Processo nº 3000620-52.2024.8.06.0300
ID: 259169327
Tribunal: TJCE
Órgão: Vara Única da Comarca de Jucás
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 3000620-52.2024.8.06.0300
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROBERTO DOREA PESSOA
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE JUCÁS Rua José Facundo Leite, S/N, Centro - CEP 63580-000, Fone: (88) 3517-1109, Jucás-CE - E-mail: jucas@tjce.jus.br …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE JUCÁS Rua José Facundo Leite, S/N, Centro - CEP 63580-000, Fone: (88) 3517-1109, Jucás-CE - E-mail: jucas@tjce.jus.br Proc nº 3000620-52.2024.8.06.0300 AUTOR: MARIA ALVES DOS SANTOS SILVA REU: BANCO BRADESCO S.A. Considerando que a Vara Única de Jucás/CE foi contemplada com a atuação do Núcleo de Produtividade Remota, inclusive com atuação do Eixo Idosos (que abrange este processo, com juízes expressamente designados para essa finalidade, através da Portaria nº460/2025, DJe 26/02/2025 ), profiro a presente sentença. RELATÓRIO Trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por Maria Alves dos Santos Silva em face de Banco Bradesco S/A, objetivando o reconhecimento da inexistência/nulidade dos descontos indevidos intitulados como "Cartão de crédito anuidade", uma vez que alega não possuir nenhum contrato de cartão de crédito ou de prestação de serviços desta natureza com a parte Requerida, portanto, considera o débito ilegítimo e ilegal. Em sua inicial, a autora requereu a inversão do ônus da prova, declaração de inexistência de débito, repetição do indébito e reparação por danos morais (ID 115378513). Em sede de contestação, a parte demandada arguiu impugnação à justiça gratuita, prescrição trienal e ausência de interesse de agir; no mérito, requereu a improcedência total da ação (ID 134737567). Em síntese, aduz que todas as cobranças emitidas à parte autora decorrem da devida contratação da tarifa; sustentou a legalidade da cobrança e a inexistência de dano moral indenizável. Réplica ID 137320250. É o breve relatório. Passo a fundamentar e decidir. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, destaque-se que o feito comporta julgamento no estado em que se encontra, conforme prediz o art. 355, I, do Código de Processo Civil. Isso porque, sendo a matéria sub judice essencialmente de direito, cujo debate viabiliza-se pelas provas documentais coligidas no caderno processual, faz-se desnecessária a dilação probatória. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "...não há cerceamento do direito de defesa nesses casos, pois o juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, desprezando a realização de audiência para a produção de provas ao constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento" (STJ,2ª T., AgRg no Ag 1.193.852/MS, Rel. Min. Humberto Martins, j. 23/03/2010, DJe 06/04/2010) Passo ao enfrentamento da preliminar suscitada. DA IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA Sobre a impugnação ao benefício da justiça gratuita concedido à requerente, dispõe o art. 99, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil que o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Nesse sentido, a parte ré nada comprovou que desmereça a declaração firmada pela parte autora, logo há de se manter a concessão da gratuidade da justiça. DA PRESCRIÇÃO TRIENAL No tocante à ocorrência de prescrição trienal, tenho que, se tratando de contratos pactuados entre consumidores e fornecedores, cuja pretensão anulatória se fundamenta em defeito na prestação de serviço, o prazo a ser aplicado é o prescricional quinquenal, estabelecido no artigo 27 do CDC, e não o trienal do Código Civil, como pretende a parte promovida. Ademais, a data a ser considerada como termo inicial da prescrição é a data do último desconto do benefício, não a data de contratação no empréstimo, eis que, em sendo a avença de trato sucessivo, a lesão se dá mês a mês, a cada desconto indevido. No caso, considerando que, quando a ação foi ajuizada, o contrato estava ativo, não há que se falar em prescrição, razão pela qual rejeito tal prejudicial de mérito. Neste sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior é no sentido de que, fundando-se o pedido na ausência de contratação de empréstimo com instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. 2. Em relação ao termo inicial, insta esclarecer que a jurisprudência desta Casa é firme no sentido de que o prazo prescricional para o exercício da referida pretensão flui a partir da data do último desconto no benefício previdenciário. 3.Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 1728230 MS 2020/0174210-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 08/03/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2021) DA AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA O banco promovido alega a ausência de pretensão resistida no caso, diante da ausência de busca de solução administrativa por parte da requerente, que poderia ter resolvido seu problema de forma extrajudicial, sendo a pretensão dos autos carente de requisito para sua válida constituição, qual seja, o interesse de agir. No tocante ao tema, destaco que o interesse de agir no caso reside na pretensão de fazer cessar suposta lesão ao direito e obter a reparação dos danos causados pela parte promovida, no âmbito das relações privadas, e, conforme lhe assegura o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição prevista no art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal e reiterado pelo art. 3°, do CPC, o exercício deste direito não está condicionado ao esgotamento da via administrativa. Sobre o tema: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DEAGIR AFASTADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIADE PROVA DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. RECURSOIMPROVIDO. 1. DA PRELIMINAR 1.1. De início, não merece ser acolhida a preliminar de falta de interesse de agir, uma vez que é desnecessário o exaurimento da via administrativa como pressuposto ao ingresso da demanda judicial, caso contrário, considerar-se-ia uma afronta à garantia constitucional, assegurada no art. 5º, XXXV da Constituição Federal. 2.DO MÉRITO. 2.1. No mérito, as razões recursais não merecem prosperar, pois à instituição financeira incumbe demonstrar o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do consumidor. 2.2. Da análise acurada dos autos, observa-se que houve por caracterizada a falha na prestação do serviço, na medida em que o banco recorrente não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, a regular contratação do cartão de crédito ensejador da cobrança de anuidades, sobretudo porque acostou aos autos o contrato devidamente assinado pelo recorrido. 2.3. [...] (TJ-CE - AC:02064209420208060001 Fortaleza, Relator: CARLOS ALBERTO MENDESFORTE, Data de Julgamento: 11/05/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 12/05/2022) GN. Logo, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir. Passo, portanto, à análise do mérito. DO MÉRITO DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO ÔNUS DA PROVA Compulsando os autos, verifico que a estes, cabe a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078/1990, visto que o Requerente, na qualidade de usuário, é destinatário final do serviço prestado pela empresa Requerida. As relações de consumo são de tal importância, que o legislador constitucional inseriu o direito do consumidor, dentre os preceitos fundamentais relacionados no artigo 5º, inciso XXXII, da CF/88: "o Estado promoverá, na forma da Lei, a defesa do consumidor". Citada proteção se deve à frágil condição do consumidor nas relações de consumo, entendida como princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, visto que este último é a parte mais fraca da relação de consumo, merecendo maior proteção do Estado. Esse princípio encontra sua concretização, no âmbito judicial, na inversão do ônus da prova, que instrumentaliza a facilitação da defesa dos direitos consumeristas, com base no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Na situação posta no caderno processual, tem-se que a vestibular intentada pelo requerente aponta para a tese de nulidade do negócio jurídico celebrado inter partes. De plano, verifico que a parte autora comprovou os descontos efetuados pelo promovido, colacionando à exordial a cópia de seu extrato bancário (ID 115380829), na qual observa-se descontos referentes a uma taxa denominada por "Cartão de crédito anuidade", entre janeiro/2022 e novembro/2024, com valores variáveis entre R$ 6,00 (seis reais) e R$ 22,32 (vinte e dois reais e trinta e dois centavos), totalizando, aproximadamente, R$ 680,00 (seiscentos e oitenta reais). A defesa, por seu turno, aduz que as tarifas bancárias foram cobradas conforme previsão contratual, aduzindo não ter havido qualquer ilegalidade na atuação do banco. Ademais, embora seja lícito a cobrança de tarifas bancárias provenientes do contrato do pacote remunerado de serviço, é necessária a expressa previsão contratual das tarifas e demais encargos bancários para que possam ser cobrados pela instituição financeira. Não juntados aos autos os contratos, deve a instituição financeira suportar o ônus da prova, afastando-se as respectivas cobranças. Neste esteio, por tratar de serviço prestado essencialmente por instituição financeira, aplica-se, consequentemente, a legislação consumerista ao caso, por força da Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça. Alega, o promovente, que não realizou nenhum contrato com a parte promovida que validasse os descontos efetuados em sua conta corrente. Desta forma, como o autor negou a existência de contrato com o réu, caberia a este último demonstrar a efetivação do mútuo, em razão do ônus da prova invertido. Entretanto, em análise aos autos, verifica-se que o promovido apresentou argumentos meramente perfunctórios, não trazendo aos autos qualquer documento que indicasse a realização da operação questionada pelo autor. A parte requerida não se desincumbiu do ônus de comprovar a solicitação do cartão de crédito pela parte requerente, muito menos a prévia e efetiva informação das tarifas a serem cobradas pelo serviço, sendo, por isso, indevidas as despesas relativas à rubrica "cartão de crédito anuidade", constantes nos extratos acostados à inicial. Com efeito, poderia ter comprovado a contratação em pauta, mediante apresentação de contrato de abertura de conta bancária constando a autorização para os referidos descontos, bem como não trouxe aos autos nenhuma prova que demonstrasse que a parte autora foi prévia e efetivamente informada sobre a cobrança de tarifas e/ou cartões de crédito e/ou que não utiliza a conta apenas para recebimento de seu benefício, não tendo, assim, se desincumbido de seu ônus probatório. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÕES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. COBRANÇA DE ANUIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CIENTIFICAÇÃO DA CONSUMIDORA SOBRE AS TARIFAS DE ANUIDADE COBRADAS E AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO QUE MOTIVOU A COBRANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MAJORAÇÃO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. O cerne da lide reside na análise da existência de prova da efetiva contratação que ensejou cobranças atinentes à anuidade de cartão de crédito bem como da existência de responsabilidade civil da instituição financeira promovida pelos eventuais danos materiais e morais alegados pela requerente. 2. A parte autora comprovou a existência de descontos em sua conta, realizado pelo banco réu referente às tarifas de anuidade de cartão de crédito. A instituição financeira promovida ofereceu contestação sem apresentar nenhuma prova de que a parte autora tivesse solicitado e contratado o serviço questionado nos autos, nem de que tenha sido previamente cientificada sobre as tarifas cobradas correspondentes, contrariando a Resolução 3919/2010 do BACEN. 3. Verifico que a parte promovida não se desincumbiu do ônus de comprovar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da parte autora, na forma do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. 4. Estando comprovado nos autos os descontos indevidos na conta da autora é certa a obrigação da instituição financeira de reparar os danos materiais causados no valor correspondente ao que foi descontado indevidamente. 5. Quanto à repetição do indébito, através do julgamento do EAREsp 676.608 (paradigma, julgado em 30/03/2021) passou a se entender que não há necessidade de provar a má-fé, basta que a conduta do fornecedor seja contrária a boa-fé objetiva. Contudo, devendo ser observada a modulação dos efeitos a incindir a partir da publicação do acórdão, de modo que somente valerá para os valores pagos posteriormente à data de publicação do acórdão paradigma (30/03/2021). 6. A conduta da parte ré que atribui ao consumidor o ônus de um serviço não solicitado, por meio da cobrança de tarifas bancárias descontadas diretamente da conta da parte autora, da qual sequer foi cientificada, em decorrência de serviço não contratado, nem autorizado, extrapola o mero dissabor e mostra-se potencialmente lesiva à honra e à dignidade da pessoa humana, capaz de gerar os abalos psicológicos alegado nos autos e gera para a instituição financeira promovida a obrigação de repará-los. 7. Quanto aos juros de mora, deverão incidir a partir da data do evento danoso, segundo o que dispõem o art. 398, do Código Civil, e a Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça. 8. Atento às peculiaridades do caso concreto, entendo que a majoração para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) afigura-se justa e razoável para o fim a que se destina, uma vez que não implica em enriquecimento sem causa da parte autora, cumpre com seu caráter pedagógico e se mostra proporcional à reparação do dano moral sofrido. Além disso, encontra-se em conformidade com a média do patamar estabelecido pela jurisprudência deste Tribunal. 9. Recurso do autor conhecido e provido. Recurso do réu conhecido e desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade dos votos, em conhecer o recurso do autor para dar-lhe provimento e em conhecer o recurso do réu e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data e hora da assinatura digital. DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO Relator (assinado digitalmente) (TJ-CE - Apelação Cível: 0200397-72.2023.8.06.0084 Guaraciaba do Norte, Relator: EVERARDO LUCENA SEGUNDO, Data de Julgamento: 22/11/2023, Data de Publicação: 22/11/2023) Desse modo, embora possível a cobrança de tarifas pelas instituições financeiras, é imprescindível comprovar a pactuação expressa com o cliente, conforme dispõe o art. 8º da Resolução n. 3.919/10 - BACEN, in verbis: "A contratação de pacotes de serviços deve ser realizada mediante contrato específico." Assim sendo, verifica-se que a Requerida não logrou êxito em desconstituir a alegação autoral, não produzindo qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo (art. 373, II, do CPC), que pudesse fazer afastar as pretensões da parte demandante, mostrando-se, por outro lado, como indiscutíveis e indevidas as deduções realizadas. DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO No mais, diante da nulidade do contrato em comento, faz-se imperiosa a restituição dos valores descontados indevidamente da conta bancária do peticionante. Nessa toada, reza o art. 42 do CDC, em seu parágrafo único, que a restituição deve dar-se de forma dobrada, salvo hipótese de engano justificável. Neste diapasão, forçosa a incidência do precedente vinculante esposado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ no acórdão paradigma n. 676608/RS segundo o qual revela-se prescindível a demonstração do elemento volitivo do fornecedor para que seja determinada a devolução em dobro do valor, na forma do parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, para que a restituição do indébito ocorra de forma dobrada, dispensa-se o agir imbuído de má-fé do fornecedor, bastando comprovar que a conduta seja contrária a boa-fé objetiva, o que, in casu, se verifica, pois a parte autora pagou por contrato de mútuo não firmado, auferindo a instituição financeira ré, portanto, vantagem manifestamente indevida, em clara vulneração às disposições protetivas que regem as relações de consumo. Todavia, nada obstante tenha fixado referida tese sob a sistemática dos recursos repetitivos, a Colenda Corte Superior entendeu, na oportunidade, por modular seus efeitos de modo que o acórdão terá eficácia apenas prospectiva, isto é, aplicar-se-á somente aos casos nos quais a importância paga indevidamente tenha ocorrido após a publicação do julgamento, fato este ocorrido em 30/03/2021: "Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (...) Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão." (STJ. Corte Especial. EAREsp 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020). No presente caso, verifica-se que, os descontos se deram após a publicação do acórdão atinente ao julgado aqui mencionado (ID 115380829 ), razão pela qual se deve aplicar o entendimento até então consolidado na Segunda Seção do STJ, pelo qual se impõe a repetição de indébito na forma dobrada para os descontos posteriores. À vista disso, o Egrégio Tribunal de Justiça do Ceará já se pronunciou: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DENULIDADE/INEXISTÊNCIA CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITOE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES, E EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021 - ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM RECURSO REPETITIVO PARADIGMA (EARESP 676.608/RS). VALOR INDENIZATÓRIO MAJORADO. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE. 1. Trata-se de Recurso de Apelação que visa a repetição do indébito em dobro, a majoração do valor arbitrado a título de danos morais e dos honorários sucumbenciais. 2. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Outrora, assentou-se o entendimento de que a repetição do indébito prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC somente é devida quando comprovada a má-fé do fornecedor; em não comprovada a má-fé, é devida a restituição simples. Entretanto, o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, fixado no recurso repetitivo paradigma (EAREsp 676608/RS) é no sentido de que a restituição em dobro independe da natureza volitiva do fornecedor, ou seja, prescinde da comprovação da má-fé quando a cobrança indevida decorrer de serviços não contratados. 3. Dessa forma, amparada no entendimento esposado pelo STJ e na modulação dos efeitos fixada no acórdão paradigma, reformo em parte a sentença de origem neste ponto para determinar que a repetição do indébito deverá ser de forma simples, porém, haverá incidência de parcelas em dobro em relação aos descontos eventualmente realizados nos proventos do consumidor após 30/03/2021. (...) (TJ-CE - AC: 00195241420168060055 Canindé, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, Data de Julgamento: 08/06/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2022). DO DANO MORAL Em relação ao dano moral, vejo-o evidente, posto que foi feito contrato irregular em nome do autor, e a parte requerida, que deveria zelar pela segurança dos contratantes com atinência aos empréstimos e benefícios que oferece, bem como atentar para as normas jurídicas concernentes à constituição destes, assumiu conduta desidiosa. Além disso, sabe-se que foram descontados indevidamente valores de conta bancária que recebe depósitos de verbas de natureza alimentar, conforme se extrai do documento amealhado à peça atrial, o que malfere o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana, epicentro irradiador de todo o plexo de direitos constitucionais (art. 1º, III, CF). Importante rememorar, que o autor não só suportou cobrança indevida, mas foi efetivamente desapossado das quantias atinentes à anuidade, necessitando propor a presente ação para a defesa de seus interesses. Sobre o tema, os julgados abaixo transcritos: "RESPONSABILIDADE CIVIL - DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. INDENIZATÓRIA - CONTA INATIVA - TARIFAS - CARTÃO DE CRÉDITO - ANUIDADE - COBRANÇA INDEVIDA - DANOS MORAIS. 1. Não demonstrada a responsabilidade da autora pelo pagamento do débito, caracteriza-se a falha na prestação de serviço da instituição financeira e o dever de indenizar. 2. Danos morais. Autor que suportou cobranças indevidas. Fato que superou o mero aborrecimento. 3. Não requer alteração a fixação do quantum indenizatório que leva em conta os critérios das condições econômicas e sociais das partes, da intensidade do dano e atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. Honorários advocatícios majorados para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, em observância ao art. 85, § 11, do NCPC. Ação parcialmente procedente. Recurso desprovido, com observação. (TJSP; Apelação Cível 1007776-83.2016.8.26.0451; Relator (a): Itamar Gaino; Órgão Julgador: 21a Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 3a Vara Cível; Data do Julgamento: 01/08/2019; Data de Registro: 01/08/2019)" " JUIZADO ESPECIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ABUSIVA. ENVIO SEM SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR. COBRANÇA DE ANUIDADE OU DESPESAS PELA SUA POSSE OU DISPONIBILIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJDFT. Acórdão n.949328, 07039491520168070016, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Relator Designado: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA 1a Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: consumidor, é necessária situação concreta para a configuração do dano moral, representada, por exemplo, pela cobrança de anuidade ou outras taxas, que gerem prejuízo financeiro. RECURSO PROVIDO. (TJRS. Recurso Cível nº 71007948391, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Julgado em 24/04/2019)" Afigurando-se inconteste o dano moral sustentado, consigno que a fixação do quantum reparatório respectivo deve ser regida pela proporcionalidade, atentando-se o julgador à capacidade econômica das partes, à extensão do dano e à intensidade da culpa. O valor fixado não deve ser tão expressivo, sob pena de representar enriquecimento sem causa, nem tão diminuto, a ponto de se tornar irrisório, considerando, ainda, seu caráter pedagógico, de forma a desestimular a demandada a não incorrer em novos erros. Nesse ponto, considerando também o valor debitado durante o período comprovado nos autos, bem como que não houve negativação ou abalo ao crédito do consumidor, tampouco repercussão extrapatrimonial mais grave comprovada no processo, como incorrência em dívidas por desprovimento de fundos, tenho que R$ 1.000,00 (um mil reais), como reparação pecuniária moral, consiste em valor razoável ao jaez da ilicitude e proporcional aos portes econômicos das partes. Ademais, mostra-se razoável o valor arbitrado a título de dano moral, a fim de evitar o enriquecimento ilícito da parte autora, bem como evitar o desvirtuamento do instituto da indenização pelo dano moral. Por fim, oportuno se faz destacar que, tratando-se o caso de inexistência contratual, impera o retorno das partes ao status quo ante, em face da necessidade da eficácia restitutória, sob pena de locupletamento de qualquer dos litigantes. Desse modo, há de ocorrer a compensação de valores, devendo, da quantia reparatória, ser deduzido o montante que eventualmente tenha recebido o peticionante, como empréstimo do contrato declaradamente nulo, subsistindo a dívida apenas na parte não resgatada, nos termos do art. 368, do Código Civil. DISPOSITIVO Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão formulada na inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito nos moldes do art. 487, I, do CPC, para: Declarar a nulidade do negócio objeto desta demanda, reconhecendo a inexistência dos débitos decorrentes da rubrica "Cartão de crédito anuidade" cobradas pelo requerido; Condenar a parte requerida a devolver à parte autora, ante a nulidade contratual, o valor das parcelas descontadas, acrescido de juros de 1% ao mês, a contar do dia em que cada desconto foi efetuado (art. 398 do Código Civil e súmula 54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da mesma data (Súmula nº 43 do STJ), sendo a restituição na forma simples em relação à quantia descontada até a publicação do acórdão do STJ no julgamento do EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 664.888 e EAREsp 600.663 (30/03/2021) e na forma dobrada para os descontos posteriores; Condenar a parte promovida ao pagamento de R$ 1.000,00 (um mil reais) à parte autora a título de indenização por danos morais, com correção monetária (INPC) contada da data desta sentença (Súmula 362, STJ) e juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso (súmula 54, STJ). Fica autorizada, desde logo, a compensação entre os créditos devidos entre as partes no tocante aos valores que são objeto desta demanda, com correção monetária pelo INPC, nos moldes do art. 368 e seguintes do Código Civil. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, intime-se a parte autora, por seu causídico, para dar início ao cumprimento de sentença, sob pena de arquivamento do feito. Christianne Braga Magalhães Cabral Juíza de Direito - NPR (Datado e assinado eletronicamente)
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