Felix Da Silva Aguiar e outros x Felix Da Silva Aguiar e outros
ID: 322454736
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001994-80.2023.8.11.0059
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ERICK LOPES CAETANO
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
LUIZ PAULO SOARES DE SOUZA
OAB/PA XXXXXX
Desbloquear
FANIBIO SALVADOR AGUIAR NETO
OAB/PA XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001994-80.2023.8.11.0059 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Roubo Majorado, Incêndio, Crimes do Sistema Nacional …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001994-80.2023.8.11.0059 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Roubo Majorado, Incêndio, Crimes do Sistema Nacional de Armas, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), PETRUSILANDIO MACHADO - CPF: 905.805.322-91 (APELANTE), LUIZ PAULO SOARES DE SOUZA - CPF: 032.706.792-62 (ADVOGADO), FANIBIO SALVADOR AGUIAR NETO - CPF: 025.964.772-11 (ADVOGADO), FELIX DA SILVA AGUIAR - CPF: 700.468.102-50 (APELANTE), ERICK LOPES CAETANO - CPF: 023.457.122-52 (ADVOGADO), PETRUSILANDIO MACHADO - CPF: 905.805.322-91 (APELADO), LUIZ PAULO SOARES DE SOUZA - CPF: 032.706.792-62 (ADVOGADO), FANIBIO SALVADOR AGUIAR NETO - CPF: 025.964.772-11 (ADVOGADO), FELIX DA SILVA AGUIAR - CPF: 700.468.102-50 (APELADO), ERICK LOPES CAETANO - CPF: 023.457.122-52 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), PAULO SERGIO ALBERTO DE LIMA - CPF: 192.058.348-31 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, DESPROVEU OS APELOS DEFENSIVOS E PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO MINISTERIAL. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA MAJORADA. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. RECURSO DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS POR JUÍZO ANTERIOR INCOMPETENTE. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A PRISÃO PREVENTIVA. PRELIMINARES ARGUIDAS PELA DEFESA REJEITADAS. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS APENAS QUANTO A DOIS FATOS. CONDENAÇÕES E ABSOLVIÇÕES MANTIDAS. RECRUDESCIMENTO DA PENA-BASE, NO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. RATIFICAÇÃO DA APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS MAJORANTES NO CRIME DE ROUBO. ARBITRAMENTO DE VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO. RECURSOS DA DEFESA DESPROVIDOS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação criminal interpostos pelo Ministério Público e por dois réus contra sentença proferida pela 7.ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, que condenou os acusados pelos delitos de organização criminosa majorada e roubo circunstanciado, ao tempo em que os absolveu do segundo roubo, do porte e disparo de arma de fogo, do incêndio e do dano qualificado. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em examinar: preliminarmente, (i) se são nulos os atos processuais praticados pelo juízo territorialmente incompetente, que oficiou no Auto de Prisão em Flagrante, anteriormente ao declínio da competência; (ii) se o Auto de Prisão em Flagrante é nulo, ante a alegada inexistência da situação de flagrância; (iii) se o processo padece de nulidade decorrente do suposto cerceamento de defesa praticado pelo delegado na fase pré-processual; (iv) se a prisão preventiva seria nula, por carência de fundamentação idônea; no mérito, (v) se as provas são suficientes para manter as condenações e reformar as absolvições; (vi) se é o caso de modificar as penas-base dos delitos de organização criminosa e roubo majorado; (vii) se houve fundamentação idônea para a aplicação cumulativa de majorantes do crime de roubo; (vi) arbitrar valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos causados à vítima. III. Razões de decidir 3. A competência de territorial (ratione loci) é de natureza relativa, de modo que a sua inobservância não acarreta nulidade automática dos atos processuais praticados pelo juízo anterior, os quais são passíveis de convalidação pelo juízo competente, exatamente como ocorreu na espécie. 4. Uma vez caracterizadas as fundadas suspeitas, embasadas em diligências ininterruptas realizadas por dias a fio pela equipe policial, de que os réus estavam a praticar delito de natureza permanente, como é o caso da associação ou organização criminosa, não há o que se falar em inexistência de situação de flagrância, já que, nesses casos, o estado flagrancial se protrai no tempo. 5. Dada a natureza inquisitiva do inquérito, eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória não contaminam a ação penal, máxime à míngua de demonstração de prejuízo concreto, devendo eventual excesso por parte da autoridade policial ser apurado em procedimento próprio, especificamente voltado para esta finalidade. 6. A prisão preventiva foi decretada, e posteriormente mantida na sentença, com esteio em fundamentos concretos que demonstram validamente a presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, o que afasta a tese de carência de motivação idônea para a custódia cautelar. 7. Os depoimentos prestados em juízo pelos investigadores que oficiaram no caso, corroborados que estão pela prova técnico-pericial, pelas imagens captadas por câmeras de monitoramento da região e pelo próprio interrogatório dos réus, atestam que estes se agremiaram de forma estruturalmente ordenada e com divisão funcional de tarefas a uma organização criminosa e, com unidade de propósitos, visando objetivo comum, forneceram apoio logístico e contribuíram materialmente para o sucesso de roubo perpetrado pelo grupo, nos moldes do art. 29 do CP, o que torna de rigor manter as condenações pelos crimes do art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013 e do art. 157, §2.º, II e III, §2.º-A, I e II, e §2.º-B, do CP. 8. Por outro lado, não há provas suficientes de que os acusados aderiram aos demais crimes tangencialmente praticados pelos comparsas durante a execução daquele primeiro roubo, de modo que a dúvida quanto ao possível desvio subjetivo dos executores e à eventual cooperação dolosamente distinta dos réus deve ser resolvida em favor destes, impondo-se ratificar a absolvição quanto aos outros delitos. 9. Desborda do grau de reprovabilidade ínsito ao crime de organização criminosa, prestando-se a incrementar a pena-base, o dolo do agente de se agremiar à facção altamente violenta, de estrutura complexa e sofisticada e dotada de elevado poderio financeiro e bélico, responsável pela prática de crimes extremamente graves e hediondos. 10. É possível aplicar cumulativamente as causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal, contanto que o juízo fundamente tal providência de maneira concreta, exatamente como se deu na hipótese, com o delito de roubo. 11. Evidenciada a existência de pedido expresso por parte do Ministério Público na denúncia e de prova de prejuízo acarretado a vítima, é possível a fixação do valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos causados pela infração, conforme o art. 387, IV, do CPP, sem que se possa falar em ofensa ao princípio do contraditório. IV. Dispositivo e tese 11. Recursos da defesa desprovidos e do Ministério Público parcialmente provido. Teses de julgamento: “1. É possível que o juízo competente ratifique os atos processuais decisórios praticados pelo juízo relativamente incompetente anterior, sem que se evidencie prejuízo ao réu. 2. Nos delitos de natureza permanente, o estado de flagrância se protrai no tempo, enquanto não cessar a permanência. 3. Eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória não contaminam a ação penal, especialmente quando não demonstrado o prejuízo acarretado à parte. 4. Estando demonstrada a presença dos seus requisitos autorizadores, com base em elementos concretos dos autos, não se considera desprovida de fundamentação a prisão preventiva. 5. Os depoimentos prestados em juízo pelos policiais, somados à prova técnico-pericial, imagens captadas por câmeras de monitoramento e interrogatórios, formam arcabouço probatório suficiente para manutenção da sentença condenatória. 6. A dúvida quanto à eventual cooperação dolosamente distinta dos réus e possível desvio subjetivo dos comparsas, no que tange aos delitos incidentais praticados na ausência dos acusados, deve ser resolvida em favor destes. 7. O aumento pela culpabilidade está devidamente justificado, quando o acusado integra organização criminosa complexa e altamente violenta, voltada a praticar crimes hediondos, o que desborda do tipo penal. 8. É possível aplicar cumulativamente as causas de aumento de pena previstas na parte especial, desde que mediante fundamentação concreta. 9. A existência de pedido expresso na denúncia e de prova de prejuízo à vítima possibilita a fixação de valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos causados pela infração”. Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 76, I, art. 78, II, a; CP, art. 157, §2.º, II e III, §2.º-A, I e II, e §2.º-B, art. 163, art. 250; Lei n.º 10.826/03, art. 15 e art. 16, §2.º; Lei n.º 12.850/2013, art. 2.º, §2.º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC n. 195.578/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 12/2/2025; AgRg no AREsp n. 2.295.067/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 8/8/2023, HC 374.013/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 18/10/2018, AgRg no HC n. 731.874/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 26/4/2022, REsp n. 2.122.298/PI, Rel. Min. Jesuíno Rissato, j. 4/6/2024; TJMT, N.U 1034066-69.2024.8.11.0000, DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA, j. 29/01/2025. R E L A T Ó R I O APELANTE(S): FÉLIX DA SILVA AGUIAR APELANTE(S): PETRUSILÂNDIO MACHADO APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO APELADO(S): FÉLIX DA SILVA AGUIAR APELADO(S): PETRUSILÂNDIO MACHADO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação criminal simultaneamente interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO e pelos réus FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1001994-80.2023.8.11.0059, em que os acusados foram condenados, cada qual, à idêntica pena de 27 (vinte e sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, ambos no regime inicial fechado, mais pagamento de 248 (duzentos e quarenta e oito) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal, pela prática dos delitos de organização criminosa majorada e roubo circunstanciado (art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013 e art. 157, §2.º, II e III, §2.º-A, I e II, e §2.º-B, do Código Penal). No mesmo pronunciamento jurisdicional, os réus foram absolvidos dos crimes de roubo majorado, disparo de arma de fogo, porte de arma de fogo de uso proibido, incêndio e dano qualificado (art. 157, §2.º, II, §2.º-A, I, §2.º-B, do Código Penal; art. 15 e art. 16, §2.º, ambos da Lei n.º 10.826/2003; art. 250 e art. 163, parágrafo único, I e III, ambos do Código Penal). Nas razões recursais vistas no ID 258134352, o MINISTÉRIO PÚBLICO almeja a condenação dos acusados pelos delitos dos quais restaram absolvidos, quais sejam, roubo majorado, disparo de arma de fogo, porte de arma de fogo de uso proibido, incêndio e dano qualificado, nos exatos termos postulados na denúncia. Cumulativamente, quanto aos crimes que constituem objeto da condenação já proferida, o PARQUET vindica a exasperação das penas-base, mediante a valoração desfavorável da culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime de organização criminosa e avaliação negativa da culpabilidade dos réus, no crime de roubo, tudo com os consequentes reflexos sobre as reprimendas finais. Por fim, o ORGÃO MINISTERIAL pede a condenação dos réus ao pagamento de valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos prejuízos causados à vítima, com arrimo no art. 387, IV, do CPP. Já nas razões recursais disponíveis no ID 264425793, FÉLIX DA SILVA AGUIAR suscita, preliminarmente, a nulidade do processo desde a prisão em flagrante, alegando que, além da inexistência de situação de flagrância propriamente dita, o Auto de Prisão em Flagrante Delito foi homologado por autoridade judiciária territorialmente incompetente, já que os crimes teriam ocorrido em Confresa/MT, ao passo que a homologação do APFD e conversão do flagrante em prisão preventiva foram realizadas pelo Juízo da Comarca de Redenção/PA, cuja incompetência seria absoluta e impediria inclusive a convalidação dos atos processuais por este praticados. No mérito, busca a absolvição dos delitos de organização criminosa e roubo circunstanciado, com esteio no princípio in dubio pro reo, sustentando que inexistem provas capazes de indicar que ele tenha concorrido para as infrações penais ou mesmo que possuísse conhecimento ou domínio dos fatos criminosos, de modo que a alegada falta de dolo na conduta deveria conduzir à reforma do édito condenatório; ao que acrescenta ainda o argumento segundo o qual não estariam presentes, in casu, as elementares configuradoras do delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/13. Por sua vez, nas razões recursais de ID 264463285, PETRUSILÂNDIO MACHADO levanta as seguintes questões preliminares: i) nulidade do inquérito policial, por cerceamento de defesa, e dos demais atos que se sucederam, pois o recorrente teria sido proibido pelo delegado de manter contato com seu advogado, logo após sua prisão; ii) a nulidade dos atos processuais praticados pelo Juízo Criminal da Comarca de Redenção/PA, por incompetência de foro e violação ao princípio do juiz natural; iii) nulidade da prisão preventiva, a qual estaria calcada sobre fundamentos abstratos e genéricos, portanto, sobre motivação inidônea. No mérito, pretende a absolvição dos crimes pelos quais restou condenado, com arrimo no art. 386, VII, do CPP, seja por falta de provas quanto aos elementos objetivos e subjetivos constituintes do delito de organização criminosa, seja por insuficiência de indicativos que atestem a adesão consciente e voluntária do apelante à facção e ao roubo majorado executado por terceiros. Por fim, vindica a redução da pena imposta, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, notadamente considerando a primariedade do agente e a falta de fundamentação para cumulação de majorantes no crime de roubo, tudo com o subsequente pedido de abrandamento do regime inicial. Em contrarrazões coligidas no ID 258134356, ID 258134360 e ID 270764387, as i. Defesas técnicas e o órgão acusador rechaçam as pretensões que lhes são opostas e requerem seja negado provimento ao apelo da parte ex adversa. Instada a se pronunciar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer encartado no ID 280061854, manifesta-se pela rejeição das preliminares e, no mérito, opina pelo parcial provimento dos recursos defensivos, somente a fim de afastar a valoração negativa dos motivos do crime de roubo, com consequente redução das penas-base; assim como recomenda o parcial provimento do recurso ministerial, apenas para exasperar as sanções basilares das condenações já existentes, mediante valoração desfavorável das circunstâncias e consequências do delito de organização criminosa e da culpabilidade dos réus, em ambos os crimes. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA DE AMBOS OS APELANTES – NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E ATOS SUBSEQUENTES, POR INEXISTÊNCIA DO ESTADO DE FLAGRÂNCIA E INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE REDENÇÃO/PA) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Os recursos em apreço são tempestivos, foram interpostos por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, e os meios de impugnação empregados afiguram-se necessários e adequados para se atingirem as finalidades colimadas, motivos pelos quais, estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO dos apelos manejados pelas partes. Todavia, antes de adentrar no mérito das insurgências, tem-se que o apelante FÉLIX DA SILVA AGUIAR levanta, como questão preliminar, a nulidade do Auto de Prisão em Flagrante lavrado em seu desfavor e de todos os atos subsequentes, inclusive o inquérito, ação penal e sentença condenatória, alegando que, além da inexistência de qualquer situação de flagrância que se amoldasse às hipóteses do art. 302 do CPP, já que a detenção se deu cerca de 10 (dez) dias após os fatos, teria se verificado ainda a “incompetência territorial absoluta para a lavratura do auto de prisão em flagrante” (ID 264425793 - Pág. 5), na medida em que os crimes se consumaram em Confresa/MT, ao passo que a prisão em flagrante foi homologada e convertida em prisão preventiva pelo Juízo da Comarca de Redenção/PA, o qual seria absolutamente incompetente para tanto, de modo que os atos processuais por ele praticados seriam impassíveis de convalidação. Na mesma toada, ao suscitar preliminar de “Incompetência de foro e violação ao princípio do juiz natural”, o recorrente PETRUSILÂNDIO MACHADO aduz que, após sua prisão em flagrante, esta foi homologada e convertida em prisão preventiva pelo Juízo da Comarca de Redenção/PA, o qual era territorialmente incompetente para tanto, já que os delitos se consumaram em Confresa/MT, de modo que, a despeito do posterior declínio da competência para o Juízo mato-grossense, os atos processuais praticados pelo juízo incompetente seriam nulos, por ofensa ao art. 5.º, LIII, da CF, e impassíveis de ratificação, impondo-se assim a absolvição do apelante. Em que pesem os judiciosos argumentos defensivos, a preliminar não comporta acolhimento. Com efeito, não há dúvida de que a maior parte dos crimes descritos na denúncia foi praticada na cidade de Confresa/MT, onde se consumaram os delitos de roubo majorado, porte de arma de uso proibido, incêndio e dano qualificado, no dia 09/04/2023. Por outro lado, há que se ter mente também que, além do roubo à empresa BRINKS de Confresa/MT, os réus foram denunciados, processados e condenados por integrar organização criminosa (art. 2.º, Lei n.º 12.850/2013), sendo que as condutas típicas por eles perpetradas no contexto da facção consistiram em fornecimento de suporte logístico e auxílio material aos executores do crime patrimonial. De acordo com os autos, tal apoio logístico se dava na cidade de Redenção/PA, onde se situavam as duas residências que serviam como base estratégica do grupo criminoso, nas quais os acusados PETRUSILÂNDIO e FÉLIX se encarregavam de prestar ajuda aos comparsas, dando-lhes moradia, hospedagem, alimentação, esconderijo para os veículos e armamentos que seriam usados no roubo etc. – consoante se exporá adiante, na análise de mérito. Após investigações preliminares e desvelamento dos imóveis que eram usados como pontos de apoio para o grêmio delinquente em Redenção/PA, a requerimento da Gerência de Combate contra o Crime Organizado de Cuiabá (GCCO-MT), foram expedidos mandados judiciais de busca e apreensão nas aludidas propriedades, conforme se extrai do Incidente (PJE) n.º 1001494-14.2023.8.11.0059. Um dos imóveis alvo dos mandados de busca pertencia a PETRUSILÂNDIO, ao passo que a segunda residência teria sido vinculada à pessoa de FÉLIX, embora ali não morasse, pelas imagens gravadas por câmeras de monitoramento instaladas nas proximidades e pela entrevista feita com um profissional de frete captado nas filmagens em frente ao domicílio, que implicou o referido apelante como o responsável pela contratação do serviço de transporte naquela moradia, na data dos crimes em Confresa/MT, tudo conforme documentos e decisões juntadas nos autos (PJE) da Representação n.º 1001494-14.2023.8.11.0059. As buscas foram deferidas pelo juízo a quo no mencionado Incidente processual no dia 18/04/2023 (ID 258133177 - Pág. 65/68), sendo que, no cumprimento de tais diligências na cidade de Redenção/PA, os investigadores mato-grossenses contaram com o apoio de policiais lotados no município paraense, os quais auxiliaram no levantamento dos endereços e logradouros e no acompanhamento do efetivo da GCCO-MT em diligências de campo. Nessa conjuntura, tem-se ainda que, por ocasião do cumprimento das buscas domiciliares, a autoridade policial de Redenção/PA deu voz de prisão em flagrante aos ora recorrentes, pela prática do delito de associação criminosa, tipificado no art. 288 do CPP, haja vista as fundadas razões de envolvimento dos suspeitos FÉLIX e PETRUSILÂNDIO com o empreendimento ilícito, notadamente os elementos até então angariados pela GCCO-MT, como as imagens captadas por câmeras vigilância e entrevistas com moradores da região, conforme se infere do ID 258133173 - Pág. 29 e ss. e ID 258133177 - Pág. 20 e Pág. 35/37. Delineado tal cenário fático, embora a i. defesa sustente a inexistência de situação de flagrância apta a respaldar a atuação do delegado de Redenção/PA, já que os fatos em Confresa/MT haviam ocorrido em 09/04/2023, portanto, 10 (dez) dias antes das prisões em flagrante (19/04/2023), a tese não prospera. Isto porque, o delito do art. 288 do Código Penal, pelo qual os apelantes foram detidos em flagrante, é classificado como de natureza permanente, ou seja, cujo estado de flagrância se protrai no tempo, enquanto perdura o ajuntamento ilícito, nos moldes do art. 303 do CPP, cuja redação dispõe que “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. Nesse sentido, mutatis mutandis: “HABEAS CORPUS – (...) – PRESENÇA DE CRIME PERMANENTE (ART. 288, § ÚNICO, DO CP) – ESTADO DE FLAGRÂNCIA QUE PERDURA ENQUANTO NÃO CESSAR A PERMANÊNCIA – ART. 303 DO CPP – (...). Não obstante, caracterizada conduta criminosa de natureza permanente, como ocorreu in casu (crime de associação criminosa), torna-se legítima a busca domiciliar em qualquer horário e sem a necessidade de mandado judicial, porquanto o estado de flagrância vigora enquanto durar a permanência do delito, inexistindo, portanto, qualquer violação ao domicílio. (...)”. (TJ-MT - Habeas Corpus: 0079498-12.2016.8.11.0000, 79498/2016, Relator.: GILBERTO GIRALDELLI, Data de Julgamento: 29/06/2016, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 08/07/2016) – Destaquei. Portanto, considerando a estabilidade e permanência que caracterizam o elemento subjetivo do autor do crime de associação criminosa e a perenidade do ânimo associativo, não é desarrazoado que a autoridade policial de Redenção/PA, dentro dos limites de sua circunscrição municipal e ao se deparar com possíveis associados ao grupo delinquente que havia infligido verdadeiro terror na cidade de Confresa/MT dez dias antes, tenha concluído que aqueles ainda se encontrassem em situação de flagrância e emanado voz de prisão. Mesmo porque, a teor do que preconiza o art. 301 do CPP, “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Assim sendo, ao revés do que alega a defesa, não há o que se falar em ausência do estado de flagrância capaz de amparar a atuação policial, mesmo porque, destaque-se que o flagrante restou devidamente homologado, na data seguinte, pela autoridade judiciária de Redenção/PA, a qual ainda converteu a detenção pré-cautelar em prisão preventiva, de modo que eventuais irregularidades, a toda evidência, encontram-se superadas. Especificamente com relação à tese de incompetência territorial do juízo que homologou o flagrante e o converteu em prisão preventiva, qual seja, o Juízo Criminal da Comarca de Redenção/PA, as i. defesas sustentam que, tendo em vista que os delitos se consumaram em Confresa/MT, aquele órgão julgador paraense seria manifestamente incompetente, o que redundaria na nulidade absoluta dos atos processuais por ele praticados, assim como dos demais atos que se sucederam, tudo com a consequente necessidade de absolvição dos recorrentes. Esta tese defensiva tampouco deve ser acolhida. Com efeito, sabe-se que a competência será firmada, via de regra, pelo local em que se consumou a infração, nos moldes do art. 70 do CPP. In casu, como já dito, os recorrentes foram presos em flagrante delito no dia 19/04/2023, pela suposta prática de associação criminosa (art. 288 do CP), e, embora a classificação típica desta conduta tenha se alterado desde então, já que eles vieram a ser denunciados, processados e condenados pelo delito de organização criminosa (art. 2.º, Lei n.º 12.850/2013), é igualmente certo que, independentemente da moldura jurídica, a agremiação ilícita, factualmente falando, deu-se no mesmo contexto do roubo majorado executado pelos comparsas dos réus, com a participação e envolvimento destes, contra a empresa BRINKS de Confresa/MT. Tanto é assim que os recorrentes foram condenados não só pelo delito de organização criminosa narrado no Fato 01 da denúncia, mas também pelo roubo à empresa BRINKS, descrito no Fato 02 da exordial acusatória. Assim sendo, in casu, verifica-se clara existência de conexão intersubjetiva por concurso (art. 76, inc. I, segunda figura, do CPP) e de conexão probatória (art. 76, inc. III, do CPP) entre as condutas criminosas apuradas: “Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; II – (...); III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”. Portanto, é evidente que a competência para processar e julgar a causa recaía justamente sobre o d. Juízo que instruiu e sentenciou o feito, isto é, o Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada de Cuiabá, cuja jurisdição para presidir ações penais envolvendo organização criminosa abrange o “Polo XI – Região Nordeste – São Félix do Araguaia”, que, por seu turno, abarca a Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, a qual engloba o município de Confresa, sendo este o lugar onde as infrações mais graves se consumaram, nos termos da Resolução n.º 11/2017/TP, com atualizações promovidas pela Resolução n.º 14/2023/OE, de 23 de novembro de 2023. A propósito: “Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: I – (...); II - no concurso de jurisdições da mesma categoria: a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave”. Também nesse sentido norteia a jurisprudência: “Restando delineada, entre os crimes de organização criminosa e roubo majorado, as hipóteses de conexão intersubjetiva e instrumental, previstas no artigo 76, incisos I e III, do Código de Processo Penal, a determinação da competência deve observar as regras previstas no art. 78 do mesmo diploma legal, as quais preveem que, no concurso de jurisdições da mesma categoria, preponderará a competência do juízo do lugar da infração à qual cominada a pena mais grave”. (TJ-RS - Conflito de Jurisdição: 52148293820228217000 IJUÍ, Relator: Isabel de Borba Lucas, Data de Julgamento: 28/06/2023, Oitava Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/06/2023) – Destaquei. Por outro lado, em que pese a competência do Juízo Criminal Especializado de Cuiabá/MT, e não obstante o Juízo da Comarca de Redenção/PA tenha sido o responsável por homologar as prisões em flagrante e convertê-las em prisão preventiva, isto não importa automaticamente em nulidade dos atos processuais praticados por este segundo órgão julgador, menos ainda anula os demais atos que se sucederam, no inquérito policial e na ação penal. Isto porque, a inobservância à regra de competência territorial (ratione loci) acarreta nulidade meramente relativa, cujo reconhecimento exige demonstração de efetivo prejuízo à parte, o que não se viu na espécie. Nesse sentido: “(...). III. Razões de decidir 5. A competência territorial, por ser relativa, não gera nulidade dos atos processuais, conforme jurisprudência desta Corte Superior. 6. (...). Tese de julgamento: ‘1. A competência territorial relativa não gera nulidade dos atos processuais. 2. (...)’”. (AgRg no RHC n. 195.578/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 21/2/2025) – Destaquei. Ademais, tratando-se de incompetência territorial, portanto, de natureza relativa, é plenamente possível que o juízo dotado de competência venha a ratificar e convalidar os atos processuais praticados pelo juízo anterior que declinou da competência, notadamente em casos como este sub judice, no qual, à época em que homologou as prisões em flagrante e as converteu em prisão preventiva, o Juízo Criminal de Redenção/PA aparentava ser competente para tanto, aplicando-se ao caso, portanto, a teoria do juízo aparente. É o que preceitua o art. 108, § 1.º, do CPP, segundo o qual, se “(...) for aceita a declinatória, o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá”. – Negritei. Convém alinhavar, aliás, que, mesmo nas hipóteses de incompetência absoluta do juízo – o que sequer é o caso –, não há nulidade ipso facto das medidas por aquele decretadas, que são passíveis de ratificação e convalidação, conforme se exemplifica com os precedentes a seguir: “2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a modificação da competência não invalida automaticamente a prova regularmente produzida. Destarte, constatada a incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos ao juízo competente, que pode ratificar ou não os atos já praticados”. (HC n. 308.589/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/8/2016, DJe de 1/9/2016) – Grifei. “2. (...). Deste modo, é possível a ratificação de medidas cautelares autorizadas por Juízo que, em momento posterior, fora declarado incompetente. Vale frisar que, mesmo nos casos de incompetência absoluta, se admite a ratificação dos atos decisórios”. (AgRg no AREsp n. 2.295.067/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023) – Destaquei. Deveras, considerando que os réus foram presos em flagrante delito pela suposta prática de associação criminosa (art. 288, CP) na cidade de Redenção/PA, pelo delegado deste município, o juízo da comarca realmente aparentava ser a autoridade judiciária competente para analisar e homologar os flagrantes e para eventualmente convertê-los em prisão preventiva; sendo que, quando interpelado sobre a existência de conexão entre aquele delito do flagrante com os demais fatos criminosos (inclusive os mais gravosos e com penas mais altas) praticados em Confresa/MT, o Juízo de Redenção/PA fez justamente remeter o feito à Justiça Estadual mato-grossense. A propósito, colho trechos do pronunciamento judicial por meio do qual o Juízo Criminal de Redenção/PA declinou da competência para o Juízo de Porto Alegre do Norte/MT (com jurisdição sobre a cidade de Confresa/MT), in verbis: “Instado, o Ministério Público se manifestou pelo declínio da competência para o juízo da comarca de Porto Alegre do Norte/MT. (...). Assim, considerando os argumentos ao norte apresentados, tendo em vista que o fato ocorreu na cidade de Confresa/MT, jurisdição da Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, DECLINO A COMPETÊNCIA para o juízo da Comarca indicada, nos termos do Art. 70 do CPP”. (ID 258133172 - Pág. 5/6). Na sequência, com o aporte do feito à sua unidade judiciária, o Juízo de Porto Alegre do Norte/MT determinou a remessa dos autos à 7.ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, tendo em vista que a jurisdição deste Juízo Especializado da Capital envolve delitos de organização criminosa ocorridos naquela comarca interiorana, por força da já mencionada Resolução n.º 11/2017/TP, com atualizações promovidas pela Resolução n.º 14/2023/OE, de 23 de novembro de 2023 (ID 258133185). Ato contínuo, o órgão do Ministério Público dotado de atribuições para oficiar perante o Juízo da 7.ª Vara Criminal de Cuiabá, qual seja, o GAECO-MT, ofertou denúncia em face dos réus (ID 258133190), a qual foi recebida pelo competente Juízo Especializado de Cuiabá, que, posteriormente, instruiu o processo e sentenciou a lide. A propósito, destaque-se que, por ocasião do recebimento da denúncia, o d. Juízo da 7.ª Vara Criminal de Cuiabá ratificou expressamente os atos processuais praticados pelos juízos anteriores, consignando que “RECEBO OS AUTOS no estado em que se encontram, RATIFICANDO OS ATOS DECISÓRIOS E NÃO DECISÓRIOS” (ID 258134178 - Pág. 4), o que corrobora ainda mais a inexistência de prejuízo e de nulidade na presente hipótese. Em situação semelhante, o e. STJ não constatou ilegalidade a ser sanada: “1. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, que é no sentido de que ‘a competência territorial, por ser relativa, não gera nulidade dos atos processuais, circunstância que reforça a inexistência de ilegalidade passível de ser sanada na via eleita’. (...). Na hipótese dos autos, houve efetiva ratificação pelo Juízo competente dos atos praticados pelo Juízo territorialmente incompetente, o que, de plano, revela a manifesta ausência de prejuízo. Com efeito, é assente a possibilidade de convalidação dos atos decisórios praticados pelo juízo relativamente incompetente, sem que reste evidenciado prejuízo ao réu. 2. (...)”. (AgRg no RHC n. 173.773/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 23/8/2023) – Grifei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA DO RÉU PETRUSILÂNDIO MACHADO – NULIDADE DO INQUÉRITO, POR CERCEAMENTO DE DEFESA POR PARTE DO DELEGADO DE POLÍCIA) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Ainda em sede preliminar, o apelante PETRUSILÂNDIO MACHADO suscita a nulidade do inquérito policial e de todos os atos subsequentes, com esteio na tese de cerceamento de defesa, pois o delegado que efetuou a prisão em flagrante, lotado na Comarca de Redenção/PA, teria impedido o réu de ter contato com seu advogado na delegacia, em violação às garantias constitucionais da pessoa detida e infringência à prerrogativa profissional positivada no art. 7.º, III, da Lei n.º 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), possivelmente incorrendo, na intelecção defensiva, no delito tipificado no art. 7.º-B da mesma Lei. No entanto, sem razão. Como se sabe, ao contrário do que se dá com os atos processuais praticados em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o inquérito policial constitui procedimento administrativo, de cunho eminentemente inquisitivo, voltado a angariar subsídios informativos para a formação da opinio delicti do órgão acusador. Por tal razão, via de regra, as irregularidades ocorridas na fase pré-processual, por si sós, não possuem o condão de macular a ação penal que se sucede: “5. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ‘eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial, não contaminam a ação penal’”. (REsp n. 2.014.038/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 17/2/2025) – Destaquei. Por isso, o simples fato de o suspeito, após a cientificação dos seus direitos constitucionais, ter sido interrogado pelo delegado de Polícia na ausência de advogado, como ocorreu na hipótese (ID 258133177 - Pág. 16/17), não enseja nulidade da ação penal, conforme entendimento há muito pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça: “2. Quanto à nulidade apresentada pela defesa, destaco que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inexiste nulidade do interrogatório policial por ausência do acompanhamento do paciente por um advogado, sendo que esta Corte acumula julgados no sentido da prescindibilidade da presença de um defensor por ocasião do interrogatório havido na esfera policial, por se tratar o inquérito de procedimento administrativo, de cunho eminentemente inquisitivo, distinto dos atos processuais praticados em juízo”. (AgRg no HC n. 984.153/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025) – Grifei. Ademais, atual jurisprudência das Cortes Superiores orienta no sentido de que, mesmo as nulidades denominadas absolutas, terão seu reconhecimento condicionado à demonstração de efetivo prejuízo acarretado à parte, sem o qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief): “5. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, sejam relativas ou absolutas, reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief)”. (AgRg no AREsp n. 2.521.340/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/11/2024, DJe de 3/12/2024) – Grifei. No caso concreto, a i. defesa não logrou demonstrar prejuízo concreto decorrente de eventual incomunicabilidade entre o PETRUSILÂNDIO e seu advogado na delegacia, na específica data da sua detenção (19/04/2023), mesmo porque, ao ser interrogado em juízo, agora acompanhado de seu patrono e perante as demais autoridades presentes na instrução, o apelante narrou semelhante versão àquela prestada ao delegado na esfera policial, na ausência do causídico, isto é, admitiu a prática das condutas, sustentando ausência de dolo, falta de consciência de ilicitude e desconhecimento da intenção delitiva dos demais agentes (ID 258133177 - Pág. 16/17). Além disso, já na data seguinte à prisão em flagrante (20/04/2023), o recorrente foi apresentado à autoridade judiciária e submetido à audiência de custódia, de cuja ata não é possível inferir a consignação de queixa ou irregularidade e abuso porventura praticado na véspera (ID 258133179 - Pág. 21/23). Outrossim, na aludida audiência de custódia, o réu teve os seus interesses patrocinados por Defensor Público, nos moldes preconizados pelo art. 310 do CPP, conforme respectivo Termo de Audiência (ID 258133179 - Pág. 28/29), tendo o profissional inclusive requerido a concessão de liberdade provisória sem fiança (ID 258133179 - Pág. 40/46), ou seja, o suspeito teve o seu direito à defesa devidamente assegurado e exercido. Se isso não bastasse, tem-se ainda que, na data da solenidade, após receber a comunicação da autoridade policial, o d. Juízo da Comarca de Redenção/PA homologou a prisão em flagrante e converteu-a em prisão preventiva (ID 258133179 - Pág. 36/39), de modo que incide à espécie o entendimento consolidado pela Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT no Enunciado Orientativo n.º 27, cuja redação dispõe, in verbis: “27. As eventuais irregularidades no auto de prisão em flagrante ficam superadas em razão da sua homologação e conversão em prisão preventiva”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. Disponibilizado no DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Negritei. Mesmo porque, após o pedido de liberdade provisória apresentado pelo Defensor Público, o réu PETRUSILÂNDIO constituiu advogado particular para o patrocínio de sua defesa, o qual então passou a acompanhar os desdobramentos da investigação (ID 258133179 - Pág. 31). Portanto, não se constatando a existência de prejuízo ao apelante apto a contaminar com nulidade a presente ação penal, eventual excesso por parte da autoridade policial na data da detenção em flagrante, violação à prerrogativa funcional de advogado ou delito porventura levado a efeito pelo delegado naquela ocasião, tal qual sustenta a defesa, devem ser apurados em procedimento próprio, especificamente voltado a esta finalidade, nos termos do art. 5.º, XXXV, da Constituição, não impactando a validade do flagrante, que se encontra regularmente homologado. Nesse sentido posiciona-se este e. TJMT, inclusive esta c. Terceira Câmara Criminal: “5. A alegação de tortura e agressão policial foi analisada com base nos laudos periciais constantes nos autos, que concluíram pela inexistência de lesões compatíveis com tortura. O exame apontou apenas escoriações leves, atribuídas a uma queda de motocicleta. Além disso, eventual excesso por parte dos policiais deve ser apurado em procedimento próprio, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não impactando a validade do flagrante, que se encontra regularmente homologado”. (N.U 1034066-69.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 31/01/2025) “Eventual excesso porventura cometido pelos agentes estatais deve ser apurado em procedimento próprio, especificamente voltado para tal finalidade”. (N.U 1009167-57.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 19/03/2024, Publicado no DJE 22/03/2024) – Negritei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA DO RÉU PETRUSILÂNDIO MACHADO – NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA, POR CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Como última questão preliminar, a defesa de PETRUSILÂNDIO MACHADO sustenta que a “prisão preventiva do apelante configura constrangimento ilegal, pois não respeitou os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal” e seria “baseada em argumentos genéricos e proferida por juízo incompetente, evidenciando a ausência de fundamentação idônea”. (ID 264463285 - Pág. 5). Em relação à alegada incompetência do juízo, a questão foi rechaçada em tópico anterior, ao passo que a tese de carência de fundamentação idônea e inexistência dos requisitos da prisão preventiva tampouco comporta acolhimento. Isto porque, a simples leitura da decisão por meio da qual o flagrante foi convertido em prisão preventiva revela que o decreto constritivo se embasou sobre motivação concreta e idônea e que demonstrava a efetiva presença dos requisitos da custódia cautelar, quais sejam, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis (ID 258133179 - Pág. 36/39). Com efeito, o juízo prolator expôs a contento a prova da materialidade delitiva e os indícios de que o apelante PETRUSILÂNDIO teria concorrido para os crimes, ao fornecer moradia, hospedagem e apoio logístico aos associados que executariam o roubo e crimes conexos em Confresa/MT, assim como consignou o perigo gerado pelo estado de liberdade do suspeito, notadamente tendo em vista o risco à aplicação da lei penal e gravame à ordem pública, ante a gravidade concreta da conduta e a elevada reprovabilidade do modus operandi. Outrossim, destaque-se que, atualmente o carcer ad cautelam subsiste por força de novo título judicial, isto é, a própria sentença condenatória, a qual, em atenção ao comando disposto no art. 387, §1.º, do CPP, entendeu pela subsistência dos requisitos da medida extremada, máxime o risco à ordem pública decorrente da gravidade em concreto da conduta, já que, além de integrar organização criminosa altamente estruturada, o réu concorreu para delito de roubo sofisticado e articulado contra a empresa BRINKS, praticado com emprego de armas de fogo de uso de restrito, munições de ataque antiaéreo e explosivos, acarretando destruição da sede da empresa vitimada, o que certamente extrapola o grau de reprovabilidade ínsito aos tipos penais (ID 258134336). A respeito da validade e idoneidade dos fundamentos aventados pelo juízo a quo, já se posicionaram as Cortes Superiores: “Segundo reiterada jurisprudência desta Corte, a periculosidade do agente, evidenciada no modus operandi do delito, é fundamento idôneo para justificar a prisão preventiva, tendo como escopo o resguardo da ordem pública, como ocorreu na espécie”. (STJ – RHC 102.093/PB, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019) – Grifei. “A gravidade concreta, revelada pelas peculiaridades do modo de execução ou pela intensa reprovabilidade dos fatos que lhe são atribuídos, por denotar a periculosidade do agente, pode evidenciar, validamente, fundado receio de reiteração delituosa e, nessa perspectiva, configurar risco à ordem pública”. (STF – RHC 144295, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 28-02-2018 PUBLC 01-03-2018) – Destaquei. Se não bastasse, conforme ressai do édito recorrido, o apelante permaneceu segregado pelo curso de toda a instrução criminal, particularidade que, por consectário lógico, obsta a possibilidade de recorrer em liberdade, especialmente diante do regime inicial fechado eleito na sentença e da subsistência dos requisitos ensejadores da prisão cautelar. A propósito: “Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução processual, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em Juízo de primeiro grau”. (HC 533.433/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2019, DJe 03/12/2019) – Negritei. Em suma, estando demonstradas a efetiva necessidade e adequação da prisão preventiva como forma de assegurar a ordem pública, é de se considerar insuficientes, ineficazes e inadequadas as acautelatórias alternativas e mais brandas previstas no art. 319 do CPP, conforme a exegese do art. 282, §6.º, do CPP. Nesse sentido também orienta a jurisprudência do e. STJ: “6. É inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pois a gravidade concreta do delito demonstra serem insuficientes para acautelar a ordem pública”. (HC 664.175/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 27/08/2021) – Destaquei. “5. A gravidade concreta do crime e o envolvimento do paciente com facção criminosa justificam a manutenção da prisão preventiva para garantia da ordem pública. 6. A substituição por medidas cautelares menos gravosas é inviável diante da periculosidade do paciente e da gravidade da conduta delituosa”. (HC n. 932.273/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJe de 17/12/2024) – Destaquei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Extrai-se da denúncia que, no período compreendido entre o ano de 2022 e abril de 2023, em diversas ocasiões e lugares das cidades de Confresa/MT e Redenção/PA, bem como no Estado de São Paulo, os réus FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO, com pelos menos outros 20 (vinte) agentes, 17 (dezessete) dos quais foram mortos em confrontos com policiais à época dos fatos, constituíram e integraram organização criminosa estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas entre os membros, com o emprego de arma de fogo e objetivo de obter vantagem, mediante a prática de roubos e outros crimes (FATO 01 – Art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013: organização criminosa majorada). Ressai da exordial acusatória que, em 09/04/2023, por volta das 17h00min, no município de Confresa/MT, os acusados FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO, na qualidade de partícipes, em concurso com pelo menos outros 20 (vinte) agentes, 17 (dezessete) dos quais foram mortos em confrontos com a polícia à época dos fatos, com consciência e vontade, mediante violência e grave ameaça exercida com emprego de armas de fogo de uso restrito e proibido e utilizando explosivo para romper obstáculos, subtraíram, para si ou para outrem, coisa alheia móvel consistente no montante aproximado de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), pertencente à empresa BRINKS, que presta serviço de transporte de valores (FATO 02 – Art. 157, §2.º, II e III, §2.º-A, I e II, e §2.º-B, do Código Penal: roubo majorado). Outrossim, depreende-se da prefacial que, no dia 09/04/2020 [rectius: 2023], no município de Confresa/MT, os partícipes FÉLIX e PETRUSILÂNDIO, com pelo menos outros 20 (vinte) agentes, 17 (dezessete) dos quais foram mortos em confrontos com a polícia à época dos fatos, com consciência e vontade, mediante violência e grave ameaça exercida com emprego de armas de fogo de uso restrito e proibido, subtraíram, para si ou para outrem, coisas alheias móveis consistentes em um veículo Chevrolet Onix e uma carreta Scania, pertencentes às vítimas Nelbia Barreira Campos e Wanderson Goveia de Carvalho (FATO 03 – Art. 157, §2.º, II, §2.º-A, I, §2.º-B, do Código Penal, por duas vezes). Infere-se da preambular ainda que, na mesma data do fato narrado acima, momentos antes e também durante a fuga dos executores dos crimes já descritos, os denunciados FÉLIX e PETRUSILÂNDIO, na condição de partícipes, juntamente com pelo menos outros 20 (vinte) agentes, 17 (dezessete) dos quais foram mortos em confrontos com a polícia à época dos fatos, com consciência e vontade, portaram armas de fogo de uso restrito e proibido, descritas no termo de exibição e apreensão, e, em semelhantes circunstâncias de tempo e lugar, efetuaram disparos de arma de fogo em via pública, chegando inclusive a alvejar com projéteis os automóveis das vítimas Josué Aguiar Oliveira, Hilário Moacir Herter, Susley Carlos Cunha e William Paiva Rodrigues (FATOS 04 e 05 – Art. 16, §2.º, e art. 15, ambos da Lei n.º 10.826/2003: porte de arma de fogo de uso proibido e disparo de arma de fogo). A peça incoativa também dá conta de que, nas mesmas condições dos fatos anteriormente narrados, juntamente com os comparsas já mencionados, agindo mediante identidade de propósitos e unidade de desígnios com estes últimos, de forma consciente e voluntária, FÉLIX e PETRUSILÂNDIO causaram incêndio, expondo a perigo o patrimônio de outrem (FATO 06 – Art. 250 do Código Penal: incêndio). Por derradeiro, a denúncia descreve que, ainda no município de Confresa/MT, em identidade de propósitos e unidade de desígnios com inúmeros outros comparsas, 17 (dezessete) dos quais foram mortos em confrontos com a polícia à época dos fatos, FÉLIX e PETRUSILÂNDIO, de maneira consciente e voluntária, mediante violência contra pessoas, danificaram patrimônio estadual e deterioraram coisas alheias, especificamente um caminhão do Corpo de Bombeiros e o prédio da Polícia Militar (FATO 07 – Art. 163, parágrafo único, I e III, do Código Penal: dano qualificado). Segundo a proposição ministerial, os acusados FÉLIX e PETRUSILÂNDIO integravam organização criminosa, nos quadros da qual todos os membros possuíam tarefas pré-definidas, com o objetivo comum de movimentar expressivos valores obtidos através de práticas criminosas, notadamente roubos, e com lideranças e bases de apoio logístico situados em outros Estados da Federação, conjuntura em que os réus e seus comparsas já vinham planejando o roubo no município de Confresa/MT havia cerca de 01 (um) ano, particularidades que, somadas à estrutura financeira e à sofisticação do próprio modus operandi utilizado pela facção nas subtrações, demonstrariam o caráter autônomo e altamente organizado do grupo infrator. Ainda de acordo com o Parquet, no âmbito da facção, FÉLIX e PETRUSILÂNDIO se incumbiam de prestar apoio logístico aos demais integrantes do grêmio delinquente, a exemplo de hospedagem, alimentação, orientações sobre o local onde ações criminosas se realizariam, compra de mantimentos, assim como a guarda e estocagem das armas, munições e dos veículos que seriam usados nos crimes. Nessa conjuntura, o órgão ministerial narra que, no dia 09/04/2023, aproximadamente 20 (vinte) faccionados fortemente armados, com pelos menos 04 (quatro) carros de apoio, chegaram à cidade de Confresa/MT, incendiando veículos, bloqueando vias públicas e o batalhão da Polícia Militar, tudo com o intuito de alvejar a empresa de transporte de valores BRINKS, em cujo prédio empregaram ferramentas e explosivos na tentativa de acessar o cofre principal, porém, sem êxito na subtração do numerário protegido, conseguindo se apossar somente dos valores contidos numa espécie de “caixinha” da empresa, isto é, cerca de R$ 2.700.00 (dois mil e setecentos reais). Ato contínuo, a preambular destaca que os agentes levaram a efeito verdadeiro “terror” na cidade, com disparos de arma de fogo, inclusive contra viatura do Corpo de Bombeiros, e queima de carro e caminhão, antes de foragirem com aproximadamente 06 (seis) veículos, narrando a denúncia também que a fuga se deu de maneira estruturada, com trânsito por várias cidades, para despistar os policiais, os quais, no entanto, seguiram em perseguição ininterrupta e lograram alcançar os suspeitos, muitos dos quais vieram a perder a vida em confronto com os agentes estatais. Antes de foragirem, no entanto, enquanto aterrorizavam e ameaçavam os munícipes, a exordial acusa que os executores da empreitada ainda roubaram veículos das vítimas Nelbia Barreira Campos e Wanderson Goveia de Carvalho e, posteriormente, incendiaram-nos; além disso, portaram armas de fogo de uso restrito e proibido e efetuaram múltiplos disparos com os armamentos, chegando a alvejar vários automóveis e a lesionar uma pessoa, transformando em “refém” a população local. A inicial prossegue narrando que os infratores incendiaram o Chevrolet Onix anteriormente roubado de uma das vítimas, em frente ao Batalhão de Polícia Militar, e atearam fogo em uma carreta, na saída da cidade, expondo o patrimônio de outrem a perigo, tudo como meio de obstruir a passagem das viaturas das forças de segurança e impedir a entrada e saída dos moradores, além do que os agentes danificaram patrimônio público, isto é, o veículo do Corpo de Bombeiros e o prédio da Polícia Militar. Outrossim, o órgão ministerial descreve que, durante as investigações que sucederam a prática dos crimes, verificou-se que os veículos usados nos roubos em Confresa circulavam pela cidade de Redenção/PA, sendo que, em 19/04/2023, após autorização judicial, cumpriram-se mandados de busca e apreensão nas casas vinculadas a tais automóveis, conjuntura em que FÉLIX e PETRUSILÂNDIO foram localizados e presos. Por fim, a incoativa ressalta que os acusados FÉLIX e PETRUSILÂNDIO concorreram para todas as condutas ilícitas, na medida em que ambos estavam imbuídos com identidade de propósitos com os executores, quando lhes deram apoio e prestaram o auxílio logístico. Diante destes fatos, os réus foram denunciados, ao que se sucedeu o devido processo legal, culminando na parcial procedência da pretensão punitiva estatal e nas suas condenações, como incursos nas penas dos delitos de organização criminosa majorada (FATO 01) e de roubo circunstanciado contra a empresa BRINKS (FATO 02). Por outro lado, os acusados restaram absolvidos dos crimes de roubo majorado contra as vítimas Nelbia e Wanderson (FATO 03), de porte de arma de fogo de uso proibido e disparo de arma de fogo (FATOS 04 e 05) e de incêndio e dano qualificado (FATO 06 e 07), por falta de provas quanto à presença de dolo nas suas condutas. Nesse contexto, tanto os réus quanto o MINISTÉRIO PÚBLICO agora exsurgem inconformadas perante esta instância ad quem, nos termos já relatados. Feitas essas breves digressões, passo à análise do mérito. 1. Dos pedidos de absolvição dos crimes de organização criminosa e roubo (FATOS 01 E 02), por falta de provas [RECURSO DA DEFESA]: A materialidade das infrações penais está comprovada através do boletim de ocorrência (ID 258133173 - Pág. 30/31); dos Autos Circunstanciados de Cumprimento de Mandado de Busca e Apreensão (ID 258133177 - Pág. 62/63 e Pág. 70/71); do registro fotográfico de desenho apreendido em um dos domicílios diligenciados (ID 258133177 - Pág. 74); e dos Relatórios Policiais n.º 2023.12345/GCCO e n.º 2023.123456/GCCO, relacionados à análise das imagens que revelaram o trajeto reverso traçado pelo comboio de veículos que partiu de Redenção/PA a Confresa/MT, para a prática delitiva (ID 258133178 - Pág. 3/22 e Pág. 23/33). A ocorrência material dos delitos pode ser extraída ainda do Relatório Policial n.º 2023.1234567/GCCO – Cumprimento de Mandado, referente às diligências domiciliares ligadas aos apelantes (ID 258133178 - Pág. 34/53 e ID 258133179 - Pág. 1/5); do Relatório Anexo, contendo a análise das conversas de WhatsApp travadas pelo recorrente FÉLIX (ID 258133179 - Pág. 6/13). Outrossim, a materialidade delitiva é inferida pela farta documentação que instruiu a ação penal (PJE) n.º 1008524-54.2023.8.11.0042, em que foi processado e condenado pelos mesmos fatos a pessoa de Jocivan Jovan de Araújo, cujas cópias foram encartadas ao presente feito e consistem, dentre outros documentos, nos Relatórios de Investigação n.º 2023.13.27874, n.º 2023.13.27964, n.º 2023.13.28001 e Auto de Verificação, todos atestando os danos ocasionados aos veículos que foram alvejados pelos disparos de arma de fogo efetuados pelos infratores, durante a ação delitiva; Termos de Exibição e Apreensão e Auto de Depósito; Relatórios de Investigação n.º 2023.13.27990 e n.º 2023.13.28159, atestando os danos causados ao caminhão e ao veículo incendiados (ID 258133193 ao ID 258134167) As cópias mencionadas acima abrangem ainda o Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão Domiciliar e Auto de Arrecadação; o Laudo Pericial n.º 523.2.19.0131.2023.109873-A01, atinente aos exames realizados nos locais onde o delito de roubo foi executado, isto é, a filial da empresa BRINKS em Confresa/MT, e edificações adjacentes, como a Igreja vizinha da empresa e o imóvel em construção no terreno ao lado; os Laudos Periciais n.º 523.2.19.0131.2023.113759-A01 e n.º 523.2.19.0131.2023.109917-A01, referentes aos danos ocasionados à viatura da Polícia Militar e ao caminhão do Corpo de Bombeiros, por disparos de arma de fogo; e as demais perícias realizadas em face dos caminhões e caminhonetes incendiados na estrada e no centro de Confresa; assim como os Laudos Periciais n.º 523.2.19.0131.2023.113863-A01, n.º 523.2.19.0131.2023.114056-A01 e n.º 523.2.19.0131.2023.114096-A01, referentes aos exames realizados em imóveis e residências particulares próximas à empresa roubada, que também sofreram danos estruturais; e Relatório Final da Autoridade Policial (ID 258133193 ao ID 258134167). Por fim, também a atestar a ocorrência material dos crimes, tem-se ainda o Laudo Pericial n.º 523.2.19.0131.2023.109848-A02, realizado no prédio do Batalhão da Polícia Militar da cidade, atestando os danos causados ao imóvel pela ação do fogo e dos projéteis (ID 258134326); os documentos que indicam a morte de parte dos infratores, em confronto com a força-tarefa da Polícia (ID 258133195 - Pág. 31/66); os registros fotográficos dos inúmeros artefatos bélicos apreendidos, como armas de fogo, cartuchos, munições, máscaras balaclavas e coletes balísticos (ID 258134163 - Pág. 148/150); o laudo de exame de eficiência dos artefatos bélicos de uso restrito (ID 258134332); o Relatório Técnico n.º 2023.13.33446 - NI/GCCO (ID 258134264 - Pág. 2/22); além da prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. No que concerne à autoria, por sua vez, nota-se a presença de provas suficientes e aptas implicar FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO nos delitos de organização criminosa majorada e roubo circunstanciado que lhes são atribuídos nos FATOS 01 E 02, impondo-se assim ratificar suas condenações criminais. De início, pontue-se que a denúncia imputa aos réus envolvimento com a organização criminosa e com a subtração à empresa BRINKS nas funções de apoio logístico e auxílio material aos executores do roubo, na medida em que ambos, imbuídos de consciência e vontade, em unidade de desígnios com os demais agentes, foram os responsáveis por viabilizar as bases de apoio do grupo, situadas na cidade de Redenção, no Estado do Pará, onde forneceram moradia e hospedagem aos comparsas, assim como esconderam e ocultaram os armamentos e veículos que viriam a ser usados no delito patrimonial em Confresa. Neste ponto, frise-se que FÉLIX e PETRUSILÂNDIO, quando foram interrogados em juízo, não negaram tais condutas. Isto porque, em audiência instrutória, FÉLIX admitiu que a motocicleta frequentemente vista nas imediações de uma das residências de apoio ao grupo criminoso pertencia à sua genitora e era usada por ele (POP branca, placa QVA0653), bem assim assumiu que, cerca de três ou quatro meses antes dos fatos ocorridos em Confresa, realmente construiu uma “puxada”/cobertura naquele imóvel, tendo dito ainda que cuidou do domicílio, que levava alimentos ao local e que, no exato dia da ação ilícita em Confresa (09/04/2023), contratou um frete para retirar os materiais daquela residência. No entanto, sustentou que não sabia sobre o intento delitivo dos demais agentes, pois a comida que levava ao imóvel destinava-se à alimentação dos galos de raça que ali havia; que, ao construir a cobertura na área externa da casa, não sabia que era destinada a esconder os armamentos e veículos que seriam usados nos crimes; e que, ao retirar os vestígios materiais da residência e transportar alguns dos bens para a moradia de sua genitora, assim agiu como forma de receber pagamento por serviço pretérito prestado. Já PETRUSILÂNDIO asseverou que passava grande parte do seu tempo na zona rural e que, quando voltou para casa na Semana Santa de 2023, a fim de passar as festividades com os filhos, aceitou alugar sua residência para alguns indivíduos desconhecidos oriundos de São Paulo, assim como narrou que, como sua casa era grande e os convidados ficariam poucos dias, decidiu não cobrar a estadia, já que sua família é nordestina e tinha tradição dar hospedagem graciosamente, ressaltando que conviveu por dias com tais homens em seu domicílio, inclusive prejudicando seu intuito inicial de passar a Páscoa com os filhos. Porém, sustentou que não sabia que tais indivíduos eram “bandidos”, que jamais tomou parte em eventual planejamento delitivo e que, só quando assistiu às imagens que viralizaram da empreitada delitiva em Confresa/MT, reconheceu um dos executores dos crimes como um dos homens que havia deixado a hospedagem gratuita em sua casa mais cedo naquela mesma data. Nesse cenário, o ponto nevrálgico das pretensões absolutórias reside na alegada ausência de dolo e falta de consciência de ilicitude no comportamento dos acusados, pois, segundo a defesa, ao fornecerem o suposto apoio logístico aos executores do roubo, os réus não estavam ligados a eles enquanto faccionados de uma mesma organização criminosa, tampouco convergiam suas vontades para a subtração patrimonial, de maneira que suas condutas seriam atípicas. No entanto, após analisar detidamente as provas que instruem o processo, concluo que a tese defensiva não deva prosperar, sendo evidente o dolo dos apelantes, os quais agiram em nítida divisão estruturada de tarefas, com escalonamento e ordenamento hierárquico, e em unidade de desígnios para a consecução do roubo à empresa de guarda e transporte de valores. A testemunha Fabio Gomes Pereira, Tenente do Corpo de Bombeiros Militar em Confresa, por ocasião de sua inquirição em juízo, confirmou a dinâmica que envolveu a execução dos crimes perpetrados no aludido município, pois declarou que, na data fatídica, isto é, no Domingo de Páscoa de 09/04/2023, estava de folga em sua residência, quando ouviu muitos disparos de arma de fogo vindos da cidade e, na sequência, recebeu ligação de um colega de profissão, em busca de apoio para averiguar uma ocorrência relacionada a incêndio, especificamente uma carreta que havia sido incendiada e colocada na estrada, sentido Vila Rica, de modo a fechar a via. O bombeiro destacou que, enquanto se deslocava com seu colega rumo à ocorrência, ouviam muitos disparos e observavam focos de fumaça, bem como narrou que, durante o percurso, dois veículos passaram pela viatura da testemunha, sendo que, no primeiro, o declarante percebeu vários ocupantes com armamentos pesados, ao passo que, quanto ao segundo veículo, por sua vez, este parou seu trajeto e seus ocupantes passaram atirar com um fuzil contra a viatura do depoente, efetuando um total de cinco disparos contra o Caminhão de Bombeiros, alguns dos quais alvejaram o automóvel, danificando assim a única “viatura de incêndio” de que dispunha o destacamento local. Fábio disse também que a inutilização da viatura de incêndio, o baixo efetivo humano do Corpo de Bombeiros e o arsenal bélico dos infratores impossibilitou uma reação mais eficaz de sua equipe contra os focos de queimadas, complementando que os executores dos crimes atentaram também contra a base da Polícia Militar do município e bloquearam o quartel com um veículo em chamas. De acordo com o declarante, após a evasão dos agentes, a testemunha se dirigiu até a sede da empresa BRINKS e localizou explosivos que haviam sido abandonados pelo grupo delinquente, razão pela qual isolou a área, ao que acrescentou, por fim, a informação de que a ação delitiva se iniciou por volta das 17h00min, perdurou até cerca de 18h30min e causou verdadeiro terror à população da cidade de Confresa. A testemunha Caio Vinícius de Campos e Silva, Investigador da Polícia Civil lotado na Gerência de Combate ao Crime Organizado, quando prestou depoimento em juízo, deu conta do desencadeamento investigativo que redundou na identificação dos réus FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO como integrantes da facção criminosa e partícipes do roubo. De acordo com o investigador, após a ocorrência dos roubos, em 09/04/2023, equipes da Polícia Civil de pronto foram até Confresa e obtiveram informações referentes às câmeras de videomonitoramento que haviam captado o deslocamento do comboio de executores, sendo que, através da análise reversa do trajeto, desvelaram que a escolta de caminhonetes partiu da cidade de Redenção/PA até o aludido município mato-grossense, com vistas a vitimar a empresa BRINKS. O policial civil ressaltou que sua equipe então empreendeu diligências na cidade de Redenção/PA, onde, também através de gravações feitas por câmeras de segurança, os agentes estatais descobriram que os veículos do comboio saíram de uma determinada residência, identificando-a como um dos esconderijos da facção, mesmo porque, em frente ao imóvel havia uma câmera de vigilância que permitiu que os policiais o monitorassem pelos vários dias que antecederam os fatos. A respeito do envolvimento dos ora apelantes, o depoente ressaltou que as câmeras do circuito de segurança captaram o momento em que um caminhão de frete esteve em frente ao domicílio usado como esconderijo e, desta feita, os investigadores rastrearam a placa e entrevistaram o freteiro, o qual revelou que havia realizado o serviço a pedido de uma das pessoas que convivia naquela casa, especificamente o réu FÉLIX, vulgo “Nando”, ao passo que PETRUSILÂNDIO também constava como um dos contatos no celular do referido freteiro. O investigador destacou que, então, foram autorizadas buscas apreensões, bem como acesso aos celulares de FÉLIX e PETRUSILÂNDIO, cujos dados revelaram que os recorrentes tinham contato com outros possíveis envolvidos na empreitada delitiva, a exemplo da pessoa de Jocivan, vulgo “Pernambuco” e “Perna”, figura essencial para a consecução dos assaltos e morador da casa onde vários dos executores do roubo permaneceram antes de partirem para Confresa. Observou que, após a detenção de Jocivan, vulgo “Perna”, foi apreendida uma espécie de agenda telefônica, em cujo rol de contatos figurava PETRUSILÂNDIO. Segundo a testemunha, FÉLIX e PETRUSILÂNDIO encarregavam-se de prestar apoio aos executores dos assaltos e que, no celular do último, foram encontrados arquivos de áudio e vídeo comprometedores, os quais denotavam que PETRUSILÂNDIO havia convivido por certo período com os executores dos crimes em Confresa. Aduziu que, na busca domiciliar realizada na moradia de PETRUSILÂNDIO, foi localizado o desenho de um cofre, similar àquele da empresa BRINKS, e, além disso, foram achadas roupas camufladas, semelhantes àquelas utilizadas em roubos praticados na modalidade conhecida como “Novo Cangaço” ou “Domínio de Cidades”, tal qual se deu em Confresa. O investigador Caio pontuou que, na primeira residência utilizada pelos infratores, vinculada à pessoa de Jocivan, vulgo “Perna”, os increpados construíram uma estrutura de garagem para esconder os veículos que seriam utilizados nos crimes, sendo que o recorrente FÉLIX, vulgo “Nando”, admitiu para a guarnição que concorreu para a construção de tal esconderijo, o qual foi totalmente destruído na data dos delitos, logo após a saída dos executores rumo à Confresa, após o que foi viabilizado um frete, no afã de remover os vestígios incriminatórios remanescentes no imóvel. Remetendo-se à informação obtida junto ao freteiro, às câmeras de segurança e ao próprio réu, a testemunha Caio elucidou, nas suas palavras, in verbis: “O freteiro nos confirmou isso. ‘Quem me pediu apoio para tirar as coisas lá foi o ‘Nando’, foi o FÉLIX. Foi o FÉLIX, foi o ‘Perna’. Mas, em relação ao FÉLIX, nós confirmamos que é ele. Ele dava apoio para a quadrilha, então ele entrava e saía, né, entrou e saiu várias vezes daquela residência (...). O FÉLIX nos falou que ele ajudou a construir essa estrutura para esconder os veículos. Era uma estrutura de madeira e botava umas lonas para esconder os veículos (...). Aquela residência só estava ali para servir de guarida para os bandidos, então, os armamentos estavam ali, todos os apetrechos estavam ali (...). Não havia como o FÉLIX não saber que aquele serviço que ele estava fazendo ali era para a quadrilha”. (Relatório de Mídias no ID 258134337) – Negritei. Outrossim, a testemunha verbalizou que, nas buscas efetivadas na residência de FÉLIX, foram encontrados materiais comprometedores, como cilindros de oxigênio que não haviam sido levados pelos executores do roubo para Confresa e o restante da lona que tinha sido usada na estrutura montada para esconder os veículos, objetos estes que foram transportados da casa de Jocivan, vulgo “Perna”, para a vivenda de FÉLIX e permaneceram sob os cuidados deste apelante. Em prosseguimento, o policial civil narrou que foram identificadas duas residências como bases de apoio aos integrantes da facção em Redenção/PA, nas quais os criminosos se revezavam, tratando-se a primeira do imóvel onde morava a pessoa de Jocivan, vulgo “Perna”, pela qual o apelante FÉLIX transitava e realizava suas tarefas ilícitas, e a segunda do domicílio do recorrente PETRUSILÂNDIO, o qual também foi implicado por câmeras de monitoramento da região e associado a veículo posteriormente usado pelos executores dos crimes em Confresa. Nos termos colocados pela testemunha, “o vídeo de um dos veículos, né, que esteve em Confresa, foi o vídeo do veículo saindo da residência dele. E, após isso, temos o vídeo dele saindo da residência também. Então, assim, a participação do PETRUSILÂNDIO é no apoio. Ele sabe quem são esses criminosos. Ele conviveu, ele cedeu a casa dele. (...). Então, o PETRUSILÂNDIO participou, dando esse apoio logístico ali para a quadrilha que veio em Confresa cometer os crimes”. (Relatório de Mídias no ID 258134337) – Destaquei. Quanto à divisão de tarefas entre os membros do grêmio delinquente, a testemunha discriminou que o apoio logístico recaiu sobre os agentes situados na cidade de Redenção/PA e no Estado do Maranhão, ao passo que a execução da ação delitiva propriamente dita foi perpetrada por indivíduos majoritariamente oriundos do Estado de São Paulo. Sobre a dinâmica da execução dos delitos em Confresa, o depoente relatou que, após chegarem no município mato-grossense, os infratores se dividiram, conjuntura em que alguns se dirigiram ao batalhão da Polícia Militar e, aproveitando-se do baixo efetivo decorrente do feriado, efetuaram alguns disparos de arma de fogo e queimaram um carro, com o qual bloquearam o destacamento, para inviabilizar reação das forças de segurança. Enquanto isso, outro segmento da organização sitiou a cidade, incendiou caminhões e carros e trancou a rodovia que dava acesso ao município; ao passo que um terceiro setor da facção deslocou-se até a sede da BRINKS, onde, com o emprego de explosivos, os criminosos destruíram as paredes da empresa e acessaram o interior, no entanto, não lograram êxito em arrombar o cofre principal e se assenhoraram apenas de um malote existente na antessala do cofre, que continha um pequeno montante, tudo isso antes de empreenderem fuga coordenada e bem orquestrada, rumo à Santa Terezinha, onde alguns barcos os aguardavam para levá-los ao Estado de Tocantins. Na mesma toada, a testemunha Marcelo Crisóstomo Dias Carvalho, investigador de polícia lotado na Gerência de Combate ao Crime Organizado, narrou em juízo que participou das diligências relativas à apuração dos crimes praticados no município de Confresa, no dia 09/04/2023, quando houve o assalto à empresa BRINKS e uma série de delitos conexos. Informou que sua equipe foi deslocada imediatamente para a cidade de Redenção, no Estado do Pará, por onde os veículos utilizados no crime teriam transitado antes de chegar a Confresa. Relatou que, através da análise de imagens de câmeras de segurança de comércios e residências, identificaram que os autores se dividiram em duas residências, sendo uma no bairro Parque Buriti e outra no bairro Átila Douglas. Na primeira casa, segundo a testemunha, observou-se movimentação suspeita e a saída dos veículos no dia do crime. Após o assalto, uma caminhonete F4000 foi registrada recolhendo diversos itens da casa, sendo identificada a placa do veículo e, consequentemente, seu condutor, de nome Lucélio, que informou ter sido contratado por uma pessoa conhecida como “Fernando”, o qual posteriormente foi identificado como FÉLIX DA SILVA AGUIAR, o qual, em entrevista, confirmou o serviço de transporte, alegando desconhecer qualquer envolvimento criminoso, afirmando ter apenas prestado um serviço para um morador da casa. A testemunha afirmou que, em continuidade das investigações, identificaram que dois veículos utilizados na ação criminosa partiram da segunda residência, pertencente ao apelante PETRUSILÂNDIO MACHADO, localizada no bairro Átila Douglas. No cumprimento do mandado de busca, com autorização judicial, foi realizada a análise do telefone celular de PETRUSILÂNDIO, onde foram encontradas mensagens com um contato de nome Ciney, nas quais o réu dizia ao interlocutor que reconhecia, através de imagens televisivas do crime, um dos executores do crime em Confresa pelo jeito de andar, demonstrando, segundo o depoente, conhecimento prévio dos envolvidos na empreitada ilícita. Marcelo aduziu que, na casa de PETRUSILÂNDIO, foi apreendido um caderno com anotações e o desenho de um cofre semelhante ao da empresa BRINKS, além de menções à compra de munições. A testemunha afirmou que, para a equipe de investigadores, restou evidente que tanto FÉLIX quanto PETRUSILÂNDIO tinham conhecimento da ação criminosa, sendo que este último teria dado guarida aos autores em sua residência. Questionado pela defesa, o IPC Marcelo esclareceu que não participou da prisão de PETRUSILÂNDIO, mas reiterou que imagens mostravam a saída de veículos do local no dia do crime. Confirmou que os elementos localizados – caderno com anotações sobre munições e desenho do cofre, bem como mensagens no celular – indicavam envolvimento de PETRUSILÂNDIO na logística da ação, mesmo que em menor escala, ao fornecer guarida aos executores. A testemunha esclareceu ainda que as investigações inicialmente identificaram os imóveis utilizados, e só posteriormente seus respectivos proprietários. PETRUSILÂNDIO, segundo informou, não foi identificado como investigado desde o início, sendo vinculado à ação após a descoberta da titularidade da casa. Relatou que, durante as investigações, participou também da prisão de outro envolvido, conhecido como “Perna”, em Palmas, o qual seria morador da casa do Parque Buriti e pessoa próxima de FÉLIX. Em relação a este, Marcelo afirmou que ele foi localizado em uma padaria e que a abordagem foi tranquila, sem tentativa de fuga ou resistência. FÉLIX teria informado conhecer “Perna” e alegou que apenas prestou um serviço de construção de uma garagem na residência, negando envolvimento com o crime. Contudo, a testemunha repisou que, diante da convivência próxima com os demais envolvidos, da presença constante FÉLIX na casa usada pela organização criminosa e do fato de ter sido ele o responsável por retirar materiais do local, havia indícios suficientes de que o recorrente tinha conhecimento do objetivo daquelas pessoas, sendo, inclusive, o responsável por uma obra que permitiria ocultar os veículos da visibilidade externa. Por fim, Marcelo estimou que a prisão de FÉLIX tenha ocorrido cerca de dez dias após os crimes em Confresa e esclareceu que FÉLIX não residia nas casas usadas pelo grupo, mas frequentava regularmente a residência do Parque Buriti, ao passo que PETRUSILÂNDIO, por sua vez, morava na casa do bairro Átila Douglas. Em semelhante diapasão, a testemunha Mário Roberto Sousa Santiago Júnior, delegado lotado na Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO), narrou que, ao tomar conhecimento dos fatos ocorridos no município de Confresa, uma equipe da GCCO se deslocou imediatamente à cidade e deu início às diligências, as quais incluíram acompanhamento da perícia, coleta de imagens de câmeras de monitoramento e levantamento dos trajetos realizados pelos veículos utilizados na ação criminosa. Disse que as investigações apontaram que os veículos haviam partido da cidade de Redenção (PA), onde foram identificadas duas residências utilizadas pelos criminosos. Em uma delas, no bairro Parque Buriti, foi verificado, por meio de imagens e depoimentos, que os veículos utilizados no crime saíram do local com destino a Confresa. Após essa saída, uma mulher esteve na casa para limpá-la e uma caminhonete F-4000 recolheu diversos objetos. O proprietário da caminhonete afirmou que foi contratado pelo acusado FÉLIX, também conhecido como “Fernando Serralheiro”, o qual alegou que os pertences seriam do “irmão”, conhecido como “Perna”, que estaria se separando, tendo os investigadores, posteriormente, constatado que “Perna” se tratava da pessoa de Jocivan. Na outra residência, onde foi encontrado o suspeito PETRUSILÂNDIO, havia roupas camufladas semelhantes às utilizadas no crime, latas de bebidas, anotações contábeis, um caderno com desenho semelhante ao cofre da empresa BRINKS, além de partes de veículo e conversas em seu celular com um indivíduo chamado “Sirlei”, nas quais o réu reconhecia pessoas envolvidas no crime. O delegado relatou que PETRUSILÂNDIO, apesar de não ter participado diretamente da ação armada em Confresa, forneceu apoio logístico e moradia para os criminosos. Quanto ao réu FÉLIX, foi identificado como pessoa próxima a Jocivan (“Perna”) e responsável por providenciar diversas ações logísticas, como construção de cobertura para veículos, abastecimento, intermediações financeiras e contratação de transporte para retirada de objetos da residência. A testemunha aduziu que FÉLIX foi autuado em flagrante após diligências que comprovaram sua moto nos arredores da casa utilizada pelo grupo delinquente e sua ligação com o transporte dos objetos, utilizando-se de narrativa falsa para justificar a mudança. Relatou que o grêmio criminoso era composto por mais de 30 pessoas, em sua maioria oriundas de São Paulo e pertencentes ao PCC, e agiu de forma coordenada e estruturada, evidenciando atuação típica de “Domínio de Cidade”. Outrossim, o delegado destacou ainda a destruição levada a efeito em Confresa, com incêndio de veículos, bloqueio de vias e disparos contra unidades da Polícia e Corpo de Bombeiros. Afirmou que os elementos encontrados na residência de PETRUSILÂNDIO e as diligências apontam para sua participação estável e duradoura em organização criminosa. Por fim, elucidou que a ligação entre os apelantes FÉLIX e PETRUSILÂNDIO e a pessoa de Jocivan se basearam também em entrevistas informais realizadas durante o curso das investigações, embora a testemunha arremate que PETRUSILÂNDIO negou conhecer FÉLIX em seu interrogatório formal. Oportunamente, destaque-se que o fato de as testemunhas consistirem nos policiais que oficiaram na investigação não afasta a credibilidade ou a idoneidade dos seus depoimentos, tampouco elide o valor probatório dos seus relatos judiciais, máxime quando inexiste qualquer indicativo nos autos de que, aos agentes de segurança pública, interessaria implicar gratuitamente os réus na empreitada criminosa, exatamente como ocorre na presente hipótese. Sobre o tema, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n.º 08, cuja redação dispõe que “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9.998, de 11/04/2017). Não discrepa a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça: “II - O depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso”. (HC 404.507/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 18/04/2018). Além disso, em audiência instrutória, foi ouvido ainda, na qualidade de testemunha compromissada, o morador da cidade de Redenção/PA, Lucélio Souza Leão, o qual confirmou que foi contratado pelo apelante FÉLIX para realizar um frete naquele município, no exato domingo em que os roubos e demais delitos eram praticados em Confresa/MT, e ressaltou que, ao chegar na residência combinada, qual seja, a casa onde morava a pessoa de Jocivan, vulgo “Perna”, encontrou o recorrente FÉLIX desmanchando a estrutura de uma cobertura que havia no local: “O FÉLIX que me contratou para mim ir lá. Para mim fazer um frete, buscar umas telhas, umas coisas que tinha lá e levar para outro local, né. (...). Eu fui lá, era um dia de domingo, ele me ligou (...). Cheguei lá, ele estava lá e os rapaz lá, né, na casa. Aí nós pegou as telhas, pegou, e outras coisas de casa também, né, nós botou em cima do caminhão e levou (...). No caso, estava o FÉLIX, que estava desmanchando uma ‘coberturinha’ que tinha lá, das telhas e coisas que nós estava carregando. Uma mulher e um outro homem, que eu não conhecia. Eu só conhecia o FÉLIX, né, eu já tinha feito um frete para ele já uma vez lá nessa casa também. (...). Ele estava, no caso, era, não sei, desmanchando alguma coisa lá, uma cobertura que tinha lá no quintal. Tipo assim, carregando as coisas, desmanchando a cobertura que tinha no quintal e carregando o resto das coisas que tinha. (...). Nessa casa lá, eu fui lá umas duas vezes buscar coisas, né. Buscar telha, buscar madeira de uma cobertura que tinha lá”. (Relatório de Mídias no ID 258134337) Outrossim, segundo a testemunha Lucélio, FÉLIX sustentou que o morador daquela residência era seu irmão e estaria se separando da esposa, razão pela qual precisava do serviço de frete, a fim de transportar objetos para a casa da genitora de ambos, ressaltando o declarante que, na ocasião, FÉLIX mentiu muito, se mostrava “agoniado” e com pressa, para que os materiais fossem logo removidos: “No caso, nós levamos as telhas para um lugar e as coisas, o resto de coisas de casa, aí nós levamos para outro, dizendo ele que era a mãe dele, né, no caso. Mas aí eu não sei, ele mentiu muito, aí não dava de saber. (...). Ele só estava agoniado para eu ir buscar. ‘Não, não, tal hora, tal hora nós vamos lá’. Aí nós fomos. Aí lá que ele falou que o irmão dele estava separando e que ele ia tirar as coisas da casa e não sei o quê. Estava com pressa para carregar as coisas”. (Relatório de Mídias no ID 258134337). Por oportuno, consigne-se que a prova oral colhida sob o crivo do contraditório, acima cotejada, além de segura e consentânea entre si, encontra respaldo na ampla gama de elementos coligidos ao inquérito, a exemplo do Relatório Policial n.º 2023.1234567/GCCO, referente às diligências domiciliares ligadas aos apelantes, dando conta das apreensões comprometedores realizadas nas casas de FÉLIX e PETRUSILÂNDIO (ID 258133178 - Pág. 34/53 e ID 258133179 - Pág. 1/5). Com efeito, no domicílio da genitora de FÉLIX, foram encontrados cilindro de oxigênio, pedaços de lona e outros equipamentos que haviam sido removidos, via frete, da casa da pessoa de Jocivan, vulgo “Perna”, a qual era usada como base de apoio para a organização criminosa (ID 258133179 - Pág. 1/3), sendo de se pontuar que, dias antes, outros cilindros de oxigênio foram abandonados na cena dos crimes, em Confresa, conforme Termo de Exibição e Apreensão (ID 258133193 - Pág. 56) e fotografias anexas ao laudo pericial do locus delicti (ID 258133194 - Pág. 64/66). Já na residência habitada por PETRUSILÂNDIO (comprovante de endereço no ID 258133173 - Pág. 4), a qual também era usada como base de apoio estratégico para os membros da facção, foram localizadas peças de roupas camufladas, semelhantes ao modelo daquelas usadas pelos executores do roubo em Confresa/MT, além de desenho de um cofre similar àquele da empresa vitimada - BRINKS (ID 258133179 - Pág. 4 e ID 258133177 - Pág. 74). Ademais, a testemunha Lucélio Leão, freteiro atuante em Redenção/PA, revelou em juízo que FÉLIX o contratou para remover os vestígios incriminatórios da residência de Jocivan, vulgo “Perna” (outra base de apoio da facção), o que é corroborado pelo documento intitulado “Relatório Anexo”, contendo a análise das conversas de WhatsApp travadas entre o recorrente FÉLIX e o freteiro Lucélio nos dias 08 e 09/04/2023, por meio das quais se vê que o primeiro realmente contrata os serviços do segundo para aquele Domingo de Páscoa (ID 258133179 - Pág. 6/13). Além disso, ao ser interrogado em audiência instrutória, FÉLIX admitiu que ele próprio construiu a estrutura usada para esconder os veículos no imóvel de Jocivan, meses antes de desmanchar a esconderijo e contratar o frete para remover os vestígios. Aliás, especificamente quanto aos automóveis de alto padrão usados no crime em Confresa/MT, a análise das imagens captadas por câmeras de videomonitoramento, tal qual reduzido a termo no Relatório Policial n.º 2023.12345/GCCO, atestam que pelo menos 03 (três) dos veículos, especificamente o Toyota SW4 branco, o KIA Sorento cinza e a Land Rover azul, na data do delito, saíram da residência onde FÉLIX havia construído o barracão para ocultá-los meses antes e de onde ele posteriormente limpou os vestígios, inclusive desmanchando o esconderijo e viabilizando frete para remoção das evidências (ID 258133178 - Pág. 3/22). As imagens gravadas por câmeras de monitoramento de Redenção/PA também registram que, além da residência de Jocivan, onde FÉLIX prestava seu apoio logístico ao grupo criminoso, os faccionados também usavam como base estratégica a casa de PETRUSILÂNDIO, inclusive porque, na data do crime, saíram do imóvel do réu 02 (dois) carros usados no crime em Confresa/MT, quais sejam, o Dodge Durango preto e a Mitsubishi Outlander prata, consoante se extrai da análise das filmagens no Relatório Policial n.º 2023.123456/GCCO (ID 258133178 - Pág. 23/33). A propósito, além dos veículos usados no crime, o próprio PETRUSILÂNDIO admitiu em juízo que cedeu sua residência para a hospedagem de pelo menos cinco homens e que, posteriormente, reconheceu um deles, pelo modo de andar, nas imagens que viralizaram da ação delitiva em Confresa e circularam pelo país. Portanto, o cenário probatório não deixa margem para dúvida quanto ao envolvimento dos apelantes com a organização criminosa que aterrorizou Confresa/MT no Domingo de Páscoa de 09/04/2023. Com relação à alegada ausência de dolo e falta de consciência de ilicitude nas condutas dos réus, ao contrário do que alega a defesa, resta patente, in casu, tanto a participação dolosa dos apelantes na facção criminosa quanto a convergência de vontades para a subtração patrimonial levada a efeito na empresa BRINKS. Neste ponto, friso não ignorar a angustiante dificuldade de se estabelecer o elemento subjetivo do agente e a árdua tarefa que é perquirir o dolo no processo penal, porquanto trata de aspectos internos da conduta e do que se passa na mente do autor, devendo, assim, ser inferido através das circunstâncias que permeiam a empreitada. A respeito do tema, Eugênio Pacelli ensina que não é defeso ao julgador conferir aos indícios [art. 239 do CPP] valor probatório, lançando mão de sua sensibilidade empírica e de raciocínio dedutivo, no que refere à demonstração da presença de alguma das elementares do delito, especialmente quando se está a falar do elemento psicológico do crime e da intenção do autor, pois não há como ter a certeza visual nem como reconstruir materialmente circunstância que atine puramente ao âmbito intelectual e epistêmico, que, portanto, pode ser aferida através dos fatos já comprovados nos autos e que levem a desvelar a intenção do agente, a exemplo das peculiaridades que cingiram o modus operandi no caso concreto e do comportamento do acusado antes, durante e depois do crime. A propósito: “Em relação especificamente à prova da existência do dolo, bem como de alguns elementos subjetivos do injusto (elementos subjetivos do tipo, já impregnado pela ilicitude), é preciso uma boa dose de cautela. E isso ocorre porque a matéria localiza-se no mundo das intenções, em que não é possível uma abordagem mais segura. Por isso a prova do dolo (também chamado de dolo genérico) e dos elementos subjetivos do tipo (conhecidos como dolo específico) são aferidas pela via do conhecimento dedutivo, a partir do exame de todas as circunstâncias já devidamente provadas e utilizando-se como critério de referência as regras da experiência comum do que ordinariamente acontece. É a via da racionalidade. Assim, quem desfere três tiros na direção de alguém, em regra, quer produzir ou aceita o risco de produzir o resultado morte. Não se irá cogitar, em princípio, de conduta imprudente ou de conduta negligente, que caracterizam o delito culposo”. (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo penal. – 24 ed. – São Paulo: Atlas, 2020. p. 257) – Negritei. É também o posicionamento do e. STJ: “O Tribunal a quo concluiu pela existência do dolo do agente diante das circunstâncias fáticas constantes dos autos. Com efeito, diante da impossibilidade de adentrar-se no ânimo do agente, o dolo ou a culpa devem ser extraídos de elementos externos, cabendo a cada uma das partes comprovar o alegado, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, não se identificando nesse procedimento a inversão do ônus da prova” (HC 374.013/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 31/10/2018) – Destaquei. No caso, conforme já dito, as provas revelam que FÉLIX não só frequentava e levava alimentos na casa de Jocivan, vulgo “Perna”, nos meses em que a residência era usada como a base de apoio para os faccionados que executariam o roubo, mas também concorreu para a construção da cobertura no quintal do imóvel, onde foram escondidos os armamentos e vários dos veículos de luxo, inclusive blindados, que seriam usados no crime, sendo que, na exata data em que os executores deixaram o local, realizou o desmanche da estrutura que funcionava como esconderijo daqueles instrumentos e viabilizou a retirada dos vestígios incriminatórios daquele logradouro. Ademais, de acordo com o freteiro que realizou o transporte dos materiais, parte dos itens foi levada para a casa do próprio FÉLIX (o que coaduna com a apreensão de cilindro de oxigênio e lonas no domicílio da genitora do réu) e o acusado se mostrava agoniado e com pressa para que os objetos fossem logo removidos do local, tendo inclusive inventado estória mentirosa para o profissional, dizendo que o morador da casa era seu irmão, estava em processo de separação e, por isso, precisava fretar aqueles objetos. Outrossim, ao ser ouvido na delegacia, o indivíduo denominado Jocivan Jovan de Araújo, vulgo “Perna”, embora tente eximir FÉLIX de responsabilidade criminal, confirmou que o réu realmente construiu o esconderijo para os carros e que, quando o fez, os veículos que seriam usados no crime já estavam no local, tendo Jocivan aduzido que “QUE no dia que o pessoal saiu da casa o FÉLIX ajudou a desmanchar o barracão na casa, QUE quando o FÉLIX fez o barracão os carros já estavam por lá”. (ID 258133194 - Pág. 18) – Destaquei. Jocivan revelou ainda que o grupo criminoso utilizava a conta bancária de FÉLIX para que recebessem valores que eram depositados para eles, os quais eram sacados por FÉLIX na sequência e repassados a Jocivan (ID 258133194 - Pág. 18). Destaque-se que Jocivan Jovan de Araújo já foi condenado pelos mesmos fatos sub judice na ação penal n.º 1008524-54.2023.8.11.0042 e a condenação foi mantida por esta Terceira Câmara Criminal em grau recursal, com trânsito em julgado do acórdão em 30/04/2025, sendo que, naquele processo, chegou-se à conclusão de que, na casa de Jocivan, eram guardados os armamentos e pelo menos 05 (cinco) veículos usados no crime em Confresa/MT, dentre os quais a SW4 preta, a SW4 branca, o Kia Sorento e a Land Rover Sport. Ora, tendo em vista o recebimento reiterado de valores destinados a terceiros alegadamente desconhecidos em sua conta bancária, assim como a pluralidade de automóveis de elevado valor econômico no local em que construiu o barracão para esconder os automóveis, resta evidente a adesão delitiva de FÉLIX ao desígnio ilícito dos demais agentes, restando nítida a sua consciência de ilicitude. Em suma, não há como acolher a versão defensiva de que, ao construir o esconderijo para os veículos e demais instrumentos do roubo, FÉLIX pensava prestar mero serviço legítimo de serralheria, na medida em que, no exato dia da execução do roubo em Confresa, encarregou-se também de desmanchar tudo aquilo que havia montado meses antes e de viabilizar a remoção dos demais vestígios comprometedores do local, como o restante das lonas e cilindro de oxigênio. É dizer, não há dúvida de que, ao perpetrar tais condutas, FÉLIX cumpria justamente as funções que lhe eram incumbidas na divisão de tarefas da organização criminosa e visava assegurar a impunidade dos seus comparsas faccionados, tanto é assim que, segundo o freteiro responsável pelo transporte dos materiais, FÉLIX se mostrava agoniado e tinha pressa para a retirada daqueles objetos e mentiu para o profissional, inventando estória fantasiosa para justificar o frete, o que incute a certeza quanto à sua consciência de ilicitude e comportamento doloso. Igualmente, o mesmo arcabouço probatório demonstra que PETRUSILÂNDIO forneceu, por dias a fio, sua casa para a permanência gratuita e não onerosa dos comparsas, sendo que dois dos veículos usados na empreitada em Confresa saíram justamente de seu imóvel horas antes do crime. Ademais, carece sobremodo de verossimilhança a versão do réu, de que veio da zona rural para a zona urbana de Redenção/PA, a fim de passar a Semana Santa com seus filhos e, uma vez interpelado com pedido de hospedagem por parte de vários homens desconhecidos, oriundos de outro Estado da Federação, elegeu aceitar a solicitação de tais indivíduos e, gratuitamente, dar-lhes estadia por dias e permanecer com eles no domicílio, mesmo que às custas de seus planos familiares iniciais, sem saber da intenção delitiva do grupo. Além disso, ao ser interrogado em juízo, PETRUSILÂNDIO sustenta que não conhecia a pessoa de Jocivan Jovan de Araújo, vulgo “Perna”, já condenado pelos fatos sub judice na ação penal n.º 1008524-54.2023.8.11.0042, alegando que, nas suas palavras, “eu não conhecia ele, não. Eu nunca andei na casa dele não, não sei onde é a casa dele não, senhor” (Relatório de Mídias no ID 258134337). No entanto, o Relatório Técnico n.º 2023.13.33446, elaborado pelo Núcleo de Inteligência da GCCO-MT aponta que, no momento da sua prisão, Jocivan, vulgo “Perna”, foi detido em poder de sua agenda, contendo alguns contatos telefônicos, dentre os quais o numeral de PETRUSILÂNDIO, anotado ao lado do apelido admitidamente usado pelo recorrente (“Grande”), de modo que a inverdade do réu sobre desconhecer o comparsa demonstra a sua consciência de ilicitude e espessa a conclusão de que a negativa de autoria não passa de tentativa de autodefesa (ID 258134264 - Pág. 7/9). Aliás, ao ser inquirido pela autoridade policial, a pessoa de Jocivan vulgo “Perna”, expôs que “em sua residência e do PRETRUSILANDIO tinha em média 18 a 20 pessoas do grupo criminoso (...); QUE o pessoal, assim como os carros ficaram na casa do PETRUSILANDIO por volta de 10 dias”. (ID 258133194 - Pág. 18/19) – Negritei. Deste modo, é inegável que, ao fornecer sua casa como ponto de apoio, para hospedagem e base estratégica dos executores do roubo e armazenamento dos veículos que seriam usados no delito patrimonial, PETRUSILÂNDIO não só conhecia a intenção delitiva dos demais, mas verdadeiramente aderiu a tal intento dos comparsas. Outrossim, reitere-se que na residência de PETRUSILÂNDIO, foram encontradas roupas camufladas semelhantes àquelas usadas na ação delitiva em Confresa e até mesmo desenho do cofre da empresa BRINKS que seria vitimada (ID 258133179 - Pág. 4 e ID 258133177 - Pág. 74), o que tonifica ainda mais sua ciência e adesão ao ânimo delitivo dos comparsas, sendo manifestamente inverossímil que ele convivesse por dias no mesmo domicílio em estado de ignorância sobre os planos ilícitos. Se isso não bastasse, nas conversas extraídas do celular de PETRUSILÂNDIO, vê-se que, após a prática dos delitos em Confresa, o réu interage com outros indivíduos acerca da ação ilícita e manifesta reconhecimento em face de um dos executores do roubo como um de seus “hóspedes”, sem demonstrar surpresa ou tomar providências junto às autoridades públicas no afã de auxiliar na identificação do criminoso. A propósito, nas conversas, travadas entre 10 e 12/04/2023, ou seja, poucos dias após os crimes em Confresa e cerca de uma semana antes da sua prisão em Redenção, PETRUSILÂNDIO interage com a pessoa de “Cirlei” (suspeito foragido Ciney dos Santos Lima) por mensagens de áudio e encaminha fotos ao interlocutor, referentes a dois executores do roubo mortos em confronto com a Polícia e a um coautor preso, mencionando que os reconhece (ID 258133173 - Pág. 31 e ID 258134264 - Pág. 12). Todas essas circunstâncias, amplamente comprovadas nos autos, me incutem a certeza de que FÉLIX e PETRUSILÂNDIO estavam intimamente coligados com a organização criminosa, de maneira perene, estável e estruturalmente ordenada, inclusive se desincumbiam com frequência e prontidão das tarefas das quais eram encarregados no âmbito da divisão funcional de tarefas entre os membros do bando, em unidade de propósitos com estes e visando o objetivo comum de auferir vantagem ilícita, mediante a prática delitiva. Esclareça-se que o simples fato de não terem estado presentes e executado diretamente o roubo contra a empresa BRINKS, em Confresa/MT, de nenhuma forma exime os apelantes de participação na subtração patrimonial; pelo contrário, tal particularidade apenas confirma a divisão bem delineada de tarefas existente no grêmio delinquente do qual eles eram membros. A propósito, no concurso de pessoas, a colaboração recíproca pode ocorrer tanto na forma de coautoria quanto de participação, sendo que, para fins de punição, o Código Penal brasileiro adota a teoria monista ou unitária, o que significa dizer que, havendo concurso de agentes com unidade de desígnios e pluralidade de condutas causalmente relevantes para a prática de determinado crime, tanto os autores quanto os partícipes incidirão nas penas por este cominadas, de modo que é irrelevante, para a eventual responsabilização criminal, qual dos infratores executou os verbos nucleares do tipo, pois, se os demais agentes conheciam a intenção delitiva do executor e agiram para auxiliar no sucesso da empreitada, todos eles se sujeitarão à mesma incursão típica e à mesma classificação jurídica da conduta. Aliás, é o que normatiza o art. 29 do Código Penal, ao preconizar que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Na espécie, como já exposto, os réus, em conluio organizado com os comparsas e imbuídos de ciência quanto à intenção delitiva dos demais, prestaram apoio logístico aos executores do roubo à empresa BRINKS, enquanto a empreitada ilícita era engendrada, a fim de assegurar o sucesso da futura subtração, e também durante a execução delitiva, limpando vestígios para assegurar a impunidade dos afiliados. Destarte, é nítida não só a concorrência intelectual, mas também os atos de auxílio material prestados pelos apelantes, os quais aderiram ao intento criminoso dos demais agentes e, em unidade de desígnios e comunhão de esforços, exerceram as tarefas que lhes incumbiam para assegurar a plena execução do delito patrimonial e a consecução da vantagem patrimonial almejada pela facção. Assim sendo, não há o que se falar em ausência de domínio do fato, pois as contribuições dos acusados, essenciais que foram para o sucesso do crime, fazem configurar, in casu, a figura da concorrência mediante divisão de tarefas, ainda que eles não tenham praticado os verbos nucelares do tipo penal propriamente dito. Nesse sentido: “1. Conforme pacífico entendimento desta Corte, o fato de o acusado não haver praticado diretamente as elementares do crime não retira a existência da convergência de vontades para a prática delitiva, notadamente quando se verifica, pelos fatos descritos, que a sua atuação foi concreta e relevante (locação do imóvel que serviu como cativeiro da vítima), situação que acaba por abarca-lo na figura típica, em coautoria”. (AgRg no HC n. 731.874/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2022) – Destaquei. “3. No caso, conquanto não tenha o recorrido praticado a conduta prevista no núcleo do tipo penal, aderiu à determinação do comparsa, facilitando e assegurando a consumação do delito, concorrendo, assim, para a conduta típica, nos exatos termos do art. 29 do Código Penal”. ((REsp n. 1.799.010/GO, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 7/5/2019) – Grifei. Quanto à alegação defensiva de que, na espécie, não se fariam presentes as elementares objetivas e subjetivas do crime de organização criminosa (Lei n.º 12.850/2013), a tese tampouco comporta acolhimento. Como se sabe, a teor do que preceitua o art. 1.º, §1.º, da Lei n.º 12.850/2013, considera-se organização criminosa a associação pré-estabelecida de 04 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão ainda que informal de tarefas, tudo com o objetivo comum de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Tem-se, pois, que, para a subsunção do fato à norma, é necessário que o conjunto de 04 (quatro) ou mais indivíduos se agremie de maneira ordenada e organizada, como sugere a própria etimologia do tipo, ou seja, por meio de alguma forma de hierarquia e escalonamento entre superiores e subordinados, todos com objetivos comuns no âmbito da delinquência, equiparando-se a estrutura organizacional do grupo infrator a verdadeiros métodos de dinâmica empresarial, em meio à qual chefes e chefiados, cada qual com atribuições divididas e tarefas compartimentalizadas, mesmo que informalmente, realizam empreendimentos criminosos voltados a auferir vantagens de qualquer natureza. Nesse contexto, para além de definir o conceito de organização criminosa, a já mencionada Lei n.º 12.850/2013 tipifica, no seu art. 2.º, o delito consistente em “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Na hipótese dos autos, o delegado e policiais civis ouvidos em juízo revelaram que o terror infligido na cidade de Confresa, voltado à subtração de valores da empresa BRINKS, contou com a participação de indivíduos de diversos Estados da Federação, inclusive a mando e mediante financiamento de integrantes nos Estados de São Paulo e Maranhão, além bases de apoio logístico no Pará, fuga para Tocantins e alvos em Mato Grosso. Tal nível de articulação, com distribuição bem delineada de tarefas, divididas entre setores ordenados em escalonamento hierárquico com atribuições de mando, financiamento, execução, apoio logístico etc., tudo visando o objetivo comum consistente em vantagem patrimonial ilícita obtida mediante a prática de roubo com emprego de armas de fogo de uso restrito e proibido, munição antiaérea, explosivos, carros de luxo blindados, fuga por embarcações etc., por si só, já demonstra o caráter estrutural autônomo do grupo criminoso e o preenchimento os elementos objetivos do art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013. Ademais, a testemunha Mário Roberto Sousa Santiago Júnior, delegado de polícia lotado na Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO), esclareceu que os delitos foram perpetrados grupo vinculado à pública e notória organização criminosa “Primeiro Comando da Capital – PCC”. Com relação ao elemento subjetivo do tipo, as mensagens extraídas do celular de PETRUSILÂNDIO, assim como os próprios comportamentos externalizados por ele e por FÉLIX nos atos de auxílio e apoio fornecidos ao grupo infrator, tal qual se extrai dos testemunhos prestados em juízo e pelas imagens captadas pelas câmeras de segurança de Redenção/PA, bastam para incutir a certeza de que, ao concorrerem com os executores do roubo para a prática delitiva, os recorrentes se agremiaram a eles de maneira perene, estável e organizada, não havendo o que se falar em mera convergência esporádica de vontades ou colaboração recíproca pontual e isolada. Diante deste cenário, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que as provas angariadas ao feito, em ambas as fases processuais, são suficientes para atestar a coautoria e participação dos apelantes FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO nos crimes de organização criminosa majorada (Fato 01) e roubo circunstanciado (Fato 02), com todas as elementares inerentes aos respectivos tipos penais, a inviabilizar o acolhimento dos pedidos de absolvição por falta de provas ou atipicidade das condutas. Com tais considerações, mantém-se o desfecho condenatório. 2. Do pedido de não aplicação cumulativa das majorantes no crime de roubo (FATO 02) – RECURSO DO RÉU PETRUSILÂNDIO: Embora não teça maiores digressões a respeito, no curso de seu arrazoado, a i. defesa do réu PETRUSILÂNDIO sustenta que a aplicação cumulativa de causas de aumento pelo juízo sentenciante, no que se refere ao delito de roubo descrito no FATO 02 da denúncia, deu-se “sem fundamentação concreta”. (ID 264463285 - Pág. 8). Porém, a razão não assiste ao recorrente. Como é cediço, o art. 68, parágrafo único, do Código Penal preconiza que “No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”. – Negritei. Ao interpretarem o referido artigo, as Cortes Superiores extraíram exegese conforme a qual o dispositivo legal não exige que o juiz aplique uma única causa de aumento, quando estiver diante de concurso de majorantes, mas que sempre justifique a escolha da fração imposta, de maneira que, havendo fundamentação concreta e atrelada ao lastro probatório dos autos capaz de demonstrar a necessidade e adequação da medida, é dado ao julgador aplicar cumulativamente majorantes previstas na parte especial do Código Penal. Nesse sentido: “1. A teor do art. 68, parágrafo único, do Código Penal, é possível, de forma concretamente fundamentada, aplicar cumulativamente as causas de aumento de pena previstas na parte especial, não estando obrigado o julgador somente a fazer incidir a causa que aumente mais a pena, excluindo as demais”. (HC n. 560.059/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe de 2/6/2020) – Destaquei. No caso em apreço, ao realizar a dosimetria da pena do crime de roubo à empresa BRINKS, pelo qual o apelante foi condenado, o juízo sentenciante aplicou cumulativamente a majorante relacionada ao uso de explosivos (art. 157, §2.º-A, II, CP), na fração taxativamente cominada em lei de 2/3 (dois terços), e a majorante pertinente ao emprego de arma de fogo de uso restrito (art. 157, §2.º-B, CP), no quantum dobrado igualmente ex lege, fundamentando-se em elementos concretos que justificam a incidência simultânea das causas de aumento, notadamente a gravidade diferenciada e maior reprovabilidade do modus operandi e a presença de desígnios autônomos na utilização tanto de materiais explosivos quanto de armas de fogo de uso restrito (Sentença oral em Relatório de Mídias no ID 258134337). Sobre a validade da fundamentação aventada na sentença, já assentou o e. STJ, in verbis: “2. Tem-se por justificada a aplicação cumulativa das majorantes ante o princípio da incidência cumulada, havendo referência acerca do modus operandi do delito, praticado com especial gravidade ou maior grau de reprovação na conduta, como o emprego de extrema violência durante do iter criminis, em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior”. (REsp n. 2.122.298/PI, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 6/6/2024) – Grifei. Com efeito, o Laudo Pericial n.º 523.2.19.0131.2023.109873-A01, realizado na sede na empresa vitimada (ID 258133194 - Pág. 50/95), não deixa dúvida de que os agentes empregaram explosivos para destruir a estrutura e acessar o prédio da BRINKS, ao passo que as fotografias das armas de fogo e munições apreendidas (ID 258134163 - Pág. 148/150) e o Laudo Pericial n.º 211.2.13.9067.2023.113342-A03, referente à perícia nos armamentos (ID 258134332), incute a certeza de que os artefatos bélicos usados pelos infratores eram de uso restrito. Ademais, a prova oral angariada ao feito, notadamente as declarações extrajudiciais da pessoa de Jocivan Jovan de Araújo (ID 258133194 - Pág. 16/19) e os depoimentos prestados em juízo pelos policiais civis, corroborada que está pelas filmagens das câmeras de segurança instaladas na cidade de Redenção, atesta que, antes do roubo, os armamentos e materiais explosivos ficaram armazenados nas residências de apoio logístico da facção, uma das quais pertencente a PETRUSILÂNDIO, onde também estiveram guardados dois dos veículos utilizados na subtração patrimonial (Dodge Durango e Mitsubishi Outlander). Significa dizer que, embora o recorrente não tenha estado presente no momento da execução do roubo propriamente dita, sabia que os comparsas usariam as armas de fogo de uso restrito e os explosivos na empreitada e aderiu a tal intento, inclusive fornecendo seu imóvel como depósito para o arsenal bélico, de modo que tratando-se de circunstância de natureza objetiva, comunica-se a todos os coautores e partícipes (art. 30, CP), conforme jurisprudência iterativa do STJ: “8. Conforme a jurisprudência desta Corte, ‘no caso de crime cometido mediante o emprego de arma de fogo, por se tratar de circunstância objetiva, a majorante se entende a todos os agentes envolvidos no delito, sejam coautores ou partícipes, porquanto o Código Penal filiou-se à teoria monista ou unitária no que tange ao concurso de pessoas (Código Penal, art. 29)’ (...)”. (AgRg no HC n. 857.826/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 18/12/2023) – Negritei. Assentadas tais premissas, é evidente que o caso concreto recomenda a aplicação cumulativa e simultânea das majorantes do art. 157, §2.º-A, II, §2.º-B, do Código Penal, nas respectivas frações previstas em lei. Isto porque, o réu, em conluio e unidade de desígnios com os executores, concorreu para o roubo à empresa BRINKS, mediante o uso de verdadeiro arsenal de armas de fogo de uso restrito, dentre as quais fuzis de calibre .762, fuzis de calibre .50, doze carregadores de fuzil, armas de calibre .556, inúmeros outros carregadores, três apetrechos de granada, munições de ataque antiaéreo, incontáveis munições de diversos calibres etc., além de coletes balísticos, capacetes camuflados e máscaras balaclava, conforme atestam os autos de exibição, apreensão e depósito juntados no ID 258134164 - Pág. 59/60 e ID 258134165 - Pág. 21/22 e as fotografias coligidas no ID 258134163 - Pág. 148/149. Destaque-se que as armas de fogo de uso restrito foram usadas para obrigar munícipes a servirem como “escudo humano” e a ajudarem a carregar a res furtivae de dentro da empresa vitimada. Além disso, o acusado e seus comparsas explodiram não só muro que cercava o imóvel da BRINKS, mas também a antessala que dava acesso ao cofre, a fim de danificar a janela blindada, tudo isso ocasionando a destruição da sede da empresa. Se não bastasse, a perícia realizada na cena do crime atesta que o prédio da BRINKS foi alvejado não só com explosivos, mas também com projéteis das armas de fogo, in verbis: “Assim, em face do exposto e analisado, baseando-se nos vestígios materiais encontrados no local, conclui a equipe pericial que o imóvel comercial em epígrafe apresentava os danos supracitados, produzidos por ação de terceiro(s), por uso de instrumentos: perfurocontundentes (projéteis de arma(s) de fogo), por ação exotérmica gerada pela técnica do oxicorte, ou similar, empregada nos itens metálicos e pelos efeitos diretos e indiretos da detonação de explosivos em época recente”. (ID 118030163 - Pág. 45) – Destaquei. Tais particularidades demonstram o grau de reprovabilidade diferenciado da conduta do agente e a necessidade de repressão estatal mais severa. Assim sendo, deve ser ratificada a exasperação cumulativa operada entre nas majorantes do art. 157, §2.º-A, II, e §2.º-B, do Código Penal, no crime de roubo à empresa BRINKS de Confresa/MT. 3. Dos pedidos de condenação pelos delitos de roubo, porte e disparo de arma de fogo, incêndio e dano qualificado (FATOS 03 a 07) – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO: Em outra vertente, o MINISTÉRIO PÚBLICO se insurge contra as absolvições proferidas em favor dos réus FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO, no que tange aos crimes de roubo, por duas vezes, contra as vítimas Nelbia Barreira Campos e Wanderson Goveia de Carvalho (FATO 03), porte de arma de fogo de uso proibido e disparo de arma de fogo (FATOS 04 E 05), incêndio (FATO 06) e dano qualificado (FATO 07). No entanto, após perscrutar detidamente as provas angariadas ao feito, no que se refere a tais crimes, concluo que o édito absolutório deva ser ratificado. Com efeito, o arcabouço probatório é assaz para demonstrar que, além de integrarem a organização criminosa e contribuírem material e intelectualmente para a consecução do crime de roubo contra a empresa BRINKS (FATOS 01 E 02), os apelados ainda possuíam ciência de que a referida subtração patrimonial seria perpetrada mediante o emprego ostensivo de armas de fogo e o uso de explosivos, aderindo subjetivamente a estas circunstâncias, conforme exposto nos tópicos anteriores deste aresto. No entanto, ao revés do que sustenta o Parquet, não há como afirmar, com a certeza necessária para uma condenação criminal, que os réus soubessem ou tenham aderido aos demais comportamentos ilícitos incidentalmente perpetrados pelos comparsas já na cidade de Confresa/MT, havendo dúvida intransponível se tais condutas delitivas tangenciais consistiram em desvio subjetivo dos executores. Deveras, não obstante o i. órgão acusador alegue que os crimes descritos nos FATOS 03, 04, 05, 06 E 07 consubstanciaram desdobramentos comuns e inerentes ao modus operandi do “novo cangaço”, que inflige verdadeiro terror nos municípios em que atua, o argumento ministerial leva apenas a uma forte presunção – e não à certeza cabal – de que os réus sabiam de todos os métodos que seriam instrumentalizados pelos executores para conseguir roubar a empresa BRINKS. A propósito, não obstante o Código de Processo Penal brasileiro adote a teoria monista ou unitária, para fins de responsabilização penal, é igualmente certo que o próprio códex adjetivo tempera a aludida teoria com algumas exceções, no afã evitar padronizações injustas e de atender ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5.º, XLVI, CFBR/88). É esse o caso da Cooperação Dolosamente Distinta, positivada no art. 29, §2.º, do Código Penal, a qual deve ser reconhecida sempre que um dos concorrentes adere, com a sua vontade, a crime menos grave e não àquele efetivamente cometido pelos demais, os quais vêm a extrapolar o que foi inicialmente planejado, devendo ser aplicada, para ele, tão somente a pena do ilícito que pretendia cometer. Na hipótese, é possível que o roubo a veículo dos dois munícipes, o incêndio e o dano ao patrimônio público, incidentalmente praticados pelos executores do roubo à empresa BRINKS, tenham consistido em comportamentos desviados por parte dos agentes que realizavam esta subtração principal e desdobramentos dos quais os recorridos sequer possuíam ciência; mesmo porque, tais condutas se deram apenas no calor dos fatos e os réus sequer estavam presentes na cidade onde ocorreram, não havendo como decretar, de maneira indene de dúvida, que eles aderiram a todos os crimes tangenciais perpetrados pelos afiliados, sob pena de se incorrer em responsabilidade penal objetiva. Da mesma forma, a ciência e aderência dos acusados acerca das armas de fogo que seriam utilizadas, em um domingo (feriado de Páscoa), no roubo à empresa BRINKS, embora incuta a certeza de que tal circunstância deve majorar a pena de suas condutas pelo FATO 02, não deixa inequívoco que soubessem que os executores disparariam projéteis ou acionariam munições em lugares habitados. Igualmente, as provas atestam que as armas de fogo permaneceram guardadas em residências ligadas aos réus até o seu emprego no roubo à empresa BRINKS, havendo sérias dúvidas quanto à existência de desígnio autônomo por parte dos apelados em portá-las fora de tais domicílios, se não para a prática do roubo à empresa, de modo que a condenação pelos crimes da Lei n.º 10.826/03 esbarraria no princípio da consunção e no princípio que veda o bis in idem, pois os réus já foram incursionados nas majorantes do art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013 e do art. 157, §2.º-B, do Código Penal. Aliás, a questão foi enfrentada pelo d. juízo a quo na sentença, cujos pertinentes trechos transcrevo a seguir e adoto com razões de decidir, no afã de evitar tautologia, in verbis: “Essas condutas do roubo, do incêndio, do ataque a patrimônio público, dos disparos em vias públicas, pelo menos na visualização desse juízo, caracterizam um desdobramento fora dos desenrolar lógico da conduta que os acusados inicialmente aderiram. (...). E o juízo não consegue, a partir da prova técnica, da prova pericial, da prova documental e estabelecer um vínculo seguro, em relação aos acusados FÉLIX e também do codenunciado, quanto a tais comportamentos de incêndio, de dano, de atear fogo em viatura policial, sem estabelecer especificamente essa realidade de uma responsabilidade penal de natureza objetiva. Essa situação, por si só, na linha da jurisprudência da literatura, configura aquilo que se convencionou o chamado desvios subjetivos, que, segundo a literatura, mais abalizada, o agente que desejava praticar de um determinado delito, sem condição de prever a concretização de crime mais grave, deve responder pelo crime que pretendeu fazer, não se podendo lhe imputar outra conduta não desejada, sob pena de estar tratando de uma responsabilidade penal objetiva, extirpada do nosso sistema pela reforma de 1984. Então, o que o juízo tem de prova concreta e segura é que os acusados integraram a organização criminosa armada, aderiram e participaram de uma forma determinante para promover o ataque ao patrimônio da BRINKS e os demais comportamentos daí derivados fogem do desdobramento regular das condutas que eles aderiram, que eles planejaram. Porque, desde sempre, desde o início, as investigações indicam que o planejamento idealizado na cidade onde residiam os acusados era do ataque patrimonial à empresa de transporte de valores, sem qualquer cogitação dos atos daí derivados. Pode até ser que eles sabiam que isso era possível, previsível, até acho que sim, que talvez soubessem dessa possibilidade de atear fogo, de colocar incêndio, de realizar a conduta de ‘fechamento de cidade’, ataque a núcleo de polícia militar e ao corpo de bombeiros. Mas achismos são totalmente incompatíveis com o sistema constitucional e democrático de direito e em nome em favor do ‘in dubio pro reo’, o juízo, quanto a tais imputações, está a afastar a responsabilidade penal dos acusados”. (Sentença oral em Relatório de Mídias no ID 258134337). Portanto, assim como o d. juízo a quo e a i. Procuradoria-Geral de Justiça, deparo-me com dúvida insuperável, no que concerne ao dolo dos recorridos, nos FATOS 03, 04, 05, 06 E 07, a qual deve ser resolvida em favor dos acusados, a teor do princípio in dubio pro reo. Em suma, é possível que os réus estivessem conluiados e em unidade de propósitos com seus comparsas não só para o roubo à BRINKS em si, mas também para todos os demais delitos incidentais levados a efeito pelos executores no afã de conseguir aquela precípua subtração ilícita; todavia, não havendo elementos mais seguros nos autos dos quais se possa extrair com certeza tal conclusão, impõe-se solver a dúvida em favor dos acusados, pois, em um juízo de ponderação, é inegavelmente preferível absolver um culpado a condenar um inocente. A propósito: “5. Insta salientar que a avaliação do acervo probatório deve ser balizada pelo princípio do favor rei. Ou seja, remanescendo dúvida sobre a responsabilidade penal do acusado, imperiosa será a sua absolvição, tendo em vista que sobre a acusação recai o inafastável ônus de provar o que foi veiculado na denúncia”. (REsp n. 2.109.511/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024). Com tais considerações, conservam-se as absolvições dos recorridos pelos crimes dos Fatos 03, 04, 05, 06 e 07. 4. Dos pedidos de readequação das penas básicas [RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO RÉU PETRUSILÂNDIO]: 4.1. DO CRIME DE ROUBO MAJORADO (FATO 02): No tocante ao crime de roubo, o MINISTÉRIO PÚBLICO busca a exasperação das penas-base, mediante a negativação da CULPABILIDADE dos réus, haja vista a premeditação; ao passo que a defesa do réu PETRUSILÂNDIO, por sua vez, almeja a redução da pena-base do delito patrimonial, com esteio nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois o aumento na sentença seria exacerbado. Quanto ao pedido ministerial, deve ser desprovido. Com efeito, o Parquet fundamenta o pleito com base na extensa premeditação e no longevo planejamento e estudo delitivo, que perdurou meses a fio. No entanto, tais particularidades fáticas foram instrumentalizadas pelo juízo sentenciante para avaliar negativamente as CIRCUNSTÂNCIAS do roubo (ID 258134336 - Pág. 2 e 4), de modo que não podem ser novamente sopesadas na fixação da pena-base, sob pena de bis in idem. Em relação ao pedido defensivo, entendo que o pleito tampouco comporta provimento. De início, esclareça-se que, a despeito do parecer da i. Procuradoria-Geral de Justiça, opinando pelo parcial provimento do recurso defensivo, apenas para neutralizar os MOTIVOS do crime, tal modular sequer foi depreciada na sentença, em que, para ambos os réus, a vetorial em questão foi considerada “imanente à figura típica” (ID 258134336 - Pág. 2 e 4). A propósito, na infração patrimonial cometida contra a empresa BRINKS, as sanções básicas dos réus foram estipuladas no patamar de 07 (sete) anos de reclusão, ou seja, afastaram-se 03 (três) anos do mínimo legal, ante a valoração desfavorável de 02 (duas) circunstâncias judiciais, quais sejam, as CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS do crime, de modo que, a cada uma, foi atribuído o peso de 18 (dezoito) meses, equivalentes a 1/4 (um quarto) do intervalo entre as penas mínima e máxima abstratamente cominadas no preceito secundário da norma incriminadora. Oportunamente, friso não ignorar a recomendação das Cortes Superiores no sentido de que a expressão quantitativa a ser conferida às circunstâncias judiciais desfavoráveis, via de regra, deve corresponder a 1/6 (um sexto) da pena mínima em abstrato prevista para o tipo penal ou a 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima (termo médio). Entretanto, é igualmente certo que tais métodos não se relevam absolutos e devem ser compatibilizados com as previsões constitucionais e legais, as quais impõem ao magistrado a o dever de individualização da pena mediante a discriminação e aferição de todas as particularidades do fato, dos resultados produzidos, do grau de reprovabilidade concreto da conduta, além dos atributos pessoais do condenado. A propósito, filio-me ao entendimento de que as frações mencionadas acima consubstanciam mero parâmetro de exasperação e não propriamente um critério frio e imutável aplicável indistintamente em todos as hipóteses, pois a ciência jurídica não se sujeita a fórmulas prontas, devendo preponderar, na busca pelo justo, a ponderação das idiossincrasias naturalísticas e fenomênicas que cingiram o delito e a análise das condições pessoais do agente. Tanto é assim que o próprio Superior Tribunal de Justiça já assentou que o norte jurisprudencial não constitui uma imposição determinante e tampouco impede o julgador de exercitar sua discricionariedade motivada e de adotar quantum diverso ante as peculiaridades do caso concreto, sendo inclusive possível a fixação da pena-base no máximo legal, ainda que apenas uma modular tenha sido negativada, contanto que haja fundamentação idônea para tanto. Nesse sentido: “1. (...). Todavia, trata-se de patamar meramente norteador e não determinante ou exato, que busca apenas garantir a segurança jurídica e a proporcionalidade do aumento da pena, é facultado ao juiz, no exercício de sua discricionariedade motivada, adotar ‘quantum’ de incremento diverso diante das peculiaridades do caso concreto e do maior desvalor do agir do réu. (...)”. (AgRg no AREsp 1404687/SP, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 30/04/2019) – Grifei. “5. Não há impedimento para que o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, desde que haja fundamentação idônea e suficiente, mesmo que apenas uma circunstância judicial tenha sido valorada”. (RCD no HC n. 962.253/ES, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 11/3/2025) – Destaquei. É também a lição doutrinária: “Não existe um critério ideal que solucione todos os casos passíveis de análise, uma vez que a dosagem da pena-base está relacionada a fatos concretos, evidenciados a partir da ocorrência do crime, acrescido dos atributos pessoais do próprio acusado, os quais, em conjunto, definem a necessidade de maior ou menor reprovação do ilícito. Cada crime guarda sua particularidade, pois as circunstâncias que norteiam sua prática, os resultados que produz, o grau de sua gravidade em concreto, tudo isso somente poderá ser valorado a partir de elementos próprios colhidos no decorrer da instrução criminal. (...). Antes de tudo, devemos relembrar que o critério proposto (...) não se trata de um critério absoluto, podendo este patamar restar valorado individualmente a maior, ou a menor, de acordo com a particularidade apresentada pelo caso concreto. Não podemos nos esquecer que se trata de um critério estipulado no plano teórico, sendo que ao aplicá-lo devemos ter sempre presente a reprovabilidade concreta demonstrada por casa circunstância judicial (grau de censura)”. (SCHMITT, Ricardo. – Sentença penal condenatória: teoria e prática. – 9. ed. rev. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 150/153) – Destaquei. Partindo dessas premissas, na espécie, não há como tachar o incremento de 1/4 (um quarto) do intervalo, decorrente da depreciação das CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS do roubo, como desarrazoado ou desproporcional, haja vista o elevado grau de censurabilidade e a intensa reprovabilidade dos substratos fáticos que fundamentam o desvalor de ambos os vetores octogonais. Sobre as CIRCUNSTÂNCIAS, extrai-se das provas e da própria fundamentação da sentença que o roubo à empresa BRINKS não só foi premeditado, mas engendrado e arquitetado por cerca de um ano, com utilização de imóveis como bases de apoio em outros Estados da Federação, como a cidade de Redenção/PA, redundando no estudo e na seleção de uma empresa de transportes de valores situada no interior de Mato Grosso como alvo, sendo que tanto o planejamento quanto a execução em si do delito contou com o concurso de dezenas de infratores e comboio interestadual de veículos de luxo, inclusive carros blindados, e embarcações para fuga. Tais particularidades deixam patente a reprovabilidade diferenciada das CIRCUNSTÂNCIAS que envolveram o crime e justificam o peso de 1/4 (um quarto) do intervalo, atribuído à modular negativada. Da mesma forma, quanto às CONSEQUÊNCIAS, embora o valor efetivamente subtraído da empresa BRINKS não seja altamente expressivo (R$ 2.700,00), além do montante roubado, houve a completa destruição da propriedade onde funcionava a filial da empresa, em Confresa, e dos bens que guarneciam o estabelecimento, mediante cerca de cinco detonações de explosivos no muro que cercava o terreno e nas paredes do prédio; corte térmico da estrutura metálica da edificação (técnica de “oxicorte”); rompimento da janela blindada; e disparos de arma de fogo por todo o imóvel, conforme atesta o laudo pericial realizado no locus delicti (ID 258133194 - Pág. 50/95), o que certamente ultrapassa os desdobramentos ordinários do tipo penal. Além disso, as consequências do crime patrimonial reverberaram na comunidade circundante, já que a empresa era sediada em via predominantemente residencial e, devido às ondas de choque derivadas das explosões, a Igreja vizinha e os imóveis próximos também foram danificados, conforme laudos periciais acostados aos autos (ID 258133195 - Pág. 81/92, Pág. 93/106 e Pág. 107/115). Diante de todos esses reflexos deletérios que maculam as CONSEQUÊNCIAS do roubo à BRINKS, deve ser mantida a expressividade quantitativa mais severa conferida à vetorial, no importe de 1/4 (um quarto) do intervalo, tal qual operado na sentença. Assim sendo, neste ponto específico, desprovejo as insurgências das partes e conservo incólumes as penas-base do crime de roubo. 4.2. DO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (FATO 01): O Parquet vindica ainda o recrudescimento das sanções básicas do delito de organização criminosa, através da depreciação da CULPABILIDADE dos agentes, CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS da infração e, neste particular tocante, parcial razão assiste ao órgão ministerial. No que tange à CULPABILIDADE dos réus, tem-se que o dolo de meramente integrar organização criminosa restou extrapolado in casu, já que os apelados se agremiaram de maneira sofisticada e complexa a uma facção altamente violenta, de estrutura complexa e métodos sofisticados, dotada de elevado poder financeiro e bélico, consoante se extrai do próprio modus operandi usado para o roubo à empresa de transporte de valores, tratando-se de grupo responsável ainda pela prática de crimes extremamente graves e hediondos. Aliás, o depoimento judicial da testemunha Mário Roberto Sousa Santiago Júnior revela que o grupo integrado pelos recorridos consistia em uma célula ligada ao “Primeiro Comando da Capital – PCC”, o que coaduna com o poderio beligerante ostentado pelos faccionados durante o roubo em Confresa e com a habilidade dos faccionados, que, mediante divisão de tarefas, sob liderança bem definida, conseguiram chegar sem embaraços até a filial da empresa BRINKS naquele município. Tal elemento subjetivo desborda do grau de censurabilidade inerente ao tipo penal em abstrato, conforme se extrai do seguinte precedente do STJ: “3. No caso, o fato de o paciente integrar organização criminosa altamente estruturada que se dedica a prática de diversos delitos extremamente graves (PCC) se mostra idôneo para desvalorar a culpabilidade e para justificar o incremento da pena. Precedentes”. (AgRg no HC n. 842.700/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 1/3/2024) – Negritei. Por outro lado, em relação às CONSEQUÊNCIAS do delito de organização criminosa, embora o órgão acusador invoque os “nefastos danos causados a toda uma comunidade que sofre essa grave modalidade de ação delitiva, tal como ocorrido no município de Confresa/MT” (ID 258134352 - Pág. 25), para postular a negativação da referida circunstância judicial, a pretensão deve ser refutada. Isto porque, conforme já exposto em linhas volvidas, os ora recorridos foram absolvidos dos delitos de roubo a munícipes aleatórios de Confresa, de incêndio a carros, carretas e caminhões, de dano ao patrimônio público (viaturas e prédio da Polícia Miliar e viatura do Corpo de Bombeiros) e de disparos de arma de fogo desvinculados da subtração à BRINKS, sendo certo que tais delitos generalizados, mais depressa que o roubo à empresa em si, aparentam ter sido a verdadeira causa do terror infligido àquela cidade interiorana, o que torna temerário utilizar tal particularidade para incrementar as penas dos réus absolvidos. Ademais, embora o roubo à BRINKS também tenha se revestido de circunstâncias e consequências deveras gravosas, como destruição da filial com o uso de explosivos e disparos de arma de fogo e utilização de civis como “escudo humano” para ajudar a carregar a res furtivae, tais peculiaridades, vinculadas que estão ao delito patrimonial em si, já foram instrumentalizadas para recrudescer a pena daquele roubo. No que concerne às CIRCUNSTÂNCIAS do crime do art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013, o órgão ministerial alega que seriam negativas, porque o mesmo grupo infrator teria realizado novos “mega assaltos” em outras regiões do país. Entretanto, não há elementos nestes autos que levem a concluir com segurança que os ora apelados FÉLIX e PETRUSILÂNDIO estiveram envolvidos nestes fatos subsequentes, mesmo porque, foram localizados e presos alguns dias após o roubo sub judice, encontrando-se encarcerados desde então, de modo que tais condutas estranhas a este processo devem constituir objeto de apuração em procedimento próprio, voltado a desvelar a respectiva autoria, não podendo laborar em desprestígio dos recorridos. Com tais considerações, desprovejo os pedidos defensivo e ministerial de modificação da pena-base do crime de roubo e, por outro lado, provejo parcialmente a insurgência do Parquet, para elevar a pena-base da organização criminosa, mediante a negativação da culpabilidade dos réus. Assim sendo, atribuo a CULPABILIDADE dos réus, pelo delito de organização criminosa, a expressividade quantitativa de 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, equivalentes a 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima abstratamente cominadas no preceito secundário do tipo penal, por se tratar de quantum razoável e proporcional para prevenir e repreender o delito, no caso concreto. Assim, fixo a penas-base de FÉLIX e PETRUSILÂNDIO em 03 (três) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, inexistem agravantes ou atenuantes e, na terceira etapa do cálculo dosimétrico, conservo a majorante do art. 2.º, §2.º, da Lei n.º 12.850/2013, na fração máxima de ½ (metade), conforme os fundamentos já alinhavados na sentença, de modo que as penas definitivas de FÉLIX e PETRUSILÂNDIO para este crime fica estabelecida em 05 (cinco) anos, 05 (cinco) meses e 07 (sete) dias de reclusão, mais pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa. À luz do concurso material, cumulo as novas reprimendas do delito de organização criminosa com a sanção de roubo estipulada na sentença, que permaneceu inalterada, e fixo cada qual das PENAS FINAIS e DEFINITIVAS dos réus FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO em 28 (VINTE E OITO) ANOS, 09 (NOVE) MESES E 07 (SETE) DIAS DE RECLUSÃO, mais pagamento de 249 (duzentos e quarenta e nove) dias-multa. Diante do quantum de pena e da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, conservam-se os regimes iniciais FECHADO, ex vi do art. 33, §2.º, a, §3.º, do CP. 5. Do pedido de fixação de valor mínimo indenizatório em favor da vítima [RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO]: Como se sabe, o art. 91, inc. I, do Código Penal impõe ao condenado, como efeito automático da condenação criminal, a obrigação de indenizar o dano causado pelo delito, de modo que, uma vez transitada em julgado a condenação, não há dúvida quanto à obrigação reparatória que recai sobre o condenado. Não por outro motivo, a sentença penal condenatória transitada em julgado integra o rol de títulos executivos judiciais elencados no art. 515 do CPC, ao passo que o art. 63 do CPP, ao prever a ação civil ex delicto, preceitua que “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Nesta toada, com espeque nos princípios da celeridade e da economia processuais, a Lei n.º 11.719/2008 introduziu, pela via do art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal, a possibilidade de que o próprio juízo criminal estabeleça o valor mínimo voltado a indenizar a vítima em decorrência dos danos ocasionados pelo delito, o que certamente não retira do ofendido a faculdade de se socorrer junto à esfera cível do Direito, a fim de pleitear a expansão indenizatória e a obtenção de valor que melhor corresponda aos prejuízos experimentados. Outrossim, é cediço que a fixação do valor indenizatório mínimo fica condicionada, contudo, à existência de pedido expresso da parte acusadora, da vítima ou de seu representante legal no momento do oferecimento da denúncia ou queixa, a fim de possibilitar a contraprova do acusado e resguardar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido orienta a jurisprudência do e. STJ, segundo a qual “para que haja a fixação na sentença do valor mínimo devido a título de indenização civil pelos danos causados à vítima, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, é necessário pedido expresso na inicial acusatória, sob pena de afronta à ampla defesa e ao contraditório”. (STJ, AgRg no REsp 1671240/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 04/06/2018) – Negritei. No caso em apreço, há pedido expresso do Ministério Público na denúncia, voltado ao arbitramento de valor mínimo indenizatório em favor da vítima (ID 258133191 - Pág. 3), de modo que os réus puderam se defender e contraditar o pedido, assim como existe nos autos prova de prejuízo, consubstanciada no laudo do exame pericial realizado na empresa BRINKS e na prova oral colhida em juízo. A toda evidência, pois, incumbia ao MM. Magistrado sentenciante arbitrar o valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos prejuízos experimentados pelo ofendido, nos moldes do que preceitua o art. 387, IV, do CPP. Nesse sentido: “2. A reparação civil dos danos sofridos pela vítima do fato criminoso, prevista no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, deve ser deferida sempre que requerida e inclui também os danos de natureza moral”. (AgRg no REsp n. 1.688.394/MS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 11/5/2018) – Destaquei. A propósito, destaque-se que os réus foram absolvidos dos roubos contra pessoas físicas de Confresa, dos crimes de incêndio, de dano ao patrimônio público (viaturas e prédio da Polícia Miliar e viatura do Corpo de Bombeiros) e dos disparos de arma de fogo desvinculados da subtração à empresa BRINKS, não havendo assim o que se falar em indenização devida por eles em decorrência dos prejuízos ocasionados por aquelas infrações. Já com relação ao roubo à empresa BRINKS propriamente dito, estes autos de apelação criminal não permitem aferir, com a certeza necessária, a extensão do prejuízo sofrido pela pessoa jurídica vitimada, pois, além do valor subtraído, houve danos vultosos à estrutura do prédio onde funcionava a filial em Confresa e destruição de inúmeros bens que guarneciam o imóvel, ao passo que o laudo pericial não quantifica a monta das perdas. Deste modo, condeno os réus pro rata ao pagamento de valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos causados à vítima, porém, limito-me a arbitrar o quantum no montante que se encontra efetivamente comprovado nos autos, isto é, a quantia subtraída de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), ressaltando que se trata de valor mínimo, que não inviabiliza que o ofendido se socorra na esfera cível do Direito para postular indenização que melhor corresponda aos seus prejuízos, pois a mera sentença condenatória passada em julgado constitui título executivo judicial, ex vi do art. 515, VI, CPC. Em suma, condeno os apelados ao pagamento de valor mínimo indenizatório de R$ 2.700,00, a título de reparação pelos danos causados à vítima. CONCLUSÃO: Ante todo o exposto, conheço dos recursos de apelação criminal interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO e pelos réus FÉLIX DA SILVA AGUIAR e PETRUSILÂNDIO MACHADO, a fim REJEITAR AS PRELIMINARES arguidas pela defesa. No mérito, NEGO PROVIMENTO AOS APELOS DEFENSIVOS e DOU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL, apenas para condenar os acusados ao pagamento de valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos causados à vítima, e para reajustar as penas-base do crime de organização criminosa, de modo que as reprimendas finais e definitivas dos réus ficam readequadas, cada qual, para o idêntico patamar de 28 (VINTE E OITO) ANOS, 09 (NOVE) MESES E 07 (SETE) DIAS DE RECLUSÃO, no regime inicial FECHADO, mais pagamento de 249 (duzentos e quarenta e nove) dias-multa. Mantém-se inalterada, nos demais termos, a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1001994-80.2023.8.11.0059. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear