Processo nº 0801588-70.2022.8.10.0135
ID: 332168170
Tribunal: TJMA
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0801588-70.2022.8.10.0135
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDUARDO OLIVEIRA DA COSTA
OAB/MA XXXXXX
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SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL N.º 0801588-70.2022.8.10.0135 1º APELANTE: MUNICÍPIO DE TUNTUM ADVOGADOS: EDUARDO OLIVEIRA DA COSTA - OAB/MA 18418-A; PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO …
SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL N.º 0801588-70.2022.8.10.0135 1º APELANTE: MUNICÍPIO DE TUNTUM ADVOGADOS: EDUARDO OLIVEIRA DA COSTA - OAB/MA 18418-A; PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO DE TUNTUM 2º APELANTE: ESTADO DO MARANHÃO PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO APELADO: M. H. S. B. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO RELATOR: DESEMBARGADOR LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA EMENTA DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS AO SUS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AOS TEMAS 6 E 1.234 DO STF. NULIDADE DA SENTENÇA. RECURSOS PREJUDICADOS. RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E JULGADOS PREJUDICADOS. I. CASO EM EXAME Ação de obrigação de fazer com pedido de fornecimento de medicamentos e insumos médicos. Sentença de procedência, condenando Estado e Município solidariamente. Recursos de apelação interpostos por ambos os réus. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) se a sentença observou os requisitos dos Temas 6 e 1.234 do STF; (ii) se é necessário permitir à parte autora emendar a petição inicial e produzir provas para atender aos referidos requisitos. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Reconhecida a responsabilidade solidária dos entes federativos no fornecimento de medicamentos. 4. A sentença não observou os requisitos fixados pelo STF para medicamentos não incorporados ao SUS. 5. Aplicação imediata dos Temas 6 e 1.234 do STF exige a anulação da sentença e reabertura da fase instrutória. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recursos julgados prejudicados. Sentença anulada de ofício, com retorno dos autos à origem. Tese de julgamento: A concessão de medicamentos não incorporados ao SUS exige o cumprimento dos requisitos fixados nos Temas 6 e 1.234 do STF. A sentença que os desconsidera deve ser anulada, permitindo à parte autora adequação da inicial e produção probatória. Dispositivos relevantes citados CPC, arts. 10, 321, 355, I, 370, 371, 489, §1º, V e VI, 927, III e §1º; CF, art. 196; Lei nº 8.080/1990, arts. 19-Q e 19-R; Decreto nº 7.646/2011. Jurisprudência relevante citada STF, RE 566.471 (Tema 6); STF, RE 1.366.243 (Tema 1.234); STJ, AgInt no REsp 2120171/SP; TJSP e TJRS, diversos precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os senhores desembargadores da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em julgar prejudicados os recursos, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento os senhores desembargadores Cleones Carvalho Cunha (Presidente), Jamil de Miranda Gedeon Neto e Lourival de Jesus Serejo Sousa (Relator). Funcionou, pela Procuradoria-Geral de Justiça, a procuradora Themis Maria Pacheco de Carvalho. RELATÓRIO Trata-se de recursos de Apelação Cível, interpostos pelo ESTADO DO MARANHÃO e pelo MUNICÍPIO DE TUNTUM, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Tuntum/MA (ID 33026197), que, nos autos da ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, ajuizada por M. H. S. B., julgou procedente o pedido, confirmando decisão liminar anterior, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para condenar os réus solidariamente à prestação de tratamento médico gratuito, nos seguintes termos: “que o(s) réu(s) MUNICIPIO DE TUNTUM e ESTADO DO MARANHAO, preste(m) tratamento médico gratuito a M. H. S. B., fornecendo-lhe(s) os medicamentos necessários ao seu tratamento (fórmula Nutren Júnior, 20 latas por mês; Omeoprazol 20mg, 1 caixa com 30 comprimidos por mês; Baclofeno 10mg, 4 caixas com 20 comprimidos por mês; Atropina Colírio 1%, um frasco por mês; Neuleptil 1%, 3 frascos por mês; Diazepam 5mg, 3 caixas com 30 comprimidos por mês; transporte para condução ao Centro de Especialidades do Município, para fins de atendimento por especialistas, pelo menos duas vezes por semana), pelo prazo que o especialista médico, responsável pelo tratamento prescrito, entender cabível.” (grifo no original) O Município de Tuntum apresentou apelação (ID 33026211), aduzindo: (i) preliminares de ilegitimidade passiva e de cerceamento de defesa; (ii) no mérito, que a responsabilidade pelo fornecimento dos itens recai sobre o Estado do Maranhão; (iii) a reserva do possível. O Estado do Maranhão, por sua vez, nas razões recursais (ID 33026233), sustentou: (i) preliminar de ilegitimidade passiva; (ii) ausência de previsão legal para o fornecimento dos itens solicitados; (iii) incidência do princípio da reserva do possível. Contrarrazões apresentadas nos IDs 33026239 e 33026243, rebatendo os argumentos recursais e defendendo a manutenção da sentença. A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer de ID 33747698, opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o relatório. VOTO Os recursos se encontram prejudicados, sendo o caso de anulação da sentença recorrida. A controvérsia gira em torno do fornecimento de medicamentos Fornecimento dos medicamentos: Omeoprazol 20mg (1 caixa/mês); Baclofeno 10mg (4 caixas/mês); Atropina colírio 1% (1 frasco/mês); Neuleptil 1% (3 frascos/mês); Diazepam 5mg (3 caixas/mês). Além disso, a parte autora requer transporte duas vezes por semana ao Centro de Especialidades do Município e o fornecimento de Fórmula Nutren Júnior (20 latas/mês), além de insumos como fraldas, sondas, gazes, luvas, soro fisiológico, seringas, máscaras, oxímetro, nebulizador, aspirador, esparadrapo, cilindro de oxigênio. Nesse cenário, destaca-se que no caso em exame, o autor é uma criança nascida em 03/08/2012, sofrendo de paralisia cerebral, também conhecida como encefalopatia crônica não progressiva (CID G80). Em razão disso, é tetraplégico e necessita de cuidados intensivos, conforme farto acervo probatório juntado aos autos. Consoante relatado, a sentença ora impugnada julgou procedente a pretensão deduzida, determinando que o Estado do Maranhão e o Município de Tuntum disponibilizem as medicações, insumos e o tratamento indicado por médicos e profissionais da saúde à enfermidade que acomete a parte autora. De início, porquanto ausentes os requisitos cumulativos legais exigidos, indefiro os pedidos formulados por ambos os apelantes para recebimento deste recurso com efeito suspensivo. Passo, então, à análise da preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelos entes públicos ora apelantes. Nesse ponto, destaco que a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça reconhece a responsabilidade solidária entre os entes federativos no fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde, conforme decidido no Tema 793 da Repercussão Geral (RE 855.178/SE): "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." Assim, não há falar em ilegitimidade passiva, na forma como alegam os apelantes, pois a responsabilidade solidária permite que o autor opte por demandar qualquer um dos entes federativos, isoladamente ou em conjunto. Eventuais questões relativas à repartição de custos entre os entes devem ser resolvidas no âmbito interno da Administração Pública ou, posteriormente, em juízo, não podendo ser opostas ao particular como óbice à obtenção do direito à saúde. A propósito: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DO STF E STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO . ART. 85, § 8º, DO CPC/2015. RECURSO QUE NÃO APRESENTA ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO . 1. O entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é de que União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm responsabilidade solidária nas demandas que envolvem o fornecimento de medicamentos, conforme reiteradas decisões, autorizando que sejam demandados isoladamente ou em conjunto. 2. A decisão agravada, ao seguir esta orientação, não viola o princípio da separação dos poderes, pois não interfere indevidamente nas prerrogativas do Poder Executivo, mas apenas assegura o cumprimento da obrigação constitucional do Estado de garantir saúde aos cidadãos, conforme estabelecido pela Constituição Federal e reforçado pela jurisprudência consolidada . 3. Quanto aos honorários advocatícios, a fixação em R$ 1.500,00 se deu com base no critério de equidade previsto no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil de 2015, adequado às circunstâncias do caso, considerando-se a natureza da demanda e a ausência de benefício econômico imediato . 4. Inexistindo argumentos novos capazes de alterar os fundamentos da decisão monocrática agravada, ela deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 2120171 SP 2024/0021594-9, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 20/05/2024, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2024) Ainda em apreciação às preliminares suscitadas pelo ente municipal, em relação ao cerceamento de defesa, entendo que esta também não merece prosperar. Explico. O juízo a quo entendeu por dispensável a realização de audiência de instrução, proferindo julgamento antecipado do mérito (art. 355, I, CPC), à vista da robustez documental, especialmente laudos, prescrições médicas e ofícios administrativos. Nos termos do art. 370, caput e parágrafo único, e art. 371 do CPC, compete ao juiz indeferir a produção de provas inúteis ou protelatórias, bem como valorar a prova documental à luz do livre convencimento motivado. Não houve demonstração de prejuízo concreto à defesa. Ademais, tratando-se de matéria predominantemente técnica e documental, não se justifica a dilação probatória. Logo, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa. Adentrado ao mérito dos recursos, registro que as apelações serão examinadas de forma conjunta, em razão da identidade de seus objetos. Nos termos do artigo 198 da Constituição da República, o Sistema Único de Saúde (SUS) estrutura-se sob o princípio da cogestão, o qual pressupõe a atuação conjunta e coordenada de todos os entes federativos. Dessa forma, os serviços públicos de saúde que compõem o SUS devem ser organizados de maneira regionalizada e hierarquizada, competindo a cada ente, no âmbito de sua atuação, assegurar o direito à proteção à saúde e à vida. Isso posto, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1.234 (RE 1.366.243), estabeleceu novas diretrizes quanto à competência para o julgamento de ações que tratam do fornecimento de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, estejam eles padronizados ou não pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por sua vez, o Tema 1.234/STF adotou a modulação de efeitos quanto à competência definida nesse precedente judicial (RE n. 1.336.643): “[...] os efeitos do tema 1234, quanto à competência, somente se aplicam às ações que forem ajuizadas após a publicação do resultado do julgamento de mérito no Diário de Justiça Eletrônico, afastando sua incidência sobre os processos em tramitação até o referido marco, sem possibilidade de suscitação de conflito negativo de competência a respeito dos processos anteriores ao referido marco jurídico.” (grifo nosso) No presente caso, considerando que a ação foi ajuizada em 16/12/2022, permanece a competência da Justiça Estadual. Por sua vez, verifica-se que entre os medicamentos pleiteados, somente “omeprazol” e "diazepam”, encontram-se incluídos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) 2024. Os demais fármacos estão registrados na ANVISA, mas não são disponibilizados pelo SUS. Nesse cenário, por ocasião do julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários nº 566.471 e 1.366.243 — Temas nº 6 e 1.234 da repercussão geral —, o Supremo Tribunal Federal homologou, parcialmente, os acordos interfederativos firmados entre os entes públicos e as entidades envolvidas, fixando teses jurídicas relativas à competência, ao custeio, às normas de ressarcimento e aos requisitos exigidos para a dispensação de medicamentos não incorporados à política pública do SUS. Com o intuito de garantir a correta e imediata aplicação das referidas teses às demandas similares em curso, foram editadas as Súmulas Vinculantes nº 60 e 61, que estabelecem, respectivamente, o seguinte: "Súmula vinculante 60 - O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243)". "Súmula vinculante 61 - A concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471)". Com efeito, o Poder Judiciário, ao analisar ações referentes ao fornecimento de medicamentos não padronizados pelo SUS, deve, imprescindivelmente, seguir as diretrizes definidas pela tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 1.234. "4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1o, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise." Por outro lado, no julgamento do Tema 6 foi reconhecida a possibilidade excepcional de fornecimento de fármaco registrado na ANVISA, mas não incorporado no SUS, por meio de decisão judicial, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus recai sobre o autor da ação: "(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item '4' do Tema 1234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento." No presente caso, o acervo probatório dos autos demonstra, através de prescrição médica por profissional habilitado que a realização do tratamento é imprescindível. Entretanto, algumas das medicações não se encontram incorporadas no âmbito do SUS. Verificada a ausência de cumprimento, pela parte demandante, de todos os requisitos estabelecidos no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471), para a concessão judicial de tratamento não incorporado às políticas públicas do SUS, mostra-se juridicamente inviável a imposição de obrigação aos entes públicos para o fornecimento dos medicamentos pleiteados. Cumpre salientar, outrossim, que, ainda que o julgamento do aludido Tema pelo Supremo Tribunal Federal tenha se dado em momento posterior à prolação da sentença de primeiro grau, como ocorre na hipótese dos autos, impõe-se sua aplicação imediata, em virtude da força vinculante atribuída aos precedentes qualificados, nos termos do artigo 927 do Código de Processo Civil. Registre-se, ainda, que o próprio STF, ao apreciar o mencionado precedente vinculante, reconheceu a nulidade das decisões judiciais que determinaram a dispensação de fármaco por ente público, quando proferidas sem a estrita observância dos requisitos ali fixados, conforme dispõe o artigo 489, § 1º, incisos V e VI, do Código de Processo Civil. Diante desse cenário e à luz do atual entendimento acerca da dispensação de fármacos não incorporados no SUS, impõe-se a anulação da sentença de primeiro grau, reconhecendo-se a necessidade da reabertura da fase instrutória para comprovação, pela parte autora, dos pressupostos fixados ao tempo do julgamento dos Temas n° 6 e 1234, ambos do STF. As normas jurídicas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal nos Temas nº 6 e 1.234 possuem natureza eminentemente processual, razão pela qual têm aplicação imediata aos processos em curso, nos termos do art. 14 do Código de Processo Civil. A modulação de efeitos promovida na decisão vinculante limita-se à definição da competência da Justiça Federal, aplicável, contudo, apenas às ações ajuizadas após a publicação do referido acórdão. No que se refere ao direito material, todas as demandas em trâmite devem observar as teses firmadas pela Suprema Corte. Nesse contexto, diante das novas exigências delineadas pelo STF — atinentes não apenas à produção probatória, mas também aos requisitos da petição inicial e da sentença — impõe-se a anulação da r. sentença, a fim de oportunizar à parte autora a emenda da exordial, em conformidade com os parâmetros ora estabelecidos, nos termos do art. 321 do CPC, assegurando-se, ademais, a necessária dilação probatória. E para além do efetivo cumprimento dos requisitos previstos nos precedentes vinculantes cujo ônus probatório incumbe ao autor, caberá ao magistrado de primeiro grau proceder ao exame da pretensão inaugural consoante entendimento firmado pelo STF no julgamento dos RE 566.471 (Tema 6). Nesse sentido, destaca-se jurisprudência de alguns tribunais pátrios. “DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO NINTEDANIBE. SENTENÇA ANULADA. I. Caso em Exame Ação de obrigação de fazer proposta pela apelante, portadora de Doença Pulmonar Intersticial (DPI), requerendo o fornecimento do medicamento Nintedanibe 150 mg, 1 comprimido de 12 em 12 horas, julgada improcedente em Primeiro Grau, sendo a sentença fundamentada no Tema 06 do STF. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste na necessidade de anulação da sentença para que sejam observados os requisitos dos Temas 6 e 1.234 do STF. III. Razões de Decidir 3. Sentença que julgou improcedente a ação, em razão da paciente não ter demonstrado o atendimento dos requisitos fixados pela Suprema Corte. 4. A ação foi ajuizada antes da publicação dos Temas 6 e 1.234, justificando a reabertura da fase instrutória para comprovação dos requisitos pela autora. IV. Dispositivo e Tese 5. Sentença anulada, com retorno dos autos à primeira instância para instrução probatória. Restabelecida a tutela de urgência concedida à autora. Tese de julgamento: A concessão de medicamentos não incorporados ao SUS deve observar os requisitos dos Temas 6 e 1.234 do STF, sendo de rigor conferir à autora a oportunidade de comprovação do preenchimento de tais requisitos. Legislação Citada: CF/1988, art. 196; Lei nº 8.080/1990, arts. 19-Q e 19-R; Decreto nº 7.646/2011; CPC, art. 489, § 1º, incisos V e VI; art. 927, inciso III, § 1º. Jurisprudência Citada: STF, Temas 6 e 1.234; TJSP, Apelação Cível 1069627-75.2024.8.26.0053, Relator Osvaldo Magalhães, 4ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 20/05/2025; Apelação / Remessa Necessária 1014697-73.2024.8.26.0032, Relator Oscild de Lima Júnior, 11ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 20/05/2025; Apelação Cível 1019021-88.2023.8.26.0114, Relatora Heloísa Mimessi, 5ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 16/05/2025; Remessa Necessária Cível 1021044-72.2021.8.26.0309, Relator José Maria Câmara Junior, 8ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 16/05/2025; Apelação Cível 1000574-04.2024.8.26.0248, Relator Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 14/05/2025. (TJSP; Apelação Cível 1014130-42.2024.8.26.0032; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Araçatuba - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/05/2025; Data de Registro: 29/05/2025)” (grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DO SUS. ARISTAB 10MG. TEMAS 06 E 1234 DO STF. INCIDÊNCIA DAS TESES FIXADAS NO RE 1.366.243/SC E NO RE 566.741/RN EM RELAÇÃO AOS MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS. SÚMULA VINCULANTE N.º 60 E 61. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM. 1. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO QUE SE CONSTITUI DESDOBRAMENTO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE DISPÕE SER A SAÚDE DIREITO UNIVERSAL E DE RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO (ART. 196 DA CRFB). 2. NOS TERMOS DA SÚMULA VINCULANTE Nº 61, A CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTO REGISTRADO NA ANVISA, MAS NÃO INCORPORADO ÀS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, DEVE OBSERVAR AS TESES FIRMADAS NO JULGAMENTO DO TEMA 6 DA REPERCUSSÃO GERAL. 3. CONSIDERANDO-SE QUE, RESSALVADA A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA, SÃO DE APLICABILIDADE IMEDIATA AS DEMAIS DISPOSIÇÕES EXARADAS NOS TEMAS 06 E 1234 DO STF, IMPERATIVA A DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA, FACULTANDO-SE À PARTE AUTORA A DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS PARA FINS DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO NO ÂMBITO DO SUS. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO PREJUDICADO.(Apelação Cível, Nº 50040101020238210010, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 07-01-2025)” (grifo nosso) “DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSOS DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS PELO SUS. NULIDADE DO PROCESSO AB INITIO. PREJUDICIALIDADE DOS RECURSOS. I. CASO EM EXAME Recursos de apelação e remessa necessária em demanda proposta contra a Fazenda Pública Estadual, objetivando o fornecimento dos medicamentos "daratumumabe 1800mg" e "lenalidomida 25mg", não incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido e condenou a Fazenda Pública Estadual ao fornecimento dos medicamentos. Inconformismo da Fazenda Estadual, que alega, em suma, ausência dos requisitos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 106) para concessão de medicamentos não incorporados pelo SUS. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a sentença que determinou o fornecimento do medicamento não incorporado pelo SUS deve ser anulada, diante da superveniência dos critérios estabelecidos pelo STF no Tema 06; e (ii) verificar se é necessário permitir que a parte autora emende a petição inicial para atender aos requisitos fixados pela jurisprudência vinculante. III. RAZÕES DE DECIDIR O julgamento do RE 566.471 (Tema 06) pelo STF estabelece critérios de observância obrigatória para a concessão de medicamentos não incorporados pelo SUS, aplicáveis imediatamente aos processos em curso, sendo necessário que a demanda atenda a esses requisitos. O princípio da "não surpresa" e o devido processo legal exigem que a parte autora tenha a oportunidade de emendar a petição inicial para comprovar o cumprimento dos requisitos fixados no Tema 06, a fim de evitar prejuízos processuais e respeitar seu direito à ampla defesa. Os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas recomendam a nulidade dos atos processuais desde o início ("ab initio"), para que a parte autora tenha oportunidade de corrigir a petição inicial e, eventualmente, optar pela desistência da demanda, considerando as limitações supervenientes ao direito material pretendido. O processo deve ser anulado "ab initio", de ofício, para garantir que a parte autora possa atender aos novos requisitos jurisprudenciais e decidir sobre a continuidade da demanda, sem imposição de litígio involuntário. IV. DISPOSITIVO E TESE Processo anulado ab initio, prejudicados os recursos de apelação e a remessa necessária. Tese de julgamento: A superveniência de jurisprudência vinculante que estabelece novos requisitos para o fornecimento de medicamento não incorporado pelo SUS exige a nulidade dos atos processuais desde o início, para que a parte autora possa emendar a petição inicial e comprovar a observância dos requisitos fixados. Deve ser oportunizado à parte autora o direito de desistir da demanda, em razão das limitações supervenientes ao direito material pretendido. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, II; CPC, arts. 10 e 321. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 566.471 (Tema 06); STJ, Tema 106. (TJSP; Apelação Cível 1037656-72.2024.8.26.0053; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 20/03/2025; Data de Registro: 20/03/2025)” (grifo nosso) No caso específico dos autos, verifica-se que a decisão recorrida não observou os requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, nos Temas n.º 6 e 1.234. Ante o exposto julgo prejudicado o recurso de apelação e, de ofício, anulo a sentença, determinando o retorno dos autos à primeira instância para a instrução probatória assegurando-se à parte autora a oportunidade de demonstrar o cumprimento dos requisitos estabelecidos nos Temas n.º 6 e 1.234 (STF). Fica, ademais, mantida a tutela provisória anteriormente concedida (ID 33026081). Em vista disso, restam PREJUDICADOS os presentes recursos. Sessão Virtual da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, de 10 a 17 de julho de 2025. Desembargador LOURIVAL SEREJO Relator
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