegação de ilegitimidade passiva ventilada pela parte ré e concluiu pela abusividade na realização do negócio jurídico contestado. Infirmar tais conclusões demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Súmula 7/STJ .2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se manifesta no sentido de que "compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil" (REsp n. 1.797 .109/SP, relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 24/3/2023).3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp: 2506293 SP 2023/0366630-9, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 13/05/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2024) [grifo nosso] No mesmo sem tido, cita-se ementa de julgado desta colenda Quinta Câmara, in verbis: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. MULTIPROPRIEDADE. PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES. RETENÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. TAXA DE FRUIÇÃO. NÃO CABIMENTO. TERMO INICIAL DOS JUROS TRÂNSITO EM JULGADO. TEMA 1002/STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos de rescisão contratual cumulada com restituição de valores, determinando a rescisão do contrato de compra e venda de unidade imobiliária do Empreendimento GD Supreme e a restituição de 50% dos valores pagos pelas autoras, corrigidos monetariamente pelo IPCA desde o desembolso e acrescidos de juros pela taxa SELIC a partir da citação. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se a relação contratual estabelecida entre as partes configura relação de consumo, submetendo-se às normas do Código de Defesa do Consumidor; (ii) verificar se a rescisão contratual decorreu de conduta abusiva da apelante ou de mera desistência das consumidoras; (iii) examinar a possibilidade de retenção da comissão de corretagem paga pelas autoras; e (iv) determinar o termo inicial para incidência dos juros moratórios sobre os valores a serem restituídos. III. Razões de decidir 3. A relação jurídica estabelecida entre as partes configura inequívoca relação de consumo, sendo plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor, pois envolve a aquisição de direitos sobre unidade imobiliária em regime de multipropriedade por consumidores finais, enquadrando-se no conceito de fornecimento de produtos e serviços previsto na legislação consumerista. 4. A rescisão contratual não decorreu de mera desistência das consumidoras, mas de conduta abusiva da apelante, que violou o dever de informação mediante técnicas comerciais agressivas durante viagem de férias das autoras, incluindo oferta de bebidas alcoólicas e ambiente inadequado para análise contratual, comprometendo significativamente a manifestação livre e consciente de vontade, configurando vício de consentimento. 5. A violação do princípio da boa-fé objetiva e do dever de transparência nas relações de consumo autoriza a rescisão contratual com restituição integral dos valores pagos, nos termos da Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece a devolução integral das parcelas em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor. 6. A comissão de corretagem, devidamente informada e expressamente aceita pelas contratantes, constitui serviço efetivamente prestado e não deve ser restituída, aplicando-se o disposto no artigo 725 do Código Civil, que assegura a remuneração ao corretor pela intermediação realizada, independentemente do posterior arrependimento das partes. 7. Quanto ao termo inicial dos juros moratórios, aplica-se o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1002, estabelecendo que nos contratos de compra e venda resolvidos por iniciativa do promitente comprador, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão, preservando-se a segurança jurídica decorrente do regime de precedentes qualificados. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso conhecido e parcialmente provido para determinar a restituição integral dos valores efetivamente pagos pelas autoras (R$ 1.935,45), excluindo-se a comissão de corretagem, e para alterar o termo inicial dos juros moratórios para o trânsito em julgado da decisão. Tese de julgamento: "1. A multipropriedade imobiliária configura relação de consumo, sujeitando-se às normas do Código de Defesa do Consumidor quando envolve consumidores finais. 2. A rescisão contratual decorrente de práticas comerciais abusivas e vício de consentimento autoriza a restituição integral dos valores pagos pelo consumidor. 3. A comissão de corretagem expressamente pactuada e devidamente informada não deve ser restituída, aplicando-se o artigo 725 do Código Civil. 4. Nos contratos de compra e venda resolvidos por iniciativa do promitente comprador, os juros moratórios incidem a partir do trânsito em julgado da decisão, conforme Tema 1002 do STJ." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 4º, III; 6º, III; 37; 39, IV; 51, IV; CC, arts. 405, 422 e 725; Lei nº 13.777/2018; Lei nº 13.786/2018. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 543; STJ, Tema 1002 (REsp 1.740.911/DF); STJ, Tema 938; STJ, AgInt no AREsp 2506293/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 13.05.2024; TJ-MT, AC 1018728-63.2023.8.11.0041, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 14.02.2025. (TJMT, AC 1006811-33.2024.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/07/2025, Publicado no DJE 11/07/2025) [grifo nosso] Assim, o fato da fração do imóvel ter sido vendida na modalidade de multipropriedade, ou "time sharing", destinada a uso de lazer ou ainda como investimento, por si só não afasta a incidência das normas do Código de Defesa do consumidor, considerando se tratar de investidora ocasional, sendo evidente sua hipossuficiência frente aos agravados que exploram atividade turística. Desse modo, quanto à competência territorial, incide ao caso as regras especiais dos arts. 6º, VIII c/c o art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; [...] Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; [...] [grifo nosso] Nesse sentido é a ressalva à legislação consumerista, também no aspecto processual concernente à competência territorial, prevista no art. 63, § 1º, do Código de Processo Civil, in verbis: Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor. [...] [grifo nosso] Assim, no caso em exame, verifica-se que assiste razão à parte agravante, pois o Código de Defesa do Consumidor assegura a tramitação do feito no foro do domicílio do consumidor, considerando abusiva a cláusula que disponha em sentido contrário (arts. 6º, VIII, e 51, XV, do CDC), podendo tal abusividade ser reconhecida até mesmo de ofício (art. 63, § 3º, do CPC). Nesse sentido, cita-se ementa de julgado deste egrégio Tribunal de Justiça: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. CONFLITO PROCEDENTE. I. CASO EM EXAME Conflito Negativo de Competência suscitado pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Jaciara em face da decisão do Juízo da Vara Única da Comarca de Juscimeira, que declinou da competência para julgar ação de cobrança, sob fundamento de que o domicílio do autor se localizava em Jaciara. O juízo suscitante, por sua vez, sustenta que o autor reside em Juscimeira, apresentando comprovante de endereço nesse sentido. A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do conflito, para fixar a competência no foro do domicílio do autor. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se, em ação de cobrança fundada em contrato verbal de compra e venda entre particulares, é aplicável o foro do domicílio do autor, em razão da existência de relação de consumo e da consequente aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que, em se tratando de relação de consumo, a competência para processar e julgar a demanda é do foro do domicílio do consumidor, cuja natureza é absoluta. 4. A cláusula contratual que impõe foro diverso ao do domicílio do consumidor é considerada abusiva e pode ser afastada de ofício, nos termos do art. 63, § 3º, do CPC. 5. Ainda que se trate de contrato verbal, verifica-se relação de consumo na compra e venda de semoventes, o que atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor e a aplicação do princípio da facilitação da defesa do consumidor. 6. Comprovada a residência do autor no município de Juscimeira, resta fixada a competência do Juízo da Vara Única daquela comarca para processar e julgar a ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Conflito procedente. Tese de julgamento: 1. Em ações oriundas de relação de consumo, a competência para processar e julgar a demanda é do foro do domicílio do consumidor, por possuir natureza absoluta. 2. A cláusula de eleição de foro, mesmo tácita, que contrarie o domicílio do consumidor, é considerada abusiva e pode ser afastada de ofício, conforme o art. 63, § 3º, do CPC. 3. A relação de consumo pode ser reconhecida mesmo na ausência de contrato escrito, desde que caracterizada a vulnerabilidade do consumidor na relação jurídica de fato. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, VIII, e 3º, § 2º; CPC, art. 63, § 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, CC nº 48.647/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 23.11.2005; STJ, REsp nº 425.368/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 30.08.2002; TJMT, N.U. 1028891-94.2024.8.11.0000, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, j. 17.12.2024. (TJMT, AI 1004601-78.2025.8.11.0000, CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, Julgado em 23/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025) [grifo nosso] Diante do exposto, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO para declarar a competência territorial do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara-MT para processar e julgar a Ação de Rescisão Contratual com Restituição de Valores e Indenização por Danos Morais movida pela ora agravante em desfavor das agravadas, tornando sem efeito a decisão que determinou a remessa dos autos à Comarca de Porto Seguro-BA. Por fim, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, deixo de majorar os honorários, uma vez que não foram fixados na decisão objurgada. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025
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