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ID: 261256124
Tribunal: TRT10
Órgão: 3ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0000354-57.2024.5.10.0009
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Advogados:
ALBERTO EMANUEL ALBERTIN MALTA
OAB/DF XXXXXX
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ARTUR ALUISIO NEVES DE PADUA
OAB/DF XXXXXX
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RAFAEL GOMES TEIXEIRA
OAB/DF XXXXXX
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LUCAS AUGUSTO DE MELO SANTOS
OAB/DF XXXXXX
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MATHAEUS LAZARINI DE ALMEIDA
OAB/DF XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 3ª TURMA Relator: PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN 0000354-57.2024.5.10.0009 : CAFE DO SITIO INDUSTRIA E COMERCIO LT…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 3ª TURMA Relator: PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN 0000354-57.2024.5.10.0009 : CAFE DO SITIO INDUSTRIA E COMERCIO LTDA E OUTROS (1) : CAFE DO SITIO INDUSTRIA E COMERCIO LTDA E OUTROS (1) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO PROCESSO 0000354-57.2024.5.10.0009 ROT - ACÓRDÃO 3ª TURMA/2025 RELATOR: DESEMBARGADOR PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN RECORRENTE: LUCIANA MATOS BARBOSA ADVOGADO: RAFAEL GOMES TEIXEIRA RECORRENTE: CAFE DO SITIO INDUSTRIA E COMERCIO LTDA ADVOGADO: ALBERTO EMANUEL ALBERTIN MALTA RECORRIDOS: OS MESMOS EMENTA 1. CERCEAMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. CONFISSÃO FICTA. A apresentação de respostas evasivas pela preposta às perguntas elaboradas pelo magistrado na audiência de instrução equivale à recusa de depor, nos termos do art. 386 do CPC. Sendo confesso o empregador, torna-se desnecessária a oitiva de testemunhas sobre o tema, conforme o art. 370, parágrafo único, do CPC. Preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de produção de prova rejeitada. 2. DANO MORAL. VIOLÊNCIA DE GÊNERO. MISOGINIA NO AMBIENTE LABORAL. Comportamentos misóginos são aqueles que refletem o desprezo e desrespeito às mulheres e a tudo o que se aproxima daquilo que, culturalmente, é entendido como feminino. "A raiz da misoginia é a cultura machista e sexista que reforça a superioridade masculina, ao mesmo tempo em que desvaloriza, inferioriza e anula a mulher." A estrutura que conhecemos como "patriarcado" - uma estrutura social hierárquica onde persistem relações de poder de homens sobre mulheres - se alimenta de ações e comportamentos misóginos. Verificada tal violência no ambiente de trabalho sem que o empregador tenha tomado medidas eficazes para reprimi-la e evitá-la, correta a sentença que impôs à empresa a obrigação de indenizar a ofendida. 3. DANO MORAL. FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. O montante a ser pago a título de compensação pelo dano moral deve ser fixada com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta a extensão do prejuízo, as condições das partes e o caráter pedagógico da medida. Recurso da consignada/reconvinte não provido. 4. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. Em se tratando de dano grave ao patrimônio imaterial da trabalhadora, a conduta inadequada dos prepostos do empregador, criando um ambiente de trabalho hostil e insustentável, é suficiente para ensejar o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho. Recurso da consignada/reconvinte parcialmente provido. 5. "VERBAS RESCISÓRIAS. PAGAMENTO. MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT. HIPÓTESES DE APLICAÇÃO. I - A multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, é devida quando inobservados os prazos fixados em seu § 6º, incluindo as hipóteses de reconhecimento judicial do vínculo de emprego, da rescisão indireta do contrato, da conversão da dispensa por justa causa em rescisão imotivada do contrato e da simulação, pelo empregador, capaz de obstar, no todo ou em parte, o recebimento das parcelas asseguradas em lei ao empregado" (Verbete n.º 61, I, do Pleno do TRT da 10ª Região). 6. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES ATRIBUÍDOS AOS PEDIDOS NA PETIÇÃO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. A interpretação teleológica do art. 840, § 1º, da CLT, em conjunto com a Instrução Normativa n.º 41/2018 do colendo TST e com os princípios da informalidade, simplicidade, amplo acesso à jurisdição, dignidade da pessoa humana e proteção social ao trabalho, conduz à conclusão de que os valores indicados na petição inicial são meramente estimativos. Exigir que a parte autora apresente valores líquidos na petição inicial, sob pena de limitar a condenação, restringiria o jus postulandi e o acesso à justiça. Recurso da consignada/reconvinte provido. 7. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. DEFERIMENTO. A declaração de hipossuficiência firmada por pessoa física (ou por seu advogado com poderes específicos para tanto) é suficiente para autorizar o deferimento dos benefícios da justiça gratuita, nos termos do inciso I da Súmula n.º 463 do colendo TST, mesmo após o início da vigência da Lei n.º 13.467/2017. Recurso do consignante/reconvindo não provido. 8. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PERCENTUAL. PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. As ações ajuizadas posteriormente à vigência da Lei n.º 13.467/17 atraem a diretriz firmada no art. 791-A da CLT, e não do art. 98 do CPC, aplicável apenas quando há lacuna na lei trabalhista. Assim, os honorários advocatícios de sucumbência são devidos por qualquer dos vencidos entre o mínimo de 5% e o máximo de 15%, não sendo possível a exclusão da verba da condenação, mas apenas a suspensão da exigibilidade da parcela, nos termos previstos no Verbete n.º 75, editado por este egrégio Regional em sua composição plena, e nos moldes decididos pelo excelso STF ao julgar a ADI 5766. A condenação ao pagamento de honorários decorre da mera sucumbência, devendo ser definidos mesmo quando não houver requerimento ou recurso das partes acerca do tema. A verificação da sucumbência em relação a cada pedido considera se o pleito em questão foi julgado procedente (em sua totalidade ou parcialmente) ou improcedente. Considerando os parâmetros adotados pela egrégia 3ª Turma desta Corte para as causas de baixa e média complexidade, mostra-se razoável a fixação de honorários advocatícios de 10% quando estes são devidos pelas partes. Recursos dos litigantes não providos. RELATÓRIO O Exmo. Juiz Acélio Ricardo Vales Leite, atuando na 9ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, por meio da sentença às fls. 303/316, complementada às fls. 349/367, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de consignação em pagamento e na reconvenção. A consignada/reconvinte interpôs recurso ordinário às fls. 332/344. O consignante/reconvindo recorreu às fls. 359/394. Contrarrazões pela consignada/reconvinte às fls. 405/410 e pelo consignante/reconvindo às fls. 411/425. Diante da faculdade conferida pelo art. 102 do Regimento Interno deste Regional, deixou-se de encaminhar os presentes autos ao MPT. É o relatório. V O T O ADMISSIBILIDADE Presentes os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade, conheço dos recursos. RECURSO DO CONSIGNANTE/RECONVINDO CERCEAMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA Insurge-se o consignante/reconvindo contra o indeferimento da oitiva de suas testemunhas, requerendo a declaração de nulidade da sentença por cerceamento de produção de prova. Pois bem. Consta às fls. 269/279 a transcrição dos depoimentos prestados pelas partes na audiência de instrução cuja ata se encontra às fls. 233/234. A partir da transcrição, extrai-se que o Exmo. Juiz condutor da audiência perguntou à preposta do reclamado, em diversas oportunidades, qual teria sido a fala do Sr. Sílvio que teria causado sua punição com advertência; contudo, a preposta se esquivou às perguntas, limitando-se a afirmar que foi um "comentário infeliz", sem esclarecer quais teriam sido as palavras efetivamente ditas pelo Sr. Sílvio: "[00:08:43 --> 00:09:07] Preposta: A Luciana disse que estava um pouco desmotivada mesmo, pediu que fosse mandada embora, né? Se a gente conseguiria mandar embora. Só que a Luciana sempre teve um trabalho muito bom, sempre foi um trabalho bem valorizado, então não haveria o porquê, entendeu? De mandar embora. [00:09:08 --> 00:09:13] Advogado da reclamante: Mas foi em razão desse fato, né? Do almoço do Sr. Sílvio que ela manifestou, correto? [00:09:15 --> 00:09:25] Preposta: Então, a Luciana manifestou nesse momento, mas me disse que estava um pouco desmotivada, desanimada. [00:09:26 --> 00:09:28] Advogado da reclamante: Ok. Somente isso, Excelência. [00:09:30 --> 00:09:41] Juiz: Como a empresa considerou a conduta do Sr. Sílvio no episódio mencionado pela reclamante? A empresa viu alguma irregularidade na conduta do Sr. Sílvio? [00:09:44 --> 00:11:21] Preposta: Excelência, a empresa, no tanto que... se empenhou de fazer uma sindicância, então foi aberta uma sindicância. Primeiramente foi feita uma reunião com todos, para poder esclarecer, para poder entender, o RH sempre presente. Então foi aberta essa sindicância, então todos nós fomos ouvidos, pelo RH, pelo jurídico. E aí foi constatado que, de qualquer forma, realmente foi um comentário infeliz do Sílvio, mas foi feito um comentário, a gente estava realmente num momento informal, um almoço informal, não foi dentro das dependências da empresa, e depois de todo esse levantamento, a empresa constatou que, sim, foi um comentário infeliz, mas foram feitas todas as medidas disciplinares. Então, no tanto que o Sílvio recebeu a advertência, Samara foi advertida também. Samara estava pleiteando uma promoção, essa promoção foi encerrada, ela não foi efetivada, né? Então a empresa fez todo o processo que ela podia dentro desse... desse... desse assunto, né? Então foi feita a contraproposta para ela, né? Porque sempre foi uma promotora muito bem elogiada, uma promotora que sempre teve uma excelente execução, um excelente trabalho. [00:11:23 --> 00:11:30] Juiz: O senhor Sílvio foi advertido exatamente por quê? Qual foi considerada a transgressão disciplinar dele? [00:11:31 --> 00:11:37] Preposta: Por ter feito um comentário infeliz, né? foi um comentário, né?... Apesar de a gente estar informal, né? Foi um comentário infeliz, mas foi apurado e o jurídico e o RH, né? constatamos que foi mesmo para medida disciplinar. [00:11:57 --> 00:12:12] Juiz: Quando a senhora diz infeliz, a senhora quer dizer exatamente o quê? Ele foi contrário às normas da empresa, ele foi ofensivo à reclamante, ele... exatamente o que tinha de errado no comentário? [00:12:12 --> 00:12:28] Preposta: Senhor juiz, assim, simplesmente foi um comentário que, na verdade, ele não foi nem agressivo no sentido da palavra, porque foi um comentário só de um almoço informal, entendeu? [00:12:32 --> 00:12:45] Juiz: Mas ele foi punido, imagino que... consta da advertência o motivo da punição. Qual foi o motivo indicado na advertência? [00:12:45 --> 00:12:55] Preposta: É que foi um comentário feito na frente de Samara, na minha frente. Foi mais por isso, por esse motivo, entendeu? [00:13:02 --> 00:13:40] Juiz: Bem, eu acho que eu perguntei de forma suficiente, eu não me considero esclarecido. Eu vou dar mais uma oportunidade para a senhora dizer qual foi a transgressão, a falta que ele cometeu para ser punido. Eu não acho que a senhora tenha respondido. Eu vou considerar a empresa confessa quanto a esse ponto se a senhora não me oferecer uma resposta satisfatória, porque só dizer que ele fez um comentário não é motivo para punição, qualquer pessoa pode fazer um comentário. É preciso que haja algo de errado no comentário. Se a empresa não quer dizer o que ela acha que está de errado nesse comentário, eu vou considerar a empresa confessa. A senhora tem mais algo a esclarecer? [00:13:46 --> 00:14:17] Preposta: Seu juiz, foi feito o esclarecimento, foram todos ouvidos, né? Então, na verdade, ele fez esse comentário infeliz na frente de uma promotora, né? E a promotora acarretou em fofoca, entendeu? Então, assim, foi esse o sentido da questão das medidas disciplinares. [00:14:17 --> 00:14:35] Juiz: Bem, eu acho que eu fui suficientemente claro. Diante da resposta evasiva da preposta, eu considero que há recusa de depor, considero a empresa confessa, portanto, a prova testemunhal será indeferida" (fls. 273/275, sem destaque no original). É de se notar que havia controvérsia acerca do inteiro teor do "comentário infeliz", pois no documento às fls. 227/228 consta apenas uma das afirmações atribuídas ao Sr. Sílvio na reconvenção (fls. 48/59). Em seu depoimento, a preposta se manifestou de forma evasiva, sem responder diretamente às perguntas do magistrado, o que equivale à recusa de depor (art. 386 do CPC). Desse modo, não há de se falar em nulidade da sentença por cerceamento de produção de prova, pois, sendo confesso o reclamado, desnecessária a oitiva de testemunhas acerca do tema (art. 370, parágrafo único, do CPC). Preliminar que se rejeita. RECURSOS DAS PARTES DANO MORAL O Juízo a quo condenou o consignante/reconvindo ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00, pelos seguintes fundamentos: "Narra a consignada-reconvinte que sofreu dano moral no trabalho porque 'sofreu constrangimentos e humilhações perante seus colegas de trabalho em razão das falas do preposto da empresa Sr. Silvio, durante um almoço, onde este afirmou para suas colegas que a obreira só conseguia as coisas por ser bonita, além de que, uma das próprias colegas a informou de sua fala sobre ela ter um caso com o gerente.'. A defesa nega a prática de ato ilícito e salienta que tomou as providências cabíveis diante de comentário feito pelo colaborador Sílvio durante encontro informal com outras empregadas. Assevera que a reclamante não se desligou da empresa pelos comentários, mas sim diante da proposta de novo emprego. Ao exame. Dispõe o artigo 186 do Código Civil: 'Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar danos a outrem, ainda que exclusivamente moral, comente ato ilícito.' Por sua vez, o artigo 927 do mesmo Estatuto, estabelece: 'Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.' Como de sabença, para prosperar o pedido de condenação em dano moral, necessária a demonstração de três elementos caracterizadores da responsabilidade civil: provas da existência de ato ilícito; do dano e do nexo de causalidade entre este e aquele. Infere-se do conjunto probatório que a própria consignante-reconvinda admite o comentário inadequado e de cunho machista do supervisor Sílvio com relação ao trabalho da consignada-reconvinte (depoimento pessoal da preposta - transcrição dos depoimentos - 00:09:44 a 00:11:21 - id. 5f3cbaa; advertência disciplinar - id. 4426789 - fls. 10/11). O Juiz é o destinatário da prova, a quem cabe, diante dos elementos constantes dos autos, formar o seu convencimento e emitir sua decisão mediante a respectiva fundamentação (artigo 371 do CPC), em observância aos princípios do livre convencimento motivado e da persuasão racional. Assim, não se vislumbra qualquer cerceamento de defesa ou atuação sem imparcialidade do Exmo. Magistrado condutor da audiência de instrução realizada. Como se não bastasse a confissão retratada em audiência, importante frisar que a prova documental supramencionada e o teor do depoimento pessoal da preposta são suficientes para firmar o convencimento acerca do tema, estando autorizado o Juiz indeferir provas inúteis ou meramente protelatórias, de acordo com o artigo 370, parágrafo único, do CPC. Nesse cenário, tem-se por demonstrados o dano propriamente dito (comentário ofensivo à honra e imagem da consignada-reconvinte) e o nexo de causalidade. Preenchidos, portanto, dois dos requisitos para exsurgir o dever da reclamada em indenizar a autora. Resta claro que a reclamada, por intermédio do respectivo supervisor, negligenciou no cumprimento de sua obrigação em proporcionar ambiente de trabalho saudável à colaboradora. Cometeu a consignante-reconvinda ato ilícito e deve responder pelos danos experimentados pela consignada-reconvinte. Preenchidos, portanto, todos os requisitos para exsurgir a responsabilidade civil da consignada/reconvinte: ato ilícito, dano e nexo de causalidade - artigos 186 c/c 927, do Código Civil Brasileiro. O artigo 944 do Código Civil estabelece que A indenização mede-se pela extensão do dano. No caso em apreço o dano é decorrente das atividades laborais. A conduta da consignante-reconvinda, em não oferecer à obreira ambiente de trabalho saudável contribuiu, sem dúvida, para o infortúnio. Todas essas circunstâncias fáticas devem ser levadas em consideração para fins de quantificar o dano moral. A reparação civil deve ser a mais ampla possível, de sorte a inibir a recidiva do ofensor e também, servir de lenitivo ao ofendido. A indenização decorrente de ato ilícito tem finalidades múltiplas. Primeiro, tem por objetivo propiciar momentos de euforia e de contentamento da vítima, neutralizando a dor e angústia sofridas, em face da lesão perpetrada. Mas a principal finalidade da reparação civil é a de evitar a recidiva da agressão perpetrada. Atua na prevenção, a fim de incutir no ofensor receio de tornara cometer novas agressões. O objetivo da reparação é a mantença do equilíbrio social, na busca da paz, onde os trabalhadores deverão ter respeitada a sua dignidade. E mais: deve servir de advertência a todos os componentes da sociedade, para que não se comportem como se comportou o ofensor, pois se assim agirem, receberão a mesma resposta do Estado-Juiz. Na fixação do valor da indenização, deve o Juiz considerar a situação das pessoas envolvidas, a gravidade das ofensas, de sorte que represente para a vítima uma satisfação, igualmente moral ou, que seja, psicológica, capaz de neutralizar ou amenizar o sofrimento impingidos pelo ofensor. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que tampouco signifique um enriquecimento sem causa da vítima, mas está também em produzir no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado contra a honra de qualquer pessoa. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, quando do julgamento do RO 00178-2004-002-10-00-0, Relator Juiz Brasilino Santos Ramos, deixou assentado: 'DANOS MORAIS. VALORAÇÃO. No arbitramento do valor da condenação em casos de dano moral, não pode o Juiz olvidar de certos indicativos para sua fixação, tais como o grau de culpa do empregador, a situação econômica das partes, a idade e o sexo da vítima, entre outros, sob pena de, ao reparar um dano, provocar a ocorrência de outros prejuízos, inclusive de natureza social. Deve o Magistrado, outrossim, considerar, em cada caso concreto, a equivalência entre o ato faltoso e o dano sofrido, bem como a possibilidade real de cumprimento da obrigação, sempre com observância ao princípio da razoabilidade e à vedação do enriquecimento sem causa' Assim, considerando a condição da consignada-reconvinte, o porte da consignante-reconvinda, e, ainda, a gravidade do ato, entendo que a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para atender as finalidades antes mencionadas. Assim, julgo parcialmente procedente o pedido e condeno a consignante-reconvinda a pagar à consignada-reconvinte a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais" (fls. 305/308). Em suas razões recursais, o consignante/reconvindo alega que houve julgamento extra petita, pois teria condenado "a empresa subjetivamente por ato único de terceiro, distinto do assédio moral alegado pela Recorrida nos autos" (fl. 381). Aduz, ainda, que não há prova da suposta conduta ofensiva nem de nexo de causalidade. Pretende, assim, a improcedência do pedido de indenização por danos morais. A consignada/reconvinte, por seu turno, postula a majoração do valor atribuído à compensação por prejuízos imateriais para R$ 15.000,00. Pois bem. Conforme decidido no tópico anterior, o consignante/reconvindo é confesso quanto ao teor das afirmações proferidas pelo Sr. Sílvio em desfavor da consignada/reconvinte. Desse modo, tem-se que em um almoço, fora do ambiente de trabalho, mas na presença de outros empregados, o supervisor atribuiu o bom desempenho da reclamante à sua aparência física. Além disso, na conversa foi insinuada a existência de um relacionamento interpessoal inapropriado entre a reclamante e o gerente do supermercado onde ela trabalhava. O teor de tal conversa ultrapassa os limites da mera opinião pessoal e configura ato ilícito, passível de indenização por danos morais, nos termos do art. 186 do Código Civil. O fato de o comentário ter sido feito fora do ambiente de trabalho não exime a empresa de responsabilidade. O supervisor, ao se manifestar dessa forma, agiu em nome da empresa, representando-a perante os demais empregados (art. 932, III, do Código Civil). É imprescindível destacar que a fala de Sílvio não se restringe a um "comentário infeliz", como dito pela preposta. É mais do que necessário, aqui, nomear a violência. Afinal, é apenas conceituando e nomeando as violências de gênero que conseguiremos alcançar uma sociedade equânime. O nome dessa violência é misoginia. "A misoginia se manifesta na discriminação e no ódio contra mulheres" (Portal Gov.br/mulheres). Comportamentos misóginos são aqueles que refletem o desprezo e desrespeito às mulheres e a tudo o que se aproxima daquilo que, culturalmente, é entendido como feminino. É por meio do rebaixamento e inferiorização de qualidades femininas - que se opõem às qualidades tidas como "másculas" - que violências cotidianas acontecem. "A raiz da misoginia é a cultura machista e sexista que reforça a superioridade masculina, ao mesmo tempo em que desvaloriza, inferioriza e anula a mulher. 'A misoginia contribui para assegurar a desigualdade de gênero. Ou seja, que as relações de poder assimétricas entre homens e mulheres persistam e que haja uma supremacia masculina'". (instituto claro.org) Para a pós-doutora e doutora em Psicologia Clínica, Valeska Zanello: "Certas diferenças físicas (diferenças sexuais) foram eleitas para justificar as desigualdades sociais. Às mulheres, pelo fato de terem útero e potencialmente serem mães, foi ligado o âmbito doméstico: elas seriam ´naturalmente´ cuidadoras de seus filhos, mas também da casa e de outras pessoas. Os homens foram ligados ao âmbito público, sendo considerado trabalho os ofícios que eles aí exerciam, supostamente implicando esforço por parte deles, o que seria digno de reconhecimento e remuneração. O capitalismo se firmou na divisão sexuada do trabalho e ´naturalizou´, invisibilizando, o trabalho de cuidar que atribuiu às mulheres (FEDERICI, 2019a, 2019b). Foi nesse momento histórico que surgiu o discurso do instinto materno. (BADINTER, 1985)." (Zanello, Valeska. 2022. A prateleira do amor - sobre mulheres homens e relações) Segundo Zanello, "na era do capitalismo, a diferença [entre homens e mulheres] foi traduzida em desigualdade. (...) Firmou-se a ideia de haver qualidades consideradas femininas - tais como doçura, passividade, disponibilidade e prontidão para cuidar e pensar nos outros, maternidade - relacionadas às mulheres; e outras tais como ambição, força, virilidade, sexualidade, capacidade para o trabalho e para a política, relacionadas aos homens." (Zanello, Valeska. 2022. A prateleira do amor - sobre mulheres homens e relações) Tais características tidas como femininas ou masculinas "têm significados e cargas valorativas distintas. O pouco valor que se atribui àquilo que associamos culturalmente ao 'feminino' (esfera privada, passividade, trabalho de cuidado ou desvalorizado, emoção em detrimento da razão) em comparação com o 'masculino' (esfera pública, atitude, agressividade trabalho remunerado, racionalidade e neutralidade) é fruto da relação de poder entre os gêneros e tende a perpetuá-las" (Fl. 21. Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, CNJ. Grifos apostos.) Não à toa que, segundo o documento digital sobre Misoginia do site Gov.br, 54% das pessoas desempregadas são mulheres; 66% das mulheres prefeitas já sofreram ataques ofensas e foram vítimas de discurso misógino nas redes sociais e, diariamente, 673 mulheres registram boletim de ocorrência por agressões em contexto de violência doméstica. Portanto, a estrutura que conhecemos como "patriarcado" - uma estrutura social hierárquica onde persistem relações de poder de homens sobre mulheres - se alimenta de ações e comportamentos misóginos, onde homens são valorizados e mulheres são desvalorizadas. É nesse cenário que o "comentário infeliz" de que a reclamante teria "vantagens no trabalho por ser bonita" e por "ter um caso com o gerente" torna a situação absurdamente violenta. Não bastasse isso, como também a ideia de que, em que pese ter reconhecido a própria fala como "machista", o perpetrador ainda tentou justificá-la, se esforçando, assim, para naturalizar a violência, tratando o fato como algo corriqueiro e banal. De nada importa que a reclamante seja uma empregada competente, como relatou a preposta em seu depoimento. Luciana foi reduzida a um corpo objetificado que, na visão machista de Sílvio, só se presta a agradar aos olhos masculinos (por ser bonita) e servir sexualmente a outro homem (porque teria um caso com o gerente). É nesse lugar pequeno e subalterno que Sílvio, um empregado hierarquicamente superior à autora, colocou-a, e fez questão de fazê-lo e na presença de vários colegas de Luciana. Violências, ainda que cotidianas, seguem sendo violências e precisam ser conceituadas, nomeadas para que possam ser reprimidas. Por outro lado, a empresa não junta sequer um documento que garanta que, após a advertência, Sílvio tenha recebido algum tipo de capacitação mínima em letramento de gênero, de forma a não repetir o mesmo comportamento misógino em outras ocasiões e com outras mulheres. Tampouco consta dos autos provas de ações de acolhimento à autora, após ela, uma empregada supostamente valorizada e reconhecida na empresa, ter sido reduzida a um corpo e humilhada perante colegas de trabalho. Assim, considero que a empresa reclamada deve ser responsabilizada pelo ataque ao patrimônio imaterial da reclamante. Nego, pois, provimento ao recurso da empresa reclamada, realçando que não há de se falar em julgamento extra petita, pois a controvérsia foi analisada nos estritos limites delineados pelas partes. Especificamente quanto ao valor da compensação a ser deferida, destaco que doutrina e jurisprudência têm sedimentado que a fixação do quantum compensatório a ser arbitrado na reparação de dano moral deve ficar ao livre e prudente arbítrio do magistrado, único legitimado a aferir, a partir de seu convencimento, a extensão da lesão e o valor cabível que a ela corresponda. O ponto de partida para que o juiz proceda à avaliação do dano moral, ou seja, estime o quantum reparatório, há de ser, se presente, o valor pedido pelo autor, que, em tese, num primeiro momento, obviamente seria o único capaz de mensurar o quantum suficiente para minimizar os sentimentos de revolta e indignação, aliados ao natural desejo de punir, voltado que está para a própria dor. Num segundo instante, caberia a intervenção do juiz, que passaria a apreciar se o valor pretendido se ajusta à situação posta em julgamento, a compreender as circunstâncias do caso, a gravidade do dano, a situação da pessoa que lesa, a condição do lesado, preponderando, como orientação central, a ideia de sanção do ofensor, como forma de obstar a reiteração de casos futuros (BITTAR, Carlos Alberto. A Reparação do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, p. 89). O valor da indenização, muito embora por vezes não seja suficiente para apagar as marcas dos danos impostos, não deve servir para o enriquecimento injustificado da parte; também não deve pouco significar para o patrimônio do lesante, já que não serviria para desestimulá-lo à repetição do ato. Assim, considerando a violência de gênero sofrida pela autora, que teve seu caráter profissional esvaziado, preenchido apenas como um corpo a ser avaliado pelos homens ao redor e sexualmente objetificado, e levando em conta o quanto a misoginia impacta na saúde mental de mulheres que, como Luciana, passam diariamente - sem exageros - por violências similares, e, por fim, o desfecho do caso que redundou na sua rescisão contratual, entendo por razoável aumentar o valor indenizatório para o porte de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Provido, aqui, parcialmente o recurso da empregada. RECURSO DA CONSIGNADA/RECONVINTE MODALIDADE DA EXTINÇÃO DO PACTO LABORAL O Juízo a quo indeferiu o pedido de pronunciamento da rescisão indireta do contrato de trabalho, pelos fundamentos que passo a expor: "Alegando descumprimentos contratuais e ofensa à sua honra e boa fama, a consignada-reconvinte pugna pela rescisão indireta do contrato de trabalho, entrega de guias e pagamento de verbas rescisórias, multa do artigo 477 da CLT. Por sua vez, a consignante-reconvinda nega falta grave a ensejar tal modalidade rescisória. Assevera que a obreira não se desligou da empresa pelos comentários do supervisor Sílvio, mas sim diante da proposta de novo emprego. Cabia à consignada-reconvinte provar a justa causa atribuída à consignante-reconvinda. E a prova da justa causa, seja obreira seja patronal, deve ser robusta, conforme se denota da inteligência dos seguintes julgados advindos do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região: RESCISÃO INDIRETA. ÔNUS DA PROVA. A rescisão indireta do contrato de trabalho exige prática de falta grave pelo empregador capaz de tornar insustentável a continuidade do vínculo empregatício, cujo ônus da prova é da parte autora, nos termos do disposto nos artigos 818 da CLT e 373, I, do NCPC. (Recurso Ordinário nº 0001055-20.2016.5.10.0002, Primeira Turma, Data de Julgamento: 27/02/2019, Data de Publicação: DEJT 09/03/2019) RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. A resolução do contrato de trabalho com suporte no artigo 483, alínea 'd', da CLT, reclama falta cometida pelo empregador, revestida de gravidade capaz de inviabilizar a continuidade do contrato de trabalho. Comprovadas as condutas imputadas ao empregador, impõe-se a manutenção da decisão que reconheceu a rescisão indireta. (Recurso Ordinário nº 0000997-57.2016.5.10.0021, Terceira Turma, Data de Julgamento: 23/01/2019, Data de Publicação: DEJT 01/02/2019) 'RESCISÃO INDIRETA. ÔNUS DA PROVA. A CLT prevê, como fator motivador da justa causa, tanto por parte do empregado como do empregador, o ato faltoso cuja gravidade inviabilize a continuidade da relação laboral. Ante o princípio da isonomia de tratamento das partes e da distribuição do ônus da prova, igualmente à justa causa cometida pelo empregado, a do empregador também deve restar cabalmente demonstrada. Caso em que confirmada a justa causa patronal apta a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho.' (Recurso Ordinário nº 0000392-16.2017.5.10.0009, Redator Desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, Terceira Turma, Data de julgamento: 09/06/2021, Data de publicação: 12/06/2021). 'RESCISÃO INDIRETA. FALTA GRAVE DO EMPREGADOR. CONFIGURAÇÃO. 1 - A rescisão indireta do contrato de trabalho é a modalidade de cessação do contrato de trabalho por decisão do empregado em razão da justa causa praticada pelo empregador (art. 483 da CLT). Para sua configuração, mister que a falta cometida pelo empregador seja de tal monta que abale ou torne impossível a continuidade do contrato. 2. (...)'. (Recurso Ordinário nº 0000072-88.2016.5.10.0012, Redator Desembargador André Rodrigues Pereira da Veiga Damasceno, Primeira Turma, Data de julgamento: 04/08/2021, Data de publicação: 19/08/2021). Entretanto, o depoimento pessoal da obreira aponta que seu desligamento não se deu propriamente em razão dos comentários feitos pelo chefe ou por outra modalidade de descumprimento contratual. Vejamos os trechos a seguir, extraídos da transcrição em id. 5f3cbaa: '(...). [00:05:20 --> 00:05:25] Advogado da empresa: Depois dessa apuração que a empresa fez, você trabalhou normalmente? Como é que foi? Como é que estava o clima de trabalho? [00:05:26 --> 00:06:29] Reclamante: Eu não tava bem emocionalmente. Eu não queria sair. Isso não é... Não prejudicou só na minha área profissional, mas em todas as áreas. Eu não queria sair, eu não queria levantar da cama. Eu só queria ficar deitada, trancada. Mas só que eu não poderia sair... Eu não poderia sair da empresa, porque eu também tenho minhas contas para me pagar, tenho minhas particularidades. E até então eu peguei e comecei a procurar outras coisas fora. E até então que surgiu, aí eu peguei e fui lá na empresa. Falei com o Marcelo, pedi para ele me mandar embora porque eu não estava me sentindo bem, eu não estava feliz. E ele falou que não ia me mandar embora, me ofereceu uma proposta. Eu falei assim que não queria porque eu acho que tem valores que é E eu jamais vou inegociável. Dinheiro e nem emprego compra. me sujeitar a isso. Jamais vou aceitar um tipo de comentário desse, tá? [00:06:31 --> 00:06:39] Advogado da empresa: Certo. E então você saiu, né? Você tá atualmente num novo emprego, né? Reclamante: Sim. Advogado da empresa: Qual que é a empresa? [00:06:39 --> 00:06:40] Reclamante: Pérola Distribuição. [00:06:41 --> 00:06:49] Advogado da empresa: Isso desde mais ou menos de que mês? Reclamante: Como? Advogado da empresa: Que mês que você iniciou esse contrato novo na Pérola? [00:06:51 --> 00:06:59] Reclamante: Eu acredito que foi em maio e março. Não, assim que eu saí do Café do Sítio eu entrei nessa empresa depois de uma semana. [00:07:00 --> 00:07:07] Advogado da empresa: Certo. E a remuneração que você está recebendo lá é qual? [00:07:08 --> 00:07:14] Reclamante: Na carteira tá dois mil e alguma coisa. Mas tem as comissões, né? [00:07:15 --> 00:07:18] Advogado da empresa: É variável, né? Também posição de vendedora, promotora? [00:07:18 --> 00:07:19] Reclamante: É vendedora. (...).'. - destacado. Por todo o exposto, não se vislumbra a aplicabilidade do disposto no artigo 483, 'd', da CLT, mas a intenção da obreira em se desligar da consignante-reconvinda para aceitar outra proposta de emprego, motivo pelo qual julgo improcedente o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho. Consequentemente, declaro que o término contratual ocorreu por iniciativa da consignada-reconvinte em 19 de março de 2024, último dia trabalhado, nos termos do aviso subscrito pela obreira, juntado em id. aaf7c84. Considerando a modalidade rescisória reconhecida (pedido de demissão), ficam indeferidos os pleitos relativos a aviso prévio e indenização de 40%, bem como entrega de guias para saque do FGTS e habilitação no seguro-desemprego. Não sendo declarada a rescisão indireta, julgo improcedente a multa prevista no artigo 477 da CLT. As verbas rescisórias decorrentes do término contratual por iniciativa da trabalhadora foram especificadas em termo rescisório e consignadas em Juízo (id. 9993669). A causa de pedir não relata inadimplementos salariais ou irregularidades quanto ao recolhimento do FGTS. Nada a deferir no aspecto" (fls. 308/311). Recorre a consignada/reconvinte, sustentando que deve ser reconhecido o cometimento de falta grave do empregador apta a justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Pois bem. De forma diversa do que compreendeu o Juízo a quo, extraio do depoimento da consignada/reconvinte que a iniciativa da empregada de procurar nova colocação decorreu do prejuízo imaterial sofrido em razão das falas do Sr. Sílvio; a consignada/reconvinte afirmou que não poderia pedir demissão, pois tinha contas a pagar, então candidatou-se a vagas em outras empresas e foi contratada em novo emprego uma semana após afastar-se do consignante/reconvindo. Desse modo, compreendo que não houve uma confissão de pedido de demissão para assumir um emprego "melhor", e sim a busca por um novo pacto laboral porque a consignada/reconvinte considerou que o dano moral sofrido era grave o suficiente para impossibilitar a subsistência do contrato de trabalho. A conduta da empresa que, num primeiro momento, na pessoa do supervisor, proferiu comentários sexistas e difamatórios contra a consignada/reconvinte e, posteriormente, ao receber a denúncia dos fatos ocorridos, limitou-se a advertir o supervisor, configura falta grave do empregador, apta a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho por justa causa. O empregador tem o dever de respeitar a dignidade do empregado, atuando com boa-fé e evitando práticas discriminatórias. O ato do supervisor violou frontalmente esses deveres, criando um ambiente de trabalho hostil e insustentável para a consignada/reconvinte. A quebra da fidúcia, elemento essencial em qualquer relação contratual, é evidente nesse caso. Não se pode exigir que a empregada continue a prestar serviços em um ambiente onde sua dignidade é desrespeitada e sua reputação é questionada. Diante do exposto, configurada a justa causa do empregador para a rescisão indireta do contrato de trabalho, condeno o consignante/reconvindo a pagar aviso prévio de 45 dias, com repercussão sobre férias acrescidas de um terço e 13º salário e a entregar as guias para saque do FGTS e da respectiva multa de 40%. Não há de se falar em seguro-desemprego, pois a consignada/reconvinte foi contratada por outro empregador poucos dias após o término do pacto laboral com o consignante/reconvindo. Defiro, ainda, a multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT, considerando o disposto no Verbete n.º 61, I, deste egrégio Regional: "VERBAS RESCISÓRIAS. PAGAMENTO. MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT. HIPÓTESES DE APLICAÇÃO. I - A multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, é devida quando inobservados os prazos fixados em seu § 6º, incluindo as hipóteses de reconhecimento judicial do vínculo de emprego, da rescisão indireta do contrato, da conversão da dispensa por justa causa em rescisão imotivada do contrato e da simulação, pelo empregador, capaz de obstar, no todo ou em parte, o recebimento das parcelas asseguradas em lei ao empregado". Recurso parcialmente provido, nestes termos. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO Insurge-se a consignada/reconvinte contra a determinação de que a condenação se limite aos valores indicados na reconvenção. Pois bem. Esta egrégia Turma vinha decidindo que somente se admite a atribuição de valores estimados aos pedidos quando houver impossibilidade verdadeira de indicação do montante que a parte entende ser-lhe devido. Contudo, diante que deliberou a colenda SDI-1 do TST, ao apreciar o Emb-RR 0000555-36.2021.5.09.0024, adoto como razões de decidir os fundamentos delineados no referido precedente: "EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES ATRIBUÍDOS AOS PEDIDOS NA PETIÇÃO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 840, §1º, DA CLT.APLICAÇÃO DA REGRA ESPECIAL PREVISTA NA IN 41/2018 C/C ART. 840, §1º, DA CLT. VALORES INDICADOS NA PETIÇÃO COMO MERA ESTIMATIVA. 1. A controvérsia dos autos cinge-se em definir se os valores atribuídos pela parte aos pedidos na petição inicial limitam a condenação, notadamente na hipótese dos autos em que o reclamante inseriu expressamente ressalva quanto ao valor da causa. 2. A adequada interpretação jurídica das alterações promovidas pela Lei nº 13.467/2017 aos parágrafos 1º e 2º do artigo 840, da CLT proporciona impacto na prática trabalhista, eis que introduz novos requisitos aos pedidos trazidos nas petições iniciais protocolizadas nas Varas do Trabalho. 3. A exigência de se consignar, na petição inicial, pedidos certos e determinados já era observada nas reclamações trabalhistas, uma vez que a antiga redação do art. 840, §1º, da CLT não continha detalhes acerca do conteúdo e especificações do pedido. Assim, aplicavam-se subsidiariamente (arts. 769, da CLT e 15, do CPC) os artigos 322 e 324 do CPC, quanto à necessidade de que os pedidos fossem certos e determinados. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, o §1º do art. 840, da CLT torna-se norma específica que disciplina os requisitos da petição inicial no processo do trabalho. Portanto, além de estipular que os pedidos devem ser certos e determinados, inaugura-se a obrigatoriedade de que cada um contenha a indicação de seu valor. 4. Sob este viés, a exigência de indicação do valor dos pedidos determinada pelo artigo 840, §1º, da CLT objetiva que, desde a petição inicial, as partes delimitem, com razoável destreza, o alcance de sua pretensão. 5. A despeito disso, a redação do artigo 840, §1º, da CLT de determinação de indicação do valor na petição inicial não é inédita no sistema processual trabalhista. Desde os anos 2000, por meio do art. 852-B, I, da CLT (introduzida pela Lei nº 9.957/2000), passou-se a exigir que as petições iniciais submetidas ao rito sumaríssimo fossem líquidas, por se tratarem de causas que, dada a natureza, possuem condições de ser examinadas de forma mais célere pela Justiça do Trabalho. 6. Assim, o artigo 840, §1º, da CLT passou a prever uma equivalência entre os requisitos da petição inicial das ações submetidas ao rito sumaríssimo e àquelas sob o rito ordinário, cuja natureza das demandas, no entanto, tende a ser de ordem mais complexa. 7. Efetivamente, antes das alterações promovidas pela Lei nº 13.467/2017 nas ações submetidas ao rito ordinário, o quantum debeatur era estabelecido em fase própria de certificação, qual seja, a liquidação de sentença. Ou seja, apenas depois de ultrapassada toda a instrução processual, orientada pelo princípio da imediação, previsto no art. 820 da CLT, com a respectiva colheita de provas e análise de cada uma delas, iniciava-se o momento processual de liquidação dos pedidos. 8. Por força das determinações legais de serem apresentados pedidos certos e determinados, o sistema processual trabalhista então vigente, como houvera de ser, detinha preservados a ampla defesa e o contraditório do réu, que tinha ao seu dispor a possibilidade de contestar cada um dos pedidos, seja na fase de conhecimento, seja na de liquidação. 9. Isto é, o novo comando do art. 840, §1º, da CLT incorpora às demandas trabalhistas sob o rito ordinário critérios técnicos jamais antes exigidos e, uma vez não cumpridos, ter-se-á como consequência, a extinção do processo sem resolução de mérito, conforme determina o também novo §3º, do art. 840, da CLT. Com isso, passou-se a atribuir aos reclamantes o encargo processual de, para ingressar com uma demanda trabalhista, apresentar valores que venham a corresponder ao objeto dos pedidos, sem antes se ter iniciada a fase de instrução processual. 10. Inobstante, o rigor técnico exigido pelo art. 840, §1º, da CLT, interpretado de forma dissociada das demais normas e princípios que regem a processualística trabalhista, conduz a um estreitamento do jus postulandi (art. 791, da CLT), que historicamente é uma das características que mais singularizam, em essência, a jurisdição trabalhista. A contrario sensu, preservando-se essa orientação, mesmo com a nova redação do artigo 840, §1º, da CLT manteve-se a orientação de que, na petição inicial, basta 'uma breve exposição dos fatos', uma vez que as partes, via de regra, não possuem conhecimentos técnicos para formular fundamentos jurídicos do pedido. 11. Nesse cenário, a interpretação gramatical do dispositivo pode conduzir à mitigação do jus postulandi, em desatenção ao princípio do amplo acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF). 12. A determinação de indicação dos valores dos pedidos nas causas submetidas ao rito ordinário tem como reflexo a controvérsia trazida pela embargante, qual seja, a eventual vinculação ou limitação da condenação aos valores atribuídos a cada pedido apresentado já na exordial. 13. De fato, de acordo com a regra da congruência entre os pedidos formulados na ação e a condenação arbitrada (arts. 832, da CLT e arts. 141, §2º e 492, do CPC), nos termos do disciplinado nos arts. 141 e 492 do CPC, os valores indicados na petição inicial de forma líquida limitariam àqueles arbitrados na condenação, sob pena de se incorrer em decisão extra, ultra ou citra petita. 14. A partir desse cenário, a natureza do conflito trabalhista submetido à apreciação desta Corte perpassa, entre outros, a averiguação acerca da (im)possibilidade de se determinar que a condenação limite-se a exatamente os valores indicados para cada pedido na petição inicial, sob pena de violação aos artigos 141 e 492 do CPC. 15. No caso concreto, diferentemente do que entendeu o acórdão regional recorrido, no que diz respeito à indicação dos pedidos liquidados na petição inicial, a dicção dos dispositivos acima deve ser cotejada não só com uma interpretação teleológica do art. 840, §1º, da CLT, como também com os princípios da informalidade e da simplicidade, que orientam toda a lógica processual trabalhista. A partir desses princípios, no âmbito desta Justiça Especializada, não se pode exigir das partes reclamantes que, para que recebam a integralidade das verbas a que realmente fazem jus ao final de uma demanda trabalhista, correndo o risco de uma decisão citra, ultra ou extra petita, submetam-se, eventualmente, às regras de produção antecipada de prova e/ou contratação de serviço contábil especializado, a fim de liquidar com precisão cada um dos pedidos para adimplir a exigência do artigo 840, §1º, da CLT e, somente depois disso, ajuizar uma demanda trabalhista. Interpretação nesse sentido afrontaria, a um só tempo, o princípio da oralidade e o dispositivo, que, em conjunto, asseguram às partes reclamantes o direito de ir a juízo pleitear as verbas que entendem lhe serem devidas. 16. Ou seja, a análise sobre a necessidade de limitação do valor da condenação àqueles previamente apresentados na exordial deve ser orientada por uma perspectiva teleológica do direito processual do trabalho, cuja interpretação dos dispositivos que o integram deve, pois, ser sempre norteada pelos princípios do amplo acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), proteção social do trabalho (art. 1º, IV, da CF). 17. Em atenção a isso e considerando o impacto do art. 840, §1º, da CLT na processualística trabalhista, assim como a necessidade de oferecer ao jurisdicionado a segurança jurídica indispensável a possibilitar estabilidade das relações processuais, este Tribunal Superior do Trabalho aprovou a Instrução Normativa nº 41/2018, que determina que 'Para fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil'. 18. A interpretação do art. 840, §1º, da CLT, aliada aos princípios mencionados permite chegar à conclusão de que, tendo o reclamante apresentado, em sua petição inicial, pedido certo e determinado com indicação de valor - estimado -, por um lado, atende-se à exigência do art. 840, §1º, da CLT. Por outro lado, possibilita ao polo passivo o integral exercício da ampla defesa e do contraditório, assegurados pelo artigo 5º, LV, da CF. Trata-se, assim, de interpretação que observa os princípios constitucionais do trabalho, conferindo, igualmente, efetivamente ao referido artigo celetista. 19. Assim, a Instrução Normativa nº 41/2018 ao se referir ao 'valor estimado da causa' acaba por delimitar que o pedido apresentado na petição inicial 'com indicação de seu valor' a que se refere o art. 840, §1º, da CLT deve ser considerado de forma estimada, eis que inexiste nos dispositivos do CPC a que faz remissão a instrução normativa qualquer delimitação em sentido contrário. O artigo 291, do CPC, pertinente à análise ora empreendida apenas se refere à necessidade de indicação de 'valor certo' da causa, inexistindo, portanto, qualquer obrigação de liquidação do valor da causa, tampouco do pedido, com efeito vinculativo à condenação. Ainda, considerando-se a necessária aplicação supletiva do CPC à hipótese, a ausência de indicação de valores na petição inicial não deve ter como consequência a extinção do feito sem resolução do mérito, devendo-se oportunizar à parte a possibilidade de saneamento do defeito, no prazo de 15 dias, por aplicação analógica da Súmula 263 deste TST c/c arts. 4º, 6º e 317 do CPC. 20. Nesse mesmo sentido, interpretando a redação do parágrafo 2º do artigo 12 da IN 41/2018 em confronto com as exigências do art. 840, §1º, da CLT e, igualmente dos artigos 141 e 492 do CPC, este Tribunal Superior do Trabalho acumula precedentes no sentido de que os valores constantes nos pedidos apresentados de forma líquida na exordial devem ser considerados apenas como fim estimado, não havendo limitação da condenação àquele montante. 21. Por fim, não se ignora que a Eg. SBDI-1, do TST, em precedente publicado em 29/05/2020 (E-ARR-10472-61.2015.5.18.0211, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa) firmou entendimento de que a parte autora, ao formular pedidos com valores líquidos na petição inicial, sem registrar qualquer ressalva, limita a condenação a tais parâmetros, por expressa dicção do art. 492 do CPC. Ocorre que o precedente em questão configura situação singular, eis que o recurso de embargos analisado foi interposto em ação ajuizada antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 e, portanto, da alteração do art. 840, §1º, da CLT c/c Instrução Normativa 41/2018. Assim, não sem razão, a matéria não foi analisada sob a ótica destas normas. Portanto, trata-se o caso concreto de hipótese que revela singularidades quanto àquela analisada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, razão pela qual esta Turma não fica a ela vinculada. 22. A partir do exposto, na hipótese vertente, em que a inicial foi ajuizada em 04/08/2021, incidem as normas processuais previstas na CLT após as alterações da Lei 13.467/2017. Portanto, os valores constantes nos pedidos apresentados de forma líquida na reclamação trabalhista devem ser considerados como mera estimativa, não limitando a condenação, por força da Instrução Normativa nº 41/2018 c/c art. 840, §1º, da CLT e dos princípios constitucionais que regem o processo do trabalho, em especial os princípios do amplo acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção social do trabalho (art. 1º, IV, da CF). Embargos conhecidos e não providos" (TST, SDI-1, Emb-RR 0000555-36.2021.5.09.0024, Rel. Min. Alberto Bastos Balazeiro, julgado em 30/11/2023, publicado no DEJT em 7/12/2023). Assim, dou provimento ao recurso da consignada/reconvinte para afastar a limitação aos valores dos pedidos. RECURSOS DAS PARTES JUSTIÇA GRATUITA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS O consignante/reconvindo se insurge contra o deferimento dos benefícios da justiça gratuita à consignada/reconvinte. Requer, ainda, a majoração dos honorários a cargo da empregada de 10% para 15% sobre o valor das parcelas julgadas improcedentes, bem como o afastamento de sua condenação ao pagamento de honorários de sucumbência. A consignada/reconvinte, por seu turno, requer o indeferimento dos honorários advocatícios em favor dos patronos do consignante/reconvindo. Pois bem. O caput do art. 98 do CPC assim disciplina: "Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". O inciso I da Súmula n.º 463 do colendo TST dispõe o seguinte: "ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO. I - A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015)". Nesse sentido: "(...) II - RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/17. JUSTIÇA GRATUITA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE MISERABILIDADE MEDIANTE DECLARAÇÃO PROFERIDA POR PESSOA NATURAL. Entendeu a c. Corte regional que a simples declaração de hipossuficiência é insuficiente para reconhecer a condição de miserabilidade do trabalhador e que, no caso, o autor não comprovou a hipossuficiência de recursos, na medida em que percebe remuneração superior a 40% do limite dos benefícios do RGPS, não apontando despesas que pudessem ser deduzidos desse valor. Pontue-se, por outro lado, que constitui fato incontroverso a existência de declaração de hipossuficiência de recursos. Destarte, a controvérsia reside em saber se é necessária a comprovação do estado de miserabilidade no processo do trabalho para fins de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. A Lei nº 1.060/50, que estabelecia as normas para a concessão de assistência judiciária gratuita aos necessitados, previa no parágrafo único do art. 2º que 'Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.' Por sua vez, o art. 4º estabelecia como requisito para concessão da gratuidade de justiça que 'A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família'. Dessa disposição, as partes começaram a apresentar nos autos a declaração de hipossuficiência. O art. 5º da referida lei dispunha expressamente que 'O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas.' Portanto, surgiu para as partes requerentes do benefício da gratuidade da justiça a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência. A jurisprudência do TST havia se consolidado no sentido de que, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, bastava a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado. Na mesma linha, o art. 99 do CPC/2015, revogando as disposições da Lei nº 1.060/50 sobre gratuidade de justiça, trouxe em seu §3º que 'Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural'. Nesse sentido, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o TST converteu a Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1 na Súmula nº 463. Logo, para a pessoa natural requerer os benefícios da justiça gratuita bastava a juntada de declaração de hipossuficiência, sendo ônus da parte adversa comprovar que o requerente não se enquadrava em nenhuma das situações de miserabilidade. No caso de pedido formulado pelo advogado da parte, este deveria ter procuração com poderes específicos para este fim. No entanto, em 11/11/2017, entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), que inseriu o parágrafo 4º ao art. 790 da CLT. Dessa forma, as ações ajuizadas a partir da entrada em vigor da reforma trabalhista estão submetidas ao que dispõe o § 4º do art. 790 da CLT, que exige a comprovação, pela parte requerente, da insuficiência de recursos para a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Sem dúvida, o referido dispositivo inaugurou uma condição menos favorável à pessoa natural do que aquela prevista no Código de Processo Civil. No entanto, em se tratando de norma específica que rege o Processo do Trabalho, não há espaço, a priori, para se utilizar somente as disposições do CPC. Logo, o referido dispositivo implicaria, no ponto de vista do trabalhador, retrocesso social, dificultando o acesso deste ao Poder Judiciário. Assim, a par da questão da constitucionalidade ou não do § 4º do art. 790 da CLT, a aplicação do referido dispositivo não pode ocorrer isoladamente, mas sim deve ser interpretado sistematicamente com as demais normas, quer aquelas constantes na própria CLT, quer aquelas previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Civil. Dessa forma, à luz do que dispõe o próprio § 3º do art. 790 da CLT c/c com os arts. 15 e 99, § 3º, do CPC, entende-se que a comprovação a que alude o § 4º do art. 790 da CLT pode ser feita mediante a simples declaração da parte, a fim de viabilizar o pleno acesso do trabalhador ao Poder Judiciário, dando, assim, cumprimento ao art. 5º, XXXV e LXXIV, da Constituição Federal. Isso porque não se pode atribuir ao trabalhador que postula, junto a esta Especializada, uma condição menos favorável àquela destinada aos cidadãos comuns que litigam na justiça comum, sob pena de afronta ao princípio da isonomia, previsto no caput do art. 5º da CF. Não conceder ao autor, no caso dos autos, os benefícios da gratuidade de justiça, é o mesmo que impedir o amplo acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF) e discriminar o trabalhador em relação às pessoas naturais que litigam na justiça comum (art. 5º, caput, da CF). Recurso de revista conhecido por violação do art. 99, § 3º, do CPC e provido" (TST, 8ª Turma, RR 0002430-80.2020.5.12.0060, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 3/8/2022, publicado no DEJT em 9/8/2022, grifo nosso). Assim, inexistindo prova capaz de desconstituir a declaração de miserabilidade jurídica firmada pela consignada/reconvinte ou por procurador com poderes específicos para tanto, nego provimento ao recurso do consignante/reconvindo. Quanto aos honorários advocatícios, as ações ajuizadas posteriormente à vigência da Lei n.º 13.467/17 atraem a diretriz firmada no art. 791-A da CLT, e não do art. 98 do CPC, aplicável apenas quando há lacuna na lei trabalhista. Pelo mesmo fundamento, não há de se falar na incidência do texto previsto no art. 85, § 11, do CPC ao caso em tela. Assim, os honorários advocatícios de sucumbência são devidos por qualquer dos vencidos entre o mínimo de 5% e o máximo de 15%, não sendo possível a exclusão da verba da condenação, mas apenas a suspensão da exigibilidade da parcela, nos termos previstos no Verbete n.º 75, editado por este egrégio Regional em sua composição plena: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. É inconstitucional a expressão '...desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes e suportar a despesa...', do art. 791-A da CLT, devendo ser suspensa a exigibilidade dos honorários advocatícios, assim como afastada a sua compensação com outros créditos trabalhistas, quando se tratar de parte hipossuficiente (art. 5º, incisos II e LXXIV da CF)". Na mesma linha, decidiu o excelso STF ao julgar a ADI 5766: "CONHEÇO da Ação Direta e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão 'ainda que beneficiária da justiça gratuita', constante do caput do art. 790-B; para declarar a inconstitucionalidade do § 4º do mesmo art. 790-B; declarar a inconstitucionalidade da expressão 'desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa', constante do § 4º do art. 791-A". Ressalto que a condenação ao pagamento de honorários decorre da mera sucumbência, devendo ser definidos mesmo quando não houver requerimento ou recurso das partes acerca do tema. Destaco que a verificação da sucumbência em relação a cada pedido considera se o pleito em questão foi julgado procedente (em sua totalidade ou parcialmente) ou improcedente. Considerando a complexidade da causa, o zelo profissional dos patronos e as despesas necessárias para o acompanhamento do processo, nego provimento aos recursos, para manter os honorários de sucumbência a cargo do consignante/reconvindo em 10% sobre o valor da condenação e os honorários devidos pela consignada/reconvinte em 10% sobre o valor dos pedidos julgados improcedentes, mantida a autorização de suspensão da exigibilidade da parcela, nos termos do Verbete n.º 75 deste egrégio Regional. CONCLUSÃO Pelo exposto, nos termos da fundamentação, conheço dos recursos interpostos pelas partes, rejeito a arguição de nulidade da sentença por cerceamento de produção de prova, nego provimento ao recurso do consignante/reconvindo e dou parcial provimento ao recurso da consignada/reconvinte para (i) reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho firmado entre as partes, (ii) condenar o consignante/reconvindo a pagar aviso prévio de 45 dias, com repercussão sobre férias acrescidas de um terço e 13º salário, bem como a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, e a entregar as guias para saque do FGTS e da respectiva multa de 40% e (iii)afastar a limitação da condenação aos valores descritos na reconvenção e (iv) majorar a indenização por danos morais para R$ 10.000,00. Custas pelo reconvindo no importe de R$300,00, calculadas sobre R$ 15.000,00, novo valor arbitrado à condenação referente à reconvenção. É como voto. ACÓRDÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os Desembargadores da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em sessão turmária e conforme o contido na respectiva certidão de julgamento, aprovar o relatório, conhecer dos recursos, rejeitar a arguição de nulidade da sentença, negar provimento ao recurso do consignante/reconvindo e dar parcial provimento ao recurso da consignada/reconvinte. Tudo nos termos do voto do Desembargador Relator. Ementa aprovada. Brasília(DF), sala de sessões. Julgamento ocorrido à unanimidade de votos, estando presentes os Desembargadores Pedro Luís Vicentin Foltran (Presidente), Maria Regina Machado Guimarães, Brasilino Santos Ramos, Cilene Ferreira Amaro Santos e Augusto César Alves de Souza Barreto. Deliberado em sessão envio do Acórdão à Coordenadoria de Comunicação Social e Relações Públicas - CDCOM para divulgação no site oficial do TRT/10. Representando o Ministério Público do Trabalho a Procuradora Regional do Trabalho Valesca de Morais do Monte. Fez-se presente em plenário, fazendo uso da tribuna para sustentações orais, o advogado Lucas Augusto de Melo Santos representando a parte Café do Sitio Indústria e Comércio Ltda. Secretária-adjunta da Turma, a Sra. Bárbara França Gontijo. Secretaria da 3ª Turma. Brasília /DF, 23 de abril de 2025. (data do julgamento). PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN Desembargador Relator ffp BRASILIA/DF, 25 de abril de 2025. CARLOS JOSINO LIMA, Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- LUCIANA MATOS BARBOSA
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