Processo nº 1039206-58.2024.8.11.0041
ID: 338002357
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL
Nº Processo: 1039206-58.2024.8.11.0041
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIANNA BARROS SABER REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO MARIANNA BARROS SABER
OAB/MT XXXXXX
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HEBER AZIZ SABER
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1039206-58.2024.8.11.0041 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Desconto em folha de pagamento, C…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1039206-58.2024.8.11.0041 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Desconto em folha de pagamento, Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral, Bancários, Cartão de Crédito, Efeitos] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [EDNA DIOGO DE PAULA SANTOS - CPF: 206.175.001-00 (APELADO), HEBER AZIZ SABER - CPF: 062.290.048-01 (ADVOGADO), Marianna Barros Saber registrado(a) civilmente como MARIANNA BARROS SABER - CPF: 046.353.241-41 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (EMBARGANTE), GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - CPF: 020.382.917-48 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU OS EMBARGOS. E M E N T A EMBARGANTE(S): BANCO BMG S.A. EMBARGADO(S): EDNA DIOGO DE PAULA SANTOS. EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGADA OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO NA DECISÃO. REDISCUSSÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. I. CASO EM EXAME Embargos de declaração opostos por instituição financeira em face de acórdão que deu parcial provimento à apelação para reconhecer a prescrição parcial, validar a contratação de cartão de crédito consignado, limitar a devolução de valores às operações fraudulentas e reduzir os danos morais arbitrados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se há obscuridade ou contradição no acórdão quanto à fundamentação que manteve a condenação por danos morais, diante da alegação de ausência de má-fé do banco e de inexistência de elementos fáticos concretos que justifiquem o reconhecimento do dano extrapatrimonial. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Os embargos foram opostos tempestivamente, nos termos do art. 1.023 do CPC. 4. O recurso de embargos de declaração não pode ser utilizado como meio de rediscussão do mérito ou de revisão da valoração das provas constantes nos autos. 5. A fundamentação da decisão embargada evidencia que a condenação por danos morais decorreu da constatação de falha na prestação do serviço bancário, especialmente pela ocorrência de transferências a terceiros sem prova da anuência da consumidora. 6. Inexistência de obscuridade, contradição ou omissão a ser sanada nos termos do art. 1.022 do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: "1. A mera discordância quanto à valoração das provas não enseja embargos de declaração. 2. Não caracteriza omissão, obscuridade ou contradição a decisão que fundamenta, de forma clara e suficiente, a ocorrência de danos morais decorrentes de falha na prestação de serviço bancário." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 1.022 e 1.023; CDC, arts. 6º, III, e 14. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 297; TJMT, Apelação Cível nº 1002401-39.2023.8.11.0010, Quinta Câmara de Direito Privado, j. 26.03.2024. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo BANCO BMG S.A. (ID 293949375) em face do Acórdão proferido por esta Quinta Câmara de Direito Privado (ID 292252853), que deu parcial provimento ao seu recurso de apelação para: (i) acolher a preliminar de prescrição parcial, considerando fulminados os valores descontados anteriormente aos cinco anos que antecederam o ajuizamento da demanda; (ii) reconhecer a inexistência de vício de consentimento no negócio jurídico celebrado entre as partes, mantendo a modalidade de crédito inicialmente pactuada (cartão de crédito consignado RMC); (iii) readequar o valor a ser ressarcido à consumidora, restringindo-o somente às operações fraudulentas; e (iv) reduzir o quantum indenizatório a título de danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Em suas razões recursais, o Embargante sustenta, em síntese, que há obscuridade e contradição na decisão embargada no que tange à condenação por danos morais. Alega que o v. acórdão incorre em obscuridade e contradição ao manter a condenação por danos morais quando não há base factual concreta que permita concluir pela existência de dano extrapatrimonial. Argumenta que o acórdão se fundamenta em "argumentos amplamente especulativos e desconectados das provas e fatos constantes dos autos". Afirma que a decisão não aponta elementos específicos que pudessem caracterizar a má-fé do Banco, limitando-se a aplicar o dispositivo legal de forma automática. Por fim, requer o acolhimento dos embargos para que sejam sanadas as obscuridades e contradições da decisão, com o esclarecimento dos elementos que fundamentariam de forma concreta a caracterização de danos morais. A parte embargada apresentou contrarrazões (ID 294992359) pugnando pelo não conhecimento dos embargos, sob o argumento de que restou claro que o dano moral se originou nos descontos fraudulentos ocorridos na folha de pagamento. Requer, ainda, caso o embargante insista na tese, que seja condenado às penas de litigância de má-fé. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R EMBARGANTE(S): BANCO BMG S.A. EMBARGADO(S): EDNA DIOGO DE PAULA SANTOS. VOTO Egrégia Câmara: De início, verifico que os embargos de declaração foram opostos tempestivamente, considerando que o acórdão foi disponibilizado em 12/06/2025, iniciando-se o prazo em 13/06/2025 e findando-se em 20/06/2025, conforme certificado nos autos. Os embargos foram protocolados em 16/06/2025, portanto, dentro do prazo legal de 5 (cinco) dias úteis previsto no artigo 1.023 do Código de Processo Civil. Rememoro que se trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo BANCO BMG S.A. (ID 293949375) em face do Acórdão proferido por esta Quinta Câmara de Direito Privado (ID 292252853), que deu parcial provimento ao seu recurso de apelação para: (i) acolher a preliminar de prescrição parcial, considerando fulminados os valores descontados anteriormente aos cinco anos que antecederam o ajuizamento da demanda; (ii) reconhecer a inexistência de vício de consentimento no negócio jurídico celebrado entre as partes, mantendo a modalidade de crédito inicialmente pactuada (cartão de crédito consignado RMC); (iii) readequar o valor a ser ressarcido à consumidora, restringindo-o somente às operações fraudulentas; e (iv) reduzir o quantum indenizatório a título de danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O recurso de embargos de declaração tem fundamentação vinculada e estrita, possuindo a finalidade de esclarecer obscuridades, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material observados na sentença, acórdão ou decisão, conforme disposto no artigo 1.022, CPC, vejamos: Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Caso não existam, na decisão judicial embargada, tais defeitos de forma, não há que interpor embargos de declaração, pois estes não devem ser utilizados para reexame e novo julgamento do que já foi decidido, dado que, para tanto, há o recurso próprio previsto na legislação. Da alegada obscuridade e contradição. O Embargante sustenta a existência de obscuridade e contradição no acórdão proferido por esta Corte, especificamente quanto à condenação por danos morais. Argumenta, em síntese, que a decisão embargada carece de fundamentação concreta para justificar a existência de dano extrapatrimonial, limitando-se a argumentos genéricos e especulativos. Para analisar adequadamente a questão, faz-se necessária a transcrição da ementa do acórdão embargado, o qual assim dispõe: O voto foi assim proferido: “VOTO Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Conforme relatado, trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá, nos autos da Ação Declaratória nº 1039206-58.2024.8.11.0041, que tem por objeto a declaração de inexistência de débito, cumulada com pedido de nulidade contratual, repetição do indébito e indenização por danos morais, em razão de alegado vício de consentimento na modalidade contratual pactuada junto ao banco Apelante. O juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: “Diante do exposto e considerando o que mais consta nos autos, julgo parcialmente procedentes os pedidos contidos na inicial e converto contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado do BCB da data da contratação. A devolução dos valores ilegalmente descontados, se houver, será de forma simples, com a compensação do crédito eventualmente existente em favor do Banco. Concedo/mantenho a tutela de urgência para determinar que até que ocorra liquidação do contrato, seja suspensa a cobrança do débito na folha de pagamento da parte autora. Ao final, havendo saldo em favor do requerido, deverá dar continuidade aos referidos descontos com a atualização a ser feita. CONDENO a parte requerida BANCO BMG S.A., ao pagamento da indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), sobre o qual incidirá correção monetária pelos índices do INPC, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, incidentes desde a citação; a correção monetária a partir da data de lançamento desta decisão no sistema eletrônico. CONDENO ainda a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes, considerando que a sentença tem parte ilíquida e parte líquida, arbitrados em 15% (quinze por cento), do proveito econômico obtido (art. 85, § 2º do CPC).” (grifo nosso). Pois bem. De plano, reputo aplicável à espécie os ditames previstos na Lei nº. 8.078/90, em vista da evidente natureza consumerista da relação jurídica entabulada entre as partes, nos precisos termos do art. 2º e 3º do mencionado diploma legal, aplicando-se lhe todas as prerrogativas inerentes ao consumidor, notadamente a inversão do ônus da prova. Nesse sentido, o enunciado nº. 297, da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Assim, nos termos do artigo 14, parágrafo terceiro, do CDC, a responsabilidade civil dos bancos é objetiva, respondendo, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos seus clientes pelos defeitos dos serviços prestados, só havendo exclusão do nexo causal quando o fornecedor comprovar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. VOTO-PRELIMINAR 1.1. Da decadência. No que concerne à arguição preliminar da prejudicial de mérito, especificamente a decadência, é pacífico, segundo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e os precedentes deste Sodalício, que, em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo decadencial têm início a partir da data de vencimento da última parcela. Nesse sentido é a jurisprudência hodierna: EMENTA CIVL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E POR DANOS MORAIS – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – VIOLAÇÃO – INOCORRÊNCIA – PRELIMINAR – REJEIÇÃO – DECADÊNCIA – PRESCRIÇÃO – PREJUDICIAIS DE MÉRITO – NÃO ACOLHIMNETO – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) –EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONVERSÃO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – DEVER DE INFORMAÇÃO – VIOLAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATAÇÃO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Quando as razões recursais combatem os termos da sentença e encontram-se associadas aos temas abordados, a preliminar de não conhecimento do Apelo, por ausência de dialeticidade, deve ser rejeitada. 2. Sabe-se que, nos casos de revisão contratual de contratos bancários, com pedido de restituição de valores pagos indevidamente, o prazo prescricional se amolda à previsão decenal do artigo 205 do Código Civil. 3. Nas hipóteses que envolvem prestações de trato sucessivo, o pacto se renova ao longo do tempo, de forma automática, devido aos descontos efetuados mensalmente e, portanto, a cada novo desconto, o período de decadência é renovado e o termo inicial para contagem do prazo decadencial é o vencimento da última parcela. (N.U 1002401-39.2023.8.11.0010, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/03/2024, Publicado no DJE 03/04/2024) (grifo nosso) Dessa forma, não se verifica, nos autos, a ocorrência de decadência, considerando-se a modalidade da obrigação pactuada, cujos descontos foram realizados até julho de 2022. Portanto, rejeito a preliminar de decadência. É como voto. 1.2. Da ocorrência de prescrição parcial. Cuida-se de análise da preliminar de prescrição parcial arguida pela parte apelante, no bojo de ação que versa sobre descontos indevidos realizados em proventos de servidor público, sendo a demanda fundamentada na ocorrência de falha na prestação de serviço, hipótese que atrai a incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, conforme pontuado alhures. Com efeito, tratando-se de pretensão à reparação de danos causados por fato do serviço, incide, na espécie, a regra prescricional prevista no art. 27 do CDC, cujo teor dispõe expressamente: Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Da leitura do referido dispositivo legal, observa-se que a redação é clara ao estabelecer o prazo quinquenal para o exercício da pretensão indenizatória decorrente de dano oriundo da prestação defeituosa do serviço, sendo este prazo computado a partir do momento em que o consumidor toma ciência inequívoca tanto dano quanto de sua autoria. No caso em exame, a parte autora, ora apelada, sustenta que sofreu de forma contínua e reiterada, descontos indevidos em sua remuneração, sob justificativa de contrato não reconhecido, o que, à luz do sistema consumerista, consubstancia falha na prestação do serviço. Ressalta-se, no entanto, que a natureza continuada dos descontos não afasta, por si só, a aplicação da regra prescricional. Isso porque, cada desconto indevido configura ato autônomo passível de impugnação, sujeito ao prazo prescricional de cinco anos, conforme enunciado do artigo mencionado anteriormente. Assim, operada a prescrição quinquenal, devem ser considerados fulminados pelo decurso do tempo os eventuais valores descontados em período anterior aos cinco anos que antecederam o ajuizamento da demanda (03/09/2024), permanecendo viável o exame do mérito quanto aos descontos ocorridos dentro do interregno não alcançado pela prescrição. Portanto, reconhecendo a natureza consumerista da relação jurídica e a incidência do art. 27 do CDC, acolho parcialmente a preliminar de prescrição, declarando prescritas as parcelas vencidas há mais de cinco anos da data de propositura da ação. É como voto. VOTO-MÉRITO 2.1. Da validade da contratação – Ausência de conduta ilícita – Inexistência do vício de consentimento; Ao analisar os autos, sob o efeito da ampla devolutividade da apelação cível, verifica-se que o consumidor Apelado sustenta, inicialmente, que sua intenção era contratar um empréstimo consignado e não um cartão de crédito consignado, aduzindo que “foi nitidamente ludibriada com a realização de outra operação, qual seja, contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC)”. Em defesa, a instituição financeira Apelante sustenta que a contratação ocorreu de forma regular e, por essa razão, os descontos foram efetuados no exercício regular de direito, não havendo que se falar em vício de consentimento. Compulsando os documentos acostados ao processo, verifica-se a existência de elementos capazes de demonstrar a inexistência de vício de consentimento no negócio jurídico entabulado. Isso porque os documentos constantes do presente caderno processual indicam expressamente a modalidade contratual questionada, qual seja, cartão de crédito consignado, conforme consta no ID 286252365 – p. 166, que apresenta o seguinte título: “CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – SAQUE MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG”. Outrossim, destaca-se, que várias operações de saque ocorreram mediante "biometria facial" (ID 286252365), método reconhecido como eficaz e legítimo. Não houve, por parte da autora, qualquer impugnação técnica, documental ou pericial capaz de infirmar a autenticidade do procedimento, tampouco foi demonstrada falha no sistema utilizado pelo banco. Com efeito, a jurisprudência consolidada no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT) tem reiteradamente validado a contratação realizada mediante reconhecimento facial, reconhecendo-a como meio idôneo de formação do vínculo contratual, desde que ausente prova robusta em sentido contrário. A mera alegação de desconhecimento da contratação, desprovida de provas que infirmem a autenticidade do ato, não tem o condão de anular negócios jurídicos regularmente celebrados. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE E RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURAÇÃO – DILAÇÃO PROBATÓRIA DISPENSÁVEL – ART. 371, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC PRELIMINAR REJEITADA – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONTRATAÇÃO COMPROVADA PELO RÉU – ASSINATURA POR BIOMETRIA FACIAL – MECANISMO DE SEGURANÇA VÁLIDO – AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO E DO DEVER DE INDENIZAR – RECURSO NÃO PROVIDO. “O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias” (art. 371, parágrafo único, do CPC). Comprovada por biometria facial a contratação de empréstimo consignado, são devidos os descontos, portanto não há ato ilícito tampouco direito a indenização por danos morais. (N.U 1037665-24.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/04/2024, Publicado no DJE 09/04/2024) (grifo nosso) Dessa forma, entendo que o pleito da parte Apelante não merece acolhimento, uma vez que o conjunto probatório constante dos autos desmistifica as alegações do autor da demanda, especialmente no que tange ao vício de consentimento. O contrato firmado entre as partes é claro quanto à denominação da modalidade contratual, inexistindo violação ao direito básico de informação do consumidor, previsto no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor. A biometria facial, como elemento integrante do conjunto fático-probatório, é prática habitual que permite a autenticação da parte contratante no momento da assinatura, proporcionando maior segurança às relações consumeristas e prevenindo possíveis fraudes, nos termos do art. 411, II, do Código de Processo Civil: Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando: II - a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei; Dessa forma, entendo que merece guarida o pleito recursal, uma vez que o conjunto probatório constante dos autos desmistifica as alegações da autora da demanda. Noutro giro, quanto à alegação de onerosidade excessiva, saliento que, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se a Teoria da Base Objetiva, conforme entendimento consolidado no Informativo n. 556 do Superior Tribunal de Justiça. A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis. A teoria da base objetiva difere da teoria da imprevisão por prescindir da imprevisibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Pela leitura do art. 6°, V, do CDC, basta a superveniência de fato que determine desequilíbrio na relação contratual diferida ou continuada para que seja possível a postulação de sua revisão ou resolução, em virtude da incidência da teoria da base objetiva. O requisito de o fato não ser previsível nem extraordinário não é exigido para a teoria da base objetiva, mas tão somente a modificação nas circunstâncias indispensáveis que existiam no momento da celebração do negócio, ensejando onerosidade ou desproporção para uma das partes. Com efeito, a teoria da base objetiva tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva. Em que pese sua relevante inovação, a referida teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Ademais, não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor. De outro modo, a teoria da quebra da base objetiva poderia ser invocada para revisão ou resolução de qualquer contrato no qual haja modificação das circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, comprometendo em especial o princípio pacta sunt servanda e, por conseguinte, a segurança jurídica. Por fim, destaque-se que, no tocante às relações contratuais puramente civis, quer dizer, ao desamparo das normas protetivas do CDC, a adoção da teoria da base objetiva, a fim de determinar a revisão de contratos, poderia, em decorrência da autuação jurisdicional, impor indesejáveis prejuízos reversos àquele que teria, em tese, algum benefício com a superveniência de fatos que atinjam a base do negócio. REsp 1.321.614-SP, Rel. Número 556 Brasília, 23 de fevereiro a 4 de março de 2015. TERCEIRA TURMA DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA BASE OBJETIVA OU DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1 originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015. (grifo nosso) Para a configuração do estremecimento das bases objetivas do contrato, é imprescindível a existência de fato superveniente que desequilibre a relação entre as partes. Contudo, do exame do conjunto fático-probatório, não se verifica a presença de elemento apto a ensejar a quebra da base do negócio jurídico. Isso porque a modalidade contratual em questão prevê a reserva e o desconto de margem consignável previamente estabelecida, cabendo ao consumidor adimplir os valores eventualmente excedentes, ou seja, a integralidade da prestação mensal. Não há, nos autos, qualquer informação de que o consumidor tenha quitado valores excedentes. Não há, nos autos, qualquer indício de que o consumidor tenha efetivamente quitado tais valores excedentes. A mera impossibilidade de cumprimento da avença, por si só, não justifica a aplicação da Teoria da Quebra da Base Objetiva do negócio jurídico. Saliento que somente após aproximadamente nove anos de descontos, período em que utilizou o cartão para saques e compras, conforme demonstrado nas faturas anexadas, a parte Apelante passou a alegar a ausência de informações essenciais para a fruição do contrato, pleiteando sua nulidade. Com efeito, é cediço que, no ordenamento jurídico pátrio, há vedação ao comportamento contraditório, ou seja, quando a parte age de maneira contrária ao que previamente pactuou. Esse princípio, conhecido pelo brocardo latino Venire Contra Factum Proprium, veda condutas contraditórias e inesperadas que possam surpreender a outra parte. Sua aplicação decorre do princípio da boa-fé objetiva e da lealdade contratual, elementos exigíveis de todos os contratantes. Assim, considerando-se a boa-fé contratual, não é admissível que a parte, após longo período de utilização do serviço, alegue vício de consentimento na contratação, quando seus atos demonstram inequívoca ciência e concordância com os termos do contrato. Portanto, restando evidenciado que a Apelante se beneficiou do contrato, tendo pactuado regularmente o cartão de crédito consignado, não há que se falar em vício de consentimento na contratação. A propósito: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – IMPROCEDÊNCIA – EMPRÉSTIMO ATRAVÉS DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC –PRELIMINAR – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE – REJEIÇÃO – MÉRITO – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO/ESCLARECMENTO QUANTO A CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – DESCABIMENTO – CRÉDITO LIBERADO NA CONTA DA AUTORA – AQUIESCÊNCIA COM OS TERMOS CONTRATADOS – REGULARIDADE DOS DESCONTOS POR MAIS DE SETE ANOS – VEDAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – ILEGALIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADOS – NÃO CONSTATAÇÃO – ÍNDICES AQUÉM DA TAXA MÉDIA DE MERCADO – RECURSO DESPROVIDO. Rejeita-se a preliminar de não conhecimento do recurso por ausência de dialeticidade, em razão de a recorrente ter atendido aos requisitos previstos no artigo 1.010 do CPC/15, trazendo os fundamentos de fato e de direito, havendo pedido expresso de reforma da sentença para que a ação seja julgada procedente. Se restou evidenciada a contratação de empréstimo através de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC, visto que após a juntada do contrato e das faturas de cartão de crédito pelo requerido, em nenhum momento negou a autora o recebimento do crédito a ele correspondente e tampouco a utilização do cartão, há que ser mantida a sentença de improcedência da lide. Não há como acolher a tese de que a autora não contratou empréstimo na modalidade Cartão de Crédito Consignado, se restou incontroverso o depósito do crédito em sua conta bancária e os descontos do valor mínimo das respectivas faturas durante mais de três (3) anos – data a partir da qual somente tomou as primeiras medidas cabíveis para obstar os débitos, o que evidencia a inexistência de fraude, ante a vedação ao venire contra factum proprium. Não há falar-se em ilegalidade dos juros remuneratórios contratados, se estes encontram-se aquém da taxa média para operações da mesma espécie divulgadas pelo Banco Central (RESp. 1.061.530/RS, sob o rito de recurso repetitivo).- (N.U 1001598-74.2023.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/04/2024, Publicado no DJE 09/04/2024) (grifo nosso) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS –EMPRÉSTIMOCONSIGNADONA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA QUE A AUTORA UTILIZOU DO CARTÃO PARA COMPRAS EM ESTABELECIMENTOS – CIÊNCIA DA MODALIDADE DEEMPRÉSTIMOADQUIRIDA E DA FORMA DE EXECUÇÃO DO CONTRATO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Verificando-se que a contratação doempréstimose deu na modalidade de cartão de crédito com desconto na folha de pagamento do consumidor, e não havendo prova da indução a erro ou deonerosidadeexcessiva, notadamente na hipótese em que o autor se utiliza do cartão para realização de saques e compras em vários estabelecimentos, inviável falar-se na aplicação dos juros remuneratórios incidentes sobre operações deempréstimosconsignados. (N.U 1024408-80.2022.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/03/2024, Publicado no DJE 28/03/2024) (grifo nosso) Desse modo, sem qualquer embargo pessoal ao respeitável entendimento exposto pelo Ilustre Juiz prolator da sentença fustigada, todavia, no caso em testilha, entendo que deve ser acolhido o recurso da instituição financeira, para a reforma da sentença, não havendo que se falar na ocorrência de vício de consentimento no negócio jurídico celebrado entre as partes. 2.2. Da impossibilidade de conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado. No que concerne à impossibilidade de conversão da modalidade contratual, especialmente no que se refere à alteração do contrato originalmente firmado para a modalidade de empréstimo consignado, entendo que deve ser acolhida a tese recursal. Isso porque, diante da ausência de comprovação de vício de consentimento na celebração do negócio jurídico e considerando o grau de instrução do contratante, não se pode admitir a conversão do contrato a pedido do consumidor com base em premissa temerária, conforme já exposto. A conversão do contrato de cartão de crédito em contrato de empréstimo consignado somente é possível quando restar demonstrado que a intenção do consumidor era, de fato, a contratação do empréstimo consignado, o que não foi comprovado nos autos, nos termos do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, tendo o banco agido no exercício regular de seu direito, entendo que a sentença deve ser reformada para manter a modalidade contratual inicialmente pactuada. 2.3. Da restituição dos valores descontados. Cuida-se, na espécie, da análise de insurgência recursal quanto à devolução dos valores descontados da remuneração da consumidora, a título de saque via cartão de crédito consignado. Pois bem. É cediço que a operação de saque por meio de cartão de crédito consignado segue dinâmica própria no sistema financeiro, permitindo que o titular saque valores disponibilizados pelo banco, os quais são, por regra, depositados exclusivamente em conta de titularidade do contratante, sendo excepcionais os casos em que o pagamento do benefício se dá em conta diversa, devidamente cadastrada no sistema de pagamento do INSS, mediante autorização legal ou judicial. Na hipótese em exame, a instituição financeira anexou comprovantes de Transferências Eletrônicas Disponíveis (TEDs) realizadas a destinatários estranhos à relação contratual, ou seja, terceiros sem qualquer vínculo com a titular do cartão. Tais operações foram especificamente impugnadas pela consumidora, ora apelada, que nega expressamente a realização dos saques e, ainda mais, a destinação dos valores a pessoas estranhas à sua esfera patrimonial. Ao banco incumbia o ônus da prova de que a autora anuiu com a contratação dos saques e com a destinação dos recursos a terceiros, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Tal encargo probatório não foi, contudo, cumprido. A instituição financeira apelante limita-se a alegar, de maneira genérica, que a autora teria se beneficiado dos valores transferidos a terceiros, sem, contudo, produzir prova alguma da existência de consentimento válido e eficaz da consumidora quanto à origem e destinação das operações. Ora, a mera existência de TEDs emitidas a partir de recursos oriundos de contrato de cartão consignado, por si só, não é suficiente para presumir anuência do titular, ainda mais quando a beneficiária dos valores é terceira pessoa, estranha à relação contratual. No que tange ao procedimento e ao ônus probatório, manifesta-se a jurisprudência hodierna: APELAÇÃO CÍVEL Nº 1048606-72.2019.8.11 . 0041 APELANTE: AFONSO VICENTE DE OLIVEIRA GOMES APELADO: BANCO BRADESCO S/A EMENTA RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – EMPRÉSTIMOS PESSOAIS EM CONTA CORRENTE – PROCEDÊNCIA – ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA INICIAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS CONTRATOS – DESCABIMENTO – DESNECESSIDADE – OPERAÇÃO REALIZADA EM CAIXA ELETRÔNICO COM UTILIZAÇÃO DE SENHA PESSOAL – EXTRATOS BANCÁRIOS – ORIGEM DA DÍVIDA DEMONSTRADA – RECURSO DESPROVIDO. Os contratos de crédito/empréstimo pessoal podem ser realizados diretamente no caixa eletrônico, sem a necessidade de assinatura em papel. Trata-se de “contrato eletrônico” em que o correntista utiliza sua senha pessoal em um caixa de autoatendimento para obter o crédito, que é pré-aprovado, e os valores lhe são disponibilizados diretamente em sua conta corrente. Nesta hipótese, os extratos bancários são justamente os documentos hábeis para comprovar o débito . Diante da comprovação da origem da dívida por meio dos extratos bancários, os quais demonstram a disponibilização dos empréstimos pessoais na conta bancária do autor e utilização por este de tais valores, há de ser mantida a sentença de procedência da ação de cobrança.- (TJ-MT 10486067220198110041 MT, Relator.: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 26/01/2022, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/01/2022) (g.n.) CIVIL. CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO. SAQUE INDEVIDO NA CONTA POUPANÇA . MOVIMENTAÇÕES ATÍPICAS CONSOANTE O PERFIL DO CLIENTE. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA 297 STJ. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA . NÃO CONFIGURADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEMONSTRADA. INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE SEGURANÇA . RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 479 STJ. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MATERIAIS E MORAIS . CABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. 1 . A discussão nos autos a ser dirimida versa sobre a possibilidade de responsabilizar a Caixa Econômica Federal CEF pelos danos materiais e morais decorrentes de supostos saques fraudulentos efetuados na conta bancária do autor, ora apelante. 2. O art. 14 da Lei n . 8.078/90 ( Código de Defesa do Consumidor - CDC) disciplina que, independe da existência de culpa a responsabilidade civil do prestador de serviço de reparar os danos causados aos consumidores decorrentes de vício do produto, informações insuficientes ou inadequadas ou de falhas na prestação de serviços. A Súmula 297 do STJ informa que as normas do CDC são aplicáveis nas relações de consumo existentes entre instituição bancária e seus clientes. 3 . A instituição requerida não apresentou qualquer prova de que tenha realizado investigação administrativa quanto à autenticidade e à idoneidade dos saques impugnados, bem como não apresentou as imagens solicitadas e tampouco demostrou a escorreita prestação do serviço ao garantir o dever de segurança do consumidor cliente, limitando-se a apresentar contestação genérica. Também não demonstrou ter havido, por parte do cliente, qualquer violação a dever de cuidado, como entregar cartão a terceiro, disponibilizar indevidamente a senha pessoal ou agir com falta de zelo no resguardo do cartão ou da senha intransferível. 4. "Para afastar a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, não basta afirmar a inexistência de fraude em razão do uso de cartão magnético com senha, mas cumpriria à CEF demonstrar, por exemplo, a permissão ou facilitação da utilização indevida do cartão bancário, o que não se verificou, na hipótese dos autos, notadamente porque a promovida, quando instada a fazê-lo, sequer apresentou as imagens dos caixas eletrônicos da agência, nos momentos dos saques" (AC 0057749-74 .2014.4.01.3700, Des . Federal SOUZA PRUDENTE, Quinta Turma, PJe 29/03/2023). Logo, deve ser afastada a tese de culpa da vítima. 5. Evidencia-se, sem qualquer dúvida, que os saques realizados são muito diferentes do uso normal da conta poupança pelo autor . As transações efetuadas destoam do perfil do correntista, de modo que a instituição bancária, ao não identificar e bloquear as transações atípicas, descumpriu com o seu dever de segurança, caracterizando-se, assim, falha na prestação do serviço. 6. Aplica-se a inteligência da Súmula 479 do STJ no sentido de que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Ainda quanto ao entendimento da Corte Superior, cabe registrar que "a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e que aparentam ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a responsabilidade objetiva por parte da instituição financeira" (REsp 2 .052.228, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 15/09/2023). 7 . Danos materiais fixados conforme os valores dos indevidamente sacados e impugnados pelo autor, no montante de R$ 129.090,67 (cento e vinte e nove mil, noventa reais e sessenta e sete centavos). 8. A subtração fraudulenta das economias, que constituem o patrimônio de toda uma vida de trabalho, desencadeia logicamente alteração no seu bem-estar ideal, configurando-se presumível o dano moral experimentado (dano in re ipsa) . Indenização de dano moral fixado no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dentro dos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência desta Corte. 8. Apelação provida . (TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: 10379274020224013300, Relator.: DESEMBARGADORA FEDERAL ANA CAROLINA ROMAN, Data de Julgamento: 27/03/2024, DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: PJe 27/03/2024 PAG PJe 27/03/2024 PAG) (g.n.) Assim, em análise aprofundada das provas constantes nos autos, notadamente a teor da impugnação específica apresentada pela parte apelada (ID. 286252368), onde se demonstra, que diversas operações financeiras lançadas sob a rubrica de “saques” não foram realizadas pelo titular do cartão, tampouco revertidas em benefício próprio, mas sim destinadas, por meio de Transferências Eletrônicas Disponíveis (TEDs), a terceiros completamente estranhos à relação contratual, sem qualquer vinculação jurídica ou pessoal com a consumidora, conforme se depreende dos autos. Tal circunstância revela, a ocorrência de fraudes bancárias no âmbito da relação consumerista, violando o dever de segurança que rege os contratos de prestação de serviços financeiros, configurando a falha na prestação do serviço pelo banco apelante. Imperioso destacar que, ainda que se admita a validade da contratação do cartão de crédito consignado, tal fato não exime a instituição financeira do dever de monitoramento de operações atípicas, cuja execução, por si só, deveria ter suscitado a verificação de autenticidade. Logo, a tese arguida pelo banco apelante merece acolhimento parcial, porquanto não restou comprovada a nulidade do negócio jurídico por vício de consentimento. Todavia, revelou-se, no curso da relação contratual, a ocorrência de transações bancárias suspeitas e manifestamente fraudulentas, razão pela qual os valores a serem ressarcidos à apelada devem ser readequados. Desse modo, impõe-se o dever de devolução dos valores descontados indevidamente, restrita às operações fraudulentas, cabendo a apuração do montante exato em fase de liquidação de sentença. Em contrapartida, os valores legítimos, decorrentes do uso regular do cartão ou de eventuais compras devidamente autorizadas pela consumidora, não se submetem ao mesmo tratamento. Ademais, conforme bem consignado na sentença proferida pelo juízo a quo, a devolução dos valores indevidamente descontados deve observar o critério da simples repetição, com compensação de eventuais créditos legítimos detidos pelo banco, de modo a evitar enriquecimento sem causa da parte consumidora (art. 884 do Código Civil). Por tais razões, acolho parcialmente o pleito recursal, para o fim de adequar o “quantum” a ser ressarcido, devendo ficar restrito somente às operações fraudulentas (ID. 286252365 – p. 119 - 137). 2.4. Da inexistência de provas do alegado dano moral. Assim, no que concerne ao pedido indenizatório, é importante salientar que o dano moral decorre dos descontos indevidos realizados em folha de pagamento da parte apelada, oriundas de operações fraudulentas em seu cartão de crédito consignado, fatos que, sem dúvida, gera desconforto, aflição e transtornos e, por isso, tem a extensão suficiente para configurar o dano moral. Imperioso destacar, também, que o deslinde da questão fático-jurídica aqui registrada passa pela responsabilidade civil do fornecedor que, em casos tais, é objetiva, em face da sua condição de prestador de serviços que lhe impõe o dever de zelar pela perfeita qualidade do serviço prestado, em conformidade com os ditames do art. 14, “caput”, do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Dessa maneira, é devida a indenização à parte apelada, diante da falha na prestação do serviço pelo banco apelante, fato que, inegavelmente, lhe trouxe desgaste emocional e prejuízos de ordem moral, indenizáveis, portanto. 2.5. Combate o valor indenizatório a título de danos morais. Neste ponto recursal, tenho que deve ser dada guarida à pretensão da parte recorrente. É que o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), destinados a recompor os prejuízos morais da parte recorrida, para o caso em testilha, se afigura em desconformidade com a extensão dos danos efetivamente sofridos, a sua reparabilidade, além da finalidade pedagógica em relação à parte recorrente. Por tais motivos, entendo razoável a estipulação da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais sofridos pela parte recorrida, atendendo-se ao binômio jurídico da reparabilidade do dano experimentado e o efeito pedagógico a ser imposto à parte recorrente, sem descurar das condições pessoais das partes litigantes. Conclusão Com essas considerações, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, com os seguintes fins: Acolher a preliminar de prescrição parcial, devendo ser considerados fulminados pelo decurso do tempo os eventuais valores descontados em período anterior aos cinco anos que antecederam o ajuizamento da demanda (03/09/2024); Reconhecer a inexistência de vício de consentimento no negócio jurídico celebrado entre as partes – Cartão de crédito consignado (RMC), mantendo-se a modalidade de crédito inicialmente pactuada; Readequar o valor a ser ressarcido ao consumidor a título de danos materiais, devendo ficar restrito somente às operações fraudulentas (ID. 286252365 – p. 119 - 137); Reduzir o “quantum” indenizatório a título de danos morais para importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mantendo-se, quanto ao mais, a sentença objurgada.” No presente caso, o acórdão embargado analisou adequadamente as questões postas a julgamento, fundamentando de maneira clara e coerente a caracterização do dano moral, não havendo, portanto, vícios a serem sanados. Destarte, verifica-se que a pretensão do embargante é, na verdade, a rediscussão do mérito da decisão, o que não se admite pela via estreita dos embargos de declaração. Nesse diapasão, não havendo na decisão embargada os vícios apontados pelo embargante, impõe-se a rejeição dos embargos de declaração. Quanto ao pedido formulado pela embargada nas contrarrazões, de condenação do embargante nas penas de litigância de má-fé, entendo que não merece acolhimento. Isso porque, embora os embargos de declaração não mereçam provimento, não verifico a ocorrência de litigância de má-fé por parte do embargante, que apenas exerceu regularmente seu direito de recorrer, buscando o esclarecimento de pontos que entendia obscuros ou contraditórios na decisão. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a imposição de multa por litigância de má-fé exige a demonstração inequívoca de uma das condutas previstas no artigo 80 do CPC, o que não se verificou na espécie. Por todo o exposto, não havendo na decisão embargada os vícios apontados pelo embargante, impõe-se a rejeição dos embargos de declaração. Por essas razões, REJEITO os embargos de declaração opostos. Por fim, fica a parte embargante advertida de que a oposição de novos embargos de declaração manifestamente protelatórios, em que não aponte, de modo concreto e consistente, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, prolongando indevidamente a conclusão da demanda e distorcendo a finalidade do recurso, resultará na aplicação de multa sobre o valor da causa atualizado, conforme preceitua o art. 1.026, § 2º do Código de Processo Civil. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025
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