Processo nº 1012591-06.2023.4.01.0000
ID: 323047889
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1012591-06.2023.4.01.0000
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Advogados:
GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION
OAB/AM XXXXXX
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GABRIEL ESPERANCA LISBOA
OAB/AM XXXXXX
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RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS
OAB/AM XXXXXX
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ISABELE AUGUSTO VILACA
OAB/AM XXXXXX
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JOAO VITOR LISBOA BATISTA
OAB/AM XXXXXX
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LUIS INACIO LUCENA ADAMS
OAB/DF XXXXXX
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JOSE GEBRAN BATOKI CHAD
OAB/SP XXXXXX
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LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA
OAB/RJ XXXXXX
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ISAEL FRANKLIN GONCALVES
OAB/AM XXXXXX
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RAIMUNDO GUARACY GUEDES MOTTA
OAB/AM XXXXXX
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IVAN DE SOUZA QUEIROZ
OAB/AM XXXXXX
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EDUARDA ROSA CAVALCANTE DE OLIVEIRA
OAB/AM XXXXXX
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FERNANDA DE ANDRADE REBOUCAS MACHADO
OAB/AM XXXXXX
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CAMILA FERREIRA LUCIO HENRIQUE PEREIRA
OAB/AM XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1012591-06.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: INSTITUTO BRA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1012591-06.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA POLO PASSIVO:FUNDACAO NACIONAL DOS POVOS INDIGENAS - FUNAI e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CAMILA FERREIRA LUCIO HENRIQUE PEREIRA - AM8417-A, FERNANDA DE ANDRADE REBOUCAS MACHADO - AM8450-A, EDUARDA ROSA CAVALCANTE DE OLIVEIRA - AM8846-A, IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297, RAIMUNDO GUARACY GUEDES MOTTA - AM4131-A, ISAEL FRANKLIN GONCALVES - AM12054-A, LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA - RJ127346-A, JOSE GEBRAN BATOKI CHAD - SP427778-A, LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882 e GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133 RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1012591-06.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Ao examinar a medida cautelar nestes autos, apresentei o seguinte relatório: "[t]rata-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA em face de decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas que, nos autos da Ação Civil Pública n. 0019192-92.2016.4.01.3200, estabeleceu a competência do IBAMA “para analisar e decidir quanto à licença de operação” do empreendimento intitulado 'Projeto Potássio Amazonas Autazes', relativo à exploração de potássio na Amazônia brasileira. Na origem, a mineradora Potássio do Brasil Ltda. anunciou, em 2010, a descoberta de “mineralização” de potássio no seu projeto de pesquisa na Bacia do Rio Amazonas, no Estado do Amazonas. O projeto está localizado próximo às cidades de Nova Olinda e Autazes e prevê, além das minas, a instalação de um porto, uma planta industrial, uma estrada, uma adutora e uma linha de transmissão. O Ministério Público Federal ajuizou a ação civil pública originária em razão dos seguintes fatos: “Ocorre que algumas autorizações minerais concedidas pelo então DNPM para exploração do minério incidem sobre a Terra Indígena (TI) Jauary, com impactos também sobre a TI Paracuhuba. A mineradora foi notificada pela Coordenação Regional da FUNAI em Manaus, em 2013, "para que as atividades fossem paralisadas imediatamente em razão de estarem incidindo na terra indígena Jauary da etnia Mura". Em 2015, diante dos primeiros impactos sobre os indígenas, foi emitido o Termo de Referência para realização do Estudo do Componente Indígena – ECI. Em que pese tais constatações e a classificação do empreendimento como de porte excepcional e de grande potencial poluidor, o órgão ambiental do Amazonas concedeu a Licença Prévia (LP) n. 54/2015. (...) O próprio EIA/Rima afirma que a "interferência nos referenciais socioespaciais e culturais das comunidades tradicionais" é "muito alta". Contraditoriamente às razões do recurso, a Advocacia Geral da União, que representa o IBAMA neste recurso, se posicionou no sentido de que os requerimentos minerários sobre as terras indígenas deviam ser bloqueados pelo então DNPM, ao menos provisoriamente, para fins de exploração mineral... (...) É fato incontroverso que o empreendimento afeta diretamente terras indígenas. E mais, localiza-se em uma delas. Em que pese tal constatação, o IBAMA, por meio da AGU, alega que o licenciamento ambiental deve permanecer no âmbito estadual.” (fls. 22-38) Segundo o MPF, na inicial da ação civil pública originária, a demanda tem os seguintes objetivos: “(...) a concessão de provimento jurisdicional que declare a nulidade da Licença Prévia n. 54/15, emitida pelo IPAAM a qual autoriza a realização de estudos de viabilidade ambiental para a exploração de silvinita e instalação de estrutura rodoviária e portuária no Município de Autazes, por meio do chamado Projeto Potássio Amazonas, da pessoa jurídica Potássio do Brasil. A ação busca, ainda, a suspensão das atividades até que seja garantido o direito de consulta livre, prévia e informada, nos moldes da Convenção n. 169 da OIT, às comunidades indígenas e ribeirinhas diretamente afetadas pelo empreendimento.” (fls. 23 da ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200) Afirma o agravante que, por força da decisão deste relator no agravo de instrumento que interpôs (n. 1011342-54.2022.4.01.0000), o juízo a quo fundamentou expressamente seu entendimento acerca da competência da autarquia para proceder ao licenciamento ambiental do empreendimento objeto do litígio, sendo essa a decisão agravada. Sustenta a autarquia, em síntese: a) a ausência de atribuição legal do IBAMA para conduzir o licenciamento ambiental em questão em ofensa ao pacto federativo e ao princípio da separação dos poderes; b) a competência do órgão estadual de meio ambiental para licenciamento do projeto de mineração, uma vez que, com a mudança da legislação, o IBAMA “não terá mais competência para licenciar empreendimento apenas em razão da abrangência do seu impacto ambiental”; c) a ausência de atribuição da autarquia para licenciar empreendimento que não está localizado em terra indígena e a não aplicação da Portaria Interministerial n. 60/2015 à hipótese, pois a “interpretação conferida pela parte autora, e aceita pela decisão judicial atacada, ao art. 3º, § 2°, da Portaria Interministerial n. 60/2015 permite concluir que todo e qualquer empreendimento situado no raio de dez quilômetros de terras indígenas, teria o licenciamento submetido ao IBAMA, o que não é razoável”; d) é indevida a comparação com licenciamento da UHE de Belo Monte para efeito de extrair suposta competência do IBAMA, pois a competência do IBAMA naquele caso se deu em razão da capacidade de geração da usina - maior que 300 MW, conforme prevê o artigo 3º, VII, 'a', do Decreto 8.437/2015. Requer, ao fim, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso contra a decisão impugnada e, no mérito, o reconhecimento da falta de atribuição do IBAMA para conduzir o processo de licenciamento ambiental em questão, determinando a sua exclusão da lide (ID 300634562). O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM e a empresa Potássio do Brasil Ltda. apresentaram contrarrazões corroborando os argumentos apresentados pelo IBAMA (ID 306769547 e ID 315100149, respectivamente). Intimada, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região requereu a intimação do Ministério Público Federal no primeiro grau de jurisdição para apresentar contrarrazões (ID 303997524) e posterior vista dos autos, o que foi deferido (ID 323116646). O MPF apresentou contrarrazões, afirmando, em síntese: “(...) desde sempre (no início do pedido da licença prévia) algumas autorizações minerais concedidas pelo então DNPM para exploração do minério incidem sobre a Terra Indígena (TI) Jauary, com impactos também sobre a TI Paracuhuba. (...) Durante o curso processual (especialmente durante a pré-consulta), ocorreram notícias por parte do povo Mura que a empresa Potássio, por meio de seus prepostos, estaria pressionando e coagindo moradores locais indígenas e não indígenas para a venda de imóveis e direitos possessórios em terras na região de Soares e Urucurituba, no município de Autazes, local da instalação pretendida da base minerária. Assim, diante dos indícios de coação e cooptação, o juízo entendeu ser necessária a verificação presencial e deliberou pela realização de inspeção judicial, que foi realizada no dia 29 de março de 2022, constatando-se que o empreendimento Potássio do Brasil/Projeto Autazes não só afeta diretamente terras indígenas, mas também se sobrepõe diretamente ao território indígena reivindicado junto à FUNAI há cerca de duas décadas Soares/Urucurituba, tradicionalmente habitado pelo povo Mura há cerca de dois séculos, registrados no relatório judicial constante nos autos principais (id. 1061672277) e anexo a esta peça processual” (ID 336687627)". A liminar foi deferida: "[e]m face do exposto, defiro a antecipação da tutela recursal para suspender os efeitos da decisão proferida na Ação Ordinária 0019192-92.2016.4.01.3200, que tramita na 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, na parte em que determinou que o licenciamento ambiental do 'Projeto Potássio Amazonas Autazes' seja feito pelo IBAMA e não pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM, até ulterior decisão, fixando a competência do órgão estadual". O IPAAM (ID 306769547) e a POTÁSSIO DO BRASIL (ID 315100149) compareceram aos autos corroborando o agravo do IBAMA. O MPF apresentou contrarrazões (ID 336687627) ao recurso. Contra a decisão, o MPF interpôs agravo interno (ID 415749788). A PDB apresentou contrarrazões ao agravo interno do MPF (ID 420614086). O CONSELHO INDÍGENA MURA "CIM" aderiu às razões do agravo de instrumento (ID 421519786). O IBAMA apresentou contrarrazões ao agravo interno do MPF (ID 421717181). O MPF apresentou parecer pelo desprovimento do agravo de instrumento (ID 423596771). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1012591-06.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. II. A decisão agravada, no que interessa: "1. Em ID 1455714883 - Petição intercorrente, o DNPM afirma que " os pontos controvertidos referidos no Despacho retro dizem respeito ao IBAMA e à FUNAI, não se relacionando com a atividade desta Agência". 2, Em ID 1457627888 - Petição intercorrente , Requerida FUNAI pleiteia mais 30 - trinta- dias de prazo, alegando que "tendo em vista a profunda alteração nos quadros de servidores e coordenadores desta autarquia, faz-se necessário que haja um tempo maior para que a entidade possa se posicionar com segurança quanto à sua política institucional. Assim, reavaliações dessa natureza devem ser realizadas com cautela e buscando-se sempre o caminho que traga maior segurança jurídica para a administração pública." 3. Em ID 1472558360 - Procuração (JUNTADA DE PROCURAÇÃO E PETIÇÃO), o CIM - Conselho Indígena Mura anexa Procuração de seu novo patrono (Isael Franklin Gonçalves, OAB/AM 12054), em nome de quem devem ser feitas as publicações e intimações dos próximos atos processuais. 4. Em ID de 1451759363 - Embargos de declaração, o IBAMA, ao mesmo tempo em que afirma que "a posição da Autarquia Ambiental se mantém a mesma" , interpõe embargos de declaração , afirmando que o juízo ainda não fundamentou a competência do IBAMA para licenciar a obra em questão. 4.1. No ponto, reiterando os argumentos já expostos, porém explicitando de forma ainda mais clara, o juízo adota a posição do STF e do STJ no sentido de que todo grande empreendimento que afete Povos Indígenas deve tanto ser analisado pelo IBAMA quanto consultados os povos indígenas afetados. A consulta nos moldes previstos na Convenção 169 da OIT já está sendo aplicada no processo, após a construção do respectivo Protocolo Mura (Trincheiras: Yandé Peara Mura. Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas - 2019). 4.2. O Supremo Tribunal Federal, conforme Pedido de Suspensão Liminar Nr. 125, desde 2007 já vem decidindo "(...) com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92, defiro o pedido para suspender, em parte, a execução do acórdão proferido pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do AI 2006.01.00.017736-8/PA (fls. 527-544), para permitir ao Ibama que proceda à oitiva das comunidades indígenas interessadas. Fica mantida a determinação de realização do EIA e do laudo antropológico, objeto da alínea “c” do dispositivo do voto-condutor (fl. 540-v). Portanto, desde 2007 a posição do IBAMA, acolhida explicitamente pelo STF, sempre foi a de participar do processo de licenciamento de grandes empreendimentos que afetem povos indígenas. O empreendimento chamado Belo Monte foi o primeiro paradigma com clareza nesse sentido. 4.3 Em 24 de novembro de 2015, após percorrer todo o procedimento legal e as orientações e condicionantes do Supremo Tribunal Federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença de operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, o que autorizou o enchimento do reservatório da usina. O mesmo paradigma se espera no presente processo, ou seja, que o IBAMA aplique seus próprios precedentes e analise e decida do início ao fim a questão referente ao licenciamento (LO) do grande empreendimento que é a usina (parque tecnológico) de exploração de Potássio na Amazônia brasileira. 4.4. No caso de Belo Monte, em todos os processos e diante da imprensa (fato público e notório), o então presidente do Ibama disse que mais de 90% das condicionantes ambientais e sociais impostas pelo órgão foram cumpridas integralmente pela Norte Energia, que foi o consórcio responsável pela obra. Sem o licenciamento do IBAMA, no caso dos presentes autos, quem terá que analisar o impacto social e ambiental e impor as condicionantes será o juízo federal, contrariando todos os paradigmas construídos na história dos grandes empreendimentos do país. 4.5. A licença de operação traz necessariamente uma série de condicionantes sociais e ambientais que devem ser implementadas e o Órgão escolhido pelo legislador para essa tarefa é o IBAMA. Nada impede que o juízo federal possa fazê-lo; porém não há previsão em lei para tanto, ficando a determinação a critério dos tribunais (2º grau de jurisdição ou Tribunais de superposição). 5. O impacto sócio-ambiental em face de povos indígenas (no caso o povo Mura) é matéria praticamente pacificada nos autos. Tanto assim que foi construído o Protocolo de Consulta (o que se encontra em plena aplicação) e a imprensa já noticia sobre suposto pagamento de cerca de 90 milhões de dólares a título de 'royalties' e/ou participação do POvo Mura no empreendimento com duração de cerca de 23 - vinte e três- anos. 5.1. A título de controvérsia quanto a esse ponto, apenas está pendente a criação de um GT para analisar a possibilidade de demarcação da Aldeia Soares (visitada em plena Pandemia por COVI19 em inspeção judicial por essa magistrada e todos os atores processuais e seus representantes) enquanto Terra Indígena Mura. 6. Portanto, entende o juízo pela necessidade da competência do IBAMA para analisar e decidir quanto à licença de operação. Sua omissão obrigará, em algum momento, a que o juízo faça o seu papel e estabeleça as condicionantes, caso venha a ser efetivamente instalado o parque tecnológico de exploração de potássio no Amazonas com impactos nos arredores de Terras Indígenas. 7. Pelo exposto, com os fundamentos acima mantenho o entendimento de que o IBAMA é o órgão licenciador (da pleiteada LO), ao tempo em concedo mais trinta dias a FUNAi para sua manifestação. Enquanto não houver manifestação da FUNAi, não será possível apreciar o pedido de liberação de valores ao Povo Mura. 8. Ficam as partes, enquanto não esgotada a prestação jurisdicional de 1o grau, convidadas a manifestar interesse em efetivar conciliação, ainda que com condicionantes, nos presentes autos. 9. Intimem-se pelo sistema". III. A medida cautelar foi deferida com base nos seguintes fundamentos: III - A legislação aplicável à espécie A questão jurídica versada neste caso é a concernente à competência, se estadual ou se federal, para licenciamento do Projeto Potássio Amazonas, de interesse da empresa Potássio do Brasil Ltda., localizado no Município de Autazes/AM. A Constituição Federal, no art. 225, dispõe: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; A competência administrativa para a proteção do meio ambiente, prevista no art. 225 é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do art. 23 da Carta Magna. Transcrevo: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; (...) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (redação da EC n. 53, de 2006) A Lei Complementar n. 140/2011, que “fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981” regulamentou o art. 23 e estabelece o seguinte, com relação às competências para o licenciamento ambiental entre as entidades políticas da Federação: “Art. 7o São ações administrativas da União: (...) XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União; XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; (...) Art. 8o São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7o e 9o; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); (...) Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar. § 1o Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental. ” Por sua vez, a Resolução CONAMA n. 237/1997 dispõe: Art. 1o Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. III - Estudos Ambientais: são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco. IV – Impacto Ambiental Regional: é todo e qualquer impacto ambiental que afete diretamente (área de influência direta do projeto), no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados. (...) Art. 4o Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com signifi cativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União. (...) § 1o O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento. § 2o O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências. Art. 5o Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades: I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal; II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2o da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios; IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio. Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento. Art. 6o Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio. Art. 7o Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores. Por fim, a Portaria Interministerial n. 419/2011, que “regulamenta a atuação dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal envolvidos no licenciamento ambiental de que trata o art. 14 da Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007”, dispõe a respeito: Art. 3o O IBAMA, no início do procedimento de licenciamento ambiental, na Ficha de Caracterização as Atividade FCA, deverá solicitar informações do empreendedor sobre possíveis interferências em terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária. (...) § 2o Para fins do disposto no caput deste artigo, presume-se a interferência: I - em terra indígena, quando a atividade ou empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam gerar dano socioambiental direto no interior da terra indígena, respeitados os limites do Anexo II; (...) ANEXO II Empreendimentos pontuais (portos, mineração e termoelétrica) – distância na Amazônia Legal - 10 km IV - Alguns julgados deste Tribunal sobre a matéria A jurisprudência deste Tribunal tem se orientado no sentido de se privilegiar a competência supletiva da autarquia ambiental federal para o licenciamento de empreendimentos regionais. Confiram-se os seguintes arestos: “DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. 1. Estabelece o art. 10 da Lei n. 6.938/81: "A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis". O § 4º prevê: "Compete ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional". (...) 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. O impacto regional, para justificar a competência do IBAMA, deve subsumir-se na especificação do art. 4º da Resolução n. 237/97, ou seja, deve ser direto; semelhantemente, justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará consequências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". 5. Não foge desse critério a Constituição, no art. 231, § 3º, quando prevê que "o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas (grifei) só poderão ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. 7. Não há elementos que autorizem afirmar ou pressupor irregularidade no licenciamento estadual, ou pelo menos o juiz não os considerou. Deste modo, o que aflora é o periculum in mora da agravante, impedida, sem motivo justificável, de continuar a obra. 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação.” (AG 0020981-75.2006.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 - Quinta Turma, DJ 09/11/2006 PAG 65, grifos acrescidos) “DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS APENAS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO CONAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DO IBAMA. SENTENÇA. ANULAÇÃO DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO POR INCOMPETÊNCIA DA ENTIDADE ESTADUAL (FEMA/MT). REFORMA. (...) 9. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. O impacto regional, para justificar competência do IBAMA, deve subsumir-se na especificação do art. 4º da Resolução n. 237/97, ou seja, deve ser direto; semelhantemente, justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos" (grifei). 10. Não foge desse critério a Constituição, no art. 231, § 3º, quando prevê que "o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas (grifei) só poderão ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". 11. Na Constituição, as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes. Significa dizer que, em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas), as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 13. Providas as apelações da empresa-ré e do Estado de Mato Grosso, bem como a remessa oficial (tida por interposta). Prejudicada a apelação do IBAMA e o agravo contra o respectivo recebimento. 14. À inteligência do art. 18 da Lei n. 7.347/85, ausente litigância de má-fé, não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios.” (AC 0000267-95.2005.4.01.3600, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 26/08/2011 PAG 153, grifos acrescidos) “ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA. UEH SINOP/MT. IMPACTOS AMBIENTAIS. ÂMBITO LOCAL.COMPETÊNCIA COMUM PARA LICENCIAMENTO AMBIENTAL. ÓRGÃO ESTADUAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. A questão posta nos autos cinge-se a saber se a Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso-MT- SEMAT/MT tem competência para conduzir o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Sinop - MT, prevista para ser construída no Rio Teles Pires. (...) 4. Em se tratando de exploração de atividade potencialmente poluidora do meio ambiente, a competência do ente municipal e/ou estadual, para o licenciamento ambiental, não exclui a competência supletiva do IBAMA, que se impõe, em casos assim, em face da tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225, § 1º, V e respectivo § 3º, da Constituição Federal, impondo-se ao poder público (incluído o Poder Judiciário) e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, para as presentes e gerações futuras (CF, art. 225, caput), tudo em harmonia com o princípio da precaução, já consagrado em nosso ordenamento jurídico (AG 0018353-06.2012.4.01.0000/MA, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, 29/08/2013 e-DJF1 P. 384). 5. A opção do legislador constituinte pela competência comum para a defesa do meio ambiente sinaliza a importância que se deu à proteção ambiental, tendo como decorrência a necessidade de cooperação entre todos os entes federados, seus órgãos e entidades, na proteção e execução daqueles temas a que deu dignidade constitucional. 6. O IBAMA constitui-se órgão executor do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. 7. A Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe em seu artigo 10, caput, que a implantação de empreendimentos que envolvam a utilização de recursos naturais e que possam causar, de qualquer forma, a degradação do meio ambiente, dependerá de prévio licenciamento do órgão estadual competente e do IBAMA, em caráter supletivo. 8. A autarquia federal possui competência quando se tratar de licenciamento de obras que envolvam significativo impacto ambiental, de âmbito regional ou nacional, a teor do já citado art. 10 da Lei nº 6.938/81. 9. A jurisprudência desta Corte entende que o impacto regional a justificar a competência do IBAMA deve ser um impacto ambiental direto, nos termos da Resolução 237 do CONAMA. 10. Por outro lado, existindo suposta emissão irregular de autorização e/ou licença ambiental, expedida, tão-somente, pelo órgão ambiental estadual, esta Corte entende que o IBAMA deve integrar a relação processual, na condição de responsável pela ação fiscalizadora de lei, a fim de coibir abusos e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por eventuais beneficiários de licenças emitidas sem a sua participação, na condição de órgão executor da política nacional do meio ambiente. Precedentes desta Corte e do STJ. 11. Na hipótese, verifica-se que tanto o IBAMA, quanto o órgão Estadual (SEMA/MT) afirmam que o licenciamento ambiental da usina em questão deve continuar a cargo da SEMA/MT, diante da inexistência de obra com significativos impactos ambientais regionais. (...) 13. O IBAMA possui competência supletiva, podendo intervir no processo de licenciamento a qualquer momento caso vislumbre que os interesses ambientais não estão recebendo a devida atenção e proteção dos órgãos ambientais estadual ou municipal, o que, como visto, não é a hipótese dos autos. 14. A manifestação do IBAMA, considerando legítimo o licenciamento ambiental como produzido, que entende de competência estadual, supriria a existência de qualquer eventual irregularidade. 15. Remessa oficial a que se nega provimento.” (REO 0007786-39.2010.4.01.3603, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 17/12/2015, grifos acrescidos) “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. COMPLEXO HIDRELÉTRICO DE JURUENA. LIMITES TERRITORIAS DO ESTADO DE MATO GROSSO. LEI Nº 6.938/81 E RESOLUÇÃO CONAMA 237/1997. APLICABILIDADE. PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS - PCHs. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL (SEMA-MT). EIA/RIMA. INEXIGIBILIDADE. ATIVIDADES DE BAIXO IMPACTO AMBIENTAL. AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. OBRAS SITUADAS FORA DE ÁREA INDÍGENA. DESNECESSIDADE. SENTENÇA MANTIDA. (...) 3. A Resolução CONAMA nº 237/97, em seu art. 4º arrola as hipóteses em que o licenciamento ambiental deve ser conduzido pelo IBAMA, ao tempo em que traz regra que limita a sua atuação a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional; e, dentre as hipóteses especificadas, não há a subsunção do caso em análise, porquanto não se trata de atividades desenvolvidas em terras indígenas (inciso I), localizadas ou desenvolvidas em mais de um Estado (inciso II) ou cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um Estado (inciso III). Não se cogita o enquadramento do caso concreto nas demais hipóteses trazidas pelo dispositivo. 4. A Resolução CONAMA nº 237/97 define Impacto Ambiental Regional como "todo aquele impacto ambiental que afete diretamente (área de influência direta do projeto), no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados" - art. 1º, IV. 5. A mesma Resolução CONAMA nº 237/97 estabelece em seu art. 5º e incisos a competência do órgão ambiental estadual nos casos em que o licenciamento ambiental dos empreendimentos ou atividades estiverem localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um Municípios, dispositivos que reforçam a competência da SEMA-MT para proceder ao licenciamento ambiental em debate, que se localiza e desenvolve em mais de um Município (Sapezal e Campos de Júlio), mas dentro dos limites territoriais do Estado de Mato Grosso. Precedentes deste Tribunal. 6. O art. 7º, também da Resolução CONAMA nº 237/97, disciplina que "Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores." 7. Reconhecimento da legitimidade da SEMA-MT para proceder ao licenciamento ambiental em discussão, consoante regras em vigor na data do início das obras. (...) 9. A competência do órgão estadual veio a ser reforçada pela atual legislação que rege a matéria, nos termos disciplinados pela Lei Complementar nº 140/2011, art. 8º, XIV; ao tempo em que ratifica a competência dos órgãos federais somente quando os empreendimentos/atividades se localizarem ou desenvolverem em terras indígenas; em dois ou mais estados ou cujos impactos diretos ultrapassem os limites territoriais de um estado (art. 7º, alíneas "c", "e" e "f"). 10. A regularidade do licenciamento encontra-se pautado em manifestação da União, do IBAMA, da FUNAI e da SEMA-MT. (...) 15. Ressalta-se que foram elaborados estudos, aprovados pela FUNAI, tendo o IBAMA negado ser o competente para conduzir o licenciamento objeto da lide, por se submeter à análise do órgão estadual competente. (...) 18. Nega-se provimento à apelação do Ministério Público Federal, mantendo, na íntegra, a sentença de improcedência dos pedidos formulados.” (AC 0000023-64.2008.4.01.3600, JUÍZA FEDERAL RENATA MESQUITA RIBEIRO QUADROS (CONV.), TRF1 - Quinta Turma, e-DJF1 13/09/2019, grifos acrescidos) “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LIMITES TERRITORIAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO. LEI Nº 6.938/81 E RESOLUÇÃO CONAMA 237/1997. APLICABILIDADE. PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICA PCH ILHA COMPRIDA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL (SEMA-MT). OBRAS SITUADAS DENTRO DO DA DELIMITAÇÃO TERRITORIAL DO ESTADO DO MATO GROSSO E FORA DE ÁREA INDÍGENA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de Apelação em Ação Civil Pública que discute o licenciamento ambiental para a instalação da Pequena Central Hidrelétrica PCH Ilha Comprida localizada dentro da delimitação territorial do Estado de Mato Grosso. 2. A competência comum prevista na Constituição para cuidar do meio ambiente leva a que as competências, em princípio, devam ser de entidade municipal, passando para o Estado e para a União, sucessivamente, quando os impactos ambientais são intermunicipais, ou, no mínimo, interestaduais, salvo a competência supletiva, ou seja, em caso de incapacidade ou omissão do ente originariamente competente. 3. A Lei nº 6.938/81, em vigor na data do licenciamento, e com as alterações trazidas pela Lei nº 7.804/1989, dispunha em seu art. 10 sobre a competência do órgão estadual para conduzir o licenciamento ambiental, estabelecendo o papel supletivo do IBAMA. 4. A Resolução CONAMA nº 237/97, em seu art. 4º arrola as hipóteses em que o licenciamento ambiental deve ser conduzido pelo IBAMA, ao tempo em que traz regra que limita a sua atuação a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional; e, dentre as hipóteses especificadas, não há a subsunção do caso em análise, porquanto não se trata de atividades desenvolvidas em terras indígenas (inciso I), localizadas ou desenvolvidas em mais de um Estado (inciso II) ou cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um Estado (inciso III). Não se cogita o enquadramento do caso concreto nas demais hipóteses trazidas pelo dispositivo. Reconhecimento da legitimidade da SEMA-MT para proceder ao licenciamento ambiental em discussão. 5. A competência do órgão estadual foi reforçada pela atual legislação que rege a matéria, nos termos disciplinados pela Lei Complementar nº 140/2011, art. 8º, XIV; ao tempo em que ratifica a competência dos órgãos federais somente quando os empreendimentos/atividades se localizarem ou desenvolverem em terras indígenas; em dois ou mais estados ou cujos impactos diretos ultrapassem os limites territoriais de um estado (art. 7º, alíneas "c", "e" e "f"). 6. Honorários incabíveis ao caso, nos termos do art. 18, da Lei n. 7.347/85. 7. Apelação desprovida.” (AC 0008796-64.2009.4.01.3600, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 - Quinta Turma, PJe 29/11/2021) Portanto, como se vê, há muito está sedimentada a jurisprudência do Tribunal no sentido de que não se fixa a competência no âmbito federal senão quando houver impacto ambiental interestadual ou impacto direto sobre terras indígenas, ou supletivamente, vale dizer, quando houver incapacidade ou omissão de entidades estaduais ou municipais. Esses arestos são referidos em várias peças processuais. V - A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.757 Essa mesma linha interpretativa, de atuação supletiva federal, foi declinada em recente acórdão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, de n. 4.757, de relatoria da Ministra ROSA WEBER, em julgamento de 13/12/2022 e publicação do acórdão em 17/03/2023 Confira-se: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. (...) 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. (...) 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória.” (STF. ADI 4757, Relatora: Ministra ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2022, Processo Eletrônico DJe-s/n Divulg 16-03-2023 Public 17-03-2023, grifos acrescidos) VI - Os empreendimentos de que tratam os acórdãos deste Tribunal antes referidos e o Projeto Potássio Amazonas Efetivamente, nos precedentes invocados em prol da competência estadual, trataram de empreendimentos que não reclamavam mesmo a atuação do IBAMA. Nos dois primeiros casos citados (AI n. AI 0020981-75.2006.4.01.0000 e AC n. 0000267-95.2005.4.01.3600 – 5ª. Turma), cuidava-se de pretensão de nulidade de licenciamento da Pequena Central Hidrelética – PCH Paranatinga II, instalada no leito do Rio Culuene, principal formador do Rio Xingu, tendo o relator, Desembargador JOÃO BATISTA, considerado que os impactos a terras indígenas seriam indiretos; no agravo, buscava apenas emprestar efeito suspensivo à apelação. No terceiro caso (REO 0007786-39.2010.4.01.3603 – 5ª. Turma), de relatoria do Desembargador NEVITON GUEDES, o MPF buscou a nulidade do licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica Sinop – UHE SINOP e das demais componentes do complexo hidrelétrico do Rio Teles Pires, cujo procedimento de licenciamento ambiental estava a cargo da SEMA/MT, considerando o relator, com base nas posições do IBAMA, que do empreendimento não decorreria significativos impactos regionais. No quarto caso (AC n. 0000023-64.2008.4.01.3600 – 5ª. Turma), o MPF buscou a nulidade do licenciamento ambiental do Complexo Hidrelétrico do Juruena, “denominação dada a uma sequência de usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas previstas para serem implantadas (algumas em fase de implantação) em pontos localizados entre a cabeceira do rio do mesmo nome e sua confluência com o rio Juína, numa extensão de 287,05 Km.” A relatora, Juíza Federal RENATA MESQUITA RIBEIRO QUADROS, ressaltou que a distância entre a área indígena e o empreendimento objeto do litígio era de 16,7 quilômetros, dizendo que “as atividades do empreendimento não se situam em terras indígenas, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal. Conforme prova trazida aos autos, a área indígena mais próxima do empreendimento dista 16,7 km do centro da PCH Telegráfica, seguida da Terra Indígena Enawenê-Nawê, com 19.6 km de distância também da PCH Telegráfica. As demais terras indígenas situam-se há mais de 40 km do "Complexo Juruena". E no quinto e último caso citado (AC n. 0008796-64.2009.4.01.3600 - 5ª. Turma), buscou-se a nulidade do licenciamento ambiental da Pequena Central Hidrelétrica - PCH Ilha Comprida “e das licenças expedidas, em razão da incompetência da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso - SEMA/MT para a sua condução, reconhecendo-se, também, a competência do IBAMA para o licenciamento do referido empreendimento hidrelétrico, impondo-se à promovida Maggi Energia S/A a obrigação de realizar novo licenciamento ambiental perante o sobredito órgão ambiental.” Segundo o relator, Desembargador Federal CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, “A Resolução CONAMA nº 237/97, em seu art. 4º arrola as hipóteses em que o licenciamento ambiental deve ser conduzido pelo IBAMA, ao tempo em que traz regra que limita a sua atuação a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional; e, dentre as hipóteses especificadas, não há a subsunção do caso em análise, porquanto não se trata de atividades desenvolvidas em terras indígenas (inciso I), localizadas ou desenvolvidas em mais de um Estado (inciso II) ou cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um Estado (inciso III). Não se cogita o enquadramento do caso concreto nas demais hipóteses trazidas pelo dispositivo. Reconhecimento da legitimidade da SEMA-MT para proceder ao licenciamento ambiental em discussão.” Portanto, tais julgados cuidaram de licenciamentos de empreendimentos menores, com impactos ambientais aparentemente não tão significativos, o que traria, ao menos da visão do Ministério Público Federal, um distinguishing em relação ao caso da presente ação civil pública originária. Aqui, alegadamente, há atividade de grande impacto ambiental em área impactada por projeto de mineração de grande porte. VII - A decisão na SLS n. 1040729-80.2023.4.01.0000 Em recente decisão proferida na SLS n. 1040729-80.2023.4.01.0000, a Presidência do Tribunal, acolhendo pedido formulado pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM, e suspendeu a mesma decisão atacada por este agravo, na parte em que impunha que o licenciamento ambiental deveria ser efetivado pelo IBAMA: "Trata-se de pedido de suspensão de liminar formulado pelo INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS - IPAAM em face da decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública 0019192-92.2016.4.01.3200, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, que tramita na 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, fundamentada nos seguintes termos: [...] Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. [...] 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente. [...]. (ID 355389635) Em suas razões, o IPAAM sustenta a existência dos pressupostos que entende possibilitar o deferimento do pedido de suspensão da antecipação de tutela concedida, aduzindo haver risco de lesão à ordem econômica, à segurança alimentar nacional e à ordem pública, uma vez que “com a paralisação indevida do Projeto Autazes (grave lesão já exposta acima), ficam evidenciados os inúmeros e incalculáveis prejuízos causados pela interrupção do processo de licenciamento ambiental, sejam em relação aos aspectos macroeconômicos, como a manutenção da dependência brasileira dos fertilizantes importados ou o provável aumento nos preços dos alimentos causado pela escassez de fertilizantes nos próximos anos, sejam nos aspectos microeconômicos, como o atraso na realização de investimentos na região de Autazes, que poderiam aumentar a qualidade de vida da população local”. Destaca, ainda, que a manutenção da decisão cuja suspensão se pretende gerou violação à ordem administrativa, levando em conta a “manifesta impossibilidade jurídica no sentido de que esse Poder Judiciário venha a adentrar no mérito do licenciamento ambiental, consistente na definição de que irá ou não conceder a licença a certo empreendimento ou atividade, ou estabelecer os requisitos para que seja concedida”. Ressalta a impropriedade da interferência do Poder Judiciário em decisões administrativas, nas quais não restaram evidenciadas ilegalidades ou inconstitucionalidades, e que demandem análise de cunho técnico, com necessária expertise e estudo prévio pelo órgão competente. Esclarece também que “o projeto Autazes está localizado completamente fora de Terras Indígenas demarcadas ou em demarcação. O empreendimento encontra-se a 8km de distância dos limites da terra indígena Jauary (em demarcação) e 8km dos limites da terra indígena Paracuhuba (demarcada)”. Ao final requer “a suspensão dos efeitos da decisão interlocutória id: 1769860076, que estabeleceu ser competência da Autarquia Federal licenciar o Projeto em questão e condicionou a análise da autarquia ambiental à autorização prévia do Congresso Nacional, permitindo, assim, que o Estado do Amazonas dê prosseguimento ao processo de licenciamento perante o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas”. É o relatório. Decido. No tocante ao exame do pedido de suspensão de liminar, a Lei 8.437/1992 prevê que: “Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Ademais, cumpre consignar que também nos termos do § 1º do art. 12 da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), “A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo, para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias, a partir da publicação do ato”. Outrossim, no plano infralegal, o Regimento Interno desta Corte trata do tema em seu art. 322. Desse modo, o acatamento do pedido de suspensão de execução de medida liminar, de tutela de urgência ou de sentença, em sede de pleito cuja análise esteja afeta à Presidência deste egrégio Tribunal Regional Federal, somente se dá quando evidenciados os pressupostos legais referidos, com o intuito de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Quanto à análise do mérito tratado no processo originário, deverá, se for o caso, oportunamente ser examinado na via recursal própria. Diante disso, o mérito da medida de suspensão de eventual tutela de urgência, ou da sentença, não se confunde com a matéria de mérito discutida no processo de origem, porquanto, no presente feito, deve ser analisado o potencial risco de abalo à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas em consequência do ato questionado. Assim, as considerações ofertadas pelo IPAAM acerca do mérito deverão ser analisadas em recurso adequado. Relativamente ao presente incidente, cumpre destacar que a Ação Civil Pública 0019192-92.2016.4.01.3200, na qual foi proferida a decisão impugnada, teve como pleito “DECLARAR A NULIDADE da Licença Prévia nº 54/2015 expedida pelo IPAAM, bem como das autorizações de pesquisa mineral concedidas nos processos nº 880.423/08, nº 880.504/08, nº 880.505/08, nº 880.506/08 do DNPM; b) CONDENAR A PESSOA JURÍDICA POTÁSSIO DO BRASIL à obrigação de NÃO FAZER consistente em se abster de realizar qualquer ato ou procedimento concernente à implementação do projeto Potássio Amazonas Autazes até que, cumulativamente: b.1) seja realizado, com auxílio da FUNAI e/ou organizações idôneas especialistas na matéria, às expensas do empreendedor, o procedimento de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, mediante as condições previamente acordadas com as comunidades das terras indígenas Jauary e Paracuhuba, bem como às comunidades ribeirinhas identificadas em estudo, levando-se em consideração seus modos de vida e de representação tradicionais na elaboração formal de um procedimento a ser seguido para a realização da consulta; b.2) regularize-se o licenciamento ambiental perante o órgão competente, ou seja, o IBAMA; c) CONDENAR O IPAAM E O DNPM à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de emissão de novas licenças, autorizações e outros atos de caráter autorizativo relativas à implementação do projeto Potássio Amazonas – Autazes que incidam sobre territórios tradicionais de comunidades ribeirinhas, até que seja cumprida a determinação de consultar as comunidades afetadas na forma da Convenção nº 169 da OIT; [...]”. (autos originários) Quanto à competência para tratar direitos da população indígena, como os abordados na ação originária, destaca-se que a Constituição Federal definiu expressamente a responsabilidade da UNIÃO e do Congresso Nacional, conforme se verifica do disposto nos artigos 22, 49, 176 e 231, nos seguintes termos: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XIV - populações indígenas; [...] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; [...] Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) [...] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. [...] § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. [...] Conforme se depreende do texto da determinação constitucional acima, o regramento e os procedimentos para a outorga de autorização e/ou concessão para a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais, em faixa de fronteira e em terras indígenas, é atribuição privativa da UNIÃO e do Congresso Nacional. Outrossim, a Lei Complementar 140/2011, que regulamenta o disposto no art. 23 da Constituição Federal, determina que: Art. 7o São ações administrativas da União: I - formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente; II - exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; III - promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente nos âmbitos nacional e internacional; IV - promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e à gestão ambiental; V - articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio à Política Nacional do Meio Ambiente; VI - promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos; VII - promover a articulação da Política Nacional do Meio Ambiente com as de Recursos Hídricos, Desenvolvimento Regional, Ordenamento Territorial e outras; VIII - organizar e manter, com a colaboração dos órgãos e entidades da administração pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima); IX - elaborar o zoneamento ambiental de âmbito nacional e regional; X - definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; XI - promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente; XII - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei; XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União; XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; Regulamento [...]. Dos preceitos acima transcritos observa-se que as funções privativas da UNIÃO visam à elaboração e execução de políticas públicas voltadas às ações para proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, de forma abrangente, em âmbito nacional e em relação às zonas de fronteira e ao mar territorial. No tocante ao inciso XIV do art. 7º, que prevê a atuação da UNIÃO na promoção do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, observa-se que tal norma limita o proceder do ente federal para os casos que há envolvimento de outro país limítrofe; em mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União; localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; de caráter militar; destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações. A citada Lei Complementar trata, ainda, em seu art. 8º, das ações administrativas dos estados, definindo como tarefa do ente federado “XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º”. E, em julgamento da ADI 4757, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes “os pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, h, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14, § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21 da Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação”, mantendo íntegros os termos dos citados artigos da Lei Complementar 140/2011. Desse modo, não havendo demonstração de que a área em que se situa o projeto Autazes esteja localizada em terras indígenas, e tampouco outra condição prevista no inciso XIV do art. 7º da Lei Complementar 140/2011, a competência para a emissão de licenciamento ambiental é prevista no art. 8º da referida norma, inserida nas ações administrativas dos estados. Ademais, o próprio IBAMA, in casu, reconhece a incidência do citado art. 8º. Diante disso, constata-se que a decisão demonstra interferência na esfera administrativa passível de suspensão. Assim, em que pese à relevância do requerimento formulado pelo MPF na Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200, não compete ao Poder Judiciário interferir na esfera administrativa, em situação como a que ora se analisa, de maneira a obstar a legítima atuação de outro Poder. Nessa linha, se o IBAMA, agindo nos limites de suas atribuições legais, reconhece concretamente ser hipótese de competência do órgão ambiental estadual para o licenciamento, a suspensão liminar do respectivo processo de licenciamento caracteriza interferência tanto na atuação da referida autarquia federal quanto no exercício da competência do órgão estadual. Caso a área da jazida mineral em questão estivesse abrangida por terra indígena demarcada, não haveria dúvida da competência federal para o licenciamento; ou ainda que se tratasse de terra indígena em processo de demarcação. Mas esse não é o caso. Não há duvida, outrossim, de que o licenciamento, federal ou estadual, deve observar as cautelas destinadas a mitigar o impacto que a atividade pode gerar ao meio ambiente, impondo ao empreendedor as condicionantes compatíveis com esse propósito. Para isso é que há o processo. Paralisá-lo de forma antecipada é não apenas uma interferência na esfera administrativa, como também é suprimir uma importante instância de participação da sociedade e de audiência das populações atingidas. Este Tribunal Regional Federal possui entendimento que permite a compreensão no sentido de que a interferência do Poder Judiciário na atribuição do gestor público, em seu juízo de conveniência e oportunidade, ou em sua competência técnica, como é o caso, é capaz de acarretar grave lesão à ordem, no seu viés administrativo. A propósito, o egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado de que “A presunção de legalidade opera em favor do ato administrativo, cuja invalidação sem a análise das questões jurídicas suscitadas implica interferência indevida do Poder Judiciário no exercício de funções administrativas pelas autoridades constituídas, em grave lesão à ordem pública e administrativa” (AgInt na SLS 2.624/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 27/08/2020). Assim, diante das razões e dos elementos apresentados, verifico a presença, in casu, dos pressupostos que justificam a suspensão da decisão impugnada. Ante o exposto, defiro o pedido para suspender os efeitos da decisão proferida na Ação Ordinária 0019192-92.2016.4.01.3200, que tramita na 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, até o trânsito em julgado da decisão de mérito a ser proferida na ação principal. À Secretaria para as providências cabíveis, com observância das formalidades e cautelas legais e de praxe. Intimem-se as partes. Brasília, na data em que assinado eletronicamente." É certo que a decisão acima foi impugnada por agravo interno, o qual pende de apreciação da Corte Especial deste Tribunal. VIII - Análise da Plausibilidade do Direito Apesar de não existir prejudicialidade entre a decisão proferida no pedido de suspensão e a que ora se profere, haja vista possuírem requisitos legais distintos, é certo que a decisão lá prolatada, se mantida pela Corte Especial, vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, praticamente tornando sem efeito a presente, caso conclua em sentido diverso e nos termos da decisão agravada, qual seja, pela competência do IBAMA. Nesse sentido: PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR E AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA FUNCIONAL HIERÁRQUICA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O pedido de suspensão de liminar não guarda relação de prejudicialidade com o respectivo recurso manejado contra a decisão liminar ou antecipatória, haja vista que possui pressupostos específicos relacionados a um juízo de natureza política destinado a evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Inteligência do art. 4º, § 6º, da Lei n. 8.437/1992. 2. No caso, não se cogita de violação do princípio da hierarquia, uma vez que a decisão que deferiu o pedido de suspensão de liminar foi proferida antes do julgamento do agravo de instrumento, observando-se o disposto no art. 4º, caput, da Lei n. 8.437/1992. Além disso, a referida decisão foi confirmada pelo Órgão Especial do Tribunal de Origem, no exame de agravo interno, bem como teve seus efeitos preservados pelo Colegiado por ocasião do julgamento do agravo de instrumento (acórdão recorrido). 3. No tocante à eficácia da decisão que defere o pedido de suspensão de liminar, o art. 4º, § 9º, da Lei n. 8.437/1992 assegura que "a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal." O argumento de que o Presidente do Tribunal poderia definir outro marco temporal para a eficácia de sua decisão não implica reconhecer que haverá a perda automática da eficácia da decisão proferida no âmbito do pedido de suspensão de liminar com o julgamento do agravo de instrumento contra a decisão de Primeiro Grau. Precedentes: AgRg na Rcl 34.882/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 1º/4/2019; AgInt na Rcl 28.192/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 24/5/2019. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1673891 BA 2016/0237322-8, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 27/10/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2020) Além dos fundamentos delineados pela Presidência, normativamente, tudo parece convergir para a manutenção do licenciamento de que trata a espécie no âmbito do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM, órgão estadual. De fato, o projeto em questão não parece gerar impactos diretos sobre qualquer comunidade indígena. A atividade empreendida, a partir dos dados produzidos até o momento, não está localizada no interior de terra indígena. E, segundo aduziu o IBAMA na peça recursal, "o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos do empreendimento em dois quilômetros quadrados no Projeto Autazes, o que não atinge qualquer área indígena demarcada." Cabe ainda ressaltar que tem o IBAMA competência supletiva, podendo intervir no processo de licenciamento a qualquer momento caso vislumbre que os interesses ambientais não estão recebendo a devida atenção e proteção do órgão ambiental estadual, nos termos do que decidido pelo STF na ADI n. 4.757. Ademais, a manifestação do IBAMA considerando legítimo o licenciamento ambiental, que entende de competência estadual, supre a existência de qualquer eventual irregularidade, ao menos até o momento. Portanto, há plausibilidade jurídica na alegação de desacerto da decisão impugnada, levando-se em conta que (a) o IBAMA entende ser normativamente incompetente para proceder o licenciamento no caso e não vê elementos para exercer a sua competência suplementar e (b) há decisão da Presidência, em sede de suspensão de liminar, concluindo que houve violação à ordem administrativa na obrigatoriedade de licenciamento pelo órgão federal em detrimento do órgão ambiental estadual. Em consonância com o art. 300 do CPC, para a concessão de antecipação de tutela faz-se necessária a demonstração simultânea da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), pressupostos que se verificam neste caso, ao menos neste momento. IV. O IBAMA pugna "pelo reconhecimento de ausência de de preclusão para a interposição de recurso por parte do IBAMA em face da decisão judicial que lhe impõe a obrigação de conduzir o licenciamento ambiental", bem como pelo reconhecimento da "falta de atribuição do IBAMA para conduzir o processo de licenciamento ambiental em questão, determinando sua exclusão da lide". Discute-se basicamente, portanto, se o IBAMA é competente ou não para proceder ao licenciamento ambiental do empreendimento objeto da lide. O tema foi abordado de forma minuciosa pela AGU quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Importante destacar que, quanto ao último ponto supracitado, este Tribunal já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006, grifos acrescidos) Ademais, a Quinta Turma Ampliada do TRF1 estabeleceu o entendimento de que a competência do IBAMA só é aplicável quando as atividades do empreendimento ocorrem diretamente em terras indígenas, não sendo suficiente apenas a proximidade com comunidades localizadas nas áreas circunvizinhas. Confira-se: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LIMITES TERRITORIAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO. LEI Nº 6.938/81 E RESOLUÇÃO CONAMA 237/1997. APLICABILIDADE. PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICA PCH ILHA COMPRIDA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL (SEMA-MT). OBRAS SITUADAS DENTRO DO DA DELIMITAÇÃO TERRITORIAL DO ESTADO DO MATO GROSSO E FORA DE ÁREA INDÍGENA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de Apelação em Ação Civil Pública que discute o licenciamento ambiental para a instalação da Pequena Central Hidrelétrica PCH Ilha Comprida localizada dentro da delimitação territorial do Estado de Mato Grosso. (...) 4. A Resolução CONAMA nº 237/97, em seu art. 4º arrola as hipóteses em que o licenciamento ambiental deve ser conduzido pelo IBAMA, ao tempo em que traz regra que limita a sua atuação a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional; e, dentre as hipóteses especificadas, não há a subsunção do caso em análise, porquanto não se trata de atividades desenvolvidas em terras indígenas (inciso I), localizadas ou desenvolvidas em mais de um Estado (inciso II) ou cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um Estado (inciso III). Não se cogita o enquadramento do caso concreto nas demais hipóteses trazidas pelo dispositivo. Reconhecimento da legitimidade da SEMA-MT para proceder ao licenciamento ambiental em discussão. 5. A competência do órgão estadual foi reforçada pela atual legislação que rege a matéria, nos termos disciplinados pela Lei Complementar nº 140/2011, art. 8º, XIV; ao tempo em que ratifica a competência dos órgãos federais somente quando os empreendimentos/atividades se localizarem ou desenvolverem em terras indígenas; em dois ou mais estados ou cujos impactos diretos ultrapassem os limites territoriais de um estado (art. 7º, alíneas "c", "e" e "f"). 6. Honorários incabíveis ao caso, nos termos do art. 18, da Lei n. 7.347/85. 7. Apelação desprovida. (AC 0008796-64.2009.4.01.3600, Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, TRF1 - Quinta Turma (Ampliada), PJe 29/11/2021, grifos acrescidos) Com efeito, destaca-se trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Por fim, cabe salientar esse entendimento está em consonância com o que assentou o STF no julgamento da ADI nº 4.757/DF, segundo o qual é pacífica a existência de "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação." Do referido trecho, fica claro que não se exclui a competência do órgão ambiental estadual para licenciar empreendimento que causar "impactos indiretos relevantes" em terra indígena demarcada. Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, nada a prover com relação à questão de ordem suscitada ao ID 418833002, uma vez que a única discussão aqui traçada é a competência do IBAMA em conduzir o processo de licenciamento ambiental do empreendimento objeto da lide, questão tratada em outros agravos trazidos a julgamento conjunto na mesma sessão de julgamento, nos quais a parte teve oportunidade de se manifestar. Por fim, não há que se algar preclusão em relação à definição do tema relativo ao ente competente para proceder ao licenciamento do projeto. Isso porque se cuida do próprio mérito da ação, sendo pedido a qual se pretende ver declarado pelo MPF no julgamento final da ação, razão pela qual não está sujeito à preclusão processual. V. Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para reconhecer incompetência do IBAMA para conduzir o processo de licenciamento ambiental em discussão e, consequentemente, determinar sua exclusão da lide. Julgo prejudicado o agravo interno. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1012591-06.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição dos agravos de instrumento em apreço. De início, registro que o presente voto-vista abarca as discussões trazidas nos agravos de instrumento nº 1011342-54.2022.4.01.0000 e 1012591-06.2023.4.01.0000, ambos dirigidos a decisões distintas que deliberaram sobre a competência do Ibama para o licenciamento ambiental do projeto de exploração mineral discutido na ação principal. Quanto ao primeiro agravo a decisão remonta a 18/03/2022. Já em relação ao segundo, a decisão impugnada data de 10/02/2023. Tal o contexto, cuidando-se de decisões que veicularam diretriz idêntica no que concerne à definição da competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento discutido, entendo, pelos mesmos fundamentos que me vali no julgamento do AI 1037175-40.2023.4.01.0000, que o mais antigo dos agravos ora analisados perdeu seu objeto. Todavia, como esta Turma decidiu na referida oportunidade pela ausência de perda de seu objeto como consequência da prolação de comando posterior tratando de alguns dos temas decididos na decisão agravada (a mesma a que se referem os recursos em exame), submeto-me ao referido entendimento, ressalvando ponto de vista em sentido diverso. Quanto ao mais, tomo como essencial, à partida, a fixação dos pontos que são incontroversos nos autos principais a que os agravos em apreço se vinculam, isso porque o reconhecimento desse contexto (de concordância quanto a determinadas questões) reforça a formação de meu convencimento. Em primeiro lugar, é fato incontroverso que a eventual implementação do Projeto Potássio Autazes repercutirá em terras indígenas ocupadas pelo Povo Mura, tanto assim que, com o objetivo de se assegurar a regularidade do mencionado empreendimento, foi levado a efeito procedimento de consulta prévia – que também tem sua validade discutida – aos indígenas que seriam afetados. Observe-se, nesse sentido, que o próprio Relator já reconheceu a existência da repercussão sobre as comunidades indígenas (ainda que questione a caracterização como tal de parte das que assim consideradas pelo juízo a quo), vindo a concluir pela desnecessidade de autorização do Congresso Nacional e da atuação licenciadora do Ibama sob a premissa de que as atividades a serem desenvolvidas não ocorrerão no interior de terras indígenas, considerando assim tratar-se de repercussão que apenas indiretamente sobre elas recairia. É ainda incontroverso que o empreendimento em discussão tem o potencial de afetar diversas aldeias do Povo Mura, consoante implicitamente reconhecido pela própria agravante Potássio do Brasil ao defender, em sua insurgência, a validade da consulta prévia realizada, fazendo-o sob o fundamento de que a assembleia realizada no âmbito da mencionada consulta prévia teria contado com a participação de 34 das 36 aldeias do Povo Mura. O que se tem, portanto, é que não há necessidade de revolvimento fático-probatório para a constatação de que o empreendimento em debate, caso implementado, produzirá efeitos em terras indígenas e que essa repercussão não será confinada a uma ou outra aldeia, senão a várias delas. Diante desses fatos, repita-se, incontroversos, tenho como evidente a competência do Ibama para o licenciamento ambiental sob enfoque. De início, há que ser observado que o exame integral da controvérsia presente na ação principal exige a aferição do critério hermenêutico mais adequado para as disposições presentes no art. 231 da Constituição Federal, nomeadamente, nomeadamente a diretriz programática prevista em sua parte final (“proteger e fazer respeitar todos os seus bens”). Com essa perspectiva, e devidamente respaldada na ratio decidendi das emblemáticas manifestações do STF no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 e no RE 1379751, bem assim no art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, entendo ser do Ibama a competência para o licenciamento ambiental, cuidando-se de atribuição ainda realçada pelas claras disposições contidas na Portaria Interministerial nº 60/2015, norma que o Ibama, com sua estranha recusa em assumir o múnus que lhe pertence, implicitamente se recusa dar cumprimento. Passo a explicitar as razões que justificam as conclusões acima adiantadas, inicialmente me reportando, como se transcrevendo estivesse, os fundamentos que apresentei nos votos que proferi nos agravos nº 1042776-27.2023.4.01.000, 1043035-22.2023.4.01.0000 e 1039810-91.2023.4.01.0000, no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional. Deixo, pois, de transcrevê-los, para evitar o alongamento do presente voto, e assim ingresso diretamente no que é objeto das insurgências ora analisadas. Da competência do Ibama para o licenciamento ambiental No que se refere à competência para o licenciamento ambiental, do mesmo modo que já esclarecido em relação à necessidade de autorização do Congresso Nacional, a análise da questão deve ser feita com base no aspecto finalístico das normas que tratam do tema, também sendo reclamada, nessa situação, a aplicação do princípio hermenêutico da máxima efetividade, este que obviamente deve ser aplicado não somente às normas presentes no corpo da Constituição, como também às de hierarquia inferior que tenham sido editadas com a finalidade de realização de direitos e garantias naquela previstos. Por outro lado, a interpretação das normas jurídicas deve ser feita de modo a assegurar a coerência do sistema no qual estão inseridas, não se mostrando possível, portanto, a atribuição de sentidos e alcances teleologicamente conflitantes para dispositivos inseridos dentro de um mesmo conjunto normativo. Não há razão, portanto, para que se entenda pela necessidade de consulta prévia quando se tratar de empreendimentos realizados no entorno de terras indígenas, com o potencial de afetá-las e, ao mesmo tempo, rechaçar-se a competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento. Aplica-se ao ponto em exame, com efeito, o mesmo sentido da manifestação do Ministro Alexandre de Moraes quando referiu-se ao “absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” De modo que a definição sobre a competência do Ibama para o licenciamento em terras indígenas deve ser pautada por seu conteúdo finalístico e não por sua literalidade semântica. Pensar diferente significaria, por exemplo, afastar a competência da autarquia federal para o licenciamento de um empreendimento de impacto situado a apenas 1 metro de distância de uma determinada terra indígena, ainda que sobre ela causasse relevante repercussão. Em sentido concorde com essa compreensão, no julgamento do RESP 1.390.476 o STJ manteve hígido acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região no qual a Corte Regional decidiu pela competência do Ibama para o licenciamento ambiental de empreendimentos realizados em áreas contíguas a terras indígenas. A Corte da Legalidade assim resumiu seu entendimento: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (...) II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de “(...)" que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) Observe-se, por importante, que embora o STJ tenha invocado sua Súmula 07 como fator elemento impeditivo da admissibilidade do Recurso Especial em comento, o fez à premissa da inviabilidade do revolvimento fático que envolve a controvérsia para se saber se os aspectos dessa natureza (fáticos) encontravam amparo na prova produzida. Assim, a premissa jurídica contida na decisão do TRF da 4ª Região – qual seja, a de que a competência para o licenciamento deve ser do IBAMA quando se tratar de empreendimento realizado em áreas contíguas a terra indígena que, por essa razão, será por ele afetado, – não é alcançada pela Súmula 07 do STJ. É dizer, caso dessa premissa jurídica discordasse, o STJ poderia, se assim entendesse correto, conhecer e dar provimento ao recurso especial em referência, fundando-se na conclusão de que empreendimentos realizados fora de terra indígena, ainda que nela repercutam, devem ser licenciados pelo órgão ambiental estadual. Trata-se, com efeito, de precedente que lastreou a prolação de diversas decisões monocráticas em casos semelhantes, à exemplo das que exaradas no RESp 2180955, Min. Ministro Francisco Falcão (04/04/2025), no AREsp 2059895, Min. Paulo Sérgio Domingues (04/11/2024) e no AREsp 2510802, Min. Sérgio Kukina (03/09/2024 - nesse último caso, a propósito, foi o IBAMA quem interpôs o recurso especial, sustentando sua incompetência para o licenciamento, o que foi rejeitado pelo tribunal de origem e pelo relator), entre outras. Por outro lado, o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011 dispõe ser da União a atribuição para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, localizados ou desenvolvidos em terras indígenas. Ora, apesar da referência genérica à União, é intuitivo que o referido ditame em verdade dispõe sobre a competência de sua entidade descentralizada vocacionada para essa finalidade, qual seja o Ibama, entidade que é executora do Sisnama, conforme explicitado no art. 4º da Resolução Conama 237/97, dispositivo que em seu inciso I igualmente assinala a atribuição da autarquia ambiental federal para o licenciamento em terras indígenas. De todo modo, ao disciplinar sobre a competência do Ibama para o licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas em terras indígenas, a Lei Complementar nº 140/2011 visa dar concretude, dentro de seu escopo, à obrigação imposta pelo legislador constituinte à União de proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas (art. 231, caput). Em outras palavras, a máxima efetividade da norma protetiva constitucional em exame pressupõe que também a norma jurídica que seja dela derivada deva ser interpretada com idêntico balizamento hermenêutico. Em par com toda essa constatação, cabe agora registrar que no julgamento da Pet 3388 (Relator: Min. Carlos Ayres Britto) no qual foi analisado o paradigmático caso da demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 19/03/2009, consignou a relação de pertinência temática entre terras indígenas e o meio ambiente, tendo fixado no resumo de seu julgado a compreensão de que “há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental”. Esse posicionamento, com efeito, foi reiterado no multirreferido acórdão do RE 1379751 ED-terceiros-AgR/PA, no qual a alusão ao julgado anterior teve como motivo a necessidade de observância do princípio da precaução também no trato das questões que se refiram às terras indígenas. De sorte que a competência do Ibama para o licenciamento ambiental também deve ser reconhecida pela perspectiva do princípio da precaução, em um contexto no qual o empreendimento em discussão afetará cerca de doze mil indígenas que residem em mais de trinta aldeias diferentes. Ainda a propósito, na decisão de ID 2128569975, a julgadora da origem menciona: “[E]m conexão com o presente processo está Ação com pedido de tutela cautelar impugnando doze licenças concedidas pelo IPAAM para o funcionamento do projeto que trata da exploração do mineral potássio (silvinita) dos Municípios de Autazes e Careiro da Varzea, inclusive em terras indígenas Mura. Como se vê, a existência de doze licenças ambientais (!!!) para o que se tem como um único empreendimento de exploração mineral ao menos indica que não se trata de atividade de pequeno impacto, podendo ser ainda questionada, neste momento de exame da competência para o licenciamento, a razão para o que se afigura como um disfarçado fracionamento da licença ambiental pertinente. Claro, portanto, que a envergadura do projeto em apreço é proporcional à envergadura da afetação que ele produzirá em tantas pessoas e localidades, fato que não apenas justifica, mas em verdade impõe que, dado o caráter precaucional que deve permear a avaliação ambiental, a competência para a sua realização, na espécie, deve se dar em conformidade com o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011. Não bastasse tudo isso, veja-se ainda que as disposições presentes na Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental no caso presente. Referido normativo estabelece os procedimentos administrativos que disciplinam a atuação da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde nos processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. (cf. art. 1º) O mencionado normativo dispõe no caput de seu art. 3º, que “No início do procedimento de licenciamento ambiental, o IBAMA deverá, na FCA, solicitar informações do empreendedor sobre possíveis intervenções em terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária.” Já o § 2º do art. 3º prevê que, “[P]ara fins do disposto no caput, presume-se a intervenção: I - em terra indígena, quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena, respeitados os limites do Anexo I”. (destaques acrescidos) O referido anexo I possui o seguinte feitio: Como se vê, em áreas inseridas na Amazônia Legal, o anexo em comento considera a distância de 10 quilômetros lineares como aquela na qual podem ser ocasionados os impactos socioambientais mencionados no § 2º do art. 3º. Portanto, um simples exercício de lógica induz à óbvia conclusão de que o Ibama é o responsável pelo licenciamento dos empreendimentos localizados a menos de dez quilômetros de terras indígenas e que sobre elas possam repercutir. Especificamente quanto a tal aspecto fático, reporto-me ao voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000 (destaquei): “... a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas).” Além disso, há nos autos principais diversos documentos no sentido de que várias aldeias distam menos de dez quilômetros do empreendimento debatido, inclusive com manifestação da Funai pela ocorrência de sobreposição em uma delas. Oportuno realçar que não é apenas o fato de o empreendimento distar menos de dez quilômetros de terras indígenas que justifica a intervenção do Ibama – tratando-se de mero sofisma qualquer assertiva de que seria esse o contexto dos autos –, se não o fato de que, para além da subsunção da hipótese em exame ao que consta do já transcrito anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015, é fato incontroverso que o Projeto Potássio Autazes concretamente repercutirá em diversas comunidades indígenas. Portanto, o que em última análise se tem é que, ao recusar sua competência para o licenciamento ambiental no caso concreto, o Ibama, mais que tudo, também nega cumprimento à Portaria Interministerial nº 60/2015. A propósito, o teor da aludida portaria também deixa clara a obrigatoriedade de participação da Funai na análise do empreendimento em causa. Encerrando o exame do ponto, refiro-me a mais um precedente desta Sexta Turma no sentido de que “é imprescindível a intervenção do IBAMA nos licenciamentos e estudos prévios relativos a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, que afetarem terras indígenas ou bem de domínio da União (artigo 10, caput, e § 4º, da Lei nº 6.938/81, c/c artigo 4º, I, da Resolução nº 237/97, do CONAMA)”. - Destaquei. (REO 0098728-48.1999.4.01.0000, Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (CONV.), TRF1, DJ 29/01/2007). Conclusões: a) É fato incontroverso que o empreendimento Projeto Potássio Autazes está sendo implementado no entorno de Terras Indígenas ocupadas pelo Povo Mura e que, caso concretizado, nelas e nas respectivas comunidades irá repercutir; b) o art. 231 da Constituição Federal, o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, o art. 4º da Resolução Conama 237/97 e a Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental objeto do empreendimento em discussão; Ante o exposto, nego provimento aos agravos de instrumento nº 1012591-06.2023.4.01.0000 e 1011342-54.2022.4.01.0000. É como voto.Des(a). Federal KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1012591-06.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA AGRAVADO: POTASSIO DO BRASIL LTDA., CONSELHO INDIGENA MURA, ESTADO DO AMAZONAS, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. EMPREENDIMENTO LOCALIZADO FORA DE TERRAS INDÍGENAS. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. INCOMPETÊNCIA DO IBAMA. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) contra decisão que reconheceu preclusão quanto à discussão sobre sua competência para conduzir o licenciamento ambiental do "Projeto Autazes", empreendimento minerário localizado no Estado do Amazonas. 2. A questão central consiste em determinar se o IBAMA é o órgão competente para o licenciamento ambiental do empreendimento, considerando-se a localização do projeto fora de terras indígenas demarcadas ou em demarcação, à luz do art. 7º, XIV, "c", da Lei Complementar nº 140/2011. 3. O art. 7º, XIV, "c", da Lei Complementar nº 140/2011 dispõe que a competência federal para licenciamento ambiental se limita a empreendimentos localizados ou desenvolvidos em terras indígenas. 4. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A proximidade entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura deslocamento de competência ao IBAMA, não atraindo a incidência do art. 7º da referida lei complementar. 5. Esse entendimento está em consonância com o que assentou o STF no julgamento da ADI nº 4.757/DF, segundo o qual é pacífica a existência de "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação." Do referido trecho, fica claro que não se exclui a competência do órgão ambiental estadual para licenciar empreendimento, ainda que cause "impactos indiretos relevantes" em terra indígena demarcada localizada nas proximidades. 6. Agravo de instrumento provido. Reconhecida a incompetência do IBAMA para conduzir o licenciamento ambiental e determinada sua exclusão da lide. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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