Processo nº 5231000-90.2025.8.09.0051
ID: 338840019
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 4ª UPJ Varas Cíveis e Ambientais: 13ª, 14ª, 15ª e 16ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5231000-90.2025.8.09.0051
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
KATLYN PIRES FERREIRA LACERDA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5231000-90.2025.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento ->…
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5231000-90.2025.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum Cível
Requerente: Wellington Chaves
Requerido: Banco Bradescard S.a.
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Inexistência de Débito com Indenização por Danos Morais c/c Pedido de Medida Liminar ajuizada por Wellington Chaves em desfavor de Banco Bradescard S.A., ambos devidamente qualificados.
Aduz a parte autora, em síntese, que tem sido alvo de constantes e insistentes ligações telefônicas realizadas pela parte requerida, nas quais é cobrado por uma dívida que não lhe pertence, mas sim a seu genitor.
Relata que as ligações ocorrem diversas vezes ao dia, inclusive em momentos inoportunos, como durante o expediente de trabalho e até mesmo em finais de semana.
Esclarece que informou ao banco não ser a responsável pelo débito, fornecendo os dados corretos do responsável, mas as ligações continuaram de forma abusiva e constante, mesmo após ter acionado o Procon, através da reclamação sob o número 25.01.0223.001.01005-1 e, perante o órgão, o réu admitir que a dívida pertence, na verdade, a seu genitor.
Discorreu sobre o direito que entende aplicável ao caso e, ao final, requereu gratuidade da justiça, a inversão do ônus da prova por se tratar de relação de consumo e a concessão de tutela de urgência para determinar que o banco requerido cesse imediatamente as ligações telefônicas para o número do requerente, sob pena de multa. No mérito, requereu a confirmação da liminar, com a declaração de inexistência e dívida e o cancelamento das cobranças, bem como a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Instruiu o pedido com os documentos anexados no evento 01.
Recebida a inicial ao evento nº 05, concedeu-se à parte autora a gratuidade da justiça, reconhecendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso, inclusive invertendo o ônus da prova, e, por fim, deferiu-se a liminar para determinar que a requerida se abstivesse de incluir o nome do autor nos Órgãos de Proteção ao Crédito, bem como de efetuar qualquer tipo de cobrança por quaisquer meios, sobretudo telefônica (ligação e SMS), fixando-se multa diária em caso de descumprimento.
Citada, a parte requerida apresentou ao evento nº 13, comprovante de cumprimento da liminar e, ao evento nº 16, sua contestação. Preliminarmente alegou indício de ação predatória, a existência de procuração genérica e falta de interesse de agir, ante a ausência de prévia tentativa de resolução extrajudicial. Impugnou a gratuidade da justiça concedida à requerente. No mérito, genericamente aduziu a regularidade da ação bancária, alegando inexistência de ato ilícito e, por consequência, inexistência de danos morais. Argumentou acerca de suposto inadimplemento e negativação devida, sustentando, a título de argumentação, que o valor dos danos morais deve ser fixado a fim de evitar o enriquecimento sem causa. Impugnou, por fim, a inversão do ônus da prova, bem como asseverou acerca da data inicial da contagem dos juros de mora, sobre ausência de fundamentos para a concessão da antecipação da tutela e a necessidade de afastamento dos honorários advocatícios, requerendo o julgamento de improcedência dos pedidos contidos na exordial.
Impugnação à contestação ao evento nº 18.
Intimados a especificarem as provas que pretendiam produzir, os litigantes, aos eventos nº 24 e 25, requereram o julgamento antecipado da lide.
Vieram os autos conclusos.
Decido.
O feito se apresenta em ordem e as partes representadas, não havendo irregularidades ou nulidades a serem sanadas.
A demanda teve tramitação normal e foram observadas as garantias dos sujeitos da relação processual quanto ao contraditório e ampla defesa. Além disso, estão presentes os pressupostos de existência e validade processuais.
Ademais, o feito comporta julgamento no estado em que se encontra, porquanto não é necessária maior dilação probatória, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que a pretensão autoral pode ser demonstrada unicamente por meio documental, que já foi realizada nos autos.
Deste modo, na ordem de enfrentamento das matérias submetidas a apreciação, passo à análise das preliminares arguidas na defesa.
De início, quanto à regularidade da procuração, observo que o instrumento de mandato acostado em evento 01 é suficiente para validar a representação processual da parte autora, sendo o que o art. 105, do CPC, não exige a juntada do documento original ou cópia autenticada ao processo.
A propósito, prescrevem o art. 654, § 1º, do Código Civil e o art. 105 do CPC:
“Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
§ 1º. O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos”.
“Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.
§ 1º. A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.
§ 2º. A procuração deverá conter o nome do advogado, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 3º. Se o outorgado integrar sociedade de advogados, a procuração também deverá conter o nome dessa, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 4º. Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença”.
Com efeito, analisando a procuração outorgada pela parte autora ao seu advogado, observo que o referido instrumento atende a todos os requisitos elencados nos dispositivos legais acima transcritos, de modo que não merece prosperar a preliminar aventada pela instituição requerida.
Quanto à suposta alegação de advocacia predatória, inexistem indícios claros apontados pela mera declaração da parte requerida.
Ora, estando a procuração de acordo com os parâmetros da legislação processual, eventual conduta antiética do advogado, por utilização de procuração com cláusula geral e amplos poderes, deverá ser debatida perante o respectivo órgão de classe, porquanto competente para a instauração de procedimento a apurar a possível prática de falta disciplinar.
Ao contrário do que alega o requerido, inexistem nos autos elementos capazes de colocar em dúvida a contratação do causídico, ficando, pois, rejeitada a afirmação de suposta advocacia predatória.
A respeito da preliminar de ausência de interesse de agir, entendo que, em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não há que se falar em exclusão da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito alegado pela parte.
E havendo irresignação sobre o mérito, torna-se presente a resistência à pretensão, e se há necessidade de vir ao Poder Judiciário, a fim de alcançar a tutela pretendida, cabe ao Juízo oferecer a prestação jurisdicional, não podendo ser desconstituída de plano, pois o fato de a requerente ter ou não o direito pretendido traduz matéria de mérito, e não falta de interesse de agir.
No caso dos autos, registro que a autora acionou o PROCON a fim de resolver sua questão, restando demonstrado o trinômio adequação, utilidade e necessidade, restando a ação judicial como meio adequado a satisfação do interesse perseguido pela demandante. A demanda é útil, pois apenas por meio dela é possível alcançar o direito que se pleiteia.
Assim, afasto a preliminar de ausência de interesse de agir.
Da mesma forma, tenho que razão não assiste às promovidas ao pugnarem pela revogação do benefício da gratuidade da justiça concedido à demandante. Isso porque, para que haja a revogação do beneplácito, é imperiosa a apresentação, pelo impugnante, de prova documental de que o favorecido não necessita da justiça gratuita, o que não restou demonstrado no caso em julgamento.
Com efeito, as requeridas não trouxeram aos autos elementos aptos a comprovar a insubsistência da necessidade da parte autora, permanecendo suas argumentações no campo de meras alegações, motivo pelo qual a manutenção da assistência judiciária é medida imperiosa.
A propósito, tem-se a jurisprudência do Egrégio TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
“EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA CONCEDIDA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO NA SITUAÇÃO FINANCEIRA DA RECORRENTE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONTRATAÇÃO COMPROVADA. 1. Não merece acolhida a preliminar de impugnação à gratuidade de justiça concedida à parte autora quando o pedido foi devidamente apreciado pelo juiz primevo. No caso em comento, o benefício da justiça gratuita deve ser mantido por não haver nos autos provas concretas aptas a ensejar seu afastamento, mostrando-se inócuas meras alegações desacompanhadas de evidência probatória. 2. Inequívoca a má-fé da parte que tenta utilizar-se do Poder Judiciário deduzindo pretensão contra fato incontroverso e pretendendo, com isso, obter em juízo declaração de inexistência de débito e reparação pecuniária por suposto dano moral, em decorrência de contrato de telefonia e internet por ela contratado e devidamente comprovado nos autos. 3. Desprovido o recurso, majoram-se os honorários em desfavor do apelante, suspenso com base no art. 98, § 3°, do CPC. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO → Recursos -> Apelação Cível 5533535-55.2021.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 10ª Câmara Cível, julgado em 02/10/2023, DJe de 02/10/2023) – Grifei.
Sendo assim, deixo de acolher a pretensão impugnatória.
Pois bem.
Ingressando no mérito, é importante ressaltar que a relação jurídica estabelecida entre as partes é regida pela Lei 8.078/90, vez que presente na espécie as figuras do prestador de serviços e do consumidor, conforme disciplinam os arts. 2º e 3º do Compêndio Consumerista.
Senão, vejamos:
“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
É cediço que, nas relações de consumo, a responsabilidade do fornecedor de serviços tem natureza objetiva, cabendo ao consumidor demonstrar apenas a ocorrência do defeito em sua prestação, o dano sofrido e o nexo de causalidade, nos termos do que preceitua o art. 14 do CDC, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Quanto à controvérsia instaurada dos autos, tenho que reside na alegação de inexistência de qualquer relação jurídica entabulada entre as partes a justificar a conduta supostamente abusiva da parte requerida em realizar cobranças em nome de terceiro, utilizando-se de operadores, ligações automáticas e SMS’s.
Em síntese, o banco promovido se baseou na tese de inexistência de ilícito indenizável. Todavia, o réu sequer apresentou prova da contratação, pela autora, ou mesmo negou as cobranças realizadas, aduzindo mero exercício regular do direito.
Com efeito, ante a inversão do ônus da prova e considerando que a ré é pessoa jurídica prestadora dos serviços e que detém (ou deveria deter) documentos relativos aos negócios jurídicos firmados com seus clientes, cabia à parte promovida comprovar a existência do débito, a fim de demonstrar que a cobrança extrajudicial é legítima, a teor do art. 373, II, do CPC e art. 14, §3º, CDC, ônus do qual não se desincumbiu:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor". (grifos nossos)
"Art. 14 (...)
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
Assim, não se desincumbiu o réu do ônus de demonstrar quaisquer negociações, de modo que a inexistência da dívida há de ser reconhecida.
Quanto à pretensão indenizatória, a parte autora aduz que situação que lhe causou constrangimento de ordem moral, tendo sido perturbado por cobranças indevidas e excessivas através de ligações e mensagens de texto.
Na dicção do art. 927 do Código Civil, aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O art. 186 do Código Civil arremata ao dispor que, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
No que tange ao dano moral, cumpre ressaltar que este decorre de violação a direitos da personalidade. Assim, o ponto central da presente demanda consiste em verificar se a parte autora faz jus à reparação por danos morais, diante da alegação de que a cobrança efetuada ultrapassou sua esfera moral, estando sujeito à reparação por meio de indenização.
No presente caso, não se trata de hipótese em que se possa reconhecer, de forma automática, o dano moral, porquanto não se trata de dano moral in re ipsa. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás tem decidido:
EMENTA: DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO . A SIMPLES COBRANÇA INDEVIDA NÃO GERA DANO MORAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. FORMA SIMPLES. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça não reconhece a existência de dano moral in re ipsa pela mera cobrança indevida caracterizadora de falha na prestação de serviço. 2. A repetição de indébito é perfeitamente admitida na forma simples, quando verificada a cobrança e o pagamento indevido de encargo, bem como a ausência de má-fé da parte adversa. APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS . 1º APELO DESPROVIDO. 2º APELO PROVIDO. (TJ-GO - AC: 51620376420218090085 ITAPURANGA, Relator.: Des(a). DESEMBARGADOR JAIRO FERREIRA JUNIOR, Itapuranga - 1ª Vara Cível, Data de Publicação: 14/02/2023) (grifos nossos)
Entretanto, por mais que não seja evidenciado de forma automática, a parte autora jungiu aos autos inúmeras e insistentes ligações e mensagens de texto do banco requerido, com a finalidade de cobranças de dívida da qual não contraiu.
Soma-se a isto o fato de que as partes não mantinham relação contratual, mas, ainda sim, o banco demandado dirigiu cobranças à autora, através de ligações e mensagens SMS, como se fosse a responsável pelo débito, mesmo depois de requerente destacar não ser responsável pelo débito, e mesmo o PROCON tendo sido acionado para resolver a questão, o que não cessou as cobranças.
Desta forma, configura-se evidente falha na prestação de serviço do banco requerido, que mantém cobranças insistentes em face de pessoa com a qual sequer possui relação contratual, mormente diante do período relevante de tempo em que a prática se perpetrou.
Importante destacar que, embora a parte autora não possua uma relação direta com o banco requerido, o CDC inclusive proíbe expressamente os excessos na cobrança de dívidas a consumidores inadimplentes, conforme se extrai da redação do artigo 42: Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça."
Frise-se que o inciso IV do artigo 6º, CDC, assegura o consumidor proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas abusivas. Confira-se:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…)
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Nestes termos, a cobrança de dívida desconhecida pela parte autora durante período significativo de tempo é vexatória, de modo a ultrapassar o mero dissabor do cotidiano.
Restando, portanto, demonstrado nos autos, o ilícito (cobranças abusivas) e do nexo de causalidade (o ato foi praticado pelo requerido), não se pode deixar de contrapor à conduta lesiva praticada uma indenização correspondente à ofensa sofrida.
De fato, o banco requerido possui o direito a cobrar suas dívidas de forma extrajudicial no mercado de consumo.
Todavia, o que não pode acontecer é o uso abusivo desta comunicação, tais como ligações e mensagens injustificadas em sequência, e de maneira recorrente, com o objetivo de cobrar dívida de terceiro, o que é apto a transcender o mero dissabor.
Ora, é evidente o incômodo e o desassossego que o recebimento de incessantes cobranças indevidas trazem ao consumidor, mormente quando ocorreram diariamente, durante meses, e depois de inequívoca solicitação para interrupção, com esclarecimento da situação quanto à titularidade do número do telefone.
Sobre o tema, confira-se a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - LIGAÇÃO DE COBRANÇA POR DÉBITO INEXISTENTE - MAJORAÇÃO – MINORAÇÃO. - O dano moral decorre de violação a atributos inerentes ao direito da personalidade, causando abalo, constrangimento, vexame, humilhação, aflição, sofrimento. - É evidente o incomodo e o desassossego que o recebimento de incessantes ligações e mensagens de cobranças indevidas traz, principalmente quando ocorreram em curto lapso temporal e, inclusive, fora do horário comercial. - A tentativa de solucionar o problema das cobranças indevidas, principalmente considerando as incontáveis ligações telefônicas feitas pela empresa telefônica, sem sucesso, não podem ser considerados como fatos corriqueiros ou mero aborrecimento. - O valor da indenização a título de danos morais deve ser fixada de modo a desestimular o ofensor a repetir a falta, porém não pode vir a constituir-se em enriquecimento indevido. - Neste contexto, reitera-se que a fixação do valor da indenização, a título de danos morais, deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração, ainda, a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto e, por outro lado, desestimular o responsável pela ofensa a praticar atos semelhantes no futuro. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.150147-7/001, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/04/2024, publicação da súmula em 23/04/2024)
APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EXCESSO DAS COBRANÇAS – DANO MORAL CONFIGURADO - VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE PSÍQUICA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CONTRATAÇÃO DE EMPRESA DE COBRANÇA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS INTEGRANTES DA CADEIA DE CONSUMO. 1. Conquanto a mera cobrança de dívida inexistente não enseje dano moral indenizável, o manifesto excesso decorrente de reiteradas ligações, envios de e-mails e mensagens de What¿sApp, com ameaça de inscrição do nome do autor em cadastros de proteção ao crédito, viola a integridade psíquica da parte, justificando o dever de indenizar. 2. Fixação do valor da indenização com observância à extensão do prejuízo comprovado. 3. As cobranças realizadas por terceirizadas, em nome de instituições financeiras, vinculam o agente financeiro e impõe a sua responsabilização, por força da regra de responsabilidade solidária, contida no art. 7º, parágrafo único, e art. 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. (TJMG - Apelação Cível .0000.23.283763 3/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/12/2023, publicação da súmula em 05/12/2023)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DEBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DÉBITO QUITADO. COBRANÇA INDEVIDA. INSISTÊNCIA. AMEAÇA DE PROTESTO. SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLA O MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. 1. Ainda que o nome da consumidora não tenha sido inscrito no cadastro dos devedores, se configurada a cobrança indevida, presente está o dano moral indenizável sofrido por aquela que, tendo quitado a dívida no âmbito administrativo, recebe inúmeras e reiteradas mensagens com ameaça de protesto e de processo, vendo-se obrigada a recorrer à via judicial para fazer cessar a importunação. 2. Recurso provido. (TJ-MS - AC: 08366085320208120001 MS 0836608-53.2020.8.12.0001, Relator: Des. Sérgio Fernandes Martins, Data de Julgamento: 19/10/2021, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/10/2021)
RECURSO INOMINADO. COBRANÇA INDEVIDA. DÉBITO INEXISTENTE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. COBRANÇAS EXCESSIVAS. REPETIDAS LIGAÇÕES TELEFÔNICAS E ENVIO DE E-MAILS. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Cobrança indevida de dívida inexistente. Excessivas ligações e mensagens de cobrança via e-mail. Falha na prestação do serviço. 2. Conduta do banco recorrido que excede o mero aborrecimento. Dano moral configurado. 3. Sentença reformada. Recurso conhecido e provido. (TJ-PR - RI: 00006840720198160205 PR 0000684-07.2019.8.16.0205 (Acórdão), Relator: Juiz Irineu Stein Júnior, Data de Julgamento: 19/06/2020, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 22/06/2020)
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – SKY – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ALEGAÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA – INSISTÊNCIA EM LIGAÇÕES TELEFÔNICAS E MENSAGENS DE COBRANÇA, MESMO APÓS INFORMAÇÃO DO AUTOR DE NÃO SER CLIENTE DA RÉ – COBRANÇA ABUSIVA - PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE - CONFIGURAÇÃO - DANOS MORAIS - CARACTERIZAÇÃO - COMPENSAÇÃO - R$ 10.000,00 - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - RECURSO PROVIDO. I- Comprovado nos autos a insistente e abusiva cobrança, mesmo após haver o autor comunicado à ré não ser sua cliente e, portanto, não ser o devedor dos valores cobrados, é de se reconhecer a caracterização de perturbação à tranquilidade, caracterizador de dano imaterial; II – Ante o comportamento reprovável da ré e amparado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, fixa-se a compensação por dano moral em R$ 10.000,00. (TJ-SP - AC: 10077243420198260079 SP 1007724-34.2019.8.26.0079, Relator: Paulo Ayrosa, Data de Julgamento: 02/09/2020, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/09/2020)
E uma vez firmada a existência dos danos morais, passo a analisar o quantum indenizatório.
A fixação do montante da reparação do dano moral é matéria de assaz controvérsia doutrinária e jurisprudencial diante da ausência de critérios legais objetivos.
O art. 944 do Código Civil prescreve que a indenização mede-se pela extensão do dano, que no presente revela-se significativa.
A propósito do tema, no que concerne à reparação do dano, oportuno lembrar aqui a lição de Maria Helena Diniz, quando se detém no estudo da fixação do dano moral:
“Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência”. (in Cursos de Direito Civil Brasileiro – Vol. VII 5ª ed. - Saraiva – 1990 – p.79).
Nesse contexto, tenho que o quantum indenizatório deva ser arbitrado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor que preenche o caráter punitivo e compensatório da reparação, bem como a proibição do enriquecimento sem causa da parte, estando em conformidade com a capacidade econômica do ofensor, a natureza e a extensão da lesão, pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sobretudo porque, na hipótese, não houve outras consequências, como negativação indevida, por exemplo.
É o que basta.
Diante do todo acima exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES, com resolução do mérito, os pedidos iniciais para:
a) CONFIRMAR a tutela de urgência deferida ao evento nº 05, perfectibilizada pelos embargos de declaração de evento nº 10;
b) DECLARAR a inexistência de relação jurídica entre as partes ante a ausência de prova mínima pela parte requerida;
c) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de correção monetária pelo IPCA-IBGE (art. 389, parágrafo único, do Código Civil), a partir da prolação desta sentença (Súmula 362 do STJ), e de juros moratórios de 1% ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), e, a partir de 30 de agosto de 2024, pela SELIC (deduzido o IPCA), tendo em vista as alterações introduzidas pela Lei 14.905/24.
Atenta ao princípio da causalidade, condeno a parte requerida, sucumbente, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo por apreciação equitativa no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transcorrido o prazo recursal, não havendo requerimentos, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo legal de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o art. 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil.
Se apresentada apelação adesiva pela parte recorrida, na forma do art. 997 do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o art. 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil.
Caso as contrarrazões do recurso principal ou do adesivo ventilem matérias elencadas no art. 1.009, § 1º, do Código de Processo Civil, intime-se a parte recorrente para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme o artigo 1.009, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após, encaminhem-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com as homenagens de estilo, ressaltando-se que o juízo de admissibilidade do recurso será efetuado direta e integralmente pela Corte, segundo o teor do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
Goiânia/GO, data da assinatura eletrônica.
(assinado digitalmente)
Tatianne Marcella Mendes Rosa Borges Mustafa
Juíza de Direito
05
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