Processo nº 1008839-55.2025.4.01.0000
ID: 296035621
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1008839-55.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIA SOLANGE SOARES DE OLIVEIRA
OAB/GO XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008839-55.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017526-06.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: GLAUCIA NAVES…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008839-55.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017526-06.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: GLAUCIA NAVES PIMENTEL REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JULIA SOLANGE SOARES DE OLIVEIRA - GO17488-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008839-55.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017526-06.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: GLAUCIA NAVES PIMENTEL REPRESENTANTES POLO ATIVO: JULIA SOLANGE SOARES DE OLIVEIRA - GO17488-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL RELATÓRIO O Excelentíssimo Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto pela parte autora (ID. 433062393) contra decisão proferida pelo juízo de primeiro grau (ID. 2175462418 dos autos principais) que, indeferiu o pedido de tutela de urgência para reintegrar a ora agravante às fileiras militares, na condição de adido, para tratamento médico-hospitalar e percepção de soldos. Em suas razões recursais, a agravante alega, em síntese, a ilegalidade do licenciamento da parte autora em pleno tratamento de doença especificada em lei; a incapacidade e o direito à reforma da parte autora e a necessidade do deferimento da tutela de urgência à agravante. Houve apresentação de contrarrazões ao agravo de instrumento pela União Federal (ID 434532186), pugnando pelo não provimento do recurso, defendendo a manutenção da decisão que indeferiu a reintegração da autora para tratamento médico-hospitalar e recebimento de soldos. Assim, vieram os autos a este Tribunal. É o breve relatório. Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008839-55.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017526-06.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: GLAUCIA NAVES PIMENTEL REPRESENTANTES POLO ATIVO: JULIA SOLANGE SOARES DE OLIVEIRA - GO17488-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL V O T O O Excelentíssimo Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto (Relator): O deferimento da tutela de urgência prevista no art. 300 do CPC desafia a constatação concomitante dos requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. No mesmo sentido, a jurisprudência deste Tribunal: AGRAVO INTERNO NO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL INADMITIDO NA ORIGEM. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS EVIDENCIADOS. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. Nos termos do art. 300, caput, do Código de Processo Civil de 2015, a concessão da tutela provisória de urgência reclama a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. No caso em exame, em uma análise perfunctória condizente com o juízo sumário, verifica-se a presença concomitante dos requisitos necessários ao deferimento da tutela de urgência. O fumus boni iuris se apresenta diante da aparente contradição constante do acórdão recorrido. Por sua vez, o periculum in mora advém do risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente do cumprimento provisório da sentença, com o possível levantamento de expressiva quantia. 3. Agravo interno provido para conceder a tutela de urgência pretendida. (STJ - AgInt no TP: 1816 BA 2018/0319019-0, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 11/06/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2019) SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR REPRESENTAÇÃO NO EXTERIOR (IREX). VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DEVOLUÇÃO. NÃO CABIMENTO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1.Incidente recursal impugnando decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência requerida, objetivando a suspensão da ordem de restituição ao Erário contida no Processo Administrativo n. 09047.001440/2017-79, de forma a impedir qualquer medida administrativa ou judicial da Ré voltada à cobrança dos valores em questão até ulterior apreciação do mérito da presente ação por essejuízo .2.Na hipótese num juízoprelibatório- verifica-se que houve um erro da Administração Pública ao não proceder à interrupção do pagamento da referida indenização durante o período em que a parte agravante estava em licença por motivos de saúde. (Art. 10, § 2º, alínea a da Lei 5.809/72 - que dispõe sobre a retribuição e direitos do pessoal civil e militar em serviço da União no exterior- ). 3. A eventual inobservância de tal regramento pela Administração Pública não autoriza a restituição de valores porventura recebidos de boa-fé pelo servidor, até porque os atos administrativos se revestem de presunção de legalidade e legitimidade.4..Ademais, oeg. STJ já firmou entendimento no sentido da inexigibilidade da devolução de valores de caráter alimentar percebidos pelo servidor público em razão de eventual interpretação errônea, má aplicação da lei ou por erro da própria Administração. Tal entendimento já foi reconhecido no âmbito do TCU, que - sobre o tema - editou a Súmula 249,verbis: "É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais". 5.Presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela provisória de urgência (art. 300 do CPC). 6.Agravo de instrumento provido para suspender a determinação de restituição ao erário dos valores referentes à Indenização por Representação no Exterior (IREX), percebidos pela agravante, no período em que se encontrava em licença por motivos de saúde. (AG 1012135-32.2018.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA,PJe22/07/2020 PAG.) Para melhor situar o litígio, inafastável a transcrição do artigo 108 “usque” 111, todos da Lei nº 6.880/1980, a saber: Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de: I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e (Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012) VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço. § 1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação. § 2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à regulamentação específica de cada Força Singular. Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço. Art. 109. O militar de carreira julgado incapaz definitivamente para a atividade militar por uma das hipóteses previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei será reformado com qualquer tempo de serviço.(Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019) § 1º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei.(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019) § 2º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei se, concomitantemente, for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019) § 3º O militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei, mas não for considerado inválido por não estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada, será licenciado ou desincorporado na forma prevista na legislação do serviço militar.(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019) Art. 110. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I e II do artigo 108 será reformado com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir na ativa. Art. 110. O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 7.580, de 1986) § 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho. § 2º Considera-se, para efeito deste artigo, grau hierárquico imediato: a) o de Primeiro-Tenente, para Guarda-Marinha, Aspirante-a-Oficial e Suboficial ou Subtenente; b) o de Segundo-Tenente, para Primeiro-Sargento, Segundo-Sargento e Terceiro-Sargento; e c) o de Terceiro-Sargento, para Cabo e demais praças constantes do Quadro a que se refere o artigo 16. § 3º Aos benefícios previstos neste artigo e seus parágrafos poderão ser acrescidos outros relativos à remuneração, estabelecidos em leis especiais, desde que o militar, ao ser reformado, já satisfaça às condições por elas exigidas. § 4º O direito do militar previsto no artigo 50, item II, independerá de qualquer dos benefícios referidos no caput e no § 1° deste artigo, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 152. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001) § 5º Quando a praça fizer jus ao direito previsto no artigo 50, item II, e, conjuntamente, a um dos benefícios a que se refere o parágrafo anterior, aplicar-se-á somente o disposto no § 2º deste artigo. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001) Art. 111. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes do item VI do artigo 108 será reformado: I - com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; e II - com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho. § 1º O militar temporário, na hipótese prevista neste artigo, só fará jus à reforma se for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019) § 2º Será licenciado ou desincorporado, na forma prevista na legislação pertinente, o militar temporário que não for considerado inválido. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019) Cumpre salientar que a Lei nº 13.954/2019, que alterou a Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), trouxe significativas modificações no que se refere ao regime jurídico dos militares, sobretudo no tocante às hipóteses de licenciamento e desligamento por incapacidade dos militares temporários. Com efeito, a redação anterior da Lei nº 6.880/80 afirmava “militares da ativa”, termo que englobava os militares de carreira e temporários. Contudo, no texto trazido pela Lei nº 13.954/2019, acima transcrito, houve expressa distinção no tratamento dos militares de carreira e temporários. Assim, a legislação pertinente assegura ao militar temporário a reforma a qualquer tempo, quando acometido de qualquer das enfermidades constantes do art. 108, V, desde que seja considerado inválido, ou seja, esteja impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. Não sendo este o caso (invalidez), será licenciado ou desincorporado (art. 108, III, c/c art. 109, §§2º e 3º da Lei 6.880/1980, com alterações de 2019). Logo, de acordo com a nova legislação, não há distinção se a enfermidade e/ou acidente for com relação de causa e feito com o serviço ou sem o liame, sendo relevante distinguir se a afecção gera ou não incapacidade para todos os atos da vida militar e civil, conjuntamente. Compulsando os autos principais, restou demonstrado que a agravante, não obstante a enfermidade que possui, foi considerada, em inspeção de saúde realizada em 13/1/2025, com o parecer "Apta - A". Tal classificação significa que a agravante possui capacidade para exercer atividades militares e civis. Portanto, mesmo nos casos de acidente em serviço, não sendo o caso de incapacidade total militar e civil (quando da desincorporação), cabível o licenciamento ou a desincorporação (art. 111, § 2º e 109, § 3º), sendo, pois, necessária a elaboração de prova inequívoca – rectius, suficiente a extrair verossimilhança das alegações autorais. Assim, no que tange à agregação, prevista nos arts. 80 e seguintes da Lei nº 6.880/80, resta estabelecido que tal situação ocorrerá com o militar (temporário ou não) que ainda permanece na ativa e que preencha outros requisitos ali previstos, veja-se: Art. 80. Agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número. [...] Art. 82. O militar será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de: I - ter sido julgado incapaz temporariamente, após 1 (um) ano contínuo de tratamento; II - haver ultrapassado 1 (um) ano contínuo em licença para tratamento de saúde própria; III - haver ultrapassado 6 (seis) meses contínuos em licença para tratar de interesse particular; III - haver ultrapassado 6 (seis) meses contínuos em licença para tratar de interesse particular ou em licença para acompanhar cônjuge ou companheiro(a); (Redação dada pela Lei nº 11.447, de 2007) IV - haver ultrapassado 6 (seis) meses contínuos em licença para tratar de saúde de pessoa da família; V - ter sido julgado incapaz definitivamente, enquanto tramita o processo de reforma; [...] Art. 84. O militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava. Art. 85. A agregação se faz por ato do Presidente da República ou da autoridade à qual tenha sido delegada a devida competência. Desse modo, ao caso dos autos, não se aplica o disposto nos arts. 82, I, II e V e 84 da lei 6.880/80, uma vez que a agravante já foi licenciada, bem como, em uma análise perfunctória, não se enquadra em nenhuma das hipóteses ali descritas. O militar julgado incapaz só não será desincorporado se tiver direito à reforma. Nesse caso, é colocado na situação de adido enquanto aguarda a deliberação da Administração a respeito. Para que possuísse tal direito, o autor teria que provar que tem direito à reforma, mormente porque a situação de adido é temporária e nela o militar só permanece enquanto a Administração delibera acerca da reforma. Com efeito, até prova em contrário, os atos praticados pela administração pública são presumidamente verdadeiros e emitidos em conformidade com a lei. Não obstante, o militar temporário licenciado classificado como incapaz para o exercício de atividades militares, mas apto para a prática de trabalho privado, deve ser colocado em encostamento, a fim de que receba tratamento médico adequado até a sua integral recuperação. Ressalta-se, contudo, que a sua condição de encostado não dá ensejo ao recebimento de soldo. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, vejamos: DIREITO ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE, DOENÇA OU MOLÉSTIA SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM A ATIVIDADE CASTRENSE. ART. 108, VI, DA LEI N. 6.880/1980. REINTEGRAÇÃO. ADVENTO DA LEI N. 13.954/2019. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DOS MILITARES. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO SUCESSIVO. CONDIÇÃO REBUS SIC STANTIBUS. INCIDÊNCIA DA NORMA DE DIREITO INTERTEMPORAL. POSSIBILIDADE DE LICENCIAMENTO CONDICIONADO AO ENCOSTAMENTO DO MILITAR . I - Trata-se de recurso especial interposto pela União com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região que determinou a reintegração do militar ao Exército Brasileiro. II - Em relação à indicada violação do art. 1.022 do CPC/2015, pelo Tribunal a quo, não se constata a alegada omissão da questão jurídica apresentada pelo recorrente, qual seja, aausênciade previsão, pela Lei n. 6.880/1980, de concessão de reintegração para tratamento médico com direito à remuneração, tendo o julgador abordado o ponto no acórdão recorrido. III - Antes de adentrar na possibilidade do licenciamento de militar temporário acometido de alguma doença ou lesão, ou mesmo no cabimento de sua reintegração às fileiras do Exército, com recebimento de soldo, é preciso estabelecer a sua legislação de regência, uma vez que, no lapso temporal entre o desligamento (27/2/2019) e o acórdão que determinou a reintegração (5/8/2021), houve alteração do Estatuto dos Militares, Lei n. 6.880/1980, promovida pela Lei n. 13.954/2019. Para tanto, faz-se necessária a análise da natureza jurídica formada com a determinação de reintegração. IV - A partir do momento em que ocorre o retorno do militar às fileiras do Exército brasileiro, restabelece-se o vínculo estatutário entre a Administração Pública e o recorrido, decorrendo daí o surgimento de obrigações para ambas as partes: para um, a submissão ao tratamento médico prescrito e para o outro, grosso modo, o pagamento do soldo. Essas obrigações renovam-se mês a mês, caracterizando a chamada relação de trato sucessivo, conceituada como aquela que se prolonga no tempo, mediante prestações periódicas ou reiteradas. V - Havendo alteração legislativa enquanto essa relação jurídica ainda produz efeitos, é preciso observar o que determina o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que prescreve a aplicação geral e imediata da nova lei, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Para o tipo de obrigação em que os efeitos da relação jurídica se protraem no tempo, tem-se, segundo as teorias objetivistas do direito intertemporal, que as alterações normativas incidem imediatamente, alcançando os efeitos futuros das situações nascidas sob a égide da lei anterior. Isso quer dizer que a nova lei governa não apenas as relações nascidas na sua vigência, mas também as já constituídas que desenvolvam efeitos futuros no domínio da nova lei. VI - É preciso atentar, no entanto, se as exceções à incidência geral e imediata da nova lei trazidas pelo art. 6º, quais sejam o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, seriam capazes de afastar a regência da nova lei aos efeitos da relação jurídica produzidos sob a sua vigência. Para isso, traz-se à baila tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de repercussão geral (RE 563.708, relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 2/5/2013, Tema 24), no qual se firmou o entendimento de que não há direito adquirido a regime jurídico. Dessa forma, havendo uma mudança no regime jurídico a que está submetido o militar, entende-se que a nova conformação legal atinge a relação jurídica em andamento, uma vez que a condição de reintegrado não se incorpora ao patrimônio jurídico do recorrido, o que afasta a consideração de existir direito adquirido. VII - Esse entendimento ainda é reforçado quando se observa que a relação jurídica estabelecida submete-se à condição rebus sic stantibus. Conforme consta do próprio acórdão proferido pelo Tribunal a quo, a manutenção da qualidade de reintegrado só permanece enquanto estiver seguindo o tratamento de saúde recomendado até o seu estabelecimento. No momento em que se conjuga a relação jurídica de trato sucessivo à condição rebus sic stantibus, tem-se que a eficácia do pronunciamento judicial só permanece enquanto não alteradas as condições fáticas e jurídicas que a embasaram (AgReg no RE 897.624, Ministro Dias Toffoli, DJe 18/5/2016). No caso em análise, entre o momento em que foi deferida a tutela recursal de reintegração e o proferimento do acórdão, houve mudança de regramento no regime jurídico a que estava submetido o militar capaz de alterar a condição jurídica que a embasou, o que, por si só, já era responsável pela aplicação da nova legislação. VIII - De acordo com seu art. 3º, II, militares temporários são incorporados às Forças Armadas para a prestação de serviço, obrigatório ou voluntário, durante os prazos previstos na lei que trata de serviço militar ou durante as prorrogações desses prazos, expressamente ressalvada a impossibilidade de aquisição de estabilidade, passando, após o seu desligamento, à reserva não remunerada (§ 3º do art. 3º).IX - Previsto no art. 94 como forma de exclusão do serviço ativo, o licenciamento ex officio do militar temporário ocorre quando há a conclusão do tempo de serviço, conveniência do serviço ou a bem da disciplina (art. 121, § 3º, da Lei n. 6.880/1980), consistindo em ato discricionário da Administração Militar, havendo expressa previsão de que o militar licenciado não tem direito a nenhuma remuneração (art 121, § 4º).X - De acordo com o que foi firmado pelas instâncias inferiores, a moléstia que acometeu o militar não possui relação de causa e efeito com o serviço castrense, incidindo, portanto, no inciso VI do art. 108. Uma vez que estabelecida essa premissa, parte-se para a análise do art. 111, que trata do militar julgado definitivamente incapaz por uma das razões elencadas no inciso VI. De pronto, afasta-se a possibilidade de reforma do militar, uma vez que a doença acometida não o tornou inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, público ou privado. Assim, aplica-se o disposto no § 2º do art. 111, que determina o licenciamento do militar temporário que não for considerado inválido.XI - Logo, é de se constatar que o novel estatuto permite o licenciamento do militar temporário, mesmo que acometido por acidente ou doença sem relação de causalidade com a atividade castrense. Contudo, a legislação não desampara aquele que, inserido na situação descrita, é efetivamente licenciado das Forças Armadas.O militar temporário licenciado classificado como incapaz para o exercício de atividades militares, mas apto para a prática de trabalho privado, deve ser colocado em encostamento, a fim de que receba tratamento médico adequado até a sua integral recuperação.Ressalta-se, contudo, que a sua condição de encostado não dá ensejo ao recebimento de soldo. E isso se mostra compatível com a função social da norma, tendo em vista que a incapacidade laboral é apenas parcial, restrita às atividades desenvolvidas no âmbito castrense, que se sabe possuir especificidades e exigências próprias, sendo a parte capaz de auferir renda por meio de trabalho exercido na iniciativa privada.XII - Necessário fazer um distinguishing do que decidido pela Corte Especial no julgamento do EResp n. 1.123.371/RS, relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, tendo em vista que as considerações ali apostas sobre as restrições que haveria para o licenciamento de militar temporário foram tomadas antes das modificações trazidas pela Lei n. 13.945/2019.XIII - Recurso especial parcialmente conhecido e provido.( STJ - REsp 1997556 PE 2022/0109894-7, Data de publicação: 27/04/2023). Assim, a agravante pode ser mantida em “encostamento” junto à Organização Militar de origem, única e exclusivamente para fim de tratamento médico, não fazendo jus à percepção de vencimentos. Ante ao explicitado e firme nas determinações evidenciadas no presente voto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto pela parte autora, mantendo-se a parte autora tão somente em encostamento, sem percepção de soldo. É como voto. Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO Relator Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1008839-55.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017526-06.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: GLAUCIA NAVES PIMENTEL REPRESENTANTES POLO ATIVO: JULIA SOLANGE SOARES DE OLIVEIRA - GO17488-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL E M E N T A PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITO DA PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO PREENCHIDO. LICENCIAMENTO. POSSIBILIDADE. AGREGAÇÃO. ADIDO. ARTS. 82, I E V E 84 DA LEI 6.880/80. INAPLICABILIDADE. ENCOSTAMENTO. POSSIBILIDADE. AGRAVO DA AUTORA NÃO PROVIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. É cabível a interposição de agravo de instrumento em face de decisão interlocutória que verse sobre a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do art. 1.015, I do CPC. 2. A legislação pertinente assegura ao militar temporário a reforma a qualquer tempo, quando acometido de qualquer das hipóteses do art. 108, V, da Lei 6.880/1980, desde que seja considerado inválido, ou seja, esteja impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. Não sendo este o caso (invalidez), será licenciado ou desincorporado (art. 108, III, c/c art. 109, §§2º e 3º da Lei 6.880/1980, com alterações de 2019). 3. Hipótese dos autos em que restou demonstrado que a agravante, não obstante a enfermidade que possui, foi considerada em inspeção de saúde, realizada em 13/1/2025, com o parecer "Apta - A". Tal classificação significa que a agravante possui capacidade para exercer atividades militares e civis. 4. Mesmo nos casos de acidente em serviço, não sendo o caso de incapacidade total militar e civil (quando da desincorporação), cabível o licenciamento ou a desincorporação (art. 111, § 2º e 109, § 3º), sendo, pois, necessária a elaboração de prova inequívoca – rectius, suficiente a extrair verossimilhança das alegações autorais. 5. Nos termos do Art. 80 da Lei 6.880/80, a agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número e, conforme dispõe o art. 84 do mesmo diploma legal, o militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração [...]. In casu, não se aplica o disposto nos arts. 82, I, II e V e 84 da lei 6.880/80, uma vez que, em uma análise perfunctória, não se enquadra em nenhuma das hipóteses ali descritas. 6. O militar julgado incapaz só não será desincorporado se tiver direito à reforma. Nesse caso, é colocado na situação de adido enquanto aguarda a deliberação da Administração a respeito. Para que possuísse tal direito, a autora teria que provar que tem direito à reforma, mormente, porque a situação de adido é temporária e nela o militar só permanece enquanto a Administração delibera acerca da reforma. 7. Com efeito, até prova em contrário, inexistente nos presentes autos, os atos praticados pela administração pública são presumidamente verdadeiros e emitidos em conformidade com a lei. 8. Nos termos do CPC/2015, para a concessão da antecipação de tutela o julgador deve observar se estão presentes os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme prevê o art. 300 do CPC, de maneira que, restando ausente qualquer desses requisitos, como no caso em tela, é indevida a concessão da medida. 9.Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado segundo o qual a legislação não desampara aquele que, inserido na situação descrita, é efetivamente licenciado das Forças Armadas. O militar temporário licenciado classificado como incapaz para o exercício de atividades militares, mas apto para a prática de trabalho privado, deve ser colocado em encostamento, a fim de que receba tratamento médico adequado até a sua integral recuperação. Ressalta-se, contudo, que a sua condição de encostado não dá ensejo ao recebimento de soldo. 10. Agravo da parte autora não provido. Decisão agravada mantida. A C Ó R D Ã O Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear