Processo nº 0201150-05.2024.8.06.0113
ID: 259616156
Tribunal: TJCE
Órgão: Vara Única da Comarca de Jucás
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0201150-05.2024.8.06.0113
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO SAMPAIO DE MENEZES JUNIOR
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE JUCÁS Rua José Facundo Leite, S/N, Centro - CEP 63580-000, Fone: (88) 3517-1109, Jucás-CE - E-mail: jucas@tjce.jus.br …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE JUCÁS Rua José Facundo Leite, S/N, Centro - CEP 63580-000, Fone: (88) 3517-1109, Jucás-CE - E-mail: jucas@tjce.jus.br Proc nº 0201150-05.2024.8.06.0113 AUTOR: ALZENIR VIEIRA DE MORAES NOGUEIRA REU: BANCO BRADESCO S.A. Considerando que a Vara Única de Jucás/CE foi contemplada com a atuação do Núcleo de Produtividade Remota, através da Portaria nº 0460/2025, DJe 20/21/2025, profiro a presente sentença. 1. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS ajuizada por ALZENIR VIEIRA DE MORAES NOGUEIRA em face de BANCO BRADESCO S.A., objetivando o reconhecimento da inexistência/nulidade dos descontos indevidos intitulados como "CARTÃO DE CRÉDITO ANUIDADE", uma vez que alega não possuir nenhum contrato de cartão de crédito ou de prestação de serviços desta natureza com a parte Requerida, portanto, considera o débito ilegítimo e ilegal. Em sua inicial, o autor requereu a inversão do ônus da prova, declaração de inexistência de débito, repetição do indébito e reparação por danos morais. Juntou os documentos de ID 108007479. Em sede de contestação, a parte demandada arguiu preliminares de ausência de interesse de agir e de prescrição, bem como impugnou o benefício da gratuidade judiciária concedido ao autor; no mérito, requereu a improcedência total da ação (ID 111648879). Em síntese, aduz que todas as cobranças emitidas à parte autora decorrem de exercício regular de direito, sendo feita a cobrança de valores contratados, não havendo, portanto, que se falar em conduta ilícita e responsabilização da instituição bancária, uma vez que o serviço de anuidade de cartão de crédito refere-se aos doze meses de utilização do referido serviço, assim, sustentou a legalidade da cobrança e a inexistência de dano moral indenizável. Réplica de ID 128023739. É o breve relatório. Passo a fundamentar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, destaque-se que o feito comporta julgamento no estado em que se encontra, conforme prediz o art. 355, I, do Código de Processo Civil. Isso porque, sendo a matéria sub judice essencialmente de direito, cujo debate viabiliza-se pelas provas documentais coligidas no caderno processual, faz-se desnecessária a dilação probatória. Isto posto, considerando que compete ao juiz velar pela razoável duração do processo, bem como indeferir postulações meramente protelatórias, conforme preceitua o art. 139, incisos II e III, do Código de Processo Civil, indefiro o protesto genérico (fl. 103), para realização de audiência de instrução e julgamento com o fito de colher o depoimento pessoal do autor, por não considerar tal diligência necessária ao deslinde do conflito em questão. Destaque-se que, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "...não há cerceamento do direito de defesa nesses casos, pois o juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, desprezando a realização de audiência para a produção de provas ao constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento" (STJ,2ª T., AgRg no Ag 1.193.852/MS, Rel. Min. Humberto Martins, j. 23/03/2010, DJe 06/04/2010) Por conseguinte, passo ao enfrentamento das preliminares e prejudiciais de mérito suscitadas. DA IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA Sobre a impugnação ao benefício da justiça gratuita concedido à requerente, dispõe o art. 99, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil que o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Nesse sentido, a parte ré nada comprovou que desmereça a declaração firmada pela parte autora, logo há de se manter a concessão da gratuidade da justiça. DA AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA O banco promovido alega a ausência de pretensão resistida no caso, diante da ausência de busca de solução administrativa por parte da requerente, que poderia ter resolvido seu problema de forma extrajudicial, sendo a pretensão dos autos carente de requisito para sua válida constituição, qual seja, o interesse de agir. No tocante ao tema, destaco que o interesse de agir no caso reside na pretensão de fazer cessar suposta lesão ao direito e obter a reparação dos danos causados pela parte promovida, no âmbito das relações privadas, e, conforme lhe assegura o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição prevista no art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal e reiterado pelo art. 3°, do CPC, o exercício deste direito não está condicionado ao esgotamento da via administrativa. Sobre o tema: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DEAGIR AFASTADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIADE PROVA DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. RECURSOIMPROVIDO. 1. DA PRELIMINAR 1.1. De início, não merece ser acolhida a preliminar de falta de interesse de agir, uma vez que é desnecessário o exaurimento da via administrativa como pressuposto ao ingresso da demanda judicial, caso contrário, considerar-se-ia uma afronta à garantia constitucional, assegurada no art. 5º, XXXV da Constituição Federal. 2.DO MÉRITO. 2.1. No mérito, as razões recursais não merecem prosperar, pois à instituição financeira incumbe demonstrar o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do consumidor. 2.2. Da análise acurada dos autos, observa-se que houve por caracterizada a falha na prestação do serviço, na medida em que o banco recorrente não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, a regular contratação do cartão de crédito ensejador da cobrança de anuidades, sobretudo porque acostou aos autos o contrato devidamente assinado pelo recorrido. 2.3. [...] (TJ-CE - AC:02064209420208060001 Fortaleza, Relator: CARLOS ALBERTO MENDESFORTE, Data de Julgamento: 11/05/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 12/05/2022) GN. Logo, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir. DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL Inicialmente, convém observar que a parte autora reclama a cobrança indevida das deduções de crédito denominadas "CARTÃO DE CRÉDITO ANUIDADE" desde janeiro de 2019 (ID 108007483; fl. 01). A prejudicial do mérito deve ser afastada. É cediço que a contratação de empréstimo consignado é regida pelas normas da Lei Consumerista, sendo o prazo prescricional a ser aplicado o quinquenal, consoante disposto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. A jurisprudência pátria consolidou entendimento de que o termo inicial da contagem do mencionado prazo é a última parcela descontada em folha de pagamento ou benefício previdenciário, uma vez que se trata de relação de trato sucessivo. (STJ - REsp: 1906927 CE 2020/0309753-7, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 12/02/2021). Por sua vez, no caso em tela, a data do vencimento foi 01/06/2022 (ID 108007483; fl. 06), razão pela qual não há que falar em prescrição. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. FATO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL APLICÁVEL À PRETENSÃO RESSARCITÓRIA ORIUNDA DE FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. 3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 1720909 MS 2020/0159727-2, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 26/10/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2020) Passo, portanto, à análise do mérito. DO MÉRITO DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO ÔNUS DA PROVA Compulsando os autos, verifico que a estes, cabe a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078/1990, visto que o Requerente, na qualidade de usuário, é destinatário final do serviço prestado pela empresa Requerida. As relações de consumo são de tal importância, que o legislador constitucional inseriu o direito do consumidor, dentre os preceitos fundamentais relacionados no artigo 5º, inciso XXXII, da CF/88: "o Estado promoverá, na forma da Lei, a defesa do consumidor". Citada proteção se deve à frágil condição do consumidor nas relações de consumo, entendida como princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, visto que este último é a parte mais fraca da relação de consumo, merecendo maior proteção do Estado. Esse princípio encontra sua concretização, no âmbito judicial, na inversão do ônus da prova, que instrumentaliza a facilitação da defesa dos direitos consumeristas, com base no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Na situação posta no caderno processual, tem-se que a vestibular intentada pelo requerente aponta para a tese de nulidade do negócio jurídico celebrado inter partes. De plano, verifico que a parte autora comprovou os descontos efetuados pelo promovido, colacionando à exordial a cópia de seu extrato bancário (fls. 20/62), na qual observa-se 42 (quarenta e dois) descontos referentes à rubrica "CARTÃO DE CRÉDITO ANUIDADE", com valores que variam de R$ 15,00 (quinze reais) a R$ 16,75 (dezesseis reais e setenta e cinco centavos). A defesa, por seu turno, aduz, que agiu "não cometeu nenhum ato ilícito, abusivo ou motivador de responsabilidade na órbita da responsabilidade civil quanto aos fatos aqui narrados, uma vez que todos os procedimentos realizados por ele obedeceram a todos os ditames legais" (ID 111648879; fl. 03). Argumenta, também, que "após a Instituição Bancária ter ciência do ocorrido antes da citação da presente ação, realizou-se o estorno, afastando a necessidade de movimentar a máquina judiciária", apontando que, ao realizar o estorno da cobrança de anuidade referente ao cartão de crédito do (a) autor (a), não causou nenhum dano a parte autora, afastando assim os danos morais. Neste esteio, por tratar de serviço prestado essencialmente por instituição financeira, aplica-se, consequentemente, a legislação consumerista ao caso, por força da Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça. Alega, o promovente, que não realizou nenhum contrato com a parte promovida que validasse os descontos efetuados em sua conta corrente. Desta forma, como o autor negou a existência de contrato com o réu, caberia a este último demonstrar a efetivação do mútuo, em razão do ônus da prova invertido. Entretanto, em análise aos autos, verifica-se que o promovido apresentou argumentos meramente perfunctórios, não trazendo aos autos qualquer documento que indicasse a realização da operação questionada pelo autor. A parte requerida não se desincumbiu do ônus de comprovar a solicitação do cartão de crédito pela parte requerente, sendo, por isso, indevidas as despesas relativas à rubrica "CARTÃO DE CRÉDITO ANUIDADE", constantes nos extratos acostados à inicial. Com efeito, poderia ter comprovado a contratação em pauta, mediante apresentação de contrato de abertura de conta bancária constando a autorização para os referidos descontos, bem como não trouxe aos autos nenhuma prova que demonstrasse que a parte autora foi prévia e efetivamente informada sobre a cobrança de tarifas e/ou cartões de crédito e/ou que não utiliza a conta apenas para recebimento de seu benefício, não tendo, assim, se desincumbido de seu ônus probatório. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÕES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. COBRANÇA DE ANUIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CIENTIFICAÇÃO DA CONSUMIDORA SOBRE AS TARIFAS DE ANUIDADE COBRADAS E AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO QUE MOTIVOU A COBRANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MAJORAÇÃO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. O cerne da lide reside na análise da existência de prova da efetiva contratação que ensejou cobranças atinentes à anuidade de cartão de crédito bem como da existência de responsabilidade civil da instituição financeira promovida pelos eventuais danos materiais e morais alegados pela requerente. 2. A parte autora comprovou a existência de descontos em sua conta, realizado pelo banco réu referente às tarifas de anuidade de cartão de crédito. A instituição financeira promovida ofereceu contestação sem apresentar nenhuma prova de que a parte autora tivesse solicitado e contratado o serviço questionado nos autos, nem de que tenha sido previamente cientificada sobre as tarifas cobradas correspondentes, contrariando a Resolução 3919/2010 do BACEN. 3. Verifico que a parte promovida não se desincumbiu do ônus de comprovar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da parte autora, na forma do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. 4. Estando comprovado nos autos os descontos indevidos na conta da autora é certa a obrigação da instituição financeira de reparar os danos materiais causados no valor correspondente ao que foi descontado indevidamente. 5. Quanto à repetição do indébito, através do julgamento do EAREsp 676.608 (paradigma, julgado em 30/03/2021) passou a se entender que não há necessidade de provar a má-fé, basta que a conduta do fornecedor seja contrária a boa-fé objetiva. Contudo, devendo ser observada a modulação dos efeitos a incindir a partir da publicação do acórdão, de modo que somente valerá para os valores pagos posteriormente à data de publicação do acórdão paradigma (30/03/2021). 6. A conduta da parte ré que atribui ao consumidor o ônus de um serviço não solicitado, por meio da cobrança de tarifas bancárias descontadas diretamente da conta da parte autora, da qual sequer foi cientificada, em decorrência de serviço não contratado, nem autorizado, extrapola o mero dissabor e mostra-se potencialmente lesiva à honra e à dignidade da pessoa humana, capaz de gerar os abalos psicológicos alegado nos autos e gera para a instituição financeira promovida a obrigação de repará-los. 7. Quanto aos juros de mora, deverão incidir a partir da data do evento danoso, segundo o que dispõem o art. 398, do Código Civil, e a Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça. 8. Atento às peculiaridades do caso concreto, entendo que a majoração para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) afigura-se justa e razoável para o fim a que se destina, uma vez que não implica em enriquecimento sem causa da parte autora, cumpre com seu caráter pedagógico e se mostra proporcional à reparação do dano moral sofrido. Além disso, encontra-se em conformidade com a média do patamar estabelecido pela jurisprudência deste Tribunal. 9. Recurso do autor conhecido e provido. Recurso do réu conhecido e desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade dos votos, em conhecer o recurso do autor para dar-lhe provimento e em conhecer o recurso do réu e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data e hora da assinatura digital. DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO Relator (assinado digitalmente) (TJ-CE - Apelação Cível: 0200397-72.2023.8.06.0084 Guaraciaba do Norte, Relator: EVERARDO LUCENA SEGUNDO, Data de Julgamento: 22/11/2023, Data de Publicação: 22/11/2023) Cumpre ressaltar, outrossim, que a parte autora é analfabeta absoluta, conforme se extrai dos documentos pessoais por ela amealhados (ID 108007480). Sobre o assunto, o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará admitiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, nos autos do processo nº 0630366-67.2019.8.06.0000, ocasião em que firmou entendimento pela desnecessidade do instrumento público para a validade de vontade do analfabeto. Do mesmo modo, resta o entendimento da Terceira Turma do STJ, in verbis: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IDOSO E ANALFABETO. VULNERABILIDADE. REQUISITO DE FORMA. ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO. PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS. ART. 595 DO CC/02. ESCRITURA PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Os analfabetos podem contratar, porquanto plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, mas expressam sua vontade de forma distinta. 3. A validade do contrato firmado por pessoa que não saiba ler ou escrever não depende de instrumento público, salvo previsão legal nesse sentido. 4. O contrato escrito firmado pela pessoa analfabeta observa a formalidade prevista no art. 595 do CC/02, que prevê a assinatura do instrumento contratual a rogo por terceiro, com a firma de duas testemunhas. 5. Recurso especial não provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.954.424 - PE 2021/0120873-7 - Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. Data do Julgamento: 07/12/2021. Data de Publicação: 14/12/2021) (grifou-se) Conforme a decisão exarada, o ordenamento jurídico pátrio não retira a capacidade civil de pessoas idosas ou analfabetas, estando estas plenamente aptas a exercerem os atos da vida civil. Lado outro, impende observar que, sobre o negócio jurídico, o artigo 104, III, do Código Civil prevê que a sua validade requer forma prescrita ou não defesa em lei, conceito reforçado no artigo 166, IV, do mesmo Diploma Legal, que estabelece ser nulo o acordo que não se reveste da forma prescrita em lei. Já o artigo 595 do Código Civil estabelece o seguinte: "Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas." Assim, o analfabetismo em si, apesar de não ser causa de incapacidade para os atos da vida civil, ocasiona posição de vulnerabilidade do indivíduo, fazendo-se necessário o atendimento aos requisitos legais de validade dos contratos firmados - instrumento assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. Sobre o assunto, Humberto Theodoro Júnior elucida: "O analfabeto, como não sabe grafar o próprio nome, não pode se obrigar por instrumento particular, a não ser mediante representação por procurador. A chamada "assinatura a rogo", isto é, assinatura de terceiro dada a pedido do analfabeto, não tem eficácia alguma, a não ser nos casos em que a lei excepcionalmente autoriza o mandato verbal (para negócios jurídicos em que não se exige forma escrita, o mandato pode ser verbal, conforme dispõe o art. 657, 'a contrario sensu'). De igual forma, não vale como assinatura a aposição de impressão digital em escritura privada, nas circunstâncias em que a lei exige a assinatura autografa. Como o analfabeto (ou qualquer pessoa que esteja impossibilitada de assinar) somente poderá participar do instrumento particular mediante procurador, o mandato que a esse outorgar terá de ser lavrado por escritura pública, pois é esta a única forma de praticar declaração negocial válida sem a assinatura autografa da pessoa interessada". (Comentários ao novo código civil, Volume III, Tomo II, 2ª ed., Saraiva: São Paulo, pp. 479/480) Restando incontroverso que a parte autora não possui instrução formal, consoante documento de identificação aforado, e que não foram observadas as formalidades mínimas necessárias para a validade do negócio jurídico, ainda que supostamente firmado pela promovente, deve a avença ser considerada nula, porquanto a parte analfabeta absoluta, como ocorre in casu, certamente não possui condições próprias de tomar conhecimento do documento escrito, visto que necessita do auxílio de terceiros para garantir que o contrato que pretende realizar condiz com o teor do ato. É bem verdade que a apedeuta não é circunstância que torna o sujeito civilmente incapaz, mas que exige, no entanto, a adoção de medidas de cautela, com o fito de resguardar a segurança do negócio, dando cumprimento ao direito básico de informação sobre o serviço prestado, por incidir à situação o Código Consumerista. Desta feita, havendo vício de consentimento, sobretudo porque o instrumento não fora assinado a rogo como determina a regra civilista e considerando que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, tampouco convalesce pelo decurso do tempo (art. 169, CC), queda inafastável a declaração de nulidade do contrato de empréstimo consignado que ora se discute e de quaisquer renegociações dele decorrentes. Portanto, a Requeridas não cumpriu a forma prescrita em lei, para realização de contratos com analfabetos, ensejando a nulidade da cobrança realizada, dada a falha na prestação do serviço por parte do banco e por se tratar de relação consumerista, na qual incide as normas da lei 8.078/90, em especial o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Assim sendo, verifica-se que a Requerida não logrou êxito em desconstituir a alegação autoral, não produzindo qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo (art. 373, II, do CPC), que pudesse fazer afastar as pretensões da parte demandante, mostrando-se, por outro lado, como indiscutíveis e indevidas as deduções realizadas. DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO No mais, diante da nulidade do contrato em comento, faz-se imperiosa a restituição dos valores descontados indevidamente da conta bancária do peticionante. Nessa toada, reza o art. 42 do CDC, em seu parágrafo único, que a restituição deve dar-se de forma dobrada, salvo hipótese de engano justificável. Neste diapasão, forçosa a incidência do precedente vinculante esposado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ no acórdão paradigma n. 676608/RS segundo o qual revela-se prescindível a demonstração do elemento volitivo do fornecedor para que seja determinada a devolução em dobro do valor, na forma do parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, para que a restituição do indébito ocorra de forma dobrada, dispensa-se o agir imbuído de má-fé do fornecedor, bastando comprovar que a conduta seja contrária a boa-fé objetiva, o que, in casu, se verifica, pois a parte autora pagou por contrato de mútuo não firmado, auferindo a instituição financeira ré, portanto, vantagem manifestamente indevida, em clara vulneração às disposições protetivas que regem as relações de consumo. Todavia, nada obstante tenha fixado referida tese sob a sistemática dos recursos repetitivos, a Colenda Corte Superior entendeu, na oportunidade, por modular seus efeitos de modo que o acórdão terá eficácia apenas prospectiva, isto é, aplicar-se-á somente aos casos nos quais a importância paga indevidamente tenha ocorrido após a publicação do julgamento, fato este ocorrido em 30/03/2021: "Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (...) Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão." (STJ. Corte Especial. EAREsp 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020). No presente caso, verifica-se que, parte dos descontos se deu antes da publicação do acórdão atinente ao julgado aqui mencionado (fls. 20/62), razão pela qual se deve aplicar o entendimento até então consolidado na Segunda Seção do STJ, pelo qual se impõe a repetição de indébito na forma simples até tal marco (30/03/2021) e na forma dobrada quanto aos posteriores. À vista disso, o Egrégio Tribunal de Justiça do Ceará já se pronunciou: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DENULIDADE/INEXISTÊNCIA CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITOE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES, E EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021 - ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM RECURSO REPETITIVO PARADIGMA (EARESP 676.608/RS). VALOR INDENIZATÓRIO MAJORADO. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE. 1. Trata-se de Recurso de Apelação que visa a repetição do indébito em dobro, a majoração do valor arbitrado a título de danos morais e dos honorários sucumbenciais. 2. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Outrora, assentou-se o entendimento de que a repetição do indébito prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC somente é devida quando comprovada a má-fé do fornecedor; em não comprovada a má-fé, é devida a restituição simples. Entretanto, o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, fixado no recurso repetitivo paradigma (EAREsp 676608/RS) é no sentido de que a restituição em dobro independe da natureza volitiva do fornecedor, ou seja, prescinde da comprovação da má-fé quando a cobrança indevida decorrer de serviços não contratados. 3. Dessa forma, amparada no entendimento esposado pelo STJ e na modulação dos efeitos fixada no acórdão paradigma, reformo em parte a sentença de origem neste ponto para determinar que a repetição do indébito deverá ser de forma simples, porém, haverá incidência de parcelas em dobro em relação aos descontos eventualmente realizados nos proventos do consumidor após 30/03/2021. (...) (TJ-CE - AC: 00195241420168060055 Canindé, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, Data de Julgamento: 08/06/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2022). DO DANO MORAL Em relação ao dano moral, vejo-o evidente, posto que foi feito contrato irregular em nome do autor, e a parte requerida, que deveria zelar pela segurança dos contratantes com atinência aos empréstimos e benefícios que oferece, bem como atentar para as normas jurídicas concernentes à constituição destes, assumiu conduta desidiosa. Além disso, sabe-se que foram descontados indevidamente valores de conta bancária que recebe depósitos de verbas de natureza alimentar, conforme se extrai do documento amealhado à peça atrial, o que malfere o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana, epicentro irradiador de todo o plexo de direitos constitucionais (art. 1º, III, CF). Importante rememorar, que o autor não só suportou cobrança indevida, mas foi efetivamente desapossado das quantias atinentes à anuidade, necessitando propor a presente ação para a defesa de seus interesses. Sobre o tema, os julgados abaixo transcritos: "RESPONSABILIDADE CIVIL - DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. INDENIZATÓRIA - CONTA INATIVA - TARIFAS - CARTÃO DE CRÉDITO - ANUIDADE - COBRANÇA INDEVIDA - DANOS MORAIS. 1. Não demonstrada a responsabilidade da autora pelo pagamento do débito, caracteriza-se a falha na prestação de serviço da instituição financeira e o dever de indenizar. 2. Danos morais. Autor que suportou cobranças indevidas. Fato que superou o mero aborrecimento. 3. Não requer alteração a fixação do quantum indenizatório que leva em conta os critérios das condições econômicas e sociais das partes, da intensidade do dano e atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. Honorários advocatícios majorados para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, em observância ao art. 85, § 11, do NCPC. Ação parcialmente procedente. Recurso desprovido, com observação. (TJSP; Apelação Cível 1007776-83.2016.8.26.0451; Relator (a): Itamar Gaino; Órgão Julgador: 21a Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 3a Vara Cível; Data do Julgamento: 01/08/2019; Data de Registro: 01/08/2019)" " JUIZADO ESPECIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ABUSIVA. ENVIO SEM SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR. COBRANÇA DE ANUIDADE OU DESPESAS PELA SUA POSSE OU DISPONIBILIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJDFT. Acórdão n.949328, 07039491520168070016, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Relator Designado: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA 1a Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: consumidor, é necessária situação concreta para a configuração do dano moral, representada, por exemplo, pela cobrança de anuidade ou outras taxas, que gerem prejuízo financeiro. RECURSO PROVIDO. (TJRS. Recurso Cível nº 71007948391, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Julgado em 24/04/2019)" Afigurando-se inconteste o dano moral sustentado, consigno que a fixação do quantum reparatório respectivo deve ser regida pela proporcionalidade, atentando-se o julgador à capacidade econômica das partes, à extensão do dano e à intensidade da culpa. O valor fixado não deve ser tão expressivo, sob pena de representar enriquecimento sem causa, nem tão diminuto, a ponto de se tornar irrisório, considerando, ainda, seu caráter pedagógico, de forma a desestimular a demandada a não incorrer em novos erros. Nesse ponto, considerando também o valor debitado durante o período comprovado nos autos, bem como que não houve negativação ou abalo ao crédito do consumidor, tampouco repercussão extrapatrimonial mais grave comprovada no processo, como incorrência em dívidas por desprovimento de fundos, tenho que R$ 1.000,00 (hum mil reais), como reparação pecuniária moral, consiste em valor razoável ao jaez da ilicitude e proporcional aos portes econômicos das partes. Ademais, mostra-se razoável o valor arbitrado a título de dano moral, a fim de evitar o enriquecimento ilícito da parte autora, bem como evitar o desvirtuamento do instituto da indenização pelo dano moral. Por fim, oportuno se faz destacar que, tratando-se o caso de inexistência contratual, impera o retorno das partes ao status quo ante, em face da necessidade da eficácia restitutória, sob pena de locupletamento de qualquer dos litigantes. Desse modo, há de ocorrer a compensação de valores, devendo, da quantia reparatória, ser deduzido o montante que eventualmente tenha recebido o peticionante, como empréstimo do contrato declaradamente nulo, subsistindo a dívida apenas na parte não resgatada, nos termos do art. 368, do Código Civil. 3. DISPOSITIVO Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão formulada na inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito nos moldes do art. 487, I, do CPC, para: a) Rejeitar a preliminares de prescrição quinquenal, ausência de interesse de agir, bem como a impugnação à justiça gratuita; b) Declarar a nulidade do negócio objeto desta demanda, reconhecendo a inexistência dos débitos decorrentes da rubrica "CARTÃO DE CRÉDITO ANUIDADE" cobradas pelo requerido; c) Condenar a parte requerida a devolver à parte autora, ante a nulidade contratual, o valor das parcelas descontadas, acrescido de juros de 1% ao mês, a contar do dia em que cada desconto foi efetuado (art. 398 do Código Civil e súmula 54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da mesma data (Súmula nº 43 do STJ), sendo a restituição na forma simples em relação à quantia descontada até a publicação do acórdão do STJ no julgamento do EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 664.888 e EAREsp 600.663 (30/03/2021); d) Condenar a parte promovida ao pagamento de R$ 1.000,00 (hum mil reais) à parte autora a título de indenização por danos morais com correção monetária (INPC) contada da data desta sentença (Súmula 362, STJ) e juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso (súmula 54, STJ). Fica autorizada, desde logo, a compensação entre os créditos devidos entre as partes no tocante aos valores que são objeto desta demanda, com correção monetária pelo INPC, nos moldes do art. 368 e seguintes do Código Civil. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, intime-se a parte autora, por seu causídico, para dar início ao cumprimento de sentença, sob pena de arquivamento do feito. Christianne Braga Magalhães Cabral Juíza de Direito - NPR (Datado e assinado eletronicamente)
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