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Processo nº 0258550-90.2022.8.06.0001

ID: 330819425

Tribunal: TJCE Órgão: 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Classe: Guarda de Família Nº Processo: 0258550-90.2022.8.06.0001

Data de Disponibilização: 22/07/2025

Polo Ativo:

E. G. A. N. I. M. D.

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

ELIENNAY GOMES ALVES

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NATALIA INGRID MENDES DUARTE

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ALINE MACIEL LIMA

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2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUAR… 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUARDA DE FAMÍLIA (14671) ASSUNTO: [Guarda] REQUERENTE: M. A. D. O. REQUERIDO: M. G. B. A. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA I - DA SÍNTESE PROCESSUAL Trata-se de ação de modificação de guarda c/c pedido de convivência assistida em caráter liminar c/c revisão de alimentos, ajuizada pela menor impúbere Maitê Alves Avelino, devidamente representada por sua genitora M. A. D. O., em face de seu genitor Mayke Gehisson Batista Avelino, pelos fatos e fundamentos expostos na exordial de id. 145357697, de lavra de advogado constituído. Aduz, em síntese, que no processo de nº 0224255-61.2021.8.06.0001 (ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de convivência e oferta de alimentos) ficou acordada a guarda compartilhada da menor. Acrescenta ainda que a menor possui um quadro de epilepsia, de modo que necessita fazer uso contínuo de medicação para o controle de crise. Contudo, relata que a partir de meados de julho de 2021 a filha demonstrou comportamentos estranhos, como voltar irritada e agressiva da casa do genitor, além de retornar com marcas vermelhas no corpo. Informa ainda que em outubro de 2021 a criança retornou da casa do genitor com os lábios cortados e um pedaço do dente quebrado e o pai, além de não prestar qualquer informação para a genitora, sequer levou a criança para um atendimento odontológico. Complementa que foi necessário registrar um boletim de ocorrência em maio de 2022, após a menor ter retornado da casa do pai irritada, vindo a passar a noite inteira sem dormir, por estar chorando, ter se recusado a tomar banho, passando constantemente a mão na genitália e fechando as pernas, mas que não foi percebida irritação no local. Outrossim, narra que a menor é constantemente exposta nas redes sociais da namorada do genitor, apesar da genitora não concordar, solicitando diversas vezes ao pai para não a expor. Por todo o exposto, requer a alteração da guarda compartilhada para a unilateral, passando o regime de convivência ser assistido. Ademais, pugna pela majoração dos alimentos, sob o argumento de que o genitor é servidor público, auferindo renda bruta de R$ 5.728,18 e que os gastos com as necessidades da criança aumentaram, haja vista as inflações no preço da alimentação e necessidades diárias, de modo que os gastos com a menor foram elencados à fl. 06, do id. 145357697, requerendo, assim, a majoração para 35% dos rendimentos líquidos do genitor. Decisão inicial (id. 145349314) deferindo a gratuidade de justiça, designando audiência de mediação e determinando a citação da parte contrária. Parecer ministerial em id. 145352726 opinando pelo deferimento do pedido liminar de alteração de guarda e convivência, mas pelo indeferimento do pedido liminar de majoração alimentar. Comparecimento espontâneo do requerido aos autos no dia 13/10/2022 (id. 145352732). Oferta de peça contestatória com pedido reconvencional de id. 145352741, oportunidade em que o requerido argumenta que jamais negligenciou, agrediu, violentou ou promoveu qualquer situação que colocasse a segurança de sua filha em risco e que a genitora tenta na realidade induzir este Juízo ao erro, motivada por vingança, posto que as partes mantinham boa relação após a separação até o genitor iniciar novo relacionamento amoroso, de modo que a genitora passou a criar obstáculos e dificultar o acesso a criança. Outrossim, a parte requerida alega que a menor Maite, de 2 anos de idade, é portadora de necessidades especiais, apresentando indícios de diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) e crises moderadas de epilepsia, além de possuir sensibilidade cutânea, o que facilitaria o surgimento de hematomas. Sustenta que tais marcas decorrem de quedas, brincadeiras ou acidentes domésticos comuns à idade, rechaçando qualquer acusação de agressão. Argumenta ainda que a genitora estaria agindo de má-fé ao sugerir conduta violenta por parte do requerido e acosta os prints às fls. 06 - 07 de id. 145352741. Acerca da questão dentária o genitor também acosta prints de conversas entre as partes às fls. 09/10 de mesmo id. No que tange à acusação de abuso sexual, o genitor rebate as alegações acostando os prints de conversas entre as partes que a irritação da menor se daria exclusivamente ao uso constante da fralda às fls. 12/13. Por fim, no tocante a suposta exposição em redes sociais, acosta prints de conversa à fl. 13 que a genitora chega a pedir o envio das fotos para a atual namorada do promovido, não demonstrando assim nenhum tipo de incômodo. Em sede reconvencional, alega que a genitora se mostrou incapaz psicologicamente de cuidar da menor e que tenta passar os traumas sofridos para sua filha, posto que a genitora teria sido abusada por um parente entre os 12 e 13 anos de idade. Dessa forma, argumenta que a genitora tenta promover a sexualização da relação do genitor e a sua filha desde que ela tinha meses de idade, acostando prints de que a genitora pede que apenas mulheres troquem a fralda da criança. Por todo o exposto, pugna pela concessão da guarda unilateral em favor do genitor, haja vista as falsas denúncias, bem como a dificuldade de convivência do pai com a criança. Novo petitório da genitora em id. 145352750 acostando novos comprovantes de gastos com a alimentanda, os quais foram impugnados pelo genitor em id. 145352754. Audiência de mediação de id. 145352755, realizada no dia 06/02/2023, restou inexitosa, uma vez que as partes não transigiram. Decisão interlocutória (id. 145352760) indeferindo os pedidos liminares e designando nova audiência de conciliação. Nova manifestação da genitora em id. 145352767 narrando sobre os machucados e pugnando pela suspensão das visitas do genitor, o qual rebateu as alegações em id. 145352769, destacando que somente após o decisum deste Juízo é que a genitora ingressou na seara criminal e "denunciou" o genitor de supostos crimes de violência, requerendo medida protetiva. Parecer ministerial (id. 145352773) opinando pelo indeferimento da suspensão da convivência paterno-filial, inclusive a assistida. Manifestação do genitor (id. 145353877) pugnando pela alteração da guarda em razão de negligência materna, relatando que não houve a juntada da decisão que supostamente teria deferido a medida protetiva, bem como o genitor estaria sem acesso à menor desde o dia 18/03/2023. Nesse período, a genitora, de forma unilateral e sem o conhecimento do genitor, parou totalmente com o acompanhamento terapêutico multidisciplinar da menor. Em id. 145353886, verifica-se decisão de deferimento de medida protetiva em favor da infante e contra o genitor, nos autos de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, na 12ª Vara de Criminal de Fortaleza/CE. Decisão interlocutória de id. 145353889 designando audiência de justificação prévia. Pedido autoral de id. 145353892 de reconsideração da decisão. Audiência realizada no dia 16/10/2023 (id. 145353897) restou parcialmente exitosa, uma vez que as partes firmaram acordo no que tange aos alimentos no percentual de 20% dos rendimentos do genitor, não transigindo com relação à guarda. Depoimento pessoal das partes (id. 145353900). Réplica à contestação em id. 145353905, rechaçando os argumentos da contestação c/c reconvenção. Manifestação do genitor em id. 145353921 que consta a superveniência de fatos novos, a qual foi rebatida pela genitora em id. 145355336. Audiência de instrução em id. 145355328. Manifestação do genitor em id. 145355340. Parecer ministerial em id. 145355356 opinando pelo deferimento da suspensão, momentânea, da convivência paterno-filial, o qual foi rebatido pelo genitor em id. 145355361. Estudo social em id. 145355362, de onde extrai-se: "objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida." Manifestação dos genitores sobre o laudo social em id's. 145355370 (parte autora) e 145355371 (parte ré). Manifestação do genitor (id. 145355372) acerca de suposta quebra do segredo de justiça por parte da genitora ao repassar informações sigilosas ao médico Dr. Anderson Magalhães Souza. Parecer ministerial em id. 145357675 se posicionando favorável ao restabelecimento do direito de convivência paterno-filial de forma gradativa e assistida. Manifestação da genitora (id. 145357676) pugnando pela manutenção da guarda unilateral e a determinação do afastamento total do pai. Manifestação do genitor (id. 145357678) informando a revogação da medida protetiva, informando que está há quase dois anos sem ver sua filha e pugnando pelo deferimento da tutela de urgência para que seja designada visita assistida. É o breve relatório processual. Fundamento e decido. II - DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES A) DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA Uma das questões processuais pendentes refere-se ao benefício da gratuidade da justiça pleiteado pelo demandado, o qual fora não fora especificamente impugnado pela requerente em sede de réplica e, até o presente momento, encontra-se pendente de apreciação. Dispõe o artigo 98 do Código de Processo Civil: "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Pelo teor do disposto no § 3º do art. 99 do CPC, "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural." Logo, o direito à gratuidade visa facilitar o acesso à justiça ao jurisdicionado desprovido de recursos para fazer frente à demanda, no entanto, cabe ao magistrado aferir o preenchimento dos pressupostos legais para sua concessão. Dessa forma, permanece o entendimento sedimentado de que a declaração de insuficiência de recursos consiste na prova juris tantum para concessão do benefício da assistência judiciária, dispensando-se o pagamento das custas e emolumentos judiciais. A presunção de veracidade conferida à alegação de hipossuficiência, nos termos do art. 99, §3º, do Código de Processo Civil, exige, para sua constituição, a apresentação da declaração formal de insuficiência de recursos. No presente caso, não se verifica nos autos qualquer elemento probatório idôneo e robusto que evidencie a capacidade econômica avantajada da parte requerida. Assim, defiro à parte requerida o benefício da justiça gratuita e mantenho o benefício da parte autora, visto que também não subsistem provas de sua capacidade econômica, consoante entendimento exarado em decisão de id. 145349314. B) DA FINALIZAÇÃO DA FASE INSTRUTÓRIA Extrai-se dos autos que já foram realizados o estudo social, o depoimento pessoal das partes e a oitiva de testemunhas. Entretanto, em razão da natureza delicada das alegações, especialmente diante da existência de indícios de violação à integridade psíquica, emocional e física da criança, revela-se imprescindível a produção de prova técnica complementar, por meio de estudo psicológico interdisciplinar. Em situações que envolvem suspeita de abuso sexual ou psicológico, negligência parental ou alienação parental, o estudo psicológico especializado é instrumento fundamental para o esclarecimento da realidade familiar e proteção integral da criança ou adolescente, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e dos arts. 3º, 5º, 6º, 70 e 100, parágrafo único, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90). Ainda que o estudo social proporcione importante panorama sobre as condições familiares, não possui o mesmo alcance técnico da avaliação psicológica, sobretudo quando se trata de investigar possíveis traumas, comportamentos dissociativos, coerência discursiva, ressignificações e indicadores indiretos de abuso ou manipulação emocional. Ressalte-se que a realização do estudo psicológico configura instrumento de proteção à criança e de orientação ao Juízo para a melhor tomada de decisão quanto à guarda e ao regime de convivência familiar, atendendo ao princípio do melhor interesse do menor (art. 1.583, §2º, do Código Civil). Outrossim, o estudo social (id. 145355362) recomendou a realização de estudo psicológico: "(...) Importante mencionar que alguns aspectos comportamentais trazidos nas falas das partes envolvidas nesta ação não foram contemplados neste estudo, por não serem da competência de análise do Serviço Social, sendo necessário, a nosso ver, estudo psicológico, a fim de preencher tais lacunas. (...)" Dessa forma, a produção do estudo psicológico é imprescindível para o deslinde do feito, sendo precipitado decidir sobre a guarda definitiva ou regulamentação da convivência parental sem a devida análise técnica especializada da saúde psíquica da menor e da dinâmica relacional entre os envolvidos. C) DA GUARDA E DA CONVIVÊNCIA PROVISÓRIA É cediço que ao estabelecer a detenção da guarda de criança ou adolescente, deve-se considerar sempre o princípio constitucional do melhor interesse da criança, que decorre da ordem de proteção da dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico. Importa proteger e preservar os infantes, em vista da situação de fragilidade em que se encontram, frente ao seu desenvolvimento social, emocional e psíquico. Nenhuma decisão pode deixar, pois, de garantir as condições para que o(a) menor possa crescer inserido no melhor contexto familiar, que lhe garanta o hígido desenvolvimento material, moral e intelectual, em condições de liberdade e de dignidade. In casu, verifica-se que os argumentos autorais foram rebatidos, inclusive com prints, na peça contestatória de id. 145352741, onde o requerido afirma jamais ter colocado em risco a integridade da filha, alegando que a genitora estaria tentando manipular a percepção deste Juízo em razão de desentendimentos surgidos após o início de um novo relacionamento do genitor. Ressalta que a menor, Maite, á época com dois anos, apresenta características compatíveis com TEA (transtorno do espectro autista), episódios convulsivos e sensibilidade cutânea, o que explicaria eventuais marcas como resultado de quedas ou situações comuns à infância. Rebate as acusações de conduta inadequada, apresentando registros de conversas com a genitora que demonstram que a irritação da criança estaria relacionada ao uso contínuo de fraldas. Também anexa mensagens que indicam não haver objeção da genitora quanto ao compartilhamento de imagens da criança, contrariando supostas alegações de exposição indevida. Em sede reconvencional, o requerido sustenta que a mãe da menor enfrenta dificuldades emocionais, projetando vivências pessoais no contexto da relação paterna, conforme demonstrado em mensagens nas quais ela impõe restrições quanto ao cuidado da criança por pessoas do sexo masculino. Nesse sentido, analisa-se atentamente os prints acostados, onde há afirmações da genitora (grifos nossos): Fl. 06, id. 145352741: "Acassia, boa noite, o Mayke pediu ao Rodrigo que me falasse para avisar a Dra. sobre a Maitê estar mordendo e batendo na gente, mas a neuropediatra dela sempre soube disso, não é de hoje que a Maitê é assim, e ela já tinha falado que com o tempo ela ia piorar mais e ficar mais agressiva, mas que é normal devido a probabilidade do autismo e por ela ter epilepsia (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E o caso da Maitê, de qualquer forma, não é psiquiatra que resolve, como a Dra. Deu essa probabilidade de autismo, é normal ela ser assim, tem criança que é pior, a Maitê só tem algumas coisas que ela se irrita e se bate ou se morde, se machuca e machuca a gente, mas em relação a isso o que eu posso fazer, eu faço (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) Mas essa agressividade a Maitê sempre teve, não é porque ela quer, ela não consegue controlar, porque é do autismo mesmo, e vários outros sintomas que ela apresenta no dia a dia, inclusive esse problema de andar tropeçando e de ponta de pé (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E ver o que pode fazer para melhorar esses roxos dela, não sei se você já reparou, mas de vez em quando aparece uns roxos no corpo dela e isso faz um tempo. Já mostrei para a pediatra também, ela disse ser normal, mas sempre procuro outras opiniões de outros médicos (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Mas eu já levei a Maitê na pediatra. Ela olhou as partes da Maitê e falou que é normal as vezes a criança ficar assada, inclusive nesse dia a Maitê estava com o bumbum assado e a Dra. olhou ela toda e disse que é normal e o que mais causa isso é ela ficar de fralda o dia todo. Por isso só estou deixando ela a noite ou quando ela vai brincar de fralda. E quando boto a fralda ela já não gosta, por isso só coloco para dormir ou para levar ela para brincar, ela sempre pede para vestir calcinha (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) E avisei ao Mayke sobre esse dia, a Maitê estava com o bumbum bem assado, e a Dra. analisou e falou isso, que por conta da fralda, principalmente que fica em atrito com a pele dela que é muito sensível, ela fica assada e indicou essas duas pomadas que já uso nela quando ela está assim (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Só o fato da Maitê gostar de se machucar e bater nos outros sem motivo, já é um indício do autismo, fora várias outras coisas que ela apresenta (...)." Contudo, em sede de réplica (id. 145353905), a genitora se limitou a rebater a argumentação sobre o incidente com o machucado na boca e o dente que ocorreu e informar que jamais proibiu o genitor de trocar a fralda da filha, apenas preferiu que fosse feito por uma mulher, tendo em vista a preocupação de que acontecesse com a menor o que lhe aconteceu (abuso sexual). Ou seja, em momento algum a genitora nega a autoria e a veracidade das afirmações feitas nas provas retromencionadas, apenas justifica seu comportamento e falas como preocupação e zelo pelo bem-estar da menor, haja vista os incidentes domésticos e o comportamento apresentado pela criança. Apesar das graves narrativas levantadas de abuso sexual e negligência, este Juízo entendeu, em decisão de id. 145352760, em 10/02/2023, por indeferir os pedidos liminares de ambas as partes acerca da guarda unilateral e da suspensão da convivência. No dia 14/03/2023, quatro dias após esta decisão, a genitora realizou boletim de ocorrência de nº 102 - 1023/2023, o qual gerou o deferimento de medidas protetivas no processo de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, tramitando na 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza/CE. Em consulta ao processo supracitado, extrai-se partes do parecer ministerial às fls. 365 - 369 daqueles autos, ipsis litteris (grifou-se): "(...) Todavia, analisando detidamente o teor processual, vê-se que os elementos indicativos de um suposto abuso sexual contra a criança ainda permanecem incipientes e frágeis, a despeito do transcurso de quase 02 (dois) anos da vigência da medida, sem que o Inquérito Policial nº 0260263-32.2024.8.06.0001, instaurado a partir do B.O. nº 104-1032/2023, registrado pela genitora da suposta vítima, tenha arrecadado outros indicativos de provas para além das meras suspeitas da noticiante, a qual, em permeio à disputa de guarda da filha com o requerido, procurou a autoridade policial, em 14/03/2023, para relatar que a menor, ao retornar da casa do pai, apresentava machucados no corpo e ficava tocando a vagina com os dedos, sendo a criança portadora de diagnóstico de autismo e epilepsia, dificultando sua manifestação. Com efeito, do relato da genitora da suposta vítima, não se infere claramente a prática de violência sexual à criança, senão pelo esforço interpretativo da noticiante, que associou o comportamento da infante com necessidades especiais a um possível comportamento libidinoso do pai. Também impende observar a existência de conflitos interpessoais entre o requerente e a genitora do menor, bem como relacionados à guarda da filha do casal, o que demanda maior prudência no exame da permanência da medida, a qual não pode se perpetuar sine die, sob pena de causar danos irreversíveis aos laços afetivos entre pais e filhos. (...) No caso dos autos, o tempo de vigência da medida protetiva desborda o razoável, o que aliado à fragilidade dos elementos fornecidos pela genitora da criança, que apenas demonstrou temor à segurança da filha, mas sem indicar uma situação concreta de abuso, reforça a compreensão sobre a desnecessidade da permanência da medida de urgência, não se vislumbrando, atualmente, riscos à integridade física e psicológica da suposta vítima. Ademais, o afastamento da criança do convívio com o genitor, sem que exista motivo grave e concreto que o justifique, pode favorecer situação de periculum in mora in reverso, gerando danos ao desenvolvimento afetivo e emocional da menor. Não por outra razão, aquele Juízo decidiu pela revogação das medidas protetivas, às fls. 377 - 381, in verbis (grifou-se): "(...) Explico. Primeiramente, no caso em tela, as alegações do suposto abuso sexual não estão acompanhadas de provas robustas que evidenciem a ocorrência de situações de risco iminente ou perigo no convívio com o genitor. Ato contínuo, a partir das alegações das partes, constato que há um contencioso entre os genitores, o que gera um ambiente de litigiosidade exacerbada, com desentendimentos constantes sobre a guarda e convivência familiar, e que o juízo de família possui a competência e dados necessários para uma decisão. Esta litigiosidade, embora prejudicial ao ambiente familiar, por si só não constitui fundamento suficiente para a imposição e manutenção de uma medida protetiva no âmbito deste Juízo, já que não existem elementos indicativos da prática de abuso sexual pelo genitor, devendo ser analisado, caso vislumbrem as partes, a suposta prática de maus-tratos, na vara criminal competente. Ressalto ainda, que apesar do claro litígio na relação e comunicação entre os genitores, a 2ª Vara de Família, nos autos do processo de guarda, até a presente data, manteve a guarda compartilhada entre os pais, cuja avença foi celebrada na ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de visitas e oferta de alimentos com pedido liminar, nº 0224255-61.2021.8.06.0001, que tramitou perante a 9ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE. Dessa forma, considerando a ausência de indícios claros e objetivos de perigo à integridade física ou psicológica da infante por parte do pai, e com base na alegação de litígios entre os genitores, que devem ser resolvidos no âmbito próprio da justiça familiar, entendo por bem REVOGAR as medidas protetivas outrora impostas, uma vez que não subsistem indícios da prática de abuso sexual perpetrado pelo genitor. De outro lado, para fins de modular a visitação, enquanto perdurar o trâmite do Inquérito Policial, entendo, prudente, a revogação da medida protetiva de distanciamento, todavia, no momento em que a criança estiver com o genitor, de acordo com a guarda definida no âmbito da Vara de Família, que a criança permaneça, também com a supervisão de um terceiro, indicado pelo genitor. (...)" Outrossim, analisa-se ainda trecho do estudo social (id. 145355362), com grifos nossos: "(...) Da visita domiciliar ao requerido, observamos que a residência possui estrutura adequada para acolher a criança. Mayke mora apenas com a esposa, Acássia e o domicílio do casal fica próximo à residência da avó paterna da criança. A requerente ingressou com esta ação de guarda unilateral, visitas assistidas e revisão de alimentos alegando que a criança voltava da casa paterna com marcas de queda e comportamento alterado, sugerindo um suposto abuso sexual. Houve a denúncia e a instauração de medidas protetivas. Os relatos trazidos pela requerente resgatam fatos passados sugestivos de maus tratos e abuso sexual, por parte do genitor, porém, não foi possível avaliar, nem averiguar a veracidade de referidos fatos, por conta do lapso temporal e da tenra idade da criança na época. O pai nega todas as denúncias, destaca que sempre foi atento às necessidades da filha e que Maitê ficava bem quando ia para sua residência. Observamos que a criança vinha construindo um vínculo afetivo com familiares paternos através das visitas regulamentadas ao genitor, que foram interrompidas com o ingresso desta ação. No momento, referidos vínculos encontram-se fragilizados pelo fato de Maitê não conviver com nenhum familiar paterno. O Serviço Social compreende que a convivência familiar com ambos os troncos é fundamental para o pleno desenvolvimento das crianças e deve ser preservada, levando-se em conta os interesses e necessidades delas, que devem se sobressair acima de quaisquer outros. Ademais, consideramos ainda que um bom guardião, além de prover os cuidados e a assistência diária necessária aos filhos, deve favorecer o diálogo e a convivência com o outro genitor e a participação deste em todos os aspectos da vida da prole. Nesse sentido, objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida. (...)" Apesar de ser inegavelmente lamentável o fato de que a genitora tenha sido vítima de violência sexual durante sua pré-adolescência, conforme mencionado nos autos, é preciso destacar, com a devida cautela, que não há, até o momento, nos autos, provas robustas que apontem para a repetição de tal violência no vínculo entre o pai e sua filha. A própria decisão proferida no âmbito criminal, que revogou as medidas protetivas anteriormente impostas, é clara ao reconhecer que, após quase dois anos de vigência da medida, não houve produção de elementos concretos que sustentassem a acusação de abuso, havendo apenas a narrativa subjetiva da genitora, sem outros indícios minimamente corroborativos. Importante observar que a genitora, em diversos trechos das conversas acostadas aos autos, admite que a criança apresenta irritabilidade, agressividade e hipersensibilidade cutânea, características que, segundo orientação médica por ela mesma narrada, são comuns em quadros compatíveis com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesses diálogos, a genitora pontua, inclusive, que a agressividade da filha é esperada e tende a aumentar com o tempo, mencionando episódios em que a criança se machuca, agride terceiros e apresenta assaduras em razão do uso constante de fraldas, todas manifestações que foram tratadas como típicas por profissionais da saúde. O TEA se manifesta de formas plurais, variando de criança para criança. A hipersensibilidade sensorial, alterações comportamentais, dificuldades na comunicação e reações intensas a estímulos cotidianos são algumas das características possíveis, não obrigatórias, e que podem ser agravadas por mudanças na rotina, transições entre ambientes e contatos afetivos mal estruturados. A genitora, apesar de ter demonstrado cuidado com a saúde e bem-estar da filha, pode estar interpretando com temor reações que, embora difíceis, não necessariamente apontam para condutas reprováveis por parte do genitor. Todavia, o que se observa é que tais comportamentos foram individualizados na peça inicial como decorrentes exclusivamente da convivência com o pai, quando os próprios registros comprobatórios indicam que tais episódios já ocorriam, independentemente do ambiente. Além disso, os autos revelam que, em diversos momentos, os pais mantiveram diálogo colaborativo sobre as demandas da filha, conforme comprovam os prints acostados, o que demonstra que ambos os genitores têm, em tese, capacidade para exercer a parentalidade de forma conjunta, a despeito dos conflitos atuais. Diante disso, não se vislumbra, neste momento processual, conduta desabonadora suficiente por parte do genitor que justifique seu afastamento definitivo da convivência com a filha, devendo ser respeitado, com prudência e zelo, o direito da criança à convivência com ambos os pais. Assim, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança, e à luz dos elementos constantes nos autos até o presente momento, entendo que a guarda deva ser, inicialmente, unilateral para a genitora, e a convivência paterno-filial deve ser restabelecida de forma gradual, supervisionada e sem pernoite, enquanto se aguarda a realização do estudo psicológico interdisciplinar já determinado por este Juízo. Para tanto, fixo o seguinte modelo provisório: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Desse modo, é uníssono o entendimento de que a guarda será compartilhada entre os genitores, devendo se comprovar sua capacidade no exercício do poder familiar, salvo condutas desabonadoras de sua responsabilidade que interfiram no exercício daquele poder, devendo se observar também a idade e a rotina do(a) menor, a existência de laços afetivos estabelecidos e/ou de estratégias para manter/desenvolver o afeto parental, razão pela qual entendo pertinente a realização de prova pericial (estudo psicológico) para demonstração das alegações sobre a guarda e a convivência, que comprovem eventuais condutas desabonadoras capazes de ensejar na concessão definitiva da exceção da guarda unilateral. Por fim, destaca-se que nenhum dos genitores poderá impedir o convívio com o(s) filho(s), devendo ser respeitada a vontade da(s) criança(s), mas estimulando o contato parental para evitar a quebra de vínculo afetivo, bem como é terminantemente proibido que os genitores pratiquem atos alienatórios. Ressalto que o presente modelo poderá ser revisto a qualquer tempo, com base no resultado do estudo psicológico, na evolução da convivência ou diante de superveniência de novos fatos. III - DO RESUMO DOS EXPEDIENTES Por todo o exposto, foi determinado o seguinte: a) O deferimento do benefício da gratuidade de justiça à parte requerida e manutenção do mesmo benefício à parte autora; b) A imediata remessa destes autos ao Núcleo de Psicologia e Serviço Social - NPSS, a fim de que seja realizado estudo psicológico, em regime de máxima urgência, cabendo ao estudo apurar, dentre outros fatos relevantes, o seguinte: i) de que forma a alteração da guarda em favor de apenas um genitor ou no compartilhamento desta repercutirá na subjetividade e na vida prática da menor e, se possível, colher elementos que possam determinar se essa alteração será realmente benéfica à infante; ii) como vem se desenvolvendo a criança e se há evidências de violência praticada por um ou ambos genitores, apurando o grau de comprometimento da infante e o seu relacionamento com os genitores e os avós, recomendando ou não a restrição da convivência, inclusive, averiguando se existem indícios de maus-tratos, negligência, abandono, alienação parental ou qualquer outro tipo de violência praticada contra a petiz; iii) os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais da menor, dos pais e dos avós; c) A concessão momentânea da guarda unilateral da menor Maitê Alves Avelino à genitora M. A. D. O., de forma provisória, sendo a casa desta o lar de referência da criança, máxime para regularizar situação de fato e resguardar os interesses absolutamente prevalentes da infante, destacando que a medida não tem caráter definitivo e pode ser revista a qualquer tempo; d) A determinação da convivência paterno-filial, de forma assistida e gradual, da seguinte forma: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Ciência ao Ministério Público (via portal) e às partes (via DJe). Expedientes necessários. Fortaleza/CE, data de inserção no sistema. Victor Nunes Barroso. Juiz de Direito (Assinatura Digital)

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Processo nº 0258550-90.2022.8.06.0001

ID: 330819440

Tribunal: TJCE Órgão: 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Classe: Guarda de Família Nº Processo: 0258550-90.2022.8.06.0001

Data de Disponibilização: 22/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

A. P. D. F. L.

Intimação

Advogados:

DANYELLE DE FREITAS SOUZA

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ANA PATRICIA DE FREITAS LIMA

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUAR… 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUARDA DE FAMÍLIA (14671) ASSUNTO: [Guarda] REQUERENTE: M. A. D. O. REQUERIDO: M. G. B. A. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA I - DA SÍNTESE PROCESSUAL Trata-se de ação de modificação de guarda c/c pedido de convivência assistida em caráter liminar c/c revisão de alimentos, ajuizada pela menor impúbere Maitê Alves Avelino, devidamente representada por sua genitora M. A. D. O., em face de seu genitor Mayke Gehisson Batista Avelino, pelos fatos e fundamentos expostos na exordial de id. 145357697, de lavra de advogado constituído. Aduz, em síntese, que no processo de nº 0224255-61.2021.8.06.0001 (ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de convivência e oferta de alimentos) ficou acordada a guarda compartilhada da menor. Acrescenta ainda que a menor possui um quadro de epilepsia, de modo que necessita fazer uso contínuo de medicação para o controle de crise. Contudo, relata que a partir de meados de julho de 2021 a filha demonstrou comportamentos estranhos, como voltar irritada e agressiva da casa do genitor, além de retornar com marcas vermelhas no corpo. Informa ainda que em outubro de 2021 a criança retornou da casa do genitor com os lábios cortados e um pedaço do dente quebrado e o pai, além de não prestar qualquer informação para a genitora, sequer levou a criança para um atendimento odontológico. Complementa que foi necessário registrar um boletim de ocorrência em maio de 2022, após a menor ter retornado da casa do pai irritada, vindo a passar a noite inteira sem dormir, por estar chorando, ter se recusado a tomar banho, passando constantemente a mão na genitália e fechando as pernas, mas que não foi percebida irritação no local. Outrossim, narra que a menor é constantemente exposta nas redes sociais da namorada do genitor, apesar da genitora não concordar, solicitando diversas vezes ao pai para não a expor. Por todo o exposto, requer a alteração da guarda compartilhada para a unilateral, passando o regime de convivência ser assistido. Ademais, pugna pela majoração dos alimentos, sob o argumento de que o genitor é servidor público, auferindo renda bruta de R$ 5.728,18 e que os gastos com as necessidades da criança aumentaram, haja vista as inflações no preço da alimentação e necessidades diárias, de modo que os gastos com a menor foram elencados à fl. 06, do id. 145357697, requerendo, assim, a majoração para 35% dos rendimentos líquidos do genitor. Decisão inicial (id. 145349314) deferindo a gratuidade de justiça, designando audiência de mediação e determinando a citação da parte contrária. Parecer ministerial em id. 145352726 opinando pelo deferimento do pedido liminar de alteração de guarda e convivência, mas pelo indeferimento do pedido liminar de majoração alimentar. Comparecimento espontâneo do requerido aos autos no dia 13/10/2022 (id. 145352732). Oferta de peça contestatória com pedido reconvencional de id. 145352741, oportunidade em que o requerido argumenta que jamais negligenciou, agrediu, violentou ou promoveu qualquer situação que colocasse a segurança de sua filha em risco e que a genitora tenta na realidade induzir este Juízo ao erro, motivada por vingança, posto que as partes mantinham boa relação após a separação até o genitor iniciar novo relacionamento amoroso, de modo que a genitora passou a criar obstáculos e dificultar o acesso a criança. Outrossim, a parte requerida alega que a menor Maite, de 2 anos de idade, é portadora de necessidades especiais, apresentando indícios de diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) e crises moderadas de epilepsia, além de possuir sensibilidade cutânea, o que facilitaria o surgimento de hematomas. Sustenta que tais marcas decorrem de quedas, brincadeiras ou acidentes domésticos comuns à idade, rechaçando qualquer acusação de agressão. Argumenta ainda que a genitora estaria agindo de má-fé ao sugerir conduta violenta por parte do requerido e acosta os prints às fls. 06 - 07 de id. 145352741. Acerca da questão dentária o genitor também acosta prints de conversas entre as partes às fls. 09/10 de mesmo id. No que tange à acusação de abuso sexual, o genitor rebate as alegações acostando os prints de conversas entre as partes que a irritação da menor se daria exclusivamente ao uso constante da fralda às fls. 12/13. Por fim, no tocante a suposta exposição em redes sociais, acosta prints de conversa à fl. 13 que a genitora chega a pedir o envio das fotos para a atual namorada do promovido, não demonstrando assim nenhum tipo de incômodo. Em sede reconvencional, alega que a genitora se mostrou incapaz psicologicamente de cuidar da menor e que tenta passar os traumas sofridos para sua filha, posto que a genitora teria sido abusada por um parente entre os 12 e 13 anos de idade. Dessa forma, argumenta que a genitora tenta promover a sexualização da relação do genitor e a sua filha desde que ela tinha meses de idade, acostando prints de que a genitora pede que apenas mulheres troquem a fralda da criança. Por todo o exposto, pugna pela concessão da guarda unilateral em favor do genitor, haja vista as falsas denúncias, bem como a dificuldade de convivência do pai com a criança. Novo petitório da genitora em id. 145352750 acostando novos comprovantes de gastos com a alimentanda, os quais foram impugnados pelo genitor em id. 145352754. Audiência de mediação de id. 145352755, realizada no dia 06/02/2023, restou inexitosa, uma vez que as partes não transigiram. Decisão interlocutória (id. 145352760) indeferindo os pedidos liminares e designando nova audiência de conciliação. Nova manifestação da genitora em id. 145352767 narrando sobre os machucados e pugnando pela suspensão das visitas do genitor, o qual rebateu as alegações em id. 145352769, destacando que somente após o decisum deste Juízo é que a genitora ingressou na seara criminal e "denunciou" o genitor de supostos crimes de violência, requerendo medida protetiva. Parecer ministerial (id. 145352773) opinando pelo indeferimento da suspensão da convivência paterno-filial, inclusive a assistida. Manifestação do genitor (id. 145353877) pugnando pela alteração da guarda em razão de negligência materna, relatando que não houve a juntada da decisão que supostamente teria deferido a medida protetiva, bem como o genitor estaria sem acesso à menor desde o dia 18/03/2023. Nesse período, a genitora, de forma unilateral e sem o conhecimento do genitor, parou totalmente com o acompanhamento terapêutico multidisciplinar da menor. Em id. 145353886, verifica-se decisão de deferimento de medida protetiva em favor da infante e contra o genitor, nos autos de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, na 12ª Vara de Criminal de Fortaleza/CE. Decisão interlocutória de id. 145353889 designando audiência de justificação prévia. Pedido autoral de id. 145353892 de reconsideração da decisão. Audiência realizada no dia 16/10/2023 (id. 145353897) restou parcialmente exitosa, uma vez que as partes firmaram acordo no que tange aos alimentos no percentual de 20% dos rendimentos do genitor, não transigindo com relação à guarda. Depoimento pessoal das partes (id. 145353900). Réplica à contestação em id. 145353905, rechaçando os argumentos da contestação c/c reconvenção. Manifestação do genitor em id. 145353921 que consta a superveniência de fatos novos, a qual foi rebatida pela genitora em id. 145355336. Audiência de instrução em id. 145355328. Manifestação do genitor em id. 145355340. Parecer ministerial em id. 145355356 opinando pelo deferimento da suspensão, momentânea, da convivência paterno-filial, o qual foi rebatido pelo genitor em id. 145355361. Estudo social em id. 145355362, de onde extrai-se: "objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida." Manifestação dos genitores sobre o laudo social em id's. 145355370 (parte autora) e 145355371 (parte ré). Manifestação do genitor (id. 145355372) acerca de suposta quebra do segredo de justiça por parte da genitora ao repassar informações sigilosas ao médico Dr. Anderson Magalhães Souza. Parecer ministerial em id. 145357675 se posicionando favorável ao restabelecimento do direito de convivência paterno-filial de forma gradativa e assistida. Manifestação da genitora (id. 145357676) pugnando pela manutenção da guarda unilateral e a determinação do afastamento total do pai. Manifestação do genitor (id. 145357678) informando a revogação da medida protetiva, informando que está há quase dois anos sem ver sua filha e pugnando pelo deferimento da tutela de urgência para que seja designada visita assistida. É o breve relatório processual. Fundamento e decido. II - DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES A) DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA Uma das questões processuais pendentes refere-se ao benefício da gratuidade da justiça pleiteado pelo demandado, o qual fora não fora especificamente impugnado pela requerente em sede de réplica e, até o presente momento, encontra-se pendente de apreciação. Dispõe o artigo 98 do Código de Processo Civil: "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Pelo teor do disposto no § 3º do art. 99 do CPC, "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural." Logo, o direito à gratuidade visa facilitar o acesso à justiça ao jurisdicionado desprovido de recursos para fazer frente à demanda, no entanto, cabe ao magistrado aferir o preenchimento dos pressupostos legais para sua concessão. Dessa forma, permanece o entendimento sedimentado de que a declaração de insuficiência de recursos consiste na prova juris tantum para concessão do benefício da assistência judiciária, dispensando-se o pagamento das custas e emolumentos judiciais. A presunção de veracidade conferida à alegação de hipossuficiência, nos termos do art. 99, §3º, do Código de Processo Civil, exige, para sua constituição, a apresentação da declaração formal de insuficiência de recursos. No presente caso, não se verifica nos autos qualquer elemento probatório idôneo e robusto que evidencie a capacidade econômica avantajada da parte requerida. Assim, defiro à parte requerida o benefício da justiça gratuita e mantenho o benefício da parte autora, visto que também não subsistem provas de sua capacidade econômica, consoante entendimento exarado em decisão de id. 145349314. B) DA FINALIZAÇÃO DA FASE INSTRUTÓRIA Extrai-se dos autos que já foram realizados o estudo social, o depoimento pessoal das partes e a oitiva de testemunhas. Entretanto, em razão da natureza delicada das alegações, especialmente diante da existência de indícios de violação à integridade psíquica, emocional e física da criança, revela-se imprescindível a produção de prova técnica complementar, por meio de estudo psicológico interdisciplinar. Em situações que envolvem suspeita de abuso sexual ou psicológico, negligência parental ou alienação parental, o estudo psicológico especializado é instrumento fundamental para o esclarecimento da realidade familiar e proteção integral da criança ou adolescente, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e dos arts. 3º, 5º, 6º, 70 e 100, parágrafo único, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90). Ainda que o estudo social proporcione importante panorama sobre as condições familiares, não possui o mesmo alcance técnico da avaliação psicológica, sobretudo quando se trata de investigar possíveis traumas, comportamentos dissociativos, coerência discursiva, ressignificações e indicadores indiretos de abuso ou manipulação emocional. Ressalte-se que a realização do estudo psicológico configura instrumento de proteção à criança e de orientação ao Juízo para a melhor tomada de decisão quanto à guarda e ao regime de convivência familiar, atendendo ao princípio do melhor interesse do menor (art. 1.583, §2º, do Código Civil). Outrossim, o estudo social (id. 145355362) recomendou a realização de estudo psicológico: "(...) Importante mencionar que alguns aspectos comportamentais trazidos nas falas das partes envolvidas nesta ação não foram contemplados neste estudo, por não serem da competência de análise do Serviço Social, sendo necessário, a nosso ver, estudo psicológico, a fim de preencher tais lacunas. (...)" Dessa forma, a produção do estudo psicológico é imprescindível para o deslinde do feito, sendo precipitado decidir sobre a guarda definitiva ou regulamentação da convivência parental sem a devida análise técnica especializada da saúde psíquica da menor e da dinâmica relacional entre os envolvidos. C) DA GUARDA E DA CONVIVÊNCIA PROVISÓRIA É cediço que ao estabelecer a detenção da guarda de criança ou adolescente, deve-se considerar sempre o princípio constitucional do melhor interesse da criança, que decorre da ordem de proteção da dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico. Importa proteger e preservar os infantes, em vista da situação de fragilidade em que se encontram, frente ao seu desenvolvimento social, emocional e psíquico. Nenhuma decisão pode deixar, pois, de garantir as condições para que o(a) menor possa crescer inserido no melhor contexto familiar, que lhe garanta o hígido desenvolvimento material, moral e intelectual, em condições de liberdade e de dignidade. In casu, verifica-se que os argumentos autorais foram rebatidos, inclusive com prints, na peça contestatória de id. 145352741, onde o requerido afirma jamais ter colocado em risco a integridade da filha, alegando que a genitora estaria tentando manipular a percepção deste Juízo em razão de desentendimentos surgidos após o início de um novo relacionamento do genitor. Ressalta que a menor, Maite, á época com dois anos, apresenta características compatíveis com TEA (transtorno do espectro autista), episódios convulsivos e sensibilidade cutânea, o que explicaria eventuais marcas como resultado de quedas ou situações comuns à infância. Rebate as acusações de conduta inadequada, apresentando registros de conversas com a genitora que demonstram que a irritação da criança estaria relacionada ao uso contínuo de fraldas. Também anexa mensagens que indicam não haver objeção da genitora quanto ao compartilhamento de imagens da criança, contrariando supostas alegações de exposição indevida. Em sede reconvencional, o requerido sustenta que a mãe da menor enfrenta dificuldades emocionais, projetando vivências pessoais no contexto da relação paterna, conforme demonstrado em mensagens nas quais ela impõe restrições quanto ao cuidado da criança por pessoas do sexo masculino. Nesse sentido, analisa-se atentamente os prints acostados, onde há afirmações da genitora (grifos nossos): Fl. 06, id. 145352741: "Acassia, boa noite, o Mayke pediu ao Rodrigo que me falasse para avisar a Dra. sobre a Maitê estar mordendo e batendo na gente, mas a neuropediatra dela sempre soube disso, não é de hoje que a Maitê é assim, e ela já tinha falado que com o tempo ela ia piorar mais e ficar mais agressiva, mas que é normal devido a probabilidade do autismo e por ela ter epilepsia (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E o caso da Maitê, de qualquer forma, não é psiquiatra que resolve, como a Dra. Deu essa probabilidade de autismo, é normal ela ser assim, tem criança que é pior, a Maitê só tem algumas coisas que ela se irrita e se bate ou se morde, se machuca e machuca a gente, mas em relação a isso o que eu posso fazer, eu faço (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) Mas essa agressividade a Maitê sempre teve, não é porque ela quer, ela não consegue controlar, porque é do autismo mesmo, e vários outros sintomas que ela apresenta no dia a dia, inclusive esse problema de andar tropeçando e de ponta de pé (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E ver o que pode fazer para melhorar esses roxos dela, não sei se você já reparou, mas de vez em quando aparece uns roxos no corpo dela e isso faz um tempo. Já mostrei para a pediatra também, ela disse ser normal, mas sempre procuro outras opiniões de outros médicos (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Mas eu já levei a Maitê na pediatra. Ela olhou as partes da Maitê e falou que é normal as vezes a criança ficar assada, inclusive nesse dia a Maitê estava com o bumbum assado e a Dra. olhou ela toda e disse que é normal e o que mais causa isso é ela ficar de fralda o dia todo. Por isso só estou deixando ela a noite ou quando ela vai brincar de fralda. E quando boto a fralda ela já não gosta, por isso só coloco para dormir ou para levar ela para brincar, ela sempre pede para vestir calcinha (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) E avisei ao Mayke sobre esse dia, a Maitê estava com o bumbum bem assado, e a Dra. analisou e falou isso, que por conta da fralda, principalmente que fica em atrito com a pele dela que é muito sensível, ela fica assada e indicou essas duas pomadas que já uso nela quando ela está assim (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Só o fato da Maitê gostar de se machucar e bater nos outros sem motivo, já é um indício do autismo, fora várias outras coisas que ela apresenta (...)." Contudo, em sede de réplica (id. 145353905), a genitora se limitou a rebater a argumentação sobre o incidente com o machucado na boca e o dente que ocorreu e informar que jamais proibiu o genitor de trocar a fralda da filha, apenas preferiu que fosse feito por uma mulher, tendo em vista a preocupação de que acontecesse com a menor o que lhe aconteceu (abuso sexual). Ou seja, em momento algum a genitora nega a autoria e a veracidade das afirmações feitas nas provas retromencionadas, apenas justifica seu comportamento e falas como preocupação e zelo pelo bem-estar da menor, haja vista os incidentes domésticos e o comportamento apresentado pela criança. Apesar das graves narrativas levantadas de abuso sexual e negligência, este Juízo entendeu, em decisão de id. 145352760, em 10/02/2023, por indeferir os pedidos liminares de ambas as partes acerca da guarda unilateral e da suspensão da convivência. No dia 14/03/2023, quatro dias após esta decisão, a genitora realizou boletim de ocorrência de nº 102 - 1023/2023, o qual gerou o deferimento de medidas protetivas no processo de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, tramitando na 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza/CE. Em consulta ao processo supracitado, extrai-se partes do parecer ministerial às fls. 365 - 369 daqueles autos, ipsis litteris (grifou-se): "(...) Todavia, analisando detidamente o teor processual, vê-se que os elementos indicativos de um suposto abuso sexual contra a criança ainda permanecem incipientes e frágeis, a despeito do transcurso de quase 02 (dois) anos da vigência da medida, sem que o Inquérito Policial nº 0260263-32.2024.8.06.0001, instaurado a partir do B.O. nº 104-1032/2023, registrado pela genitora da suposta vítima, tenha arrecadado outros indicativos de provas para além das meras suspeitas da noticiante, a qual, em permeio à disputa de guarda da filha com o requerido, procurou a autoridade policial, em 14/03/2023, para relatar que a menor, ao retornar da casa do pai, apresentava machucados no corpo e ficava tocando a vagina com os dedos, sendo a criança portadora de diagnóstico de autismo e epilepsia, dificultando sua manifestação. Com efeito, do relato da genitora da suposta vítima, não se infere claramente a prática de violência sexual à criança, senão pelo esforço interpretativo da noticiante, que associou o comportamento da infante com necessidades especiais a um possível comportamento libidinoso do pai. Também impende observar a existência de conflitos interpessoais entre o requerente e a genitora do menor, bem como relacionados à guarda da filha do casal, o que demanda maior prudência no exame da permanência da medida, a qual não pode se perpetuar sine die, sob pena de causar danos irreversíveis aos laços afetivos entre pais e filhos. (...) No caso dos autos, o tempo de vigência da medida protetiva desborda o razoável, o que aliado à fragilidade dos elementos fornecidos pela genitora da criança, que apenas demonstrou temor à segurança da filha, mas sem indicar uma situação concreta de abuso, reforça a compreensão sobre a desnecessidade da permanência da medida de urgência, não se vislumbrando, atualmente, riscos à integridade física e psicológica da suposta vítima. Ademais, o afastamento da criança do convívio com o genitor, sem que exista motivo grave e concreto que o justifique, pode favorecer situação de periculum in mora in reverso, gerando danos ao desenvolvimento afetivo e emocional da menor. Não por outra razão, aquele Juízo decidiu pela revogação das medidas protetivas, às fls. 377 - 381, in verbis (grifou-se): "(...) Explico. Primeiramente, no caso em tela, as alegações do suposto abuso sexual não estão acompanhadas de provas robustas que evidenciem a ocorrência de situações de risco iminente ou perigo no convívio com o genitor. Ato contínuo, a partir das alegações das partes, constato que há um contencioso entre os genitores, o que gera um ambiente de litigiosidade exacerbada, com desentendimentos constantes sobre a guarda e convivência familiar, e que o juízo de família possui a competência e dados necessários para uma decisão. Esta litigiosidade, embora prejudicial ao ambiente familiar, por si só não constitui fundamento suficiente para a imposição e manutenção de uma medida protetiva no âmbito deste Juízo, já que não existem elementos indicativos da prática de abuso sexual pelo genitor, devendo ser analisado, caso vislumbrem as partes, a suposta prática de maus-tratos, na vara criminal competente. Ressalto ainda, que apesar do claro litígio na relação e comunicação entre os genitores, a 2ª Vara de Família, nos autos do processo de guarda, até a presente data, manteve a guarda compartilhada entre os pais, cuja avença foi celebrada na ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de visitas e oferta de alimentos com pedido liminar, nº 0224255-61.2021.8.06.0001, que tramitou perante a 9ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE. Dessa forma, considerando a ausência de indícios claros e objetivos de perigo à integridade física ou psicológica da infante por parte do pai, e com base na alegação de litígios entre os genitores, que devem ser resolvidos no âmbito próprio da justiça familiar, entendo por bem REVOGAR as medidas protetivas outrora impostas, uma vez que não subsistem indícios da prática de abuso sexual perpetrado pelo genitor. De outro lado, para fins de modular a visitação, enquanto perdurar o trâmite do Inquérito Policial, entendo, prudente, a revogação da medida protetiva de distanciamento, todavia, no momento em que a criança estiver com o genitor, de acordo com a guarda definida no âmbito da Vara de Família, que a criança permaneça, também com a supervisão de um terceiro, indicado pelo genitor. (...)" Outrossim, analisa-se ainda trecho do estudo social (id. 145355362), com grifos nossos: "(...) Da visita domiciliar ao requerido, observamos que a residência possui estrutura adequada para acolher a criança. Mayke mora apenas com a esposa, Acássia e o domicílio do casal fica próximo à residência da avó paterna da criança. A requerente ingressou com esta ação de guarda unilateral, visitas assistidas e revisão de alimentos alegando que a criança voltava da casa paterna com marcas de queda e comportamento alterado, sugerindo um suposto abuso sexual. Houve a denúncia e a instauração de medidas protetivas. Os relatos trazidos pela requerente resgatam fatos passados sugestivos de maus tratos e abuso sexual, por parte do genitor, porém, não foi possível avaliar, nem averiguar a veracidade de referidos fatos, por conta do lapso temporal e da tenra idade da criança na época. O pai nega todas as denúncias, destaca que sempre foi atento às necessidades da filha e que Maitê ficava bem quando ia para sua residência. Observamos que a criança vinha construindo um vínculo afetivo com familiares paternos através das visitas regulamentadas ao genitor, que foram interrompidas com o ingresso desta ação. No momento, referidos vínculos encontram-se fragilizados pelo fato de Maitê não conviver com nenhum familiar paterno. O Serviço Social compreende que a convivência familiar com ambos os troncos é fundamental para o pleno desenvolvimento das crianças e deve ser preservada, levando-se em conta os interesses e necessidades delas, que devem se sobressair acima de quaisquer outros. Ademais, consideramos ainda que um bom guardião, além de prover os cuidados e a assistência diária necessária aos filhos, deve favorecer o diálogo e a convivência com o outro genitor e a participação deste em todos os aspectos da vida da prole. Nesse sentido, objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida. (...)" Apesar de ser inegavelmente lamentável o fato de que a genitora tenha sido vítima de violência sexual durante sua pré-adolescência, conforme mencionado nos autos, é preciso destacar, com a devida cautela, que não há, até o momento, nos autos, provas robustas que apontem para a repetição de tal violência no vínculo entre o pai e sua filha. A própria decisão proferida no âmbito criminal, que revogou as medidas protetivas anteriormente impostas, é clara ao reconhecer que, após quase dois anos de vigência da medida, não houve produção de elementos concretos que sustentassem a acusação de abuso, havendo apenas a narrativa subjetiva da genitora, sem outros indícios minimamente corroborativos. Importante observar que a genitora, em diversos trechos das conversas acostadas aos autos, admite que a criança apresenta irritabilidade, agressividade e hipersensibilidade cutânea, características que, segundo orientação médica por ela mesma narrada, são comuns em quadros compatíveis com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesses diálogos, a genitora pontua, inclusive, que a agressividade da filha é esperada e tende a aumentar com o tempo, mencionando episódios em que a criança se machuca, agride terceiros e apresenta assaduras em razão do uso constante de fraldas, todas manifestações que foram tratadas como típicas por profissionais da saúde. O TEA se manifesta de formas plurais, variando de criança para criança. A hipersensibilidade sensorial, alterações comportamentais, dificuldades na comunicação e reações intensas a estímulos cotidianos são algumas das características possíveis, não obrigatórias, e que podem ser agravadas por mudanças na rotina, transições entre ambientes e contatos afetivos mal estruturados. A genitora, apesar de ter demonstrado cuidado com a saúde e bem-estar da filha, pode estar interpretando com temor reações que, embora difíceis, não necessariamente apontam para condutas reprováveis por parte do genitor. Todavia, o que se observa é que tais comportamentos foram individualizados na peça inicial como decorrentes exclusivamente da convivência com o pai, quando os próprios registros comprobatórios indicam que tais episódios já ocorriam, independentemente do ambiente. Além disso, os autos revelam que, em diversos momentos, os pais mantiveram diálogo colaborativo sobre as demandas da filha, conforme comprovam os prints acostados, o que demonstra que ambos os genitores têm, em tese, capacidade para exercer a parentalidade de forma conjunta, a despeito dos conflitos atuais. Diante disso, não se vislumbra, neste momento processual, conduta desabonadora suficiente por parte do genitor que justifique seu afastamento definitivo da convivência com a filha, devendo ser respeitado, com prudência e zelo, o direito da criança à convivência com ambos os pais. Assim, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança, e à luz dos elementos constantes nos autos até o presente momento, entendo que a guarda deva ser, inicialmente, unilateral para a genitora, e a convivência paterno-filial deve ser restabelecida de forma gradual, supervisionada e sem pernoite, enquanto se aguarda a realização do estudo psicológico interdisciplinar já determinado por este Juízo. Para tanto, fixo o seguinte modelo provisório: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Desse modo, é uníssono o entendimento de que a guarda será compartilhada entre os genitores, devendo se comprovar sua capacidade no exercício do poder familiar, salvo condutas desabonadoras de sua responsabilidade que interfiram no exercício daquele poder, devendo se observar também a idade e a rotina do(a) menor, a existência de laços afetivos estabelecidos e/ou de estratégias para manter/desenvolver o afeto parental, razão pela qual entendo pertinente a realização de prova pericial (estudo psicológico) para demonstração das alegações sobre a guarda e a convivência, que comprovem eventuais condutas desabonadoras capazes de ensejar na concessão definitiva da exceção da guarda unilateral. Por fim, destaca-se que nenhum dos genitores poderá impedir o convívio com o(s) filho(s), devendo ser respeitada a vontade da(s) criança(s), mas estimulando o contato parental para evitar a quebra de vínculo afetivo, bem como é terminantemente proibido que os genitores pratiquem atos alienatórios. Ressalto que o presente modelo poderá ser revisto a qualquer tempo, com base no resultado do estudo psicológico, na evolução da convivência ou diante de superveniência de novos fatos. III - DO RESUMO DOS EXPEDIENTES Por todo o exposto, foi determinado o seguinte: a) O deferimento do benefício da gratuidade de justiça à parte requerida e manutenção do mesmo benefício à parte autora; b) A imediata remessa destes autos ao Núcleo de Psicologia e Serviço Social - NPSS, a fim de que seja realizado estudo psicológico, em regime de máxima urgência, cabendo ao estudo apurar, dentre outros fatos relevantes, o seguinte: i) de que forma a alteração da guarda em favor de apenas um genitor ou no compartilhamento desta repercutirá na subjetividade e na vida prática da menor e, se possível, colher elementos que possam determinar se essa alteração será realmente benéfica à infante; ii) como vem se desenvolvendo a criança e se há evidências de violência praticada por um ou ambos genitores, apurando o grau de comprometimento da infante e o seu relacionamento com os genitores e os avós, recomendando ou não a restrição da convivência, inclusive, averiguando se existem indícios de maus-tratos, negligência, abandono, alienação parental ou qualquer outro tipo de violência praticada contra a petiz; iii) os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais da menor, dos pais e dos avós; c) A concessão momentânea da guarda unilateral da menor Maitê Alves Avelino à genitora M. A. D. O., de forma provisória, sendo a casa desta o lar de referência da criança, máxime para regularizar situação de fato e resguardar os interesses absolutamente prevalentes da infante, destacando que a medida não tem caráter definitivo e pode ser revista a qualquer tempo; d) A determinação da convivência paterno-filial, de forma assistida e gradual, da seguinte forma: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Ciência ao Ministério Público (via portal) e às partes (via DJe). Expedientes necessários. Fortaleza/CE, data de inserção no sistema. Victor Nunes Barroso. Juiz de Direito (Assinatura Digital)

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Processo nº 0258550-90.2022.8.06.0001

ID: 330819460

Tribunal: TJCE Órgão: 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Classe: Guarda de Família Nº Processo: 0258550-90.2022.8.06.0001

Data de Disponibilização: 22/07/2025

Polo Ativo:

A. M. L.

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

ELIENNAY GOMES ALVES

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NATALIA INGRID MENDES DUARTE

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

ALINE MACIEL LIMA

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUAR… 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUARDA DE FAMÍLIA (14671) ASSUNTO: [Guarda] REQUERENTE: M. A. D. O. REQUERIDO: M. G. B. A. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA I - DA SÍNTESE PROCESSUAL Trata-se de ação de modificação de guarda c/c pedido de convivência assistida em caráter liminar c/c revisão de alimentos, ajuizada pela menor impúbere Maitê Alves Avelino, devidamente representada por sua genitora M. A. D. O., em face de seu genitor Mayke Gehisson Batista Avelino, pelos fatos e fundamentos expostos na exordial de id. 145357697, de lavra de advogado constituído. Aduz, em síntese, que no processo de nº 0224255-61.2021.8.06.0001 (ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de convivência e oferta de alimentos) ficou acordada a guarda compartilhada da menor. Acrescenta ainda que a menor possui um quadro de epilepsia, de modo que necessita fazer uso contínuo de medicação para o controle de crise. Contudo, relata que a partir de meados de julho de 2021 a filha demonstrou comportamentos estranhos, como voltar irritada e agressiva da casa do genitor, além de retornar com marcas vermelhas no corpo. Informa ainda que em outubro de 2021 a criança retornou da casa do genitor com os lábios cortados e um pedaço do dente quebrado e o pai, além de não prestar qualquer informação para a genitora, sequer levou a criança para um atendimento odontológico. Complementa que foi necessário registrar um boletim de ocorrência em maio de 2022, após a menor ter retornado da casa do pai irritada, vindo a passar a noite inteira sem dormir, por estar chorando, ter se recusado a tomar banho, passando constantemente a mão na genitália e fechando as pernas, mas que não foi percebida irritação no local. Outrossim, narra que a menor é constantemente exposta nas redes sociais da namorada do genitor, apesar da genitora não concordar, solicitando diversas vezes ao pai para não a expor. Por todo o exposto, requer a alteração da guarda compartilhada para a unilateral, passando o regime de convivência ser assistido. Ademais, pugna pela majoração dos alimentos, sob o argumento de que o genitor é servidor público, auferindo renda bruta de R$ 5.728,18 e que os gastos com as necessidades da criança aumentaram, haja vista as inflações no preço da alimentação e necessidades diárias, de modo que os gastos com a menor foram elencados à fl. 06, do id. 145357697, requerendo, assim, a majoração para 35% dos rendimentos líquidos do genitor. Decisão inicial (id. 145349314) deferindo a gratuidade de justiça, designando audiência de mediação e determinando a citação da parte contrária. Parecer ministerial em id. 145352726 opinando pelo deferimento do pedido liminar de alteração de guarda e convivência, mas pelo indeferimento do pedido liminar de majoração alimentar. Comparecimento espontâneo do requerido aos autos no dia 13/10/2022 (id. 145352732). Oferta de peça contestatória com pedido reconvencional de id. 145352741, oportunidade em que o requerido argumenta que jamais negligenciou, agrediu, violentou ou promoveu qualquer situação que colocasse a segurança de sua filha em risco e que a genitora tenta na realidade induzir este Juízo ao erro, motivada por vingança, posto que as partes mantinham boa relação após a separação até o genitor iniciar novo relacionamento amoroso, de modo que a genitora passou a criar obstáculos e dificultar o acesso a criança. Outrossim, a parte requerida alega que a menor Maite, de 2 anos de idade, é portadora de necessidades especiais, apresentando indícios de diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) e crises moderadas de epilepsia, além de possuir sensibilidade cutânea, o que facilitaria o surgimento de hematomas. Sustenta que tais marcas decorrem de quedas, brincadeiras ou acidentes domésticos comuns à idade, rechaçando qualquer acusação de agressão. Argumenta ainda que a genitora estaria agindo de má-fé ao sugerir conduta violenta por parte do requerido e acosta os prints às fls. 06 - 07 de id. 145352741. Acerca da questão dentária o genitor também acosta prints de conversas entre as partes às fls. 09/10 de mesmo id. No que tange à acusação de abuso sexual, o genitor rebate as alegações acostando os prints de conversas entre as partes que a irritação da menor se daria exclusivamente ao uso constante da fralda às fls. 12/13. Por fim, no tocante a suposta exposição em redes sociais, acosta prints de conversa à fl. 13 que a genitora chega a pedir o envio das fotos para a atual namorada do promovido, não demonstrando assim nenhum tipo de incômodo. Em sede reconvencional, alega que a genitora se mostrou incapaz psicologicamente de cuidar da menor e que tenta passar os traumas sofridos para sua filha, posto que a genitora teria sido abusada por um parente entre os 12 e 13 anos de idade. Dessa forma, argumenta que a genitora tenta promover a sexualização da relação do genitor e a sua filha desde que ela tinha meses de idade, acostando prints de que a genitora pede que apenas mulheres troquem a fralda da criança. Por todo o exposto, pugna pela concessão da guarda unilateral em favor do genitor, haja vista as falsas denúncias, bem como a dificuldade de convivência do pai com a criança. Novo petitório da genitora em id. 145352750 acostando novos comprovantes de gastos com a alimentanda, os quais foram impugnados pelo genitor em id. 145352754. Audiência de mediação de id. 145352755, realizada no dia 06/02/2023, restou inexitosa, uma vez que as partes não transigiram. Decisão interlocutória (id. 145352760) indeferindo os pedidos liminares e designando nova audiência de conciliação. Nova manifestação da genitora em id. 145352767 narrando sobre os machucados e pugnando pela suspensão das visitas do genitor, o qual rebateu as alegações em id. 145352769, destacando que somente após o decisum deste Juízo é que a genitora ingressou na seara criminal e "denunciou" o genitor de supostos crimes de violência, requerendo medida protetiva. Parecer ministerial (id. 145352773) opinando pelo indeferimento da suspensão da convivência paterno-filial, inclusive a assistida. Manifestação do genitor (id. 145353877) pugnando pela alteração da guarda em razão de negligência materna, relatando que não houve a juntada da decisão que supostamente teria deferido a medida protetiva, bem como o genitor estaria sem acesso à menor desde o dia 18/03/2023. Nesse período, a genitora, de forma unilateral e sem o conhecimento do genitor, parou totalmente com o acompanhamento terapêutico multidisciplinar da menor. Em id. 145353886, verifica-se decisão de deferimento de medida protetiva em favor da infante e contra o genitor, nos autos de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, na 12ª Vara de Criminal de Fortaleza/CE. Decisão interlocutória de id. 145353889 designando audiência de justificação prévia. Pedido autoral de id. 145353892 de reconsideração da decisão. Audiência realizada no dia 16/10/2023 (id. 145353897) restou parcialmente exitosa, uma vez que as partes firmaram acordo no que tange aos alimentos no percentual de 20% dos rendimentos do genitor, não transigindo com relação à guarda. Depoimento pessoal das partes (id. 145353900). Réplica à contestação em id. 145353905, rechaçando os argumentos da contestação c/c reconvenção. Manifestação do genitor em id. 145353921 que consta a superveniência de fatos novos, a qual foi rebatida pela genitora em id. 145355336. Audiência de instrução em id. 145355328. Manifestação do genitor em id. 145355340. Parecer ministerial em id. 145355356 opinando pelo deferimento da suspensão, momentânea, da convivência paterno-filial, o qual foi rebatido pelo genitor em id. 145355361. Estudo social em id. 145355362, de onde extrai-se: "objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida." Manifestação dos genitores sobre o laudo social em id's. 145355370 (parte autora) e 145355371 (parte ré). Manifestação do genitor (id. 145355372) acerca de suposta quebra do segredo de justiça por parte da genitora ao repassar informações sigilosas ao médico Dr. Anderson Magalhães Souza. Parecer ministerial em id. 145357675 se posicionando favorável ao restabelecimento do direito de convivência paterno-filial de forma gradativa e assistida. Manifestação da genitora (id. 145357676) pugnando pela manutenção da guarda unilateral e a determinação do afastamento total do pai. Manifestação do genitor (id. 145357678) informando a revogação da medida protetiva, informando que está há quase dois anos sem ver sua filha e pugnando pelo deferimento da tutela de urgência para que seja designada visita assistida. É o breve relatório processual. Fundamento e decido. II - DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES A) DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA Uma das questões processuais pendentes refere-se ao benefício da gratuidade da justiça pleiteado pelo demandado, o qual fora não fora especificamente impugnado pela requerente em sede de réplica e, até o presente momento, encontra-se pendente de apreciação. Dispõe o artigo 98 do Código de Processo Civil: "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Pelo teor do disposto no § 3º do art. 99 do CPC, "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural." Logo, o direito à gratuidade visa facilitar o acesso à justiça ao jurisdicionado desprovido de recursos para fazer frente à demanda, no entanto, cabe ao magistrado aferir o preenchimento dos pressupostos legais para sua concessão. Dessa forma, permanece o entendimento sedimentado de que a declaração de insuficiência de recursos consiste na prova juris tantum para concessão do benefício da assistência judiciária, dispensando-se o pagamento das custas e emolumentos judiciais. A presunção de veracidade conferida à alegação de hipossuficiência, nos termos do art. 99, §3º, do Código de Processo Civil, exige, para sua constituição, a apresentação da declaração formal de insuficiência de recursos. No presente caso, não se verifica nos autos qualquer elemento probatório idôneo e robusto que evidencie a capacidade econômica avantajada da parte requerida. Assim, defiro à parte requerida o benefício da justiça gratuita e mantenho o benefício da parte autora, visto que também não subsistem provas de sua capacidade econômica, consoante entendimento exarado em decisão de id. 145349314. B) DA FINALIZAÇÃO DA FASE INSTRUTÓRIA Extrai-se dos autos que já foram realizados o estudo social, o depoimento pessoal das partes e a oitiva de testemunhas. Entretanto, em razão da natureza delicada das alegações, especialmente diante da existência de indícios de violação à integridade psíquica, emocional e física da criança, revela-se imprescindível a produção de prova técnica complementar, por meio de estudo psicológico interdisciplinar. Em situações que envolvem suspeita de abuso sexual ou psicológico, negligência parental ou alienação parental, o estudo psicológico especializado é instrumento fundamental para o esclarecimento da realidade familiar e proteção integral da criança ou adolescente, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e dos arts. 3º, 5º, 6º, 70 e 100, parágrafo único, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90). Ainda que o estudo social proporcione importante panorama sobre as condições familiares, não possui o mesmo alcance técnico da avaliação psicológica, sobretudo quando se trata de investigar possíveis traumas, comportamentos dissociativos, coerência discursiva, ressignificações e indicadores indiretos de abuso ou manipulação emocional. Ressalte-se que a realização do estudo psicológico configura instrumento de proteção à criança e de orientação ao Juízo para a melhor tomada de decisão quanto à guarda e ao regime de convivência familiar, atendendo ao princípio do melhor interesse do menor (art. 1.583, §2º, do Código Civil). Outrossim, o estudo social (id. 145355362) recomendou a realização de estudo psicológico: "(...) Importante mencionar que alguns aspectos comportamentais trazidos nas falas das partes envolvidas nesta ação não foram contemplados neste estudo, por não serem da competência de análise do Serviço Social, sendo necessário, a nosso ver, estudo psicológico, a fim de preencher tais lacunas. (...)" Dessa forma, a produção do estudo psicológico é imprescindível para o deslinde do feito, sendo precipitado decidir sobre a guarda definitiva ou regulamentação da convivência parental sem a devida análise técnica especializada da saúde psíquica da menor e da dinâmica relacional entre os envolvidos. C) DA GUARDA E DA CONVIVÊNCIA PROVISÓRIA É cediço que ao estabelecer a detenção da guarda de criança ou adolescente, deve-se considerar sempre o princípio constitucional do melhor interesse da criança, que decorre da ordem de proteção da dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico. Importa proteger e preservar os infantes, em vista da situação de fragilidade em que se encontram, frente ao seu desenvolvimento social, emocional e psíquico. Nenhuma decisão pode deixar, pois, de garantir as condições para que o(a) menor possa crescer inserido no melhor contexto familiar, que lhe garanta o hígido desenvolvimento material, moral e intelectual, em condições de liberdade e de dignidade. In casu, verifica-se que os argumentos autorais foram rebatidos, inclusive com prints, na peça contestatória de id. 145352741, onde o requerido afirma jamais ter colocado em risco a integridade da filha, alegando que a genitora estaria tentando manipular a percepção deste Juízo em razão de desentendimentos surgidos após o início de um novo relacionamento do genitor. Ressalta que a menor, Maite, á época com dois anos, apresenta características compatíveis com TEA (transtorno do espectro autista), episódios convulsivos e sensibilidade cutânea, o que explicaria eventuais marcas como resultado de quedas ou situações comuns à infância. Rebate as acusações de conduta inadequada, apresentando registros de conversas com a genitora que demonstram que a irritação da criança estaria relacionada ao uso contínuo de fraldas. Também anexa mensagens que indicam não haver objeção da genitora quanto ao compartilhamento de imagens da criança, contrariando supostas alegações de exposição indevida. Em sede reconvencional, o requerido sustenta que a mãe da menor enfrenta dificuldades emocionais, projetando vivências pessoais no contexto da relação paterna, conforme demonstrado em mensagens nas quais ela impõe restrições quanto ao cuidado da criança por pessoas do sexo masculino. Nesse sentido, analisa-se atentamente os prints acostados, onde há afirmações da genitora (grifos nossos): Fl. 06, id. 145352741: "Acassia, boa noite, o Mayke pediu ao Rodrigo que me falasse para avisar a Dra. sobre a Maitê estar mordendo e batendo na gente, mas a neuropediatra dela sempre soube disso, não é de hoje que a Maitê é assim, e ela já tinha falado que com o tempo ela ia piorar mais e ficar mais agressiva, mas que é normal devido a probabilidade do autismo e por ela ter epilepsia (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E o caso da Maitê, de qualquer forma, não é psiquiatra que resolve, como a Dra. Deu essa probabilidade de autismo, é normal ela ser assim, tem criança que é pior, a Maitê só tem algumas coisas que ela se irrita e se bate ou se morde, se machuca e machuca a gente, mas em relação a isso o que eu posso fazer, eu faço (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) Mas essa agressividade a Maitê sempre teve, não é porque ela quer, ela não consegue controlar, porque é do autismo mesmo, e vários outros sintomas que ela apresenta no dia a dia, inclusive esse problema de andar tropeçando e de ponta de pé (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E ver o que pode fazer para melhorar esses roxos dela, não sei se você já reparou, mas de vez em quando aparece uns roxos no corpo dela e isso faz um tempo. Já mostrei para a pediatra também, ela disse ser normal, mas sempre procuro outras opiniões de outros médicos (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Mas eu já levei a Maitê na pediatra. Ela olhou as partes da Maitê e falou que é normal as vezes a criança ficar assada, inclusive nesse dia a Maitê estava com o bumbum assado e a Dra. olhou ela toda e disse que é normal e o que mais causa isso é ela ficar de fralda o dia todo. Por isso só estou deixando ela a noite ou quando ela vai brincar de fralda. E quando boto a fralda ela já não gosta, por isso só coloco para dormir ou para levar ela para brincar, ela sempre pede para vestir calcinha (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) E avisei ao Mayke sobre esse dia, a Maitê estava com o bumbum bem assado, e a Dra. analisou e falou isso, que por conta da fralda, principalmente que fica em atrito com a pele dela que é muito sensível, ela fica assada e indicou essas duas pomadas que já uso nela quando ela está assim (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Só o fato da Maitê gostar de se machucar e bater nos outros sem motivo, já é um indício do autismo, fora várias outras coisas que ela apresenta (...)." Contudo, em sede de réplica (id. 145353905), a genitora se limitou a rebater a argumentação sobre o incidente com o machucado na boca e o dente que ocorreu e informar que jamais proibiu o genitor de trocar a fralda da filha, apenas preferiu que fosse feito por uma mulher, tendo em vista a preocupação de que acontecesse com a menor o que lhe aconteceu (abuso sexual). Ou seja, em momento algum a genitora nega a autoria e a veracidade das afirmações feitas nas provas retromencionadas, apenas justifica seu comportamento e falas como preocupação e zelo pelo bem-estar da menor, haja vista os incidentes domésticos e o comportamento apresentado pela criança. Apesar das graves narrativas levantadas de abuso sexual e negligência, este Juízo entendeu, em decisão de id. 145352760, em 10/02/2023, por indeferir os pedidos liminares de ambas as partes acerca da guarda unilateral e da suspensão da convivência. No dia 14/03/2023, quatro dias após esta decisão, a genitora realizou boletim de ocorrência de nº 102 - 1023/2023, o qual gerou o deferimento de medidas protetivas no processo de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, tramitando na 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza/CE. Em consulta ao processo supracitado, extrai-se partes do parecer ministerial às fls. 365 - 369 daqueles autos, ipsis litteris (grifou-se): "(...) Todavia, analisando detidamente o teor processual, vê-se que os elementos indicativos de um suposto abuso sexual contra a criança ainda permanecem incipientes e frágeis, a despeito do transcurso de quase 02 (dois) anos da vigência da medida, sem que o Inquérito Policial nº 0260263-32.2024.8.06.0001, instaurado a partir do B.O. nº 104-1032/2023, registrado pela genitora da suposta vítima, tenha arrecadado outros indicativos de provas para além das meras suspeitas da noticiante, a qual, em permeio à disputa de guarda da filha com o requerido, procurou a autoridade policial, em 14/03/2023, para relatar que a menor, ao retornar da casa do pai, apresentava machucados no corpo e ficava tocando a vagina com os dedos, sendo a criança portadora de diagnóstico de autismo e epilepsia, dificultando sua manifestação. Com efeito, do relato da genitora da suposta vítima, não se infere claramente a prática de violência sexual à criança, senão pelo esforço interpretativo da noticiante, que associou o comportamento da infante com necessidades especiais a um possível comportamento libidinoso do pai. Também impende observar a existência de conflitos interpessoais entre o requerente e a genitora do menor, bem como relacionados à guarda da filha do casal, o que demanda maior prudência no exame da permanência da medida, a qual não pode se perpetuar sine die, sob pena de causar danos irreversíveis aos laços afetivos entre pais e filhos. (...) No caso dos autos, o tempo de vigência da medida protetiva desborda o razoável, o que aliado à fragilidade dos elementos fornecidos pela genitora da criança, que apenas demonstrou temor à segurança da filha, mas sem indicar uma situação concreta de abuso, reforça a compreensão sobre a desnecessidade da permanência da medida de urgência, não se vislumbrando, atualmente, riscos à integridade física e psicológica da suposta vítima. Ademais, o afastamento da criança do convívio com o genitor, sem que exista motivo grave e concreto que o justifique, pode favorecer situação de periculum in mora in reverso, gerando danos ao desenvolvimento afetivo e emocional da menor. Não por outra razão, aquele Juízo decidiu pela revogação das medidas protetivas, às fls. 377 - 381, in verbis (grifou-se): "(...) Explico. Primeiramente, no caso em tela, as alegações do suposto abuso sexual não estão acompanhadas de provas robustas que evidenciem a ocorrência de situações de risco iminente ou perigo no convívio com o genitor. Ato contínuo, a partir das alegações das partes, constato que há um contencioso entre os genitores, o que gera um ambiente de litigiosidade exacerbada, com desentendimentos constantes sobre a guarda e convivência familiar, e que o juízo de família possui a competência e dados necessários para uma decisão. Esta litigiosidade, embora prejudicial ao ambiente familiar, por si só não constitui fundamento suficiente para a imposição e manutenção de uma medida protetiva no âmbito deste Juízo, já que não existem elementos indicativos da prática de abuso sexual pelo genitor, devendo ser analisado, caso vislumbrem as partes, a suposta prática de maus-tratos, na vara criminal competente. Ressalto ainda, que apesar do claro litígio na relação e comunicação entre os genitores, a 2ª Vara de Família, nos autos do processo de guarda, até a presente data, manteve a guarda compartilhada entre os pais, cuja avença foi celebrada na ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de visitas e oferta de alimentos com pedido liminar, nº 0224255-61.2021.8.06.0001, que tramitou perante a 9ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE. Dessa forma, considerando a ausência de indícios claros e objetivos de perigo à integridade física ou psicológica da infante por parte do pai, e com base na alegação de litígios entre os genitores, que devem ser resolvidos no âmbito próprio da justiça familiar, entendo por bem REVOGAR as medidas protetivas outrora impostas, uma vez que não subsistem indícios da prática de abuso sexual perpetrado pelo genitor. De outro lado, para fins de modular a visitação, enquanto perdurar o trâmite do Inquérito Policial, entendo, prudente, a revogação da medida protetiva de distanciamento, todavia, no momento em que a criança estiver com o genitor, de acordo com a guarda definida no âmbito da Vara de Família, que a criança permaneça, também com a supervisão de um terceiro, indicado pelo genitor. (...)" Outrossim, analisa-se ainda trecho do estudo social (id. 145355362), com grifos nossos: "(...) Da visita domiciliar ao requerido, observamos que a residência possui estrutura adequada para acolher a criança. Mayke mora apenas com a esposa, Acássia e o domicílio do casal fica próximo à residência da avó paterna da criança. A requerente ingressou com esta ação de guarda unilateral, visitas assistidas e revisão de alimentos alegando que a criança voltava da casa paterna com marcas de queda e comportamento alterado, sugerindo um suposto abuso sexual. Houve a denúncia e a instauração de medidas protetivas. Os relatos trazidos pela requerente resgatam fatos passados sugestivos de maus tratos e abuso sexual, por parte do genitor, porém, não foi possível avaliar, nem averiguar a veracidade de referidos fatos, por conta do lapso temporal e da tenra idade da criança na época. O pai nega todas as denúncias, destaca que sempre foi atento às necessidades da filha e que Maitê ficava bem quando ia para sua residência. Observamos que a criança vinha construindo um vínculo afetivo com familiares paternos através das visitas regulamentadas ao genitor, que foram interrompidas com o ingresso desta ação. No momento, referidos vínculos encontram-se fragilizados pelo fato de Maitê não conviver com nenhum familiar paterno. O Serviço Social compreende que a convivência familiar com ambos os troncos é fundamental para o pleno desenvolvimento das crianças e deve ser preservada, levando-se em conta os interesses e necessidades delas, que devem se sobressair acima de quaisquer outros. Ademais, consideramos ainda que um bom guardião, além de prover os cuidados e a assistência diária necessária aos filhos, deve favorecer o diálogo e a convivência com o outro genitor e a participação deste em todos os aspectos da vida da prole. Nesse sentido, objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida. (...)" Apesar de ser inegavelmente lamentável o fato de que a genitora tenha sido vítima de violência sexual durante sua pré-adolescência, conforme mencionado nos autos, é preciso destacar, com a devida cautela, que não há, até o momento, nos autos, provas robustas que apontem para a repetição de tal violência no vínculo entre o pai e sua filha. A própria decisão proferida no âmbito criminal, que revogou as medidas protetivas anteriormente impostas, é clara ao reconhecer que, após quase dois anos de vigência da medida, não houve produção de elementos concretos que sustentassem a acusação de abuso, havendo apenas a narrativa subjetiva da genitora, sem outros indícios minimamente corroborativos. Importante observar que a genitora, em diversos trechos das conversas acostadas aos autos, admite que a criança apresenta irritabilidade, agressividade e hipersensibilidade cutânea, características que, segundo orientação médica por ela mesma narrada, são comuns em quadros compatíveis com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesses diálogos, a genitora pontua, inclusive, que a agressividade da filha é esperada e tende a aumentar com o tempo, mencionando episódios em que a criança se machuca, agride terceiros e apresenta assaduras em razão do uso constante de fraldas, todas manifestações que foram tratadas como típicas por profissionais da saúde. O TEA se manifesta de formas plurais, variando de criança para criança. A hipersensibilidade sensorial, alterações comportamentais, dificuldades na comunicação e reações intensas a estímulos cotidianos são algumas das características possíveis, não obrigatórias, e que podem ser agravadas por mudanças na rotina, transições entre ambientes e contatos afetivos mal estruturados. A genitora, apesar de ter demonstrado cuidado com a saúde e bem-estar da filha, pode estar interpretando com temor reações que, embora difíceis, não necessariamente apontam para condutas reprováveis por parte do genitor. Todavia, o que se observa é que tais comportamentos foram individualizados na peça inicial como decorrentes exclusivamente da convivência com o pai, quando os próprios registros comprobatórios indicam que tais episódios já ocorriam, independentemente do ambiente. Além disso, os autos revelam que, em diversos momentos, os pais mantiveram diálogo colaborativo sobre as demandas da filha, conforme comprovam os prints acostados, o que demonstra que ambos os genitores têm, em tese, capacidade para exercer a parentalidade de forma conjunta, a despeito dos conflitos atuais. Diante disso, não se vislumbra, neste momento processual, conduta desabonadora suficiente por parte do genitor que justifique seu afastamento definitivo da convivência com a filha, devendo ser respeitado, com prudência e zelo, o direito da criança à convivência com ambos os pais. Assim, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança, e à luz dos elementos constantes nos autos até o presente momento, entendo que a guarda deva ser, inicialmente, unilateral para a genitora, e a convivência paterno-filial deve ser restabelecida de forma gradual, supervisionada e sem pernoite, enquanto se aguarda a realização do estudo psicológico interdisciplinar já determinado por este Juízo. Para tanto, fixo o seguinte modelo provisório: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Desse modo, é uníssono o entendimento de que a guarda será compartilhada entre os genitores, devendo se comprovar sua capacidade no exercício do poder familiar, salvo condutas desabonadoras de sua responsabilidade que interfiram no exercício daquele poder, devendo se observar também a idade e a rotina do(a) menor, a existência de laços afetivos estabelecidos e/ou de estratégias para manter/desenvolver o afeto parental, razão pela qual entendo pertinente a realização de prova pericial (estudo psicológico) para demonstração das alegações sobre a guarda e a convivência, que comprovem eventuais condutas desabonadoras capazes de ensejar na concessão definitiva da exceção da guarda unilateral. Por fim, destaca-se que nenhum dos genitores poderá impedir o convívio com o(s) filho(s), devendo ser respeitada a vontade da(s) criança(s), mas estimulando o contato parental para evitar a quebra de vínculo afetivo, bem como é terminantemente proibido que os genitores pratiquem atos alienatórios. Ressalto que o presente modelo poderá ser revisto a qualquer tempo, com base no resultado do estudo psicológico, na evolução da convivência ou diante de superveniência de novos fatos. III - DO RESUMO DOS EXPEDIENTES Por todo o exposto, foi determinado o seguinte: a) O deferimento do benefício da gratuidade de justiça à parte requerida e manutenção do mesmo benefício à parte autora; b) A imediata remessa destes autos ao Núcleo de Psicologia e Serviço Social - NPSS, a fim de que seja realizado estudo psicológico, em regime de máxima urgência, cabendo ao estudo apurar, dentre outros fatos relevantes, o seguinte: i) de que forma a alteração da guarda em favor de apenas um genitor ou no compartilhamento desta repercutirá na subjetividade e na vida prática da menor e, se possível, colher elementos que possam determinar se essa alteração será realmente benéfica à infante; ii) como vem se desenvolvendo a criança e se há evidências de violência praticada por um ou ambos genitores, apurando o grau de comprometimento da infante e o seu relacionamento com os genitores e os avós, recomendando ou não a restrição da convivência, inclusive, averiguando se existem indícios de maus-tratos, negligência, abandono, alienação parental ou qualquer outro tipo de violência praticada contra a petiz; iii) os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais da menor, dos pais e dos avós; c) A concessão momentânea da guarda unilateral da menor Maitê Alves Avelino à genitora M. A. D. O., de forma provisória, sendo a casa desta o lar de referência da criança, máxime para regularizar situação de fato e resguardar os interesses absolutamente prevalentes da infante, destacando que a medida não tem caráter definitivo e pode ser revista a qualquer tempo; d) A determinação da convivência paterno-filial, de forma assistida e gradual, da seguinte forma: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Ciência ao Ministério Público (via portal) e às partes (via DJe). Expedientes necessários. Fortaleza/CE, data de inserção no sistema. Victor Nunes Barroso. Juiz de Direito (Assinatura Digital)

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Processo nº 0258550-90.2022.8.06.0001

ID: 330819490

Tribunal: TJCE Órgão: 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Classe: Guarda de Família Nº Processo: 0258550-90.2022.8.06.0001

Data de Disponibilização: 22/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

D. D. F. S.

Intimação

Advogados:

DANYELLE DE FREITAS SOUZA

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

ANA PATRICIA DE FREITAS LIMA

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUAR… 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 Nº DO PROCESSO: 0258550-90.2022.8.06.0001 CLASSE: GUARDA DE FAMÍLIA (14671) ASSUNTO: [Guarda] REQUERENTE: M. A. D. O. REQUERIDO: M. G. B. A. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA I - DA SÍNTESE PROCESSUAL Trata-se de ação de modificação de guarda c/c pedido de convivência assistida em caráter liminar c/c revisão de alimentos, ajuizada pela menor impúbere Maitê Alves Avelino, devidamente representada por sua genitora M. A. D. O., em face de seu genitor Mayke Gehisson Batista Avelino, pelos fatos e fundamentos expostos na exordial de id. 145357697, de lavra de advogado constituído. Aduz, em síntese, que no processo de nº 0224255-61.2021.8.06.0001 (ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de convivência e oferta de alimentos) ficou acordada a guarda compartilhada da menor. Acrescenta ainda que a menor possui um quadro de epilepsia, de modo que necessita fazer uso contínuo de medicação para o controle de crise. Contudo, relata que a partir de meados de julho de 2021 a filha demonstrou comportamentos estranhos, como voltar irritada e agressiva da casa do genitor, além de retornar com marcas vermelhas no corpo. Informa ainda que em outubro de 2021 a criança retornou da casa do genitor com os lábios cortados e um pedaço do dente quebrado e o pai, além de não prestar qualquer informação para a genitora, sequer levou a criança para um atendimento odontológico. Complementa que foi necessário registrar um boletim de ocorrência em maio de 2022, após a menor ter retornado da casa do pai irritada, vindo a passar a noite inteira sem dormir, por estar chorando, ter se recusado a tomar banho, passando constantemente a mão na genitália e fechando as pernas, mas que não foi percebida irritação no local. Outrossim, narra que a menor é constantemente exposta nas redes sociais da namorada do genitor, apesar da genitora não concordar, solicitando diversas vezes ao pai para não a expor. Por todo o exposto, requer a alteração da guarda compartilhada para a unilateral, passando o regime de convivência ser assistido. Ademais, pugna pela majoração dos alimentos, sob o argumento de que o genitor é servidor público, auferindo renda bruta de R$ 5.728,18 e que os gastos com as necessidades da criança aumentaram, haja vista as inflações no preço da alimentação e necessidades diárias, de modo que os gastos com a menor foram elencados à fl. 06, do id. 145357697, requerendo, assim, a majoração para 35% dos rendimentos líquidos do genitor. Decisão inicial (id. 145349314) deferindo a gratuidade de justiça, designando audiência de mediação e determinando a citação da parte contrária. Parecer ministerial em id. 145352726 opinando pelo deferimento do pedido liminar de alteração de guarda e convivência, mas pelo indeferimento do pedido liminar de majoração alimentar. Comparecimento espontâneo do requerido aos autos no dia 13/10/2022 (id. 145352732). Oferta de peça contestatória com pedido reconvencional de id. 145352741, oportunidade em que o requerido argumenta que jamais negligenciou, agrediu, violentou ou promoveu qualquer situação que colocasse a segurança de sua filha em risco e que a genitora tenta na realidade induzir este Juízo ao erro, motivada por vingança, posto que as partes mantinham boa relação após a separação até o genitor iniciar novo relacionamento amoroso, de modo que a genitora passou a criar obstáculos e dificultar o acesso a criança. Outrossim, a parte requerida alega que a menor Maite, de 2 anos de idade, é portadora de necessidades especiais, apresentando indícios de diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) e crises moderadas de epilepsia, além de possuir sensibilidade cutânea, o que facilitaria o surgimento de hematomas. Sustenta que tais marcas decorrem de quedas, brincadeiras ou acidentes domésticos comuns à idade, rechaçando qualquer acusação de agressão. Argumenta ainda que a genitora estaria agindo de má-fé ao sugerir conduta violenta por parte do requerido e acosta os prints às fls. 06 - 07 de id. 145352741. Acerca da questão dentária o genitor também acosta prints de conversas entre as partes às fls. 09/10 de mesmo id. No que tange à acusação de abuso sexual, o genitor rebate as alegações acostando os prints de conversas entre as partes que a irritação da menor se daria exclusivamente ao uso constante da fralda às fls. 12/13. Por fim, no tocante a suposta exposição em redes sociais, acosta prints de conversa à fl. 13 que a genitora chega a pedir o envio das fotos para a atual namorada do promovido, não demonstrando assim nenhum tipo de incômodo. Em sede reconvencional, alega que a genitora se mostrou incapaz psicologicamente de cuidar da menor e que tenta passar os traumas sofridos para sua filha, posto que a genitora teria sido abusada por um parente entre os 12 e 13 anos de idade. Dessa forma, argumenta que a genitora tenta promover a sexualização da relação do genitor e a sua filha desde que ela tinha meses de idade, acostando prints de que a genitora pede que apenas mulheres troquem a fralda da criança. Por todo o exposto, pugna pela concessão da guarda unilateral em favor do genitor, haja vista as falsas denúncias, bem como a dificuldade de convivência do pai com a criança. Novo petitório da genitora em id. 145352750 acostando novos comprovantes de gastos com a alimentanda, os quais foram impugnados pelo genitor em id. 145352754. Audiência de mediação de id. 145352755, realizada no dia 06/02/2023, restou inexitosa, uma vez que as partes não transigiram. Decisão interlocutória (id. 145352760) indeferindo os pedidos liminares e designando nova audiência de conciliação. Nova manifestação da genitora em id. 145352767 narrando sobre os machucados e pugnando pela suspensão das visitas do genitor, o qual rebateu as alegações em id. 145352769, destacando que somente após o decisum deste Juízo é que a genitora ingressou na seara criminal e "denunciou" o genitor de supostos crimes de violência, requerendo medida protetiva. Parecer ministerial (id. 145352773) opinando pelo indeferimento da suspensão da convivência paterno-filial, inclusive a assistida. Manifestação do genitor (id. 145353877) pugnando pela alteração da guarda em razão de negligência materna, relatando que não houve a juntada da decisão que supostamente teria deferido a medida protetiva, bem como o genitor estaria sem acesso à menor desde o dia 18/03/2023. Nesse período, a genitora, de forma unilateral e sem o conhecimento do genitor, parou totalmente com o acompanhamento terapêutico multidisciplinar da menor. Em id. 145353886, verifica-se decisão de deferimento de medida protetiva em favor da infante e contra o genitor, nos autos de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, na 12ª Vara de Criminal de Fortaleza/CE. Decisão interlocutória de id. 145353889 designando audiência de justificação prévia. Pedido autoral de id. 145353892 de reconsideração da decisão. Audiência realizada no dia 16/10/2023 (id. 145353897) restou parcialmente exitosa, uma vez que as partes firmaram acordo no que tange aos alimentos no percentual de 20% dos rendimentos do genitor, não transigindo com relação à guarda. Depoimento pessoal das partes (id. 145353900). Réplica à contestação em id. 145353905, rechaçando os argumentos da contestação c/c reconvenção. Manifestação do genitor em id. 145353921 que consta a superveniência de fatos novos, a qual foi rebatida pela genitora em id. 145355336. Audiência de instrução em id. 145355328. Manifestação do genitor em id. 145355340. Parecer ministerial em id. 145355356 opinando pelo deferimento da suspensão, momentânea, da convivência paterno-filial, o qual foi rebatido pelo genitor em id. 145355361. Estudo social em id. 145355362, de onde extrai-se: "objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida." Manifestação dos genitores sobre o laudo social em id's. 145355370 (parte autora) e 145355371 (parte ré). Manifestação do genitor (id. 145355372) acerca de suposta quebra do segredo de justiça por parte da genitora ao repassar informações sigilosas ao médico Dr. Anderson Magalhães Souza. Parecer ministerial em id. 145357675 se posicionando favorável ao restabelecimento do direito de convivência paterno-filial de forma gradativa e assistida. Manifestação da genitora (id. 145357676) pugnando pela manutenção da guarda unilateral e a determinação do afastamento total do pai. Manifestação do genitor (id. 145357678) informando a revogação da medida protetiva, informando que está há quase dois anos sem ver sua filha e pugnando pelo deferimento da tutela de urgência para que seja designada visita assistida. É o breve relatório processual. Fundamento e decido. II - DAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES A) DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA Uma das questões processuais pendentes refere-se ao benefício da gratuidade da justiça pleiteado pelo demandado, o qual fora não fora especificamente impugnado pela requerente em sede de réplica e, até o presente momento, encontra-se pendente de apreciação. Dispõe o artigo 98 do Código de Processo Civil: "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Pelo teor do disposto no § 3º do art. 99 do CPC, "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural." Logo, o direito à gratuidade visa facilitar o acesso à justiça ao jurisdicionado desprovido de recursos para fazer frente à demanda, no entanto, cabe ao magistrado aferir o preenchimento dos pressupostos legais para sua concessão. Dessa forma, permanece o entendimento sedimentado de que a declaração de insuficiência de recursos consiste na prova juris tantum para concessão do benefício da assistência judiciária, dispensando-se o pagamento das custas e emolumentos judiciais. A presunção de veracidade conferida à alegação de hipossuficiência, nos termos do art. 99, §3º, do Código de Processo Civil, exige, para sua constituição, a apresentação da declaração formal de insuficiência de recursos. No presente caso, não se verifica nos autos qualquer elemento probatório idôneo e robusto que evidencie a capacidade econômica avantajada da parte requerida. Assim, defiro à parte requerida o benefício da justiça gratuita e mantenho o benefício da parte autora, visto que também não subsistem provas de sua capacidade econômica, consoante entendimento exarado em decisão de id. 145349314. B) DA FINALIZAÇÃO DA FASE INSTRUTÓRIA Extrai-se dos autos que já foram realizados o estudo social, o depoimento pessoal das partes e a oitiva de testemunhas. Entretanto, em razão da natureza delicada das alegações, especialmente diante da existência de indícios de violação à integridade psíquica, emocional e física da criança, revela-se imprescindível a produção de prova técnica complementar, por meio de estudo psicológico interdisciplinar. Em situações que envolvem suspeita de abuso sexual ou psicológico, negligência parental ou alienação parental, o estudo psicológico especializado é instrumento fundamental para o esclarecimento da realidade familiar e proteção integral da criança ou adolescente, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e dos arts. 3º, 5º, 6º, 70 e 100, parágrafo único, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90). Ainda que o estudo social proporcione importante panorama sobre as condições familiares, não possui o mesmo alcance técnico da avaliação psicológica, sobretudo quando se trata de investigar possíveis traumas, comportamentos dissociativos, coerência discursiva, ressignificações e indicadores indiretos de abuso ou manipulação emocional. Ressalte-se que a realização do estudo psicológico configura instrumento de proteção à criança e de orientação ao Juízo para a melhor tomada de decisão quanto à guarda e ao regime de convivência familiar, atendendo ao princípio do melhor interesse do menor (art. 1.583, §2º, do Código Civil). Outrossim, o estudo social (id. 145355362) recomendou a realização de estudo psicológico: "(...) Importante mencionar que alguns aspectos comportamentais trazidos nas falas das partes envolvidas nesta ação não foram contemplados neste estudo, por não serem da competência de análise do Serviço Social, sendo necessário, a nosso ver, estudo psicológico, a fim de preencher tais lacunas. (...)" Dessa forma, a produção do estudo psicológico é imprescindível para o deslinde do feito, sendo precipitado decidir sobre a guarda definitiva ou regulamentação da convivência parental sem a devida análise técnica especializada da saúde psíquica da menor e da dinâmica relacional entre os envolvidos. C) DA GUARDA E DA CONVIVÊNCIA PROVISÓRIA É cediço que ao estabelecer a detenção da guarda de criança ou adolescente, deve-se considerar sempre o princípio constitucional do melhor interesse da criança, que decorre da ordem de proteção da dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico. Importa proteger e preservar os infantes, em vista da situação de fragilidade em que se encontram, frente ao seu desenvolvimento social, emocional e psíquico. Nenhuma decisão pode deixar, pois, de garantir as condições para que o(a) menor possa crescer inserido no melhor contexto familiar, que lhe garanta o hígido desenvolvimento material, moral e intelectual, em condições de liberdade e de dignidade. In casu, verifica-se que os argumentos autorais foram rebatidos, inclusive com prints, na peça contestatória de id. 145352741, onde o requerido afirma jamais ter colocado em risco a integridade da filha, alegando que a genitora estaria tentando manipular a percepção deste Juízo em razão de desentendimentos surgidos após o início de um novo relacionamento do genitor. Ressalta que a menor, Maite, á época com dois anos, apresenta características compatíveis com TEA (transtorno do espectro autista), episódios convulsivos e sensibilidade cutânea, o que explicaria eventuais marcas como resultado de quedas ou situações comuns à infância. Rebate as acusações de conduta inadequada, apresentando registros de conversas com a genitora que demonstram que a irritação da criança estaria relacionada ao uso contínuo de fraldas. Também anexa mensagens que indicam não haver objeção da genitora quanto ao compartilhamento de imagens da criança, contrariando supostas alegações de exposição indevida. Em sede reconvencional, o requerido sustenta que a mãe da menor enfrenta dificuldades emocionais, projetando vivências pessoais no contexto da relação paterna, conforme demonstrado em mensagens nas quais ela impõe restrições quanto ao cuidado da criança por pessoas do sexo masculino. Nesse sentido, analisa-se atentamente os prints acostados, onde há afirmações da genitora (grifos nossos): Fl. 06, id. 145352741: "Acassia, boa noite, o Mayke pediu ao Rodrigo que me falasse para avisar a Dra. sobre a Maitê estar mordendo e batendo na gente, mas a neuropediatra dela sempre soube disso, não é de hoje que a Maitê é assim, e ela já tinha falado que com o tempo ela ia piorar mais e ficar mais agressiva, mas que é normal devido a probabilidade do autismo e por ela ter epilepsia (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E o caso da Maitê, de qualquer forma, não é psiquiatra que resolve, como a Dra. Deu essa probabilidade de autismo, é normal ela ser assim, tem criança que é pior, a Maitê só tem algumas coisas que ela se irrita e se bate ou se morde, se machuca e machuca a gente, mas em relação a isso o que eu posso fazer, eu faço (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) Mas essa agressividade a Maitê sempre teve, não é porque ela quer, ela não consegue controlar, porque é do autismo mesmo, e vários outros sintomas que ela apresenta no dia a dia, inclusive esse problema de andar tropeçando e de ponta de pé (...)." Fl. 06, id. 145352741: "(...) E ver o que pode fazer para melhorar esses roxos dela, não sei se você já reparou, mas de vez em quando aparece uns roxos no corpo dela e isso faz um tempo. Já mostrei para a pediatra também, ela disse ser normal, mas sempre procuro outras opiniões de outros médicos (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Mas eu já levei a Maitê na pediatra. Ela olhou as partes da Maitê e falou que é normal as vezes a criança ficar assada, inclusive nesse dia a Maitê estava com o bumbum assado e a Dra. olhou ela toda e disse que é normal e o que mais causa isso é ela ficar de fralda o dia todo. Por isso só estou deixando ela a noite ou quando ela vai brincar de fralda. E quando boto a fralda ela já não gosta, por isso só coloco para dormir ou para levar ela para brincar, ela sempre pede para vestir calcinha (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) E avisei ao Mayke sobre esse dia, a Maitê estava com o bumbum bem assado, e a Dra. analisou e falou isso, que por conta da fralda, principalmente que fica em atrito com a pele dela que é muito sensível, ela fica assada e indicou essas duas pomadas que já uso nela quando ela está assim (...)." Fl. 07, id. 145352741: "(...) Só o fato da Maitê gostar de se machucar e bater nos outros sem motivo, já é um indício do autismo, fora várias outras coisas que ela apresenta (...)." Contudo, em sede de réplica (id. 145353905), a genitora se limitou a rebater a argumentação sobre o incidente com o machucado na boca e o dente que ocorreu e informar que jamais proibiu o genitor de trocar a fralda da filha, apenas preferiu que fosse feito por uma mulher, tendo em vista a preocupação de que acontecesse com a menor o que lhe aconteceu (abuso sexual). Ou seja, em momento algum a genitora nega a autoria e a veracidade das afirmações feitas nas provas retromencionadas, apenas justifica seu comportamento e falas como preocupação e zelo pelo bem-estar da menor, haja vista os incidentes domésticos e o comportamento apresentado pela criança. Apesar das graves narrativas levantadas de abuso sexual e negligência, este Juízo entendeu, em decisão de id. 145352760, em 10/02/2023, por indeferir os pedidos liminares de ambas as partes acerca da guarda unilateral e da suspensão da convivência. No dia 14/03/2023, quatro dias após esta decisão, a genitora realizou boletim de ocorrência de nº 102 - 1023/2023, o qual gerou o deferimento de medidas protetivas no processo de nº 0216089-69.2023.8.06.0001, tramitando na 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza/CE. Em consulta ao processo supracitado, extrai-se partes do parecer ministerial às fls. 365 - 369 daqueles autos, ipsis litteris (grifou-se): "(...) Todavia, analisando detidamente o teor processual, vê-se que os elementos indicativos de um suposto abuso sexual contra a criança ainda permanecem incipientes e frágeis, a despeito do transcurso de quase 02 (dois) anos da vigência da medida, sem que o Inquérito Policial nº 0260263-32.2024.8.06.0001, instaurado a partir do B.O. nº 104-1032/2023, registrado pela genitora da suposta vítima, tenha arrecadado outros indicativos de provas para além das meras suspeitas da noticiante, a qual, em permeio à disputa de guarda da filha com o requerido, procurou a autoridade policial, em 14/03/2023, para relatar que a menor, ao retornar da casa do pai, apresentava machucados no corpo e ficava tocando a vagina com os dedos, sendo a criança portadora de diagnóstico de autismo e epilepsia, dificultando sua manifestação. Com efeito, do relato da genitora da suposta vítima, não se infere claramente a prática de violência sexual à criança, senão pelo esforço interpretativo da noticiante, que associou o comportamento da infante com necessidades especiais a um possível comportamento libidinoso do pai. Também impende observar a existência de conflitos interpessoais entre o requerente e a genitora do menor, bem como relacionados à guarda da filha do casal, o que demanda maior prudência no exame da permanência da medida, a qual não pode se perpetuar sine die, sob pena de causar danos irreversíveis aos laços afetivos entre pais e filhos. (...) No caso dos autos, o tempo de vigência da medida protetiva desborda o razoável, o que aliado à fragilidade dos elementos fornecidos pela genitora da criança, que apenas demonstrou temor à segurança da filha, mas sem indicar uma situação concreta de abuso, reforça a compreensão sobre a desnecessidade da permanência da medida de urgência, não se vislumbrando, atualmente, riscos à integridade física e psicológica da suposta vítima. Ademais, o afastamento da criança do convívio com o genitor, sem que exista motivo grave e concreto que o justifique, pode favorecer situação de periculum in mora in reverso, gerando danos ao desenvolvimento afetivo e emocional da menor. Não por outra razão, aquele Juízo decidiu pela revogação das medidas protetivas, às fls. 377 - 381, in verbis (grifou-se): "(...) Explico. Primeiramente, no caso em tela, as alegações do suposto abuso sexual não estão acompanhadas de provas robustas que evidenciem a ocorrência de situações de risco iminente ou perigo no convívio com o genitor. Ato contínuo, a partir das alegações das partes, constato que há um contencioso entre os genitores, o que gera um ambiente de litigiosidade exacerbada, com desentendimentos constantes sobre a guarda e convivência familiar, e que o juízo de família possui a competência e dados necessários para uma decisão. Esta litigiosidade, embora prejudicial ao ambiente familiar, por si só não constitui fundamento suficiente para a imposição e manutenção de uma medida protetiva no âmbito deste Juízo, já que não existem elementos indicativos da prática de abuso sexual pelo genitor, devendo ser analisado, caso vislumbrem as partes, a suposta prática de maus-tratos, na vara criminal competente. Ressalto ainda, que apesar do claro litígio na relação e comunicação entre os genitores, a 2ª Vara de Família, nos autos do processo de guarda, até a presente data, manteve a guarda compartilhada entre os pais, cuja avença foi celebrada na ação de guarda compartilhada c/c regulamentação de visitas e oferta de alimentos com pedido liminar, nº 0224255-61.2021.8.06.0001, que tramitou perante a 9ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE. Dessa forma, considerando a ausência de indícios claros e objetivos de perigo à integridade física ou psicológica da infante por parte do pai, e com base na alegação de litígios entre os genitores, que devem ser resolvidos no âmbito próprio da justiça familiar, entendo por bem REVOGAR as medidas protetivas outrora impostas, uma vez que não subsistem indícios da prática de abuso sexual perpetrado pelo genitor. De outro lado, para fins de modular a visitação, enquanto perdurar o trâmite do Inquérito Policial, entendo, prudente, a revogação da medida protetiva de distanciamento, todavia, no momento em que a criança estiver com o genitor, de acordo com a guarda definida no âmbito da Vara de Família, que a criança permaneça, também com a supervisão de um terceiro, indicado pelo genitor. (...)" Outrossim, analisa-se ainda trecho do estudo social (id. 145355362), com grifos nossos: "(...) Da visita domiciliar ao requerido, observamos que a residência possui estrutura adequada para acolher a criança. Mayke mora apenas com a esposa, Acássia e o domicílio do casal fica próximo à residência da avó paterna da criança. A requerente ingressou com esta ação de guarda unilateral, visitas assistidas e revisão de alimentos alegando que a criança voltava da casa paterna com marcas de queda e comportamento alterado, sugerindo um suposto abuso sexual. Houve a denúncia e a instauração de medidas protetivas. Os relatos trazidos pela requerente resgatam fatos passados sugestivos de maus tratos e abuso sexual, por parte do genitor, porém, não foi possível avaliar, nem averiguar a veracidade de referidos fatos, por conta do lapso temporal e da tenra idade da criança na época. O pai nega todas as denúncias, destaca que sempre foi atento às necessidades da filha e que Maitê ficava bem quando ia para sua residência. Observamos que a criança vinha construindo um vínculo afetivo com familiares paternos através das visitas regulamentadas ao genitor, que foram interrompidas com o ingresso desta ação. No momento, referidos vínculos encontram-se fragilizados pelo fato de Maitê não conviver com nenhum familiar paterno. O Serviço Social compreende que a convivência familiar com ambos os troncos é fundamental para o pleno desenvolvimento das crianças e deve ser preservada, levando-se em conta os interesses e necessidades delas, que devem se sobressair acima de quaisquer outros. Ademais, consideramos ainda que um bom guardião, além de prover os cuidados e a assistência diária necessária aos filhos, deve favorecer o diálogo e a convivência com o outro genitor e a participação deste em todos os aspectos da vida da prole. Nesse sentido, objetivando o restabelecimento dos laços afetivos da criança com o genitor e familiares paternos, considerando a tenra idade de Maitê e o tempo que a criança passou sem convívio com o genitor e a família extensa paterna, sugerimos o estabelecimento de visitas de forma gradual e assistida. (...)" Apesar de ser inegavelmente lamentável o fato de que a genitora tenha sido vítima de violência sexual durante sua pré-adolescência, conforme mencionado nos autos, é preciso destacar, com a devida cautela, que não há, até o momento, nos autos, provas robustas que apontem para a repetição de tal violência no vínculo entre o pai e sua filha. A própria decisão proferida no âmbito criminal, que revogou as medidas protetivas anteriormente impostas, é clara ao reconhecer que, após quase dois anos de vigência da medida, não houve produção de elementos concretos que sustentassem a acusação de abuso, havendo apenas a narrativa subjetiva da genitora, sem outros indícios minimamente corroborativos. Importante observar que a genitora, em diversos trechos das conversas acostadas aos autos, admite que a criança apresenta irritabilidade, agressividade e hipersensibilidade cutânea, características que, segundo orientação médica por ela mesma narrada, são comuns em quadros compatíveis com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesses diálogos, a genitora pontua, inclusive, que a agressividade da filha é esperada e tende a aumentar com o tempo, mencionando episódios em que a criança se machuca, agride terceiros e apresenta assaduras em razão do uso constante de fraldas, todas manifestações que foram tratadas como típicas por profissionais da saúde. O TEA se manifesta de formas plurais, variando de criança para criança. A hipersensibilidade sensorial, alterações comportamentais, dificuldades na comunicação e reações intensas a estímulos cotidianos são algumas das características possíveis, não obrigatórias, e que podem ser agravadas por mudanças na rotina, transições entre ambientes e contatos afetivos mal estruturados. A genitora, apesar de ter demonstrado cuidado com a saúde e bem-estar da filha, pode estar interpretando com temor reações que, embora difíceis, não necessariamente apontam para condutas reprováveis por parte do genitor. Todavia, o que se observa é que tais comportamentos foram individualizados na peça inicial como decorrentes exclusivamente da convivência com o pai, quando os próprios registros comprobatórios indicam que tais episódios já ocorriam, independentemente do ambiente. Além disso, os autos revelam que, em diversos momentos, os pais mantiveram diálogo colaborativo sobre as demandas da filha, conforme comprovam os prints acostados, o que demonstra que ambos os genitores têm, em tese, capacidade para exercer a parentalidade de forma conjunta, a despeito dos conflitos atuais. Diante disso, não se vislumbra, neste momento processual, conduta desabonadora suficiente por parte do genitor que justifique seu afastamento definitivo da convivência com a filha, devendo ser respeitado, com prudência e zelo, o direito da criança à convivência com ambos os pais. Assim, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança, e à luz dos elementos constantes nos autos até o presente momento, entendo que a guarda deva ser, inicialmente, unilateral para a genitora, e a convivência paterno-filial deve ser restabelecida de forma gradual, supervisionada e sem pernoite, enquanto se aguarda a realização do estudo psicológico interdisciplinar já determinado por este Juízo. Para tanto, fixo o seguinte modelo provisório: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Desse modo, é uníssono o entendimento de que a guarda será compartilhada entre os genitores, devendo se comprovar sua capacidade no exercício do poder familiar, salvo condutas desabonadoras de sua responsabilidade que interfiram no exercício daquele poder, devendo se observar também a idade e a rotina do(a) menor, a existência de laços afetivos estabelecidos e/ou de estratégias para manter/desenvolver o afeto parental, razão pela qual entendo pertinente a realização de prova pericial (estudo psicológico) para demonstração das alegações sobre a guarda e a convivência, que comprovem eventuais condutas desabonadoras capazes de ensejar na concessão definitiva da exceção da guarda unilateral. Por fim, destaca-se que nenhum dos genitores poderá impedir o convívio com o(s) filho(s), devendo ser respeitada a vontade da(s) criança(s), mas estimulando o contato parental para evitar a quebra de vínculo afetivo, bem como é terminantemente proibido que os genitores pratiquem atos alienatórios. Ressalto que o presente modelo poderá ser revisto a qualquer tempo, com base no resultado do estudo psicológico, na evolução da convivência ou diante de superveniência de novos fatos. III - DO RESUMO DOS EXPEDIENTES Por todo o exposto, foi determinado o seguinte: a) O deferimento do benefício da gratuidade de justiça à parte requerida e manutenção do mesmo benefício à parte autora; b) A imediata remessa destes autos ao Núcleo de Psicologia e Serviço Social - NPSS, a fim de que seja realizado estudo psicológico, em regime de máxima urgência, cabendo ao estudo apurar, dentre outros fatos relevantes, o seguinte: i) de que forma a alteração da guarda em favor de apenas um genitor ou no compartilhamento desta repercutirá na subjetividade e na vida prática da menor e, se possível, colher elementos que possam determinar se essa alteração será realmente benéfica à infante; ii) como vem se desenvolvendo a criança e se há evidências de violência praticada por um ou ambos genitores, apurando o grau de comprometimento da infante e o seu relacionamento com os genitores e os avós, recomendando ou não a restrição da convivência, inclusive, averiguando se existem indícios de maus-tratos, negligência, abandono, alienação parental ou qualquer outro tipo de violência praticada contra a petiz; iii) os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais da menor, dos pais e dos avós; c) A concessão momentânea da guarda unilateral da menor Maitê Alves Avelino à genitora M. A. D. O., de forma provisória, sendo a casa desta o lar de referência da criança, máxime para regularizar situação de fato e resguardar os interesses absolutamente prevalentes da infante, destacando que a medida não tem caráter definitivo e pode ser revista a qualquer tempo; d) A determinação da convivência paterno-filial, de forma assistida e gradual, da seguinte forma: i) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 03 (três) meses; ii) Convivência quinzenal, aos sábados, das 09h às 20h, e aos domingos, das 09h às 20h, em ambiente neutro ou na residência da avó paterna, desde que a criança esteja acompanhada por pessoa de confiança do genitor, previamente indicada nestes autos, sendo vedado o pernoite, durante 06 (seis) meses; iii) Convivência diária virtual, pelo prazo máximo de 30 (trinta) minutos antes do horário da criança ir dormir, respeitando seus horários de rotina; iv) Caberá aos genitores manter comunicação civilizada e centrada no bem-estar da criança, sendo terminantemente proibida qualquer forma de desqualificação recíproca ou atos de alienação parental. Ciência ao Ministério Público (via portal) e às partes (via DJe). Expedientes necessários. Fortaleza/CE, data de inserção no sistema. Victor Nunes Barroso. Juiz de Direito (Assinatura Digital)

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Caixa De Assistencia Dos Funcionarios Do Banco Do Brasil x Tania Maria Sampaio De Almeida

ID: 334790053

Tribunal: TJCE Órgão: 4º Gabinete da 4ª Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0051487-46.2021.8.06.0158

Data de Disponibilização: 25/07/2025

Polo Ativo:

CAIXA DE ASSISTENCIA DOS FUNCIONARIOS DO BANCO DO BRASIL

Polo Passivo:

TANIA MARIA SAMPAIO DE ALMEIDA

Intimação

Advogados:

MARIA DENISE DE BRITO MENDONCA BEZERRA

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TARCISIO REBOUCAS PORTO JUNIOR

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADOR DJALMA TEIXEIRA BENEVIDES 0051487-46.2021.8.06.0158 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: CAIXA DE ASSISTENCIA DOS FUNCIONARIOS… ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADOR DJALMA TEIXEIRA BENEVIDES 0051487-46.2021.8.06.0158 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: CAIXA DE ASSISTENCIA DOS FUNCIONARIOS DO BANCO DO BRASIL APELADO: TANIA MARIA SAMPAIO DE ALMEIDA EMENTA: DIREITO CIVIL CONTRATUAL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO. NEGATIVA DE COBERTURA DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO ESPECÍFICO (HERCEPTIN/TRASTUZUMAB) PARA TRATAMENTO DE CARCINOMATOSE PERITONEAL DECORRENTE DE ADENOCARCINOMA DE ENDOMÉTRIO EM ESTÁGIO AVANÇADO. CARACTERIZAÇÃO DE USO OFF-LABEL. DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA TAXATIVA, PORÉM MITIGADA DO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS. APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.454/2022. CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO COM MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I. Caso em exame A autora, portadora de adenocarcinoma de endométrio grau IV com metástase no peritônio (carcinomatose peritoneal), ajuizou ação contra a CASSI (Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil) para obrigar a operadora a custear tratamento quimioterápico com o medicamento Herceptin (Trastuzumab), prescrito por seu médico assistente. A sentença de primeira instância julgou o pedido parcialmente procedente, condenando a CASSI a custear o tratamento e a pagar indenização por danos morais de R$ 5.000,00. A operadora de saúde recorreu alegando que o medicamento não consta do rol da ANS e configura uso off-label, não havendo obrigação de cobertura. II. Questão em discussão A questão principal em discussão consiste em saber se a operadora de plano de saúde deve custear medicamento prescrito por médico assistente para tratamento oncológico, mesmo quando: (i) o medicamento não consta do rol de procedimentos obrigatórios da ANS; (ii) se caracteriza como uso off-label (fora das indicações da bula); e (iii) se a recusa injustificada de cobertura gera direito à indenização por danos morais. III. Razões de decidir Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: O contrato de plano de saúde deve ser interpretado de forma mais favorável ao consumidor, conforme previsto no art. 47 do CDC, especialmente quando envolve direitos fundamentais como vida e saúde. Natureza do rol da ANS: Mesmo considerando a recente mudança jurisprudencial do STJ sobre o caráter taxativo do rol da ANS, porém mitigado, a Lei nº 14.454/2022 estabeleceu critérios para cobertura de tratamentos não previstos no rol, desde que comprovada a eficácia científica. Uso off-label e autonomia médica: O uso de medicamento fora das indicações da bula (off-label) não justifica a negativa de cobertura quando prescrito por médico assistente, pois cabe ao profissional médico decidir sobre o tratamento adequado para cada paciente. Validação técnica através do NATJUS: O Tribunal considerou relevante a existência de pareceres do Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NATJUS) que, através de Nota Técnica específica, classificou a demanda como "JUSTIFICADA COM RESSALVAS", reconhecendo que, embora ainda não existam evidências suficientes para incorporação definitiva do medicamento ao rol da ANS, trata-se de "opção de tratamento em população de pacientes com prognóstico ruim e sem alternativas terapêuticas restantes", mesmo considerando que sua eficácia como agente terapêutico em outros tipos de câncer, incluindo o câncer de endométrio, ainda está sendo estudada. Esta validação técnica independente corrobora a adequação da prescrição médica. Registro ativo na ANVISA e segurança do medicamento: O Tribunal destacou que o medicamento Herceptin possui registro ativo na ANVISA (nº 1010005528), o que afasta qualquer alegação sobre seu caráter experimental ou sobre questões de segurança farmacológica. O registro na ANVISA atesta que o medicamento passou por todos os controles de qualidade, segurança e eficácia exigidos pela legislação brasileira, sendo reconhecido como medicamento seguro para uso humano. Jurisprudência consolidada do STJ sobre cobertura oncológica: O Tribunal citou extensa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelecendo que "a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa" (AgInt no REsp: 2036691/MG). Esta orientação jurisprudencial reconhece a especificidade do tratamento oncológico e a necessidade de flexibilização das regras gerais quando se trata de preservação da vida em casos de câncer. Urgência do tratamento oncológico: O tratamento se enquadra como emergência médica conforme art. 35-C, inciso I da Lei nº 9.656/98, uma vez que implica risco imediato de vida da paciente. Dano moral configurado: O Tribunal reconheceu que a negativa de cobertura para tratamento oncológico essencial causa sofrimento que transcende o mero inadimplemento contratual comum. A paciente, já debilitada pela doença oncológica e sofrendo com sintomas graves, foi submetida a estresse adicional pela necessidade de buscar tutela judicial para obter tratamento prescrito por seu médico. Este sofrimento adicional, em situação de extrema vulnerabilidade física e emocional, configura dano moral in re ipsa, que independe de prova específica de sua ocorrência. O dano moral opera-se pela própria natureza da lesão aos direitos da personalidade e à dignidade humana. A negativa injustificada de cobertura para tratamento oncológico causa sofrimento que ultrapassa o mero inadimplemento contratual, caracterizando dano moral passível de indenização. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida integralmente. Honorários advocatícios majorados para 15% sobre o valor da condenação. Teses de julgamento: "1. A operadora de plano de saúde não pode negar cobertura de medicamento necessário para tratamento de doença coberta pelo contrato, mesmo quando se trata de uso off-label, respeitando-se a prescrição médica. 2. O caráter experimental ou a ausência de previsão no rol da ANS não afasta a obrigação de custear tratamento oncológico quando prescrito por médico assistente e comprovada a necessidade terapêutica. 3. A recusa injustificada de cobertura para tratamento essencial à saúde configura prática abusiva e gera dano moral passível de indenização." Dispositivos relevantes citados: Lei nº 9.656/98, arts. 10, § 13, e 35-C, I; CDC, arts. 47 e 51, IV; CC, arts. 421, 422, 423 e 424. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1.890.823/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira; STJ, AgInt no AREsp 1.536.948/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; TJCE, 4ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível 01375644920188060001, Relator(a): CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 06/02/2025) ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os desembargadores integrantes da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso, negando-lhe provimento, nos termos do relatório e do voto do relator, que passam a fazer parte integrante do presente acórdão. Fortaleza, data e hora pelo sistema. JOSÉ EVANDRO NOGUEIRA Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR DJALMA TEIXEIRA BENEVIDES Relator RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível, Id. 24584684, interposta por Caixa De Assistencia Dos Funcionários Do Banco Do Brasil - CASSI, objurgando sentença, Id. 24584568 exarada pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Russas - Ce, em seus trâmites nos autos da Ação De Obrigação De Fazer c/c Indenização Por Danos Materiais E Morais, que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral movida por Tânia Maria Sampaio de Almeida. Na exordial, a autora aduz em síntese que é portadora de adenocarcinoma de endométrio grau IV e, em razão do último diagnóstico realizado, sendo constatada a recidiva com metástase do câncer no peritônio e retroperitônio - carcinomatose peritoneal, necessitando com urgência de tratamento quimioterápico, pois, além de sofrer com dores agudas, ascite grave, aumento severo do abdômen, dificuldade de ingestão de alimentos entre outros, essa é a única forma de tratar a neoplasia. Afirma que a quimioterapia estava prevista para o dia 09 de setembro do ano corrente, porém, até o protocolo da Ação em deslinde, não houve autorização por parte da Operadora de Saúde requerida. Dessa forma, pleiteou junto ao Poder Judiciário, a concessão da tutela provisória de urgência, a ser confirmada por tutela final, para compelir a parte ré a autorizar/custear o tratamento de quimioterapia que a requerente necessita, conforme solicitado pelo Instituto do Câncer do Ceará, bem como, todos os exames e procedimentos médicos necessários ao combate da neoplasia maligna, atualmente em estado avançado. Além disso, requer a condenação da demandada ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos morais, tendo em vista que a conduta da promovida de demorar ou simplesmente não autorizar a realização do procedimento prescrito, é passível de reparação. Tutela de Urgência em sede de antecipação de tutela, concedida, Id. 24584764. Sobreveio sentença, em que judicante de 1º grau, Id. 24584568, julgou parcialmente procedente o pleito autoral, nos seguintes termos: "Ante o exposto, torno definitiva a antecipação de tutela concedida e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido autoral, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR a parte ré a autorizar e custear integralmente o tratamento quimioterápico necessário ao restabelecimento da saúde da autora, conforme prescrição médica. CONDENO a promovida, ainda, ao pagamento de danos morais, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente pelo INPC, a partir da presente data, conforme Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça, e com incidência de juros simples à razão de 1% a.m., a partir da citação. Em razão da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, esses fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, consoante art. 85, §2º do CPC ". Inconformado, a demandada interpôs recurso de Apelação, Id. 24584684, alegando que não houve negativa ao tratamento posto que realizou todas as autorizações devidas dentro do prazo da decisão interna. Aduz ainda que o medicamento HERCEPTIN(Trastuzumab) é caracterizado como off label não estando contemplado nas indicações oficiais descritas na bula do medicamento relacionada no referido Rol de Procedimentos Médicos Obrigatórios, não existindo obrigatoriedade da Operadora em disponibilizar o tratamento pretendido. Ao final pugna pelo provimento do recurso e, por consequência, seja reformada a r. sentença recorrida, a fim de que seja excluída a condenação para custear integralmente o tratamento quimioterápico, com o medicamento "herceptin", ao pagamento de danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Contrarrazões Id. 24584654, pugnando pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença combatida. Manifestação da Procuradoria Geral de Justiça, Id. 24584546, opinando pelo desprovimento do apelo. É o que importa relatar. VOTO 1. Da Admissibilidade recursal Constato presentes os pressupostos intrínsecos ou subjetivos cabimento, interesse e legitimidade, inexistência de súmula impeditiva e extrínsecos ou objetivos tempestividade, preparo devidamente recolhido, Id. 24584756, regularidade formal e a inexistência de fatos extintivos ou impeditivos do direito de recorrer de admissibilidade recursal, levando-me ao qualificativo da positividade e, assim, ao conhecimento do recurso apelatório. Passo a analisar o mérito. 2. Mérito A controvérsia recursal repousa sobre a aferição de responsabilidade civil da apelante, haja vista a negativa de autorização para realizar o tratamento quimioterápico da parte autora, indicado pelo médico assistente da autora ora apelada, Id. 24584653, Dr. Vicente de Paulo Augusto de Oliveira, CREMEC 4117, após ser diagnosticada com carcinomatose peritoneal associado a volumosa ascite, em decorrência do avanço do câncer de endométrio, grau IV que acomete a autora. A conduta da ré, ora apelante, pautou-se no fato de que o tratamento indicado não consta do rol da ANS, o que defende ser lícito por estar dentro da esfera do regular exercício de seu direito, conforme previsão contratual e legal, e em conformidade com o atual entendimento do STJ. É cediço que, não se tratando da modalidade de autogestão, aplica-se ao contrato de plano de saúde o Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608, do STJ). Tal previsão não afasta a incidência da legislação específica sobre a matéria (Lei nº 9.656/98), que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde. No entanto, a mesma deve obedecer as normas estabelecidas no Código Civil relativas aos contratos em geral, especificadamente o art. 423, in verbis: "Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente." Tais disposições contratuais devem também ser norteadas pelo princípio da boa-fé, sendo este o carro-chefe dos princípios aplicáveis aos contratos de consumo, aplicando-se ainda a interpretação das cláusulas contratuais da maneira mais favorável ao consumidor, conforme previsto no art. 47 do CDC. Necessário que se interprete o contrato de forma a propiciar o atendimento ao direito e a vida, bens maiores que possuem proteção constitucional. Além do mais, resta frisar que o princípio do "pacta sunt servanda" é mitigado perante os princípios constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. Assim, a operadora de plano de saúde de autogestão, não se exime de cumprir a obrigação pela não aplicação do Código de Defesa do Consumidor. É verdade que o Superior Tribunal de Justiça, por alguns anos, manteve o entendimento majoritário no sentido de ser exemplificativo o rol da ANS, e que, no ano de 2022, parece ter superado sua jurisprudência no julgamento dos embargos de divergência em recurso especial nº 1.886.929/SP e nº 1.889.704/SP, nos seguintes termos: "1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS." Não obstante, além de referida decisão não constituir precedente vinculante, nos termos do art. 927 do CPC, e conforme já reconhecido por este Tribunal, o legislador promoveu verdadeira "overreaction", ao editar a Lei nº 14.454/2022, de 21 de setembro de 2022, que incluiu na Lei nº 9.656/98 o § 13 ao art. 10, in verbis: "§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ouII - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais." No caso, ainda que se observasse o novo entendimento do STJ, tem-se que a apelante não comprovou: a) que existe substituto expressamente previsto no rol da ANS que substitua a quimioterapia, conforme indicado; b) a ausência de eficácia do procedimento, seja abstratamente, seja no caso concreto; c) que a incorporação do referido tratamento à lista da ANS tenha sido expressamente indeferida; d) a manifestação categoricamente contrária ao método por órgãos técnicos. De mais a mais, considerando o caráter não vinculante da decisão, conforme já colocado, a jurisprudência deste Tribunal entende ser devida a cobertura do tratamento negado pela apelante, quando prescrito pelo médico assistente do consumidor, o que corrobora a ilicitude de sua conduta e a abusividade da cláusula contratual na qual se amparou. O fato do fármacos em questão configurar uso off-label, em nada afeta o dever de fornecimento, posto que quem decide se a situação concreta de enfermidade do paciente, está adequada ao tratamento conforme as indicações da bula/manual da ANVISA daquele específico remédio, é o profissional médico. Autorizar que a operadora negue a cobertura de tratamento sob a justificativa de que a doença da paciente não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência na ciência médica. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. USO OFF LABEL. RECUSA INDEVIDA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO NÃO PROVIDO.1. "A jurisprudência desta Corte é no sentido de que os planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades cobertas, sendo-lhes vedado, no entanto, limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os experimentais. Considera-se abusiva a negativa de cobertura de plano de saúde quando a doença do paciente não constar na bula do medicamento prescrito pelo médico que ministra o tratamento (uso off-label)" (AgInt no REsp 1795361/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19/8/2019, DJe 22/8/2019).2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).3. A necessidade do reexame da matéria fática inviabiliza o recurso especial também pela alínea c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, ficando, portanto, prejudicado o exame da divergência jurisprudencial.4. Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt no AREsp 1536948/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2020, DJe 28/05/2020) Nesse mesmo sentido, há pareceres exarados pelo Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário - NATJUS em que, através de Nota Técnica, (https://www.tjdft.jus.br/informacoes/notas-laudos-e-pareceres/natjus-df/2955.pdf/@@download/file/2955.pdf ) muito embora não haja evidências suficientes para justificar a incorporação do medicamento em questão, concluiu-se por considerar a demanda como JUSTIFICADA COM RESSALVAS, uma vez que se trata de uma opção de tratamento em uma população de pacientes com prognóstico ruim e sem alternativas terapêuticas restantes, mesmo que ainda esteja sendo estudado sua eficácia como agente terapêutico em outros tipos de câncer, independente de tecido, incluindo o câncer de endométrio. Mesmo reconhecendo que os planos de saúde podem estabelecer quais doenças estão excluídas da cobertura securitária, não lhes é dado a escolha do tratamento, cuja definição cabe, exclusivamente, ao médico ou equipe profissional que assiste ao paciente, sob pena de, agindo assim, o plano de saúde restringir os direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual. Neste diapasão, diante dos exames e circunstanciados relatórios médicos acostados aos autos, sendo patente a necessidade do fármaco para controle da patologia da parte autora, o fornecimento do mesmo deve ser coberto pela operadora do plano de saúde. Outrossim, há muito se reconhece como sendo da natureza do contrato celebrado a prestação de auxílio à vida e à saúde, de modo que os avanços científicos ligados à ciência médica devem ser considerados abarcados pela contratação, conforme o célebre entendimento consignado no julgamento do REsp. nº 668.216/SP, pelo Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (DJe de 02.04.2007) de que:"(...) o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. (...) (AgRg no REsp 512.109/RJ, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, 4a Turma, DJE 01/08/2014) Assim, ainda que o contrato firmado entre as partes preveja que as coberturas são limitadas aos procedimentos listados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, essas limitações são abusivas e nulas, posto que implicam, na prática, em renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio jurídico (art. 424 do CC), colocando o consumidor em uma posição de desvantagem exagerada ao restringirem direitos inerentes ao contrato de plano de saúde. A ingerência da operadora, além de não ter fundamento na Lei 9.656/98, consiste em ação iníqua e abusiva na relação contratual, e coloca concretamente o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC). De qualquer modo, mesmo que não houvesse qualquer nulidade nas disposições contratuais, essas ainda teriam de ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, como dito alhures (art. 47 do CDC), não podendo a apelada, acometida por câncer agressivo, ser frustrada em sua legítima expectativa de ter acesso a um tratamento essencial à sua saúde, sob pena de violação aos princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do CC e art. 4º, III, do CDC) e da função social do contrato (arts. 421, caput, e 2.035, parágrafo único, do CC). Destaco ainda que a recorrida detectou o ressurgimento de um problema oncológico que imaginava ter superado e recebeu recomendação médica de imediato tratamento quimioterápico, com utilização do Herceptin, sob pena de comprometimento de sua saúde. Esta delicada situação em que se encontra, evidencia o agravamento de sua condição de dor, de abalo psicológico e com prejuízos à saúde já debilitada, sobretudo diante de seu histórico clínico. Configurado pois o dano moral passível de compensação. A gravidade da doença e a necessidade de associar o fármaco prescrito HERCEPTIN a outros já integrantes do tratamento, se verifica da justificativa constante do laudo médico sendo que os óbices apresentados pela operadora não vieram acompanhados de indicação de terapia substituta àquela prescrita pelo médico e que gozasse de efetividade semelhante, prevista no rol. O medicamento referido possui registro ativo na ANVISA - nº 101000552 8 , não servindo o alegado caráter experimental como argumento apto a embasar a negativa, considerando sabida a utilização cada vez mais variada de drogas como as que receitadas à paciente. Por fim, o entendimento da Corte Superior de Justiça ( AgInt no REsp n. 1.890.823/SP, relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe de 28/4/2022 ) é no sentido de que a ausência de previsão no rol da ANS não afasta do plano de saúde a obrigação de custear o tratamento, especialmente quando destinado à cura de câncer, ainda que se trate de uso off-label . Vejamos: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. TRATAMENTO DE CÂNCER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS. DESIMPORTÂNCIA. USO OFF-LABEL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. (...)3. Nos termos da jurisprudência deste Corte, a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa. Precedentes. (...). 6. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp: 2036691/MG, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, DJe 29/03/2023) Desse modo, o atual entendimento jurisprudencial desta Colenda Corte, é no sentido de que, a negativa indevida de cobertura pela operadora de plano de saúde, é passível de ensejar indenização por danos morais, conforme assentiu em casos semelhantes que transcrevo: EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE DIAGNOSTICADO COM POLICITEMIA VERA. PRESCRIÇÃO DO MEDICAMENTO RUXOLITINIBE (JAKAVI) 10MG. NEGATIVA DE FORNECIMENTO. ABUSIVIDADE. CARÁTER EXPERIMENTAL E USO OFF-LABEL NÃO CONFIGURADOS. REMÉDIO REGISTRO NA ANVISA E INDICAÇÃO DE TRATAMENTO PARA A DOENÇA DO CONSUMIDOR. ADEQUADA PRESCRIÇÃO DO MÉDICO O ASSISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia recursal consiste em saber se a apelante deve fornecer medicamento prescrito para o tratamento de doença que acomete o apelado, conforme recomendação do médico que assiste este último. 2. Consta nos autos que o recorrido, beneficiário do plano de saúde recorrente, foi diagnosticado com Policitemia Vera (CID: D45), doença rara do grupo de neoplasias clonais hematológicas malignas (câncer), sendo prescrito pelo médico hematologista que acompanha o paciente, a fim de evitar a evolução da doença para mielofibrose de risco alto/intermediário, tratamento com o medicamento Ruxolitinibe (jakavi) 10mg/2 vezes ao dia (id 15838249 e 15838250). 3. Apesar da solicitação médica, a operadora do plano de saúde, indeferiu o fornecimento do referido medicamento para o tratamento indicado, sob a argumentação de se tratar de uso "off-label" e de caráter experimental. 4. O medicamento prescrito possui registro na ANVISA sob o nº 1006811210019, bem como há indicação em sua bula de que se destina a tratar pacientes com policitemia vera e mielofibrose de risco intermediário ou alto (https://portal.novartis.com.br/medicamentos/wp-content/uploads/2021/10/Bula-JAKAVI-Comprimido-Paciente.pdf), circunstância que afasta a tese de que se trata de fármaco experimental. 5. A negativa apresentada pela recorrente, nos moldes em que se deu, coloca o consumidor em desvantagem exagerada na relação contratual, em clara violação ao disposto no art. 51, IV, do CDC. 6. Recurso conhecido e não provido. (APELAÇÃO CÍVEL - 01375644920188060001, Relator(a): CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 06/02/2025) AGRAVO INTERNO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PRESCRITO PARA TRATAMENTO ONCOLÓGICO. MORTE DA BENEFICIÁRIA NO CURSO DA DEMANDA. HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS. NÃO PERDA DO OBJETO. ABUSIVIDADE DA NEGATIVA DE COBERTURA. RESPEITO À PRESCRIÇÃO MÉDICA. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. I Caso em Exame: Agravo interno interposto por plano de saúde contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença que condenou a operadora a fornecer medicamento prescrito para paciente com câncer e a indenizar por danos morais. Com a morte da beneficiária no curso do processo, houve habilitação de seus herdeiros, não acarretando perda do objeto, dado o caráter patrimonial e transmissível do direito aos danos morais. II Questão em Discussão: Avaliação sobre a obrigatoriedade de cobertura do medicamento prescrito, a legalidade da negativa de custeio sob o argumento de exclusão contratual, a transmissibilidade dos direitos dos danos morais aos sucessores da beneficiária e os parâmetros para fixação do quantum indenizatório. III ¿ Razões de Decidir: Continuidade da Demanda pelos Herdeiros: A morte da beneficiária não extingue a demanda, uma vez que os danos morais possuem caráter patrimonial e são transmitidos aos herdeiros. A habilitação dos sucessores foi corretamente deferida, assegurando a continuidade do processo e a proteção dos direitos decorrentes da relação contratual. Cobertura de Medicamentos Prescritos e Autonomia Médica: O plano de saúde não pode negar cobertura de medicamento necessário para o tratamento de uma doença coberta pelo contrato. O respeito à prescrição médica é essencial, especialmente em situações de gravidade como o câncer, configurando a negativa de custeio prática abusiva, em desacordo com o CDC e com a dignidade humana. Dano Moral e Quantum Indenizatório: A recusa da operadora em fornecer medicamento essencial ao tratamento da paciente, causando agravamento de seu sofrimento, configura dano moral. O valor fixado de R$ 5.000,00 foi considerado adequado ao dano, observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Precedentes e Normas Aplicáveis: A decisão se alinha ao entendimento jurisprudencial sobre a obrigatoriedade da cobertura para tratamentos essenciais à saúde e à Lei nº 9.656/98, que determina a cobertura de tratamentos indispensáveis ao atendimento das necessidades do segurado. IV ¿ Dispositivo e Tese: Recurso conhecido e não provido. Mantém-se a decisão monocrática que confirmou a sentença, com majoração dos honorários recursais em R$ 500,00 (quinhentos reais), ratificando a obrigatoriedade do plano de fornecimento do tratamento prescrito, bem como ao pagamento de danos morais. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos d Agravo Interno, em que figuram as partes acima referidas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a unanimidade, em conhecer do recurso de Agravo Interno, mas para LHE NEGAR PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do Desembargador Relator. Fortaleza, na data do julgamento. FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Desembargador Relator(Agravo Interno Cível - 0264758-90.2022.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 19/11/2024, data da publicação: 19/11/2024). Logo, imperativo o fornecimento, considerando a recusa, em última análise, como negativa à cobertura ao próprio tratamento. A condenação ao pagamento de indenização decorrente de dano moral, se justifica nos casos em que o ato imputado como causador seja ilícito, e de tal modo lesivo que venha a deixar profundas cicatrizes no âmbito psicológico e emocional da pessoa. Dessa forma o dano opera-se in re ipsa, de sorte que não se configurou qualquer violação aos princípios referidos. O Dano Moral é entendido como a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial, sendo que restou caracterizado no presente caso com a negativa de autorização do procedimento indicado pelo médico assistente, gerando sofrimento para a autora diante da enfermidade que a acomete. A compensação pecuniária, como bem discutiu este colegiado em casos que se amoldam aos autos, apresenta particularidades próprias e variáveis, todas importantes, tais quais, a Intensidade do Sofrimento da Vítima, a Situação Socioeconômica do Responsável, dentre outros aspectos, como o Caráter Pedagógico aliado à nota de Prevenção de acontecimentos similares e demais pormenores de concreção que devem ser sopesados no momento do Arbitramento Equitativo da Indenização, de modo a atender ao Princípio da Reparação Integral. Portanto, no que se refere ao montante atinente à indenização por danos morais arbitrados pelo juízo a quo, na quantia de R$5.000,00(seis mil reais), não há que se falar em exorbitância, e sim compatibilidade com o dano suportado, bem como, foi arbitrado atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, seguindo o entendimento assente deste Colegiado.. Assim, também não há que se falar em reforma da sentença, posto que a recusa da operadora, autoriza compensação pecuniária a título de dano moral, que como dito, ultrapassa o mero inadimplemento contratual. Os documentos médicos acostados à instrução processual, Id 24584653 - 24584590, demonstram que o procedimento pleiteado indicado à paciente se apresenta necessário e urgente, o que justifica a aplicação do art. 35-C, inciso I da Lei nº 9.656/98: "Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente; II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; (Redação dada pela Lei Nº 11.935, de 2009)." Nesse contexto, assinalo que, em conformidade com a tradicional doutrina e a jurisprudência dominante, "a exclusão de cobertura de determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato" (STJ - REsp 1920082/SP, Rel. Ministro Raul Marco Aurélio Bellize, Quarta Turma, julgado em 18/02/2021). Importante obtemperar que o objeto do direito ansiado, considerando a particularidade do tratamento necessário a autora, está intrinsecamente ligado ao próprio direito à vida. Dessa forma, a negativa de sua concessão tem o potencial de comprometer a saúde e, consequentemente, colocar em risco a vida da agravante. Dessa forma, considerando a delicada situação na qual se encontra a demandante, tendo em vista sua necessidade de tratamento ora prescrito, é imperativo o fornecimento de tratamento que assegure a assistência total à autora, a fim de garantir à manutenção da vida da segurada, sob pena de agravamento do quadro da paciente e vulnerabilidade do próprio objetivo do contrato de assistência médica, que é garantir a saúde e a vida do contratante. 4.DISPOSITIVO Diante do exposto, CONHEÇO o recurso, para NEGAR-LHE PROVIMENTO para que a Operadora do Plano de Saúde, cumpra a decisum combatido, e determino que a ré forneça o medicamento HERCEPTIN para a devida utilização em conjunto com os demais, necessários à realização do novo ciclo de quimioterapia de que necessita a autora, nos termos da prescrição médica anexa, e mantendo-se a sentença vergastada incólume em todos os seus termos. Em razão do resultado do recurso interposto pela Ré e da sucumbência desta, majoro os honorários advocatícios para 15% (quinze por cento), sobre o valor da condenação, com arrimo no artigo 85, §§ 2º e 11º do CPC. Fortaleza, data e hora pelo sistema. DESEMBARGADOR DJALMA TEIXEIRA BENEVIDES Relator

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Pedro Yuri Gomes Dos Santos e outros x Juízo Da Vara Criminal Da Comarca De Casa Nova

ID: 300447983

Tribunal: TJBA Órgão: Des. Geder Luiz Rocha Gomes - 2ª Câmara Crime 1ª Turma Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 8034410-59.2025.8.05.0000

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

PEDRO YURI GOMES DOS SANTOS VALDETH FERREIRA

Polo Passivo:

JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CASA NOVA

Decisão

Advogados:

PEDRO YURI GOMES DOS SANTOS

OAB/PE XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 1ª Turma Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL n. 8034410-59.2025.8.05.0000 Órgão Julgador: Segunda Câmara Crimin… PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 1ª Turma Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL n. 8034410-59.2025.8.05.0000 Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal 1ª Turma IMPETRANTE: Pedro Yuri Gomes dos Santos registrado(a) civilmente como PEDRO YURI GOMES DOS SANTOS e outros Advogado(s): Pedro Yuri Gomes dos Santos registrado(a) civilmente como PEDRO YURI GOMES DOS SANTOS (OAB:PE48460-A) IMPETRADO: JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CASA NOVA Advogado(s): DECISÃO Vistos, etc. Versam os presentes autos sobre Habeas Corpus, impetrado por PEDRO YURI GOMES DOS SANTOS em favor de VALDETH FERREIRA, contra ato do JUIZ DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CASA NOVA/BA, ora apontado como autoridade coatora, objetivando a revogação da prisão preventiva do Paciente. Emerge dos autos que o Paciente foi predo em 20.09.2023, em decorrência de cumprimento de mandado de prisão preventiva em decorrência do fato de ter, no dia 12.08.2023, supostamente praticado o crime previsto no art. 217-A, do Código Penal (estupro de vulnerável), em face de sua enteada que, à época, contava com 11 (onze) anos de idade. Informa o Impetrante "[e]m 10/08/23, a vítima, acompanhada de sua avó, deu entrada no hospital Dom malam em Petrolina, com suspeita de apendicite, após exames foi comprovado que se tratativa de uma gravidez. Ao ser interrogada, a vítima relatou que era abusada pelo Paciente e que era ele o pai da criança. Diante dessa afirmação, foi aberto Inquérito Policial no id. 411781436 - Pág. 01, contra a Paciente por supostamente ter praticado crime do art. 217-A do Condigo Penal." Narra que a autoridade policial requereu a prisão preventiva do Paciente e o Ministério Público requereu a sua prisão preventiva com fundamento na necessidade de garantia da ordem pública, o que fora deferido pelo Juízo de origem, que decretou a prisão preventiva do Acusado, tendo este sido preso preventivamente em 20.09.2023, estando provado de sua liberdade desde então. Descreve que em 19.10.23, o Juiz a quo determinou o encaminhamento do Paciente para colher material para fins de se proceder exame pericial de confronto de perfil genético (feto coletado na vítima, a fim de comprovar a paternidade, o que fora feito e, após, já foram juntados vários exames periciais médicos atestando que o material genético coletado no feto da Ofendida, não condiz com o material genético do Paciente, ou seja, os exames de DNA atestam que não é capaz de confirmar que este é pai da gestação da vítima, gestação essa que ensejou na acusação de estupro e foi base para decretação da prisão preventiva. Salienta que "[o] processo, com toda sua morosidade do Interior, seguiu seus tramites, ocorrendo a última audiência de instrução no dia 13/03/25 (id.490760972), no qual, neste mesmo dia (13/03/25), conforme consta em ata de audiência, as partes já ficaram intimadas para Alegações Finais. Ocorre que, até a presente data (mais 90 dias após sua intimação) o Ministério Púbico ainda não apresentou suas alegações Finais. Seguindo o Paciente preso por inercia da Máquina Estatal." Aduz haver ofensa ao art. 316, do CPP, porquanto "o Paciente está preso há mais de 01 (ano) e 09 meses (20/09/2023. id.411806372), e sua última prisão foi revisada há mais 06 meses (dia 19/12/24 dia da última analise id.479784246). O que extrapola mais do que o dobro do permitido legal." Destaca que haver excesso de prazo, na formação da culpa, tendo em vista que "o Paciente está preso preventivamente desde o ano de 2023, o que extrapola totalmente os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e principalmente da celeridade processual, sendo que o processo deveria seguir em caráter de urgência, veste a existência de réu preso, sem falar que, o Réu está devidamente qualificado nos autos, e contribuí em nada para qualquer embaraço nos autos que pudesse justificar essa dilatação no processo." Argumenta, ainda, que "não houve, nenhum fato novo e contemporâneo capaz de demonstrar que a liberdade do Paciente coloque em risco a sociedade e a ordem Pública, além de durante todo esse tempo em que está preso, está tendo um bom comportamento carcerário, devendo dessa forma, ser a presente ordem de Habeas Corpos." In fine, requer seja concedida, liminarmente, a ordem de Habeas Corpus em favor do Paciente, ante o constrangimento ilegal a que vem sendo submetido, expedindo-se o competente Alvará de Soltura; e, no mérito, que seja deferido o writ, concedendo-se ao Paciente, em definitivo, ordem mandamental, determinando a sua soltura. Distribuído a esta Colenda Câmara Criminal, coube-me sua relatoria. Decido. 1. Do juízo de admissibilidade do writ O instituto do Habeas Corpus, consagrado em praticamente todas as nações do mundo, no direito brasileiro, encontra previsão expressa no art. 5º, LXVIII[1], CF. Em âmbito interno, seu procedimento está previsto no Regimento Interno do TJ-BA (art. 256[2] e ss.). Possui status de ação autônoma de impugnação, tendo como pilar garantir a liberdade ante a existência de eventual constrangimento ilegal, seja quando já há lesão à liberdade de locomoção, seja quando o paciente está ameaçado de sofrer restrição ilegal a esta liberdade. Na melhor dicção do Professor Gaúcho Aury Lopes Júnior[3]: "O habeas corpus brasileiro é uma ação de natureza mandamental com status constitucional, que cumpre com plena eficácia sua função de proteção da liberdade de locomoção dos cidadãos frente aos atos abusivos do Estado, em suas mais diversas formas, inclusive contra atos jurisdicionais e coisa julgada. A efetiva defesa dos direitos individuais é um dos pilares para a existência do Estado de Direito, e para isso é imprescindível que existam instrumentos processuais de fácil acesso, realmente céleres e eficazes." Em relação aos requisitos de admissibilidade desta ação constitucional, curial trazer aos autos, novamente, a doutrina de Renato Brasileiro[4]: Sobre o interesse de agir: "Para que o habeas corpus possa ser utilizado, o texto constitucional exige que alguém sofra ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção em virtude de constrangimento ilegal". p.1851 Sobre a possibilidade jurídica do pedido: "O pedido formulado pela parte deve referir-se a uma providência admitida pelo direito objetivo, ou seja, o pedido deve encontrar respaldo no ordenamento jurídico, referindo-se a uma providência permitida em abstrato pelo direito objetivo." p.1859 Sobre a legitimidade ativa e passiva: "Em sede de habeas corpus, é importante distinguir as figuras do impetrante e do paciente. O legitimado ativo, leia-se, impetrante, é aquele que pede a concessão da ordem de habeas corpus, ao passo que paciente é aquele que sofre ou que está ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder."p.1860 "(…) o legitimado passivo no âmbito do habeas corpus - autoridade coatora ou coator - é a pessoa responsável pela violência ou coação ilegal à liberdade de locomoção do paciente. " p.1866 In casu, verificada a presença dos requisitos de admissibilidade exigidos para o manejo da ação constitucional de habeas corpus, esta deverá ser conhecida, razão pela qual passo à análise do pedido liminar. 2. Do pedido liminar O presente writ tem como questão nuclear o suposto constrangimento ilegal sofrido pelo Paciente, em razão da existência de argumentos para revogação da segregação cautelar, quais sejam: (i) ausência de autoria delitiva; (ii) excesso de prazo na formação da culpa; (iii) ausência dos requisitos autorizadores para a segregação cautelar. Tendo em vista tal cenário, o Impetrante requereu a apreciação da pretensão do presente writ, em sede liminar. Consoante já afirmado, o habeas corpus, como forma autônoma de impugnação, encontra-se regulado no Código de Processo Penal, arts. 647 e seguintes. Possuindo natureza sumária, não há previsão legal de concessão de liminar, sendo esta uma construção jurisprudencial, admitida de forma excepcional, quando presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Nesse sentido, elucida Eugênio Pacelli: "Embora não previsto em lei, a jurisprudência vem se consolidando no sentido de se permitir a concessão de liminar em processo de habeas corpus, aplicando, por analogia, as disposições previstas para o mandado de segurança (Lei nº 12.016/09)" [5] Por sua vez, leciona Mirabete que: "como medida excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos: o periculum in mora (a probabilidade de dano irreparável) e o fumus boni iuris (elementos da impetração que indiquem a existência de ilegalidade no constrangimento)".[6] No mesmo sentido, firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a ilustrar: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. DEFICIÊNCIA NA INSTRUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DO PEDIDO FORMULADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O deferimento de liminar em habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas em hipótese de patente ilegalidade, sendo exigível prova pré-constituída acerca do alegado constrangimento ilegal. 2. A deficiência na instrução do writ impede a análise da plausibilidade do pedido de liminar formulado. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 609.388/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 18/11/2020) Pois bem. De proêmio, impende destacar que o Impetrante não carreou aos autos a íntegra do processo de origem, sendo que este Relator, em busca ativa no sistema PJe Primeiro Grau, constatou a impossibilidade de acesso aos autos primevos, muito provavelmente por tramitarem sob sigilo, tendo em vista que se trata de ação penal instaurada para apuração de suposto crime de estupro de vulnerável. No caso sub examine, o que se extrai da cópia do Inquérito Policial acostada ao id 84529476, é que o Acusado convivia maritalmente com a mãe da Vítima há aproximadamente 03 (três) anos, sendo, portanto, seu padrasto, sendo que no dia 09.08.2023 a Ofendida, que contava com 11 (onze) anos de idade, foi levada à unidade hospitalar da cidade de Casa Nova/BA, por estar com suspeita de apendicite e, em lá chegando, após avaliação médica, constatou-se que a infante estava, na verdade, grávida. Diante de tal informação, a avó da Vítima, buscou conversar com esta, ocasião em que a Ofendida informou que o seu padrasto, ora Paciente, abusava sexualmente dela desde quando tinha 10 (dez) anos de idade, sendo que a ameaçava de morte acaso contasse para alguém, ameaçando matar a ela, sua mãe e sua avó. Nesse momento, a Vítima informou à avó que queria morar com ela, não queria mais voltar a morar com a mãe e o padrasto. Diante doa fato, a autoridade policial representou pela prisão preventiva do Paciente, o que fora deferido pelo Magistrado de origem, cuja decisão, entretanto, não fora carreada aos presentes autos. Consta dos presentes fólios, ao id 84529470, termo da Audiência de Custódia realizada em 21.09.2023, em decorrência do cumprimento do mandado de prisão expedido em desfavor do Paciente, ocasião em que a Defesa pugnou pela concessão da liberdade provisória em favor do Paciente, havendo a seguinte manifestação da Juíza a quo: "(...) Mantenho a prisão preventiva do acusado, tendo em vista que não há elementos novos ou razão superveniente capaz de comprovar o desaparecimento dos motivos que, originalmente, determinaram a decretação da prisão, sendo a sua manutenção necessária para evitar risco à instrução criminal, para assegurar a aplicação da Lei Penal e para garantia da ordem pública , nos termos da decisão de ID 409537488:" (…) Assiste razão ao Ilustre Delegado de Polícia. Demonstra-se dos autos que os indícios são realmente de crime tipificado no art. 217-A c/c art. 226, II, ambos do Código Penal, estupro de vulnerável, onde o representado supostamente praticou abuso sexual contra sua enteada, a vítima G.R.C.S, com 11 anos de idade, da qual resultou em gravidez, e, após os atos ameaçava-a para que não contasse a ninguém. No concernente ao pedido de prisão preventiva do representado, demonstram-se dos autos que os indícios são de estupro de vulnerável, onde o réu teria praticado conjunção carnal e atos libidinosos com a vítima, aproveitando da sua vulnerabilidade, em virtude da mesma ser criança e sua enteada. Tais atos atinge sobremaneira a ordem pública, as circunstâncias dos fatos, a premeditação, certamente causa risco à instrução criminal, visto que a vítima poderá alterar a versão dos fatos por ameaças do réu, além de que nos depoimentos constata-se que o representado tinha consciência da gravidade de seus atos e da possibilidade de ser preso, tanto é que ameaçou a vítima caso a mesma contasse para alguém. Assim, trata-se de indivíduo periculoso, em que pese exigir uma análise cuidadosa e, até mesmo, mais rigorosa da situação fática, em razão da evidente ameaça à paz social de delitos desse naipe, que afeta a comunidade em situações de insegurança. (...)". Ademais, eventuais condições favoráveis do acusado não são suficientes para elidir a necessidade da custódia cautelar para garantia da ordem pública, visando prevenir a reprodução de novos fatos criminosos, bem como acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça. (...)." A legislação processual penal dispõe que a prisão cautelar é medida excepcional, somente sendo justificada se presentes os requisitos autorizadores descritos no art. 312 do Código de Processo Penal, quais sejam: o fumus comissi delicti, consubstanciado na prova da materialidade e indícios de autoria delitivas, e o periculum libertatis, possíveis de serem aferidos na necessidade de garantia da ordem pública e econômica, na conveniência da instrução criminal ou na imprescindibilidade de assegurar a aplicação da lei penal. Art. 312 - A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente da autoria. Feita essa digressão, passo à análise dos argumentos levantados pelo Impetrante no writ, objetivando a revogação da prisão preventiva. Rememore-se que no writ em apreço, o Impetrante aponta a existência de constrangimento ilegal sofrido pelo Paciente, diante da manutenção da sua prisão preventiva, ante a alegada ausência dos requisitos para a manutenção do cárcere, sustentando que o Paciente nega a autoria das condutas típicas a si imputadas. No caso em comento, em que pese a alegação de negativa de autoria levantada pelo Impetrante, seria necessário proceder à análise de fatos e provas, providência incompatível com a via do Habeas Corpus. Neste sentido já se manifestou o STJ: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. NEGATIVA DE AUTORIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA AÇÃO DELITUOSA. PERICULOSIDADE SOCIAL. 1. Na via do habeas corpus, não há como se discutir a negativa de autoria e a ausência de provas, pois demandariam o reexame aprofundado do conjunto fático-probatório que compõe o processo principal. O envolvimento ou não do agente no delito que lhe é imputado é matéria cuja análise é reservada à ação penal, bastando, para justificar a prisão cautelar, haver indícios de autoria, o que, in casu, aconteceu, como detalhadamente demonstrado pelo Magistrado de primeiro grau. 2. A constrição cautelar encontra-se amparada em elementos válidos, em especial a gravidade concreta do delito, evidenciada no modus operandi - crime praticado em concurso de agentes, com disparos de arma de fogo em direção a residência em que estavam a vítima fatal, seu companheiro e seu sogro - tendo sido consignado na decisão que há nos autos elementos que indicam ser o representado membro de facção criminosa Comando Vermelho - CV, tendo a morte da vítima ocorrido, supostamente, por ter ela se aliado aos membros do grupo rival GDE. 3. Não é cabível a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, posto que a segregação encontra-se fundada na gravidade efetiva do delito e na periculosidade social do réu, sendo que providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública. 4. Ordem de habeas corpus denegada. (STJ - HC: 715127 CE 2021/0407783-4, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 08/03/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2022) (grifos acrescidos) Assim, tem-se que a questão da negativa de autoria demanda incursão na prova, não permitida no por meio da presente ação constitucional, descabida sua apreciação. Os Tribunais pátrios seguem o referido entendimento. Veja-se dos julgados abaixo: EMENTA: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. IMPETRAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. RÉU PRESO PREVENTIVAMENTE. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NEGATIVA DE AUTORIA. VIA IMPRÓPRIA. NÃO CABIMENTO DO WRIT. ORDEM NÃO CONHECIDA. - A alegação de negativa de autoria requer aprofundada apreciação de prova, inviável na via estreita do habeas corpus. (TJ-MG - Habeas Corpus Criminal: 2226033-35.2024.8.13.0000 1.0000.24.222603-3/000, Relator: Des.(a) Nelson Missias de Morais, Data de Julgamento: 09/05/2024, 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 10/05/2024) CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS. DECRETO PREVENTIVO FUNDAMENTADO. NEGATIVA DE AUTORIA. NECESSIDADE DE COGNIÇÃO PROFUNDA SOBRE A AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS (ART. 319, DO CPP). INSUFICIÊNCIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. Preenchidos os pressupostos da prisão preventiva, bem como presentes os indícios suficientes de autoria e materialidade, não há que se falar em revogação da medida cautelar ou concessão de liberdade provisória, sendo que no caso em análise, é perfeitamente adequada a manutenção da segregação cautelar do Paciente. É incabível, na estreita via do recurso em habeas corpus ou no próprio remédio heroico, a análise de questões relacionadas à negativa de autoria, por demandarem o reexame do conjunto fático-probatório dos autos. São inaplicáveis quaisquer medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, uma vez que as circunstâncias do delito evidenciam a insuficiência das providências menos gravosas. Habeas corpus conhecido e denegado. (TJ-AC - Habeas Corpus Criminal: 10016511220248010000 Tarauacá, Relator: Desª. Denise Bonfim, Data de Julgamento: 19/09/2024, Câmara Criminal, Data de Publicação: 24/09/2024) HABEAS CORPUS.HOMICÍDIO QUALIFICADO. MEIO CRUEL. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. 1. NEGATIVA DE AUTORIA. IMERSÃO FÁTICO-PROBATORIA. EXISTÊNCIA DE MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. DENÚNCIA OFERECIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E RECEBIDA PELO JUIZ DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. 2. ALEGADO O EXCESSO DE PRAZO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. INOCORRÊNCIA. MARCHA PROCESSUAL DENTRO DA NORMALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DESÍDIA QUE POSSA SER IMPUTADO AO ÓRGÃO JUDICIÁRIO. PECULIARIDADES DO FEITO. PLURALIDADE DE TESTEMUNHAS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ORDEM DENEGADA, DE ACORDO COM O PARECER. 1. Por reclamar o reexame do conjunto fático-probatório, próprio da instrução penal, o habeas corpus não comporta a análise da tese de negativa de autoria, como bem ilustra o Enunciado nº. 42 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: "Não se revela cabível na via estreita do habeas corpus discussão acerca da autoria do delito". 1.2 O oferecimento da denúncia pelo Ministério Público - titular da opinião delitiva sobre os fatos investigados - e o seu recebimento pelo juiz da causa, ratificam a presença dos indícios mínimos de autoria delitiva. 2. De acordo com o entendimento da doutrina e da jurisprudência, os prazos estabelecidos para a consecução da instrução probatória são utilizados como parâmetro geral e interpretados sob a ótica do princípio da razoabilidade, segundo o qual se justifica eventual dilação de prazo para o deslinde da marcha processual, decorrente das especificidades do caso concreto. Na espécie, constata-se que a ação penal segue sem delongas seu trâmite regular, por se tratar de feito complexo, com pluralidade de testemunhas, não havendo desídia do juízo de primeiro grau na condução do processo. (TJ-MT - HC: 10003906720238110000, Relator: RONDON BASSIL DOWER FILHO, Data de Julgamento: 15/02/2023, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 07/03/2023) HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - NEGATIVA DE AUTORIA - REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CPP - CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS - ORDEM DENEGADA. 1. Presente o fumus comissi delict, extraído dos elementos colhidos na fase inquisitiva. Ir além disso, analisando a alegada negativa de autoria, esbarra na impossibilidade de análise de matéria probatória na via estreita do habeas corpus. 2. A custódia se justifica para garantia da ordem pública, pois o paciente é apontado como integrante de organização criminosa envolvida com crimes graves e responde a outra ação penal por homicídio qualificado, havendo sério risco de reiteração criminosa. 3. Condições pessoais favoráveis, que não restaram demonstradas, até porque o paciente encontra-se em local incerto e não sabido, por si só, não impede a decretação da prisão preventiva se estiverem presentes os requisitos do artigo 312 do CPP. 4. Ordem denegada. (TJ-ES - Habeas Corpus Criminal: 5009029-24.2022.8.08.0000, Relator: JAIME FERREIRA ABREU, 1ª Câmara Criminal) HABEAS CORPUS com pedido liminar. Suposta prática de homicídio qualificado. Liminar indeferida. Negativa de autoria. Discussão que não cabe na estreita via de Habeas Corpus, por se confundir com o mérito de eventual ação penal a ser ajuizada. Pleito de revogação da prisão, por entender ausentes os requisitos autorizadores da decretação da custódia cautelar. Sem razão. Necessidade de resguardo da ordem pública e da incolumidade da vítima. Caso concreto dotado de maior grau de reprovabilidade. Presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do CPP. Paciente reincidente. Reiteração delitiva é fundamento hábil a embasar a prisão preventiva. Presentes os requisitos dos artigos 312 e 313. Constrangimento ilegal não configurado. Ordem denegada. (TJ-SP - HC: 20554750420238260000 São José do Rio Preto, Relator: Andrade Sampaio, Data de Julgamento: 03/04/2023, 1ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 03/04/2023) Nesse sentido também se posicionou este Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO DE MENORES. ALEGAÇÃO DE INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA E AUSÊNCIA DOS RESPECTIVOS REQUISITOS. INOCORRÊNCIA. FUMUS COMISSI DELICTI E PERICULUM LIBERTATIS EVIDENCIADOS. PERICULOSIDADE DO AGENTE REVELADA PELA GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO E PELO MODUS OPERANDI. PACIENTE QUE SERIA INTEGRANTE DE FACÇÃO CRIMINOSA. HOMICÍDIO REGISTRADO EM VÍDEO, E PRATICADO PARA ELIMINAR A "CONCORRÊNCIA" NA VENDA DE ENTORPECENTES. MEDIDA EXTREMA NECESSÁRIA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES DISTINTAS DA PRISÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR EXCESSO DE PRAZO NO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA NÃO CONFIGURADO. PEÇA ACUSATÓRIA OFERECIDA E RECEBIDA PELO JUÍZO A QUO. TESE DE NEGATIVA DE AUTORIA. DESCABIMENTO DA ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO EM SEDE DE HABEAS CORPUS. ORDEM CONHECIDA EM PARTE E DENEGADA NA PARTE CONHECIDA. (TJ-BA - HC: 80131789320228050000, Relator: ANTONIO CARLOS DA SILVEIRA SIMARO, SEGUNDA CAMARA CRIMINAL - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 12/05/2022) HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INDEVIDA A ANÁLISE NESTA FASE. NEGATIVA DE AUTORIA. VIA SUMÁRIA DO WRIT INCOMPATÍVEL COM O REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA E PROBATÓRIA DESNECESSIDADE DO DECRETO CONSTRITIVO. AUSÊNCIA DOS SEUS REQUISITOS AUTORIZADORES. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. MEDIDA EXTREMA NECESSÁRIA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DELITIVA. CONDIÇÕES SUBJETIVAS FAVORÁVEIS INAPTAS PARA AFASTAR A NECESSIDADE DA SEGREGAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS PREVISTAS NO ART. 319 DO CPP. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. VULNERABILIDADE DO PACIENTE NÃO DEMONSTRADA. ORDEM CONHECIDA E DENEGADA. A tese de negativa de autoria é matéria afeta à instrução processual, incompatível com a cognição sumária da ação de habeas corpus. Não se pode falar em desnecessidade do decreto constritivo quando resta demonstrada a necessidade da adoção da medida extrema para garantir a ordem pública, em face da gravidade concreta do delito, da possibilidade de reiteração delitiva e da presença de periculum libertatis, diante da notícia de que o Paciente integra facção criminosa e responde a outras ações penais. As condições pessoais favoráveis do Paciente não justificam, de maneira isolada, a desconstituição da medida extrema, sobretudo quando presentes os requisitos autorizadores da prisão cautelar. Demonstrados expressamente os elementos concretos suficientes que justifiquem a segregação provisória, afasta-se a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares diversas da custódia preventiva. A maior vulnerabilidade dos internos no sistema prisional à pandemia do coronavírus não pode ser presumida e a recomendação de revisão das prisões não determina, por si só, a concessão da liberdade, sobretudo quando as circunstâncias do caso concreto indicam a necessidade da manutenção da segregação e não há comprovação de que o Paciente integra nenhum grupo de risco. (TJ-BA - HC: 80246502820218050000, Relator: INEZ MARIA BRITO SANTOS MIRANDA, SEGUNDA CAMARA CRIMINAL - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 20/08/2021) Vislumbra-se, portanto, no que tangencia à alegação de negativa de autoria, enfatize-se que o Impetrante pretende, em verdade, a perquirição axiológica dos fatos e circunstâncias que dizem respeito ao mérito da ação penal, com o revolvimento de fatos e provas, sendo despido de visos de juridicidade, portanto, o seu deslinde, na via angusta do writ, máxime, levando-se, em linha de conta, que toda a matéria trazida, na presente ação de impugnação, deverá ser deslindada, primeiramente, na ação penal, transitando, na instância primeva, e, posteriormente, em sede de eventual apelação, por este Sodalício. Por excesso de cautela, e por respeito ao princípio da cooperação entre as partes, feita esta digressão, passo à análise do alegado excesso prazal e dos requisitos da prisão preventiva. Preso desde o dia 20.09.2023, alega excesso de prazo na tramitação processual. É de bom alvitre salientar que tanto a doutrina quanto os Tribunais pátrios comungam do entendimento de que a averiguação da ilegalidade em decorrência do excesso prazal não perpassa o critério objetivo de simples somatórios de prazos, devendo ser analisado sob a ótica dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, auferindo-se em cada caso concreto a existência de nuances que possam justificar eventual dilação temporal ocorrida, seja em razão da natureza do delito, da quantidade de réus, das diligências necessárias, da conduta processual das partes, dentre outras peculiaridades atinentes à situação particularmente examinada. Corroborando com o acima exposto, cite-se, por amostragem, as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. TRÂMITE REGULAR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto. 2. Ao que se tem dos autos, em que pese o acusado estar preso desde março de 2023, não é possível reconhecer a existência de retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, a justificar o relaxamento da prisão por excesso de prazo, sendo certo que a ação se desenvolve de forma regular e não há comprovação de desídia ou inércia do Magistrado singular quanto ao impulso do feito. 3. Ademais, o Juízo processante, em 9/5/2023, antes mesmo de receber a denúncia, procedeu ao reexame da necessidade da custódia, tendo decidido pela manutenção da clausura de forma fundamentada, o que evidencia o atento cumprimento aos termos do disposto no art. 316, parágrafo único do CPP, reforçando, ainda, a atuação diligente do Magistrado na prestação jurisdicional. 4. Por fim, relevante destacar que o cenário narrado nos autos revela a gravidade concreta da conduta praticada pelo agravante, em poder do qual foi encontrada significativa quantidade de droga (584g de maconha), além de indícios de que o acusado já praticava a mercancia de entorpecentes há algum tempo, e a existência de outra ação penal em curso por crime de porte ilegal de arma de fogo, circunstâncias essas que ensejam, portanto, a manutenção da prisão preventiva, como forma de acautelar o meio social, contendo, assim, eventual reiteração delitiva. 5. Agravo regimental desprovido, com recomendação de que seja reavaliada a necessidade da manutenção da custódia, nos termos do art. 316, parágrafo único, do CPP. (STJ - AgRg no RHC: 183369 PR 2023/0229988-3, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/08/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2023) AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A prisão preventiva é cabível mediante decisão fundamentada em dados concretos, quando evidenciada a existência de circunstâncias que demonstrem a necessidade da medida extrema, nos termos dos arts. 312, 313 e 315 do Código de Processo Penal. 2. São fundamentos idôneos para a decretação da segregação cautelar no caso de tráfico ilícito de entorpecentes a quantidade, a variedade ou a natureza das drogas apreendidas. 3. Os maus antecedentes, a reincidência e inquéritos ou ações penais em curso evidenciam o maior envolvimento do agente com a prática delitiva, podendo ser utilizados para justificar a manutenção da segregação cautelar para garantia da ordem pública, com o objetivo de conter a reiteração delitiva. 4. Não havendo notícia de ato procrastinatório por parte das autoridades públicas, consideradas as especificidades da causa, não há falar em excesso de prazo. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 753065 SP 2022/0200932-6, Data de Julgamento: 27/09/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2022) Os entendimentos doutrinário e jurisprudencial brasileiros convergem no sentido de que as hipóteses nas quais tem se considerado a ocorrência do excesso de prazo apto a justificar o relaxamento da prisão são as seguintes: (i) mora processual decorrente de diligências suscitadas exclusivamente pela atuação da acusação; (ii) mora processual decorrente da inércia do Poder Judiciário, em afronta ao direito à razoável duração do processo; (iii) mora processual incompatível com o princípio da razoabilidade, evidenciando-se um excesso abusivo, desarrazoado, desproporcional. Conforme destacado alhures, não consta dos presentes fólios a íntegra dos autos de origem, sendo que este Relator não conseguiu acesso a estes pelo fato de que tramitam sob sigilo processual, de modo que resta comprometida a análise do alegado excesso prazal, ante a impossibilidade de acesso ao deslinde do trâmite processual como um todo. No que diz respeito à alegada ausência de revisão, em 90 (noventa) dias da necessidade de manutenção da prisão preventiva, rememore-se que o direito ora invocado guarda previsão no parágrafo único do art. 316 do CPP, que possui a seguinte redação: Art. 316. Omissis. Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. Nessa seara, é de bom alvitre salientar que tanto a doutrina quanto os Tribunais pátrios comungam do entendimento de que a averiguação da ilegalidade em decorrência do excesso de prazo perpassa o critério objetivo de simples somatórios de prazos, devendo ser analisado sob a ótica dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, auferindo-se em cada caso concreto a existência de nuances que possam justificar eventual dilação prazal ocorrida seja em razão da natureza do delito, da quantidade de réus, das diligências necessárias, dentre outras peculiaridades atinentes à situação particularmente examinada. Os entendimentos doutrinário e jurisprudencial brasileiros convergem no sentido de que as hipóteses nas quais tem se considerado a ocorrência do excesso de prazo apto a justificar o relaxamento da prisão são as seguintes: (i) mora processual decorrente de diligências suscitadas exclusivamente pela atuação da acusação; (ii) mora processual decorrente da inércia do Poder Judiciário, em afronta ao direito à razoável duração do processo; (iii) mora processual incompatível com o princípio da razoabilidade, evidenciando-se um excesso abusivo, desarrazoado, desproporcional. A Lei 13.964/2019, também conhecida como "Pacote Anticrime", impôs ao Juízo que decretou a prisão cautelar a obrigação de rever a prisão a cada 90 (noventa) dias, a fim de averiguar se permanecem presentes os requisitos autorizadores da segregação, bem como a sua necessidade. Malgrado a revisão seja imprescindível para assegurar a contemporaneidade da constrição e evitar a sua manutenção quando os requisitos autorizadores não estejam mais presentes, a revogação da prisão, pela falta da decisão, não deve ser automática. De acordo com o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o Magistrado deve ser provocado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos fundamentos que motivaram a decretação da prisão preventiva (SL nº 1.395, Relator: Ministro Luiz Fux, DJe de 13/11/2020). Por fim, passa-se à análise da presença dos requisitos autorizadores para a prisão preventiva do Acusado. Relembre-se que o Impetrante não carreou aos autos a decisão que decretou a prisão preventiva do Paciente, sendo que quanto da realização da Audiência de Custódia realizada após o cumprimento do mandado prisional, a Juíza a quo entendeu pela manutenção da segregação cautelar nos seguintes termos: "(…) Mantenho a prisão preventiva do acusado, tendo em vista que não há elementos novos ou razão superveniente capaz de comprovar o desaparecimento dos motivos que, originalmente, determinaram a decretação da prisão, sendo a sua manutenção necessária para evitar risco à instrução criminal, para assegurar a aplicação da Lei Penal e para garantia da ordem pública , nos termos da decisão de ID 409537488:" (…) Assiste razão ao Ilustre Delegado de Polícia. Demonstra-se dos autos que os indícios são realmente de crime tipificado no art. 217-A c/c art. 226, II, ambos do Código Penal, estupro de vulnerável, onde o representado supostamente praticou abuso sexual contra sua enteada, a vítima G.R.C.S, com 11 anos de idade, da qual resultou em gravidez, e, após os atos ameaçava-a para que não contasse a ninguém. No concernente ao pedido de prisão preventiva do representado, demonstram-se dos autos que os indícios são de estupro de vulnerável, onde o réu teria praticado conjunção carnal e atos libidinosos com a vítima, aproveitando da sua vulnerabilidade, em virtude da mesma ser criança e sua enteada. Tais atos atinge sobremaneira a ordem pública, as circunstâncias dos fatos, a premeditação, certamente causa risco à instrução criminal, visto que a vítima poderá alterar a versão dos fatos por ameaças do réu, além de que nos depoimentos constata-se que o representado tinha consciência da gravidade de seus atos e da possibilidade de ser preso, tanto é que ameaçou a vítima caso a mesma contasse para alguém. Assim, trata-se de indivíduo periculoso, em que pese exigir uma análise cuidadosa e, até mesmo, mais rigorosa da situação fática, em razão da evidente ameaça à paz social de delitos desse naipe, que afeta a comunidade em situações de insegurança. (...)". Ademais, eventuais condições favoráveis do acusado não são suficientes para elidir a necessidade da custódia cautelar para garantia da ordem pública, visando prevenir a reprodução de novos fatos criminosos, bem como acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça. (...)." (grifos no original) Conforme se observa, a decisão proferida em Primeiro Grau, em sede de Audiência de Custódia, possui fundamentação idônea a justificar a necessidade de manutenção da custódia cautelar do Paciente. A Magistrada a quo contextualizou a decisão com o caso concreto, apontando a materialidade e os indícios de autoria, analisando a gravidade in concreto do caso posto a exame, além da possibilidade de interferir na instrução processual penal. Ademais, cabe pontuar que os crimes como os ora analisados (estupro de vulnerável praticado por padrasto contra enteada), a palavra da vítima possui especial relevância, tendo em vista que os delitos deste jaez são perpetrados, no geral, sem a presença de terceiros. Destaque-se, ainda, que não foi juntado aos autos qualquer documento comprobatório do quanto alegado pelo Impetrante quanto à ausência dos requisitos ensejadores para a manutenção da segregação cautelar. Com efeito, em que pese afirmar que "é detentor da primariedade, nunca foi preso, tem residência fixa, e quando preso estava trabalhando de carteira assinada o que comprova trabalho licito", não juntou ao processo qualquer documento a comprovar o quanto alegado, a exemplo de comprovante de residência, certidão de antecedentes criminais, carteira de trabalho, dentre outros. Ressalte-se, ainda, que o entendimento prevalente no Superior Tribunal de Justiça é de que a existência de condições pessoais favoráveis não tem o condão de, por si só, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes um dos requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema. Assim, são os julgados exemplificativos: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI. GRAVIDADE CONCRETA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUPOSTOS PREDICADOS PESSOAIS FAVORÁVEIS QUE NÃO IMPEDEM A SEGREGAÇÃO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA, NO CASO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A decretação da prisão preventiva está suficientemente fundamentada, tendo sido amparada na especial gravidade da conduta, evidenciada pelo modus operandi do delito - o Recorrente "de posse de uma arma branca, por motivo fútil, desferiu vários golpes contra a vítima", "em local em que havia inúmeras pessoas". Tais circunstâncias são aptas a justificar a segregação cautelar para garantia da ordem pública. 2. A existência de condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não tem o condão de, por si só, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema. 3. Consideradas as circunstâncias do fato e a gravidade da conduta, não se mostra suficiente, no caso, a aplicação de medidas cautelares diversas, nos termos do art. 282, inciso II, do Código de Processo Penal. 4. Recurso ordinário desprovido. (STJ - RHC: 127656 PR 2020/0124908-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 11/05/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2021) HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. Apresentada fundamentação idônea para a manutenção da prisão preventiva, consubstanciada nas circunstâncias fáticas que demonstram a gravidade concreta do crime de homicídio qualificado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, destacando que os acusados agiram com ânimo excessivamente criminoso ao decidir eliminar a vida da vítima. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que a constrição cautelar impõe-se pela gravidade concreta da prática criminosa, causadora de grande intranquilidade social, revelada no modus operandi do delito, e diante da acentuada periculosidade do acusado, evidenciada na propensão à prática delitiva e conduta violenta. Precedentes. 3. Havendo a indicação de fundamentos concretos para justificar a custódia preventiva, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, visto que insuficientes para resguardar a ordem pública. 4. Habeas corpus denegado. (STJ - HC: 578196 SP 2020/0102421-4, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/10/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2020) PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. QUANTIDADE DE ENTORPECENTE APREENDIDO. PREDICADOS PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. [...] 3. Condições subjetivas favoráveis do recorrente, por si sós, não impedem a prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decretação da segregação provisória (Precedentes). 4. Recurso desprovido." ( RHC 90.306/RS , Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 04/09/2018.) Dessarte, sem que esta decisão vincule o entendimento deste Relator acerca do mérito deste writ, uma vez que não deve ser descartada a possibilidade de se chegar a conclusão diversa após minuciosa análise, não vislumbro, prima facie, os elementos autorizadores da concessão segura da medida liminar suplicada, razão pela qual a INDEFIRO. Requisitem-se informações ao Juízo de Primeiro Grau. Na sequência, encaminhem-se os autos à douta Procuradoria de Justiça, devendo a Secretaria da Câmara certificar as respectivas diligências nos autos. Após, retornem os autos conclusos. Atribuo à presente decisão força de mandado/ofício. Salvador, data da assinatura eletrônica. Des. Geder Luiz Rocha Gomes Relator GLRG VII (792) [1] Art. 5º. Omissis. (…) LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder [2] Art. 256 - O habeas corpus pode ser concedido, de ofício, no curso de qualquer processo, ou impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, e pelo Ministério Público. [3] Direito processual penal / Aury Lopes Junior. - 17. ed. - São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p. 1743 [4] Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. [5] Pacelli, Eugênio Curso de processo penal / Eugênio Pacelli. - 25. ed. - São Paulo: Atlas, 2021. Pag 1298. [6] MIRABETE. Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Anotado. Editora Atlas. São Paulo. 2001.

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Abamsp - Associacao Beneficente De Auxilio Mutuo Ao Servidor Publico x Maria De Jesus Silva De Lima

ID: 262149267

Tribunal: TJCE Órgão: 1º Gabinete da 3ª Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0216238-31.2024.8.06.0001

Data de Disponibilização: 29/04/2025

Polo Ativo:

ABAMSP - ASSOCIACAO BENEFICENTE DE AUXILIO MUTUO AO SERVIDOR PUBLICO

Polo Passivo:

MARIA DE JESUS SILVA DE LIMA

Intimação

Advogados:

ILMA MARIA DA SILVA BESSA

OAB/CE XXXXXX Desbloquear

FELIPE SIMIM COLLARES

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS PROCESSO: 0216238-31.2024.8.06.0001 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: ABAMSP - ASSOCIACAO BENE… ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS PROCESSO: 0216238-31.2024.8.06.0001 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: ABAMSP - ASSOCIACAO BENEFICENTE DE AUXILIO MUTUO AO SERVIDOR PUBLICO APELADO: MARIA DE JESUS SILVA DE LIMA DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Apelação Cível interposta por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PENSIONISTAS E APOSENTADOS - ABPAP, adversando a sentença prolatada pelo Juízo da 35ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza (ID 18917459), que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral deduzida na presente Ação de Declaração de Inexistência de Relação Jurídica e Débito c/c Pedido de Danos Morais e Repetição do Indébito, ajuizada por MARIA DE JESUS SILVA DE LIMA. Eis o dispositivo da sentença ora impugnada: (…) Ante todo o exposto, com base no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, e por tudo mais que dos autos constam, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial, para: 1) condenar a promovida a restituir, de forma simples, os valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da autora, corrigido monetariamente a partir da data de seus respectivos desembolsos, conforme entendimento consolidado pela Súmula 43 do STJ, e acrescidos de juros de mora à taxa de 1% (um por cento) ao mês, contados a partir da citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil; e 2) Condenando a promovida ao pagamento de indenização por danos morais, fixada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido monetariamente desde a data da sentença, nos termos da Súmula 362 do STJ, e com juros de mora de 1% ao mês contados a partir da citação. Em virtude de sua sucumbência, condeno a parte promovida ao pagamento das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atribuído à causa. Ressalto, todavia, que as obrigações da parte promovida decorrentes da sua sucumbência, já que lhe foi deferida a gratuidade da justiça, ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário (art. 98, § 3º, do CPC). (...) Nas razões recursais (ID 18538148), em suma, alega a apelante que é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor e que os danos morais alegados não foram comprovados, devendo ser afastada a condenação, ou, subsidiariamente, que seja reduzido o montante indenizatório. Contrarrazões (ID 18917472), nas quais pugna pelo desprovimento do recurso. É o que importa relatar. Decido. Conheço da apelação cível, por observar presentes os requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos. Mister se faz destacar a possibilidade de julgamento monocrático, conforme dispõe o art. 932 do CPC, in verbis: Art. 932. Incumbe ao Relator: (...) IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou assunção de competência; V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou assunção de competência; Outrossim, a teor do preceituado pelo art. 926 do CPC, quanto ao dever dos tribunais de manter íntegra, uniforme, estável e coerente sua jurisprudência, ressalte-se que a matéria versada nestes autos já foi objeto de reiterados julgamentos nesta Corte de Justiça, o que torna possível o julgamento monocrático segundo interpretação à Súmula 568 do c. STJ. Vejamos: Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. (STJ - Súmula 568, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/03/2016, DJe 17/03/2016). É que, havendo orientação consolidada nesse Sodalício sobre a matéria aqui em análise, a presente decisão monocrática certamente será a mesma proferida pelo órgão colegiado. O cerne da questão cinge-se a analisar se aplicável o Código de Defesa do Consumidor, se restaram comprovados os danos morais e se o montante indenizatório comporta redução. No caso em análise, a autora afirma desconhecer a origem dos descontos realizados em seu benefício previdenciário nos meses de março de 2019 a julho de 2019, alegando não ter celebrado com a promovida qualquer contrato a autorizar os referidos débitos. Em contestação, a demandada, não obstante alegar que se trata de descontos oriundos de relação associativa, não trouxe nenhum comprovante da existência do referido negócio jurídico. No tocante à incidência do Código de Defesa do Consumidor, cumpre salientar que a jurisprudência dessa Corte de Justiça tem firmado posicionamento no sentido de que, em casos similares, a relação possui caráter consumerista, na medida em que os benefícios ofertados pela associação configuram-se como 'serviços' para fins legais e que a parte autora se enquadra como destinatária final de tais serviços disponibilizados pela ré, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Veja-se os seguintes precedentes: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS NO BENEFÍCIO DO AUTOR. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUTORIZAÇÃO DE FILIAÇÃO E DE DESCONTOS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta por associação ré contra sentença da 4ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza/CE, que julgou procedente ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais movida por Francisco Jackson Miranda Dantas em Face da Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas da Previdência-ANAPPS, para determinar a restituição de descontos indevidos em benefício previdenciário e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais. 2. O recurso sustentou, preliminarmente, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação civil/comercial. No mérito, alegou a validade do negócio jurídico firmado e, subsidiariamente, pleiteou a redução do montante indenizatório. 3. O apelado não apresentou contrarrazões. O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 4. Há três questões em discussão: (i) saber se é aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação entre as partes; (ii) saber se os descontos efetuados no benefício previdenciário estavam autorizados por instrumento válido; (iii) saber se estão presentes os requisitos para a configuração do dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Reconhecida a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos arts. 2º e 3º do CDC, por se tratar de relação jurídica entre fornecedor de serviço e destinatário final. 6. Comprovada a autorização de filiação e descontos por meio de documentos assinados pelo autor, sem impugnação específica. Aplica-se o art. 115, V, da Lei nº 8.213/91, autorizando descontos em benefício previdenciário mediante anuência do beneficiário. 7. Reconhecida a validade da cobrança até a data da desfiliação, a qual deve ser acolhida com base no art. 5º, XX, da Constituição Federal, assegurando a liberdade de associação. 8. Inexistência de dano moral configurado, por ausência de elementos mínimos que demonstrem abalo psíquico significativo. Aplicação de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que meros dissabores não configuram dano moral. IV. DISPOSITIVO 10. Recurso conhecido e parcialmente provido, para afastar a condenação ao pagamento de danos morais e à restituição dos valores descontados, mantendo-se, contudo, a ordem de interrupção dos descontos futuros. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, pelo CONHECIMENTO do Recurso Apelatório interposto pela parte promovida, para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, nos termos do voto do relator. Fortaleza, data e hora da assinatura digital. DESEMBARGADORA CLEIDE ALVES DE AGUIAR Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR PAULO DE TARSO PIRES NOGUEIRA Relator (Apelação Cível - 0152961-17.2019.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) PAULO DE TARSO PIRES NOGUEIRA, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 09/04/2025, data da publicação: 09/04/2025) DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RELAÇÃO CONSUMERISTA. APELAÇÃO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE ASSOCIADO. PARTE QUE NEGA A CONTRATAÇÃO. ASSOCIAÇÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DA PROVA QUE LHE CABIA. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ AO LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. LEGALIDADE DOS DESCONTOS. DANOS MATERIAIS E MORAIS INEXISTENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta em face de sentença que julgou improcedente a ação declaratória de inexistência de débito, repetição de indébito e danos morais, considerando devidos os descontos realizados em benefício previdenciário do autor. II. Questão em discussão 2. A regularidade dos descontos efetuados pela associação ré, em virtude de adesão à proposta associativa e se restou comprovado a filiação do autor à entidade, além da análise da eventual possibilidade de indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. A associação apelada demonstrou a regularidade dos descontos, mediante a apresentação de proposta associativa e autorização de descontos, corroborada por fotografia do autor segurando o documento e pela ausência de refutação de sua identidade. 4. O laudo grafotécnico que indicou falsificação da assinatura é insuficiente, uma vez que não se comparou a assinatura atual do autor. O magistrado, amparado pelo princípio do livre convencimento motivado, pode afastar conclusões periciais quando existem provas contrárias que fundamentam sua decisão. Inexistente o dever de devolução dos valores descontados e de reparação civil. IV. Dispositivo 5. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, ACORDAM os Desembargadores que integram a Quarta Câmara de Direito Privado deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade, em conhecer do recurso de apelação interposto para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos idênticos termos do voto do Relator, obedecidas as disposições de ofício. Fortaleza/CE, 29 de outubro de 2024. DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Relator (Apelação Cível - 0201479-96.2023.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 29/10/2024, data da publicação: 29/10/2024) CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÕES CÍVEIS EM AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. DESCONTOS DE CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE AUTENTICIDADE DA ASSINATURA NO INSTRUMENTO CONTRATUAL. ÔNUS QUE CABIA AO DEMANDADO. TEMA 1061 DO STJ. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES QUANTO AOS DESCONTOS REALIZADOS ANTES DE 30/03/2021 E EM DOBRO COM RELAÇÃO AS PARCELAS DEBITADAS POSTERIORMENTE A REFERIDA DATA. (EAREsp 676.608/RS). DANOS MORAIS IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DO AUTOR. 1. Cumpre pontuar que o vínculo estabelecido entre as partes é regido pelas normas da Lei Consumerista, por se tratar de relação de consumo, uma vez que o promovido figura na condição de fornecedor de produtos e serviços, ao passo que o autor se adequa à condição de consumidor, perfazendo-se destinatário final na cadeia de consumo, a teor do que dispõem os artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/90. 2. Segundo o artigo 429, II, do CPC, incumbe o ônus da prova, quando se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento, de sorte que, tendo em vista a especificidade dessa regra em relação às disposições contidas nos artigos 82 e 95, do mesmo codex, inegável que o ônus de comprovar a autenticidade do documento é de quem o apresentou. 3. No caso, em que pesem os argumentos do réu/apelante não se verifica nos autos outros meios de prova que comprovem a autenticidade da assinatura posta no contrato. Os documentos colacionados pelo promovido não são suficientes para demonstrar a validade da contratação. Sendo assim, deve ser mantida a sentença que reconheceu a inexistência do negócio jurídico entre as partes, posto que não demonstrada a veracidade da assinatura dos documentos colacionados, ônus que competia ao réu, conforme art. 373, II, do CPC. 4. A devolução dos valores pagos por força do reconhecimento da invalidade do negócio jurídico e consequente ilegalidade dos descontos efetuados no benefício previdenciário da autora é medida que se impõe em observância à vedação do enriquecimento sem causa. 5. O entendimento firmado pelo STJ nos embargos de divergência em agravo em recurso especial (EAREsp 676.608/RS), é no sentido de que a obrigação de devolver os valores em dobro não depende do elemento volitivo do fornecedor que os cobrou indevidamente. Basta que seja contrária à boa-fé objetiva, fator que está em todas as relações contratuais e nas normas do CDC. Todavia, deve ser observada a modulação dos efeitos a incindir a partir da publicação do acórdão (30/03/2021). 6. No caso em exame, verifica-se que os descontos tiveram início em 2018, antes do marco temporal estabelecido pela modulação de efeitos realizada pelo STJ. Portanto, os valores descontados anteriormente a 30/03/2021, devem ser devolvidos de forma simples e as parcelas descontadas posteriormente a referida data, caso existam, devem ser restituídas de forma dobrada, aplicando-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no EAREsp 676608. Tais valores serão apurados em sede de liquidação de sentença, portanto, caso tenham sido, de fato, devolvidos, como alega o promovido, serão verificados na referida fase processual. 7. Sobre os danos materiais aplica-se correção monetária pelo INPC e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar do efetivo desembolso de cada parcela, conforme o enunciado nº 43 e 54 das súmulas do STJ. Portanto, reforma-se a sentença ex offício para fixar o índices e termos acima mencionados. 8. Certa é a obrigação de indenizar moralmente a parte autora, pois os descontos indevidos ocorridos em seu benefício previdenciário fizeram ultrapassar a barreira do mero dissabor, a revelar dano moral in re ipsa, que prescinde da demonstração de prejuízo, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato. 9. Sopesando-se todas as considerações acima feitas, atento às peculiaridades do caso em questão e ao caráter pedagógico da presente indenização, tendo em vista as circunstâncias fáticas e sem premiar o enriquecimento ilícito, fixo a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais, com juros de mora de 1% a.m a incidir a partir da data do evento danoso (Súmula 54 do STJ) e a correção monetária pelo INPC, a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ). 10. Por fim, reconheço a sucumbência mínima do autor e condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, suspensa a exigibilidade em observância ao contido no artigo 98, § 3º do CPC. APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS PARA NEGAR PROVIMENTO A DO RÉU E DAR PARCIAL PROVIMENTO A DO AUTOR. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer das apelações cíveis para negar provimento a do réu e dar parcial provimento a do autor, nos termos do voto do e. Relator. Fortaleza, data da assinatura digital. CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO Relator (Apelação Cível - 0185867-94.2018.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 02/10/2024, data da publicação: 02/10/2024) DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DÉBITOS COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE ASSOCIADO. AUSÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE CONTRATO. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL IN RE IPSA. APELO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Apelação Cível em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Santana do Acaraú que, nos autos da Ação anulatória de débito c/c pedido de indenização por danos morais e materiais, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Cinge-se a controvérsia recursal em perquirir a regularidade dos descontos efetuados no benefício previdenciário da parte requerente, ora apelada, a título de tarifa de contribuição, bem como a condenação da Associação ao pagamento de indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Associação não logrou êxito em comprovar o desconto a título de mensalidade de associação, tendo em vista que em sua peça de defesa (fls.18/40) não apresentou qualquer documento que comprovasse que a contribuição tenha sido previamente autorizada pela autora, ônus este que seria de sua competência, conforme art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. 4. Ressalte-se que o demandado não juntou ficha de inscrição/proposta de adesão, ou ainda, qualquer autorização assinada pela autora permitindo que a associação promovesse descontos em seu benefício previdenciário. 5. Fixo a condenação em Danos Morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por está de acordo com os parâmetros desta Corte e com a proporcionalidade e razoabilidade IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso conhecido e provido. Tese de julgamento: "1. A alegação de cerceamento de defesa não prospera. 2. Diferentemente do alegado pela apelante, foi verificada a regularidade do prazo concedido para réplica e da certidão de decurso de prazo. 3. Documentos juntados pelo banco não impugnados no momento oportuno, conforme art. 437 do CPC. 4. Incidência de preclusão temporal". Dispositivos relevantes citados: art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil, art. 39, inciso III, CDC Jurisprudência relevante citada: TJ-CE, Apelação Cível 0184402-50.2018.8.06.0001 Rel. Desembargador(a) Maria do Livramento Alves Magalhães, 4ª Câmara Direito Privado, j. 16/02/2021; TJ-CE, Apelação Cível 0200855-55.2023.8.06.0160, Rel. JOSE EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO, 4ª Câmara Direito Privado, j. 20/08/2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO, nos termos do voto deste Relator. Fortaleza, data constante no sistema. JOSÉ EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR DJALMA TEIXEIRA BENEVIDES Relator (Apelação Cível - 0200151-39.2023.8.06.0161, Rel. Desembargador(a) DJALMA TEIXEIRA BENEVIDES, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 26/11/2024, data da publicação: 26/11/2024) DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPAÇÃO DE DANOS. ASSOCIAÇÃO CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS QUE OFERTA SERVIÇOS SEM A DEVIDA ANUÊNCIA DO BENEFICIÁRIO. RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE ABALO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. MERO ABORRECIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O cerne da controvérsia recursal consiste em examinar: i) se os descontos indevidos realizados no benefício previdenciário do Autor/Apelante foram aptos a ensejar a ocorrência de dano moral indenizável; e ii) se é cabível a restituição em dobro de todos os valores descontados indevidamente. 2. A jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que a aplicação da Lei Consumerista aos negócios jurídicos é definida com base no objeto contratado, sendo irrelevante a natureza da entidade que presta os serviços (AgInt no REsp n. 2.028.764/MG). Assim, ainda que a UNIBAP - União Brasileira dos Aposentados da Previdência seja uma associação civil sem fins lucrativos, referida entidade dispõe de serviços relacionados à oferta de convênios com instituições parceiras, de modo que, ao deixar de comprovar qual o vínculo dos descontos realizados no benefício previdenciário do autor, considera-se que tais deduções têm natureza de contraprestação pelos supostos serviços fornecidos pela entidade, do que se denota a existência da relação de consumo. 3. A discussão quanto às hipóteses de aplicação da repetição em dobro prevista no artigo 42, parágrafo único, do CDC, foi apaziguada e decidida pelo c. STJ no julgamento dos embargos de divergência em agravo em recurso especial (EAREsp 676.608/RS), do qual resultou o entendimento de que a restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas às cobranças indevidas realizadas a partir da publicação daquele acórdão, ou seja, 30/03/2021. No caso, como os referidos descontos se iniciaram após 30 de março de 2021, devem ser restituídos em dobro. 4. O dano moral somente ocorre quando houver lesão a bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, e o bom nome, com base no que se infere dos arts. 1º, inciso III, e 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. Nessa perspectiva, ¿a verificação do dano moral não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante." (AgRg no REsp 1.269.246/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe de 27/05/2014). 5. No caso, observa-se que os descontos questionados se deram em valores inexpressivos. Nesse cenário, não se olvida que a situação possa eventualmente ter trazido algum aborrecimento ao consumidora, contudo, não foi capaz de atingir valores fundamentais do ser humano, tratando-se de meros aborrecimentos a que se está sujeito na vida em sociedade. 6. Descontos em valor incapaz de comprometer a subsistência não traduzem lesão à personalidade que enseje o pagamento de indenização por danos morais, dado que não ensejam maiores consequências negativas. 7. Recurso conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do recurso de apelação, para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data da assinatura digital. DESEMBARGADOR JOSÉ RICARDO VIDAL PATROCÍNIO Relator (Apelação Cível - 0200436-33.2023.8.06.0096, Rel. Desembargador(a) JOSE RICARDO VIDAL PATROCÍNIO, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 13/11/2024, data da publicação: 13/11/2024) APELAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA. ASSOCIAÇÃO POR TELEFONE. OFERTA DE SERVIÇO VIA TELEMARKETING. AJUSTE VERBAL DEMONSTRANDO A VULNERABILIDADE DA PARTE CONSUMIDORA. PRÁTICA ABUSIVA. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL CONFIGURADO. ALTERAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DESTA CORTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS. TESE FIXADA NO EARESP Nº 676.608/RS DO STJ. DESCONTOS EFETUADOS APÓS 30.03.2021. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA. RECURSO DA PARTE PROMOVENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA PARTE PROMOVIDA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Trata-se de Apelações Cíveis objurgando sentença que julgou procedentes os pedidos autorais para declarar a inexistência de relação contratual entre as partes e condenar o requerido à restituição simples das parcelas descontadas e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). 2. A princípio, não merece prosperar a alegativa do requerido de que o recurso autoral fora interposto em violação ao princípio da dialeticidade, uma vez que os fundamentos lançados no apelo são aptos a impugnar os fundamentos da sentença no que se refere ao valor arbitrado a título de danos morais, bem como à forma de restituição dos valores descontados em seu benefício previdenciário, combatendo adequadamente o decisum, de modo que restam presentes os pressupostos que autorizam a admissibilidade da apelação do autor. 3. No caso, restou incontroversa a realização de descontos de valores no benefício previdenciário do autor, efetuados a título de contribuição associativa que o requerente aduz não reconhecer. A entidade requerida defende a validade da relação jurídica entre as partes a partir de gravação telefônica apresentada nos autos, a partir da qual o consumidor supostamente anui com os serviços oferecidos pelo requerido. 3. Do áudio apresentado pelo promovido, constata-se uma captação viciada da vontade do consumidor, uma vez que não lhe foi garantido amplamente o direito à informação previsto no art. 6º, inciso III, do CDC. A abordagem de pessoa hipossuficiente por telefone, prevalecendo-se dessa condição para impingir-lhe seus serviços sem prestação dos esclarecimentos necessários, configura prática abusiva vedada, conforme art. 39, IV, do CDC, de forma que deve ser reconhecida a nulidade da relação jurídica objeto da ação. 4. O desconto indevido de valores no benefício previdenciário do autor, por obstar o uso da verba de natureza alimentar, enseja dano moral indenizável. O arbitramento do dano moral deve-se revestir de razoabilidade, sendo cabível, no caso, a redução do valor arbitrado pelo juízo a quo de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme precedentes deste Tribunal de Justiça. 5. Quanto à forma de devolução dos valores ilegalmente cobrados, conquanto o STJ tenha-se definido no EAREsp 676.608/RS que para a restituição em dobro do indébito independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou o valor indevido, prescindindo, pois, da comprovação da má-fé, tal entendimento, conforme a modulação realizada no julgado, somente deve ser aplicado "aos indébitos não decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão". 6. Assim, no caso concreto, merece acolhimento o pedido recursal do autor de restituição em dobro dos valores descontados, considerando que os descontos se iniciaram em data posterior a 30/03/2021. 7. Recurso da parte promovente conhecido e parcialmente provido. Recurso da parte promovida conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a Terceira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso da parte promovente e conhecer e dar parcial provimento ao recurso da parte promovida, em conformidade com o voto da relatora. Fortaleza, data e hora da assinatura digital Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADORA CLEIDE ALVES DE AGUIAR Relatora (Apelação Cível - 0290075-90.2022.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) CLEIDE ALVES DE AGUIAR, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 22/05/2024, data da publicação: 22/05/2024) Ademais, cabia à apelante demonstrar que o liame existente entre as partes não se enquadra como relação consumerista. Contudo, ao deixar de apresentar o suposto contrato de associação, não se desincumbiu de seu ônus de provar a inaplicabilidade do CDC ao caso. Pois bem. O caso prescinde de maiores ilações. A parte autora do demandante comprovou, por meio de seu histórico de créditos do INSS, que ocorreram, durante os meses de março de 2019 a junho de 2019, descontos no montante de R$ 19,96 (dezenove reais e noventa e seis centavos) sob a rubrica "Contribuição ABAMSP", conforme documento de ID 18917395. Nos termos do art. 373, II, CPC, a parte demandada não cumpriu satisfatoriamente com a obrigação que lhe cabia de comprovar nos autos a regularidade dos descontos questionados, uma vez que não trouxe ao processo a prova necessária a atestar a manifestação inequívoca da autora na suposta contratação. Não comprovada a celebração do contrato discutido nos autos, forçoso é reconhecer a abusividade do desconto respectivo, implicando em prática de ato ilícito por parte da promovida, causadora de prejuízo à demandante, que, em decorrência dos referidos descontos, se viu privada indevidamente de seu patrimônio. Preenchidos, assim, os requisitos legais, deve a ré ser obrigada a indenizar os prejuízos sofridos pela promovente. Especificamente quanto ao dano moral, ensina Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Direito Civil Brasileiro, vol. 4, ed. Saraiva, 2011, pp. 415-417, o seguinte: (...) O dano moral não é propriamente a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. (...) O direito, preleciona Eduardo Zannoni, "não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente. (...) No tocante aos bens lesados e à configuração do dano moral, malgrado os autores em geral entendam que a enumeração das hipóteses, previstas na Constituição Federal, seja meramente exemplificativa, não deve o julgador afastar-se das diretrizes nela traçadas, sob pena de considerar dano moral pequenos incômodos e desprazeres que todos devem suportar, na sociedade em que vivemos. (...) Para evitar excessos e abusos, recomenda Sérgio Cavalieri, com razão, que só se deve reputar como dano moral "a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (...) Veja-se que, no que tange às pessoas naturais, nem todo fatídico trata de potencial causa à ocorrência de dano moral, devendo o aborrecimento ocasionado caracterizar violação à honra, à vida privada ou à imagem da parte autora a ensejar abalo psíquico ou sofrimento íntimo. Não obstante a conduta ilícita da demandada, tendo em vista que não comprovou a existência da vontade da autora em contratar a taxa associativa, há de se considerar que o montante mensalmente descontado consistiu em valor ínfimo, incapaz de causar dano extrapatrimonial para a requerente, principalmente ao se ponderar a quantia percebida a título de benefício previdenciário. Nesse ponto, os valores descontados sequer perfazem 3% (três por cento) do benefício previdenciário recebido no mês, percentual esse que não se afigura suficiente para prejudicar a própria manutenção da requerente, o que poderia causar imenso sofrimento, de forma que o ocorrido se traduz como mero dissabor. Esse e. Tribunal de Justiça vem firmando o entendimento quanto a não configuração de dano moral quando os descontos, ainda que indevidos, traduzem valores ínfimos, incapazes de trazer abalo psíquico ao autor. Veja-se os seguintes julgados, inclusive da 3ª Câmara de Direito Privado: APELAÇÃO EXCLUSIVA DA PARTE AUTORA. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL, COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO, MAS NEGADA A REPARAÇÕ POR DANOS MORAIS. NO CASO, SEGURO CONTRAÍDO COM FRAUDE. A INSTITUIÇÃO REQUERIDA NÃO APRESENTA O PACTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 479, STJ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO ESCORREITA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS: A PARTE AUTORA COMPROVOU QUE SOFREU APENAS 5 (CINCO) DESCONTOS, NO IMPORTE DE R$ 49,90 (QUARENTA E NOVE REAIS E NOVENTA CENTAVOS). MERO ABORRECIMENTO. NADA A REPARAR. DESPROVIMENTO. 1. Inicialmente, percebe-se que o cerne da questão posta a desate consiste em conferir a verossimilhança das alegações recursais vertidas na existência de SEGURO sem a autorização da Parte Requerente e a sua revelia, porquanto, originado mediante fraude. Após, sucessivamente, a celeuma é saber se o contrato em voga tem as informações consideradas essenciais ao pacto, a saber: data e local, dados da autorização para desconto, declaração de residência, dentre outras, poderia ser considerado legal para fins de validade do negócio jurídico. A par disso, verificar-se-á a possibilidade de reparação. 2. CONTRATO DE SEGURO NÃO APRESENTADO: Realmente, a Parte Requerente alega que fora vítima da realização de contrato de seguro fraudulento. Sendo assim, incumbe ao Adversário provar a existência de Fatos Impeditivo, Modificativo ou Extintivo do Direito do Autor, nos termos do art. 373, II, CPC/15. Ademais, tendo em vista que se cuida de relação consumerista, para tanto, deve ser feita a inversão do ônus da prova para que a Parte Requerida apresente o instrumento contratual que possa por fim a controvérsia acerca da validade ou invalidade do ato jurídico. Contudo, houve a exibição de avença pela Parte Requerida. Tal circunstância é representativa da inexistência de contrato inválido. 3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA: É pacífico que a Responsabilidade da instituição bancária é objetiva na ocorrência de fraude, como no caso dos autos. Confira-se: Súmula 479, STJ - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. (Súmula 479, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012). 4. REPETIÇÃO DO INDÉBITO ESCORREITA: Antes de 30 de março de 2021, o STJ entendia que a devolução em dobro de indébito, segundo o art 42, parágrafo único, Código de Defesa do Consumidor - CDC é necessário os seguintes pressupostos, de forma cumulativa: (i) cobrança extrajudicial indevida de dívida decorrente de contrato de consumo; (ii) efetivo pagamento do indébito pelo consumidor; e (iii) engano injustificável por parte do fornecedor ou prestador. Admitia-se a repetição de indébito, independentemente da prova de que o pagamento tenha sido realizado por erro, com o objetivo de vedar o enriquecimento ilícito do banco em detrimento do devedor. Porém, para ocorrer em dobro, deve haver inequívoca prova de má-fé. Precedentes. (STJ, AgRg no REsp 916.008/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 623) Na mesma diretiva, declinam-se mais outros 6 (seis) precedentes do STJ, bom verificar: REsp 871825-RJ, REsp 1032952-SP, AgRg no REsp 734111-PR, REsp 910888-RS, AgRg nos EDcl no Ag 1091227-SP e AgRg no REsp 848916-PR. Acontece que o STJ, depois de 30 de março de 2021, reformulou seu entendimento, de modo permitir a Devolução Dobrada para os processos ajuizados depois da publicação do Acórdão do EARESP N. 676.608/RS, RELATOR MINISTRO OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, JULGADO EM 21/10/2020, DJE DE 30/3/2021. Assim, a parte promovida deve restituir os valores descontados indevidamente na forma simples (os que ocorreram no período compreendido até 30 de março 2021) e a restituição em dobro daqueles ocorridos após 30 de março 2021, ressalvada a prescrição parcial de 5 anos. Tais valores deverão ser acrescidos de juros de mora de 1%ao mês e correção monetária (INPC), ambos a partir do desconto (súmulas 43 e 54 do STJ). 5. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS: APENAS 5 (CINCO) DESCONTOS, NO IMPORTE DE R$ 49,90 (QUARENTA E NOVE REAIS E NOVENTA CENTAVOS). A parte autora comprovou que sofreu apenas 05 (cinco) descontos, no importe de R$ 49,90 (quarenta e nove reais e noventa centavos). Não se vislumbra a existência de dano moral, mas o mero dissabor experimentado pela parte autora. É que o evento retratado não tem o condão de afetar a sua esfera psíquica ou atingir a sua honra, não podendo ser considerado apto a causar o dano moral alegado e, portanto, não gerando qualquer direito a indenização 6. DESPROVIMENTO do Apelo para consagrar o Julgado Pioneiro, por irrepreensível, assegurada a majoração os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor fixado na origem, observado o limite do percentual previsto no art. 85, §2º, CPC/15, sob exigibilidade suspensa ante à Gratuidade da Justiça. . ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, pelo Desprovimento do Apelo, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 27 de novembro de 2024. DESEMBARGADORA CLEIDE ALVES DE AGUIAR Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR PAULO DE TARSO PIRES NOGUEIRA Relator (Apelação Cível - 0200795-93.2023.8.06.0124, Rel. Desembargador(a) PAULO DE TARSO PIRES NOGUEIRA, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 27/11/2024, data da publicação: 28/11/2024) DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. ANUÊNCIA DA CONSUMIDORA NÃO COMPROVADA. EMPRESA RÉ QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONFIGURADA. ERRO OPERACIONAL INCONTROVERSO. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. DESCONTO ÍNFIMO. MERO ABORRECIMENTO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O cerne da irresignação recursal consiste em examinar a responsabilidade civil da empresa de previdência privada complementar pela falha na prestação de seu serviço. 2. A autora teve descontado de forma indevida em sua conta bancária a monta de R$ 49,90 (quarenta e nove e noventa) identificado pelo extrato bancário como " MBM Previdencia Complementar" . (fl. 14). 3. A parte ré, ora apelante, ratifica tanto na contestação como em suas razões de apelação que houve um erro operacional, sendo incontroverso o desconto indevido. 3. Nesse contexto, ao compulsar os fólios processuais, em que pese a alegação de erro operacional, esse, por si só, não é suficiente para descaracterizar uma falha na prestação do serviço, o que, de fato, configura prática abusiva ante a formalização do contrato sem efetiva anuência da correntista. 4. Com relação ao dano moral, tem-se que ele somente ocorre quando houver lesão a bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da CF/1988. 5. Nessa perspectiva, ¿a verificação do dano moral não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante." (AgRg no REsp 1.269.246/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe de 27/05/2014). 6. No caso em tela, houve um único desconto em valor ínfimo na conta bancária da apelante, o qual, em sua totalidade, não ultrapassou o valor de R$ 49,90 (quarenta e nove reais e noventa centavos), conforme extratos bancários juntados pela própria autora (fl. 14). Nesse contexto, entende-se que a consumidora não ficou desprovida de recursos financeiros para solver suas despesas ordinárias. 7. Desse modo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que se trata de mero aborrecimento o desconto indevido de valores incapazes de comprometer a subsistência da parte. 8. Recurso conhecido e parcialmente provido. (Apelação Cível - 0200624-11.2023.8.06.0101, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO LUCÍDIO DE QUEIROZ JÚNIOR, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 18/09/2024, data da publicação: 18/09/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. COBRANÇA DE TARIFAS BANCÁRIAS NÃO CONTRATADO. DESCONTOS NA CONTA CORRENTE DA AUTORA. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. DESCONTOS INDEVIDOS. PARTE RÉ QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR A LEGITIMIDADE DA CONTRATAÇÃO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. DESCONTOS INEXPRESSIVOS. MERO ABORRECIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. QUANTUM IRRISÓRIO. FIXAÇÃO POR EQUIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Cuida-se de Apelação Cível manejada contra sentença de fls. 105/116, proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Lavras da Mangabeira que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Materiais e Morais ajuizada por Luis Pessoa de Araújo contra o Banco Bradesco S/A, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, declarando nulo o contrato de tarifa, bem como, condenou o apelante a restituir, em dobro, as parcelas descontadas indevidamente da conta bancária da parte autora. 2. Irresignada a parte demandante interpôs recurso às fls. 136/145, defendendo que os descontos realizados foram indevidos e sem sua anuência, assim a falha na prestação do serviço e a inexistência de relação contratual válida, demanda a condenação da instituição financeira em danos morais. Argumenta, ainda, que os honorários de sucumbência arbitrados em apenas 10% do sobre o valor da condenação, pugnando pela sua majoração. 3. Nesse contexto, cabe ao ente bancário, através da juntada do contrato ou de prova da solicitação ou autorização dos serviços correspondentes, comprovar que a autora contratou um pacote de serviços que dava ensejo à cobrança das tarifas impugnadas. A existência do dano moral pressupõe a configuração de lesão a um bem jurídico que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., com base se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal. 4. Desse modo, ainda que tenha ocorrido desconto indevido, tal fato não se mostra suficientemente capaz de ensejar o dano moral alegado, posto que não se traduz em qualquer ofensa aos direitos da personalidade a existência de desconto de valor irrisório ocorrido na conta-salário da demandante/recorrente. Precedentes. 5. Em face da justa remuneração aos serviços advocatícios, imprescindíveis à administração da Justiça, observa-se que, no caso de que ora se cuida, é possível a aplicação da regra subsidiária contida no art. 85, §§ 2º, 8º do CPC. 6. Nesse contexto, considerando tais parâmetros, pontuando o fato do Apelante ter apresentado contestação e agravo de instrumento, porém a matéria trazida à baila não ofereceu maior complexidade, devido à desistência do Autor, tenho que merece reparo o decisium objurgado para fixar as verbas sucumbenciais, por apreciação equitativa, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais). 7. Recurso conhecido e parcialmente provido. (Apelação Cível - 0200484-35.2023.8.06.0114, Rel. Desembargador(a) MARCOS WILLIAM LEITE DE OLIVEIRA, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 11/09/2024, data da publicação: 18/09/2024) APELAÇÃO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IRREGULARIDADE DOS DESCONTOS RECONHECIDA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. DESCONTO COM VALOR ÍNFIMO. MERO ABORRECIMENTO. HONORÁRIOS ARBITRADOS DE FORMA IRRISÓRIA. POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO DE FORMA EQUITATIVA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O cerne da análise recursal reside em avaliar a existência de danos morais, e a possibilidade de majoração dos honorários advocatícios de sucumbência em 10% sobre o valor da causa. 2. Quanto a existência dos danos morais, há de se considerar que, embora se reconheça a irregularidade do débito direto na conta do consumidor, reduzindo seus proventos, na hipótese em liça, houve apenas três descontos no valor de R$59,90 (cinquenta e nove e noventa centavos), não possuindo a capacidade de comprometer a subsistência da parte autora. 3. Desse modo, é possível perceber que não há representatividade financeira de maior monta, de modo comprometer de maneira significativa os rendimentos da parte autora ou sua subsistência, tampouco havendo de se falar em maiores consequências negativas, como a inscrição do nome da consumidora nos cadastros de proteção ao crédito. 4. No referente aos honorários advocatícios, denota-se que, no caso em tela, a condenação foi arbitrada em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, sendo esta o equivalente à devolução em dobro do valor indevidamente cobrado de R$ 59,00 (cinquenta e nove reais), monetariamente corrigido pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, devidos a partir do desconto ilegal, ou seja, os honorários advocatícios sucumbenciais foram arbitrados aproximadamente R$ 11,80 (onze reais e oitenta centavos). 5. Portanto, assiste razão à parte apelante quanto à necessidade de majoração dos honorários, uma vez que a fixação dos honorários advocatícios deve ser realizada de forma equitativa, nos termos do art.85, § 8º, do CPC, em razão do irrisório valor ora observado, de modo a zelar pela dignidade da atividade profissional advocatícia. 6. Recurso CONHECIDO e PARCIALMENTE PROVIDO, para arbitrar os honorários equitativamente em R$ 500,00 (quinhentos reais), em favor do advogado da autora, em conformidade com o art. 85, §8, do CPC. (Apelação Cível - 0200031-06.2024.8.06.0114, Rel. Desembargador(a) EVERARDO LUCENA SEGUNDO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 23/10/2024, data da publicação: 23/10/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DESCONTOS INDEVIDOS. VALOR IRRISÓRIO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO DO BANCO PROVIDO EM PARTE. EXCLUSÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSO DA CONSUMIDORA IMPROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA. I. CASO EM EXAME Os presentes autos tratam de ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais, ajuizada por Francisco Vítor de Sampaio, em face de descontos indevidos realizados em sua conta bancária pela instituição financeira Banco Bradesco S.A. A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação, determinando a restituição dos valores indevidamente descontados e fixando indenização por danos morais em R$ 500,00. Insatisfeitas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação. O autor pleiteou a majoração do valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00. O banco, por sua vez, pugnou, dentre outros, pela exclusão da condenação por danos morais ou, subsidiariamente, pela redução do valor arbitrado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A controvérsia recursal gira em torno da configuração do dano moral decorrente dos descontos indevidos. A análise se concentra na verificação da existência de abalo moral relevante para justificar a condenação imposta ao banco, uma vez que o valor descontado foi ínfimo. III. RAZÕES DE DECIDIR Ao analisar o recurso, restou demonstrado que o valor do desconto indevido, R$ 45,17 (quarenta e cinco reais e dezessete centavos), não teve o condão de causar dano moral relevante, conforme jurisprudência consolidada do STJ. A simples ocorrência de um desconto em quantia irrisória, ainda que indevido, configura mero aborrecimento, o que não enseja indenização por dano moral. Conforme decidido em casos similares pelo STJ, meros dissabores, aborrecimentos e contratempos da vida cotidiana não caracterizam danos morais. O dano moral pressupõe um abalo psicológico, vexame ou humilhação, que extrapola o limite da normalidade. No presente caso, o valor descontado, além de mínimo, foi prontamente restituído, não sendo comprovada qualquer lesão à dignidade ou à imagem do autor. Quanto aos honorários advocatícios, mantendo-se a maior parte da sentença de primeiro grau, a fixação em 10% sobre o valor da causa é justa. Contudo, em razão da interposição de recursos, nos termos do art. 85, §11, do CPC, majora-se os honorários advocatícios para 12% sobre o valor da causa. IV. DISPOSITIVO E TESE Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso do Banco Bradesco S.A. para excluir a condenação por danos morais e nego provimento ao recurso do autor, mantendo os demais termos da sentença. Majoro os honorários sucumbenciais para 12% sobre o valor da condenação. (Apelação Cível - 0200137-40.2023.8.06.0069, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 22/10/2024, data da publicação: 22/10/2024) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTOS INDEVIDOS. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE AUTORA QUANTO AO AFASTAMENTO DOS DANOS MORAIS. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. DESCONTOS EM VALORES IRRISÓRIOS. MERO ABORRECIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (Apelação Cível - 0201032-57.2023.8.06.0115, Rel. Desembargador(a) JOSE RICARDO VIDAL PATROCÍNIO, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 02/10/2024, data da publicação: 02/10/2024) Cabia à autora demonstrar que os descontos efetuados causaram-lhe dificuldades financeiras a resultar em imenso abalo psíquico, capaz de configurar o alegado dano moral. Ademais, cumpre ressaltar que os descontos ocorreram durante os meses de março de 2019 e julho de 2019 e o ajuizamento da ação deu-se somente no ano de 2024, do que se denota que os débitos havidos não repercutiram de forma negativa a ponto de causar-lhe sofrimento moral. Assim, conclui-se que a demandante, ora apelante, vivenciou meros aborrecimentos que não podem ser considerados como abalo psíquico ou sofrimento íntimo. Não sendo comprovado o dano moral, não há que se falar em responsabilidade civil, merecendo reforma a sentença quanto ao ponto. Mantenho a sucumbência exclusiva da demandada, porquanto a parte autora sucumbiu em parte mínima dos pedidos (art. 86, parágrafo único, do CPC). Contudo, considerando-se que o decote da condenação em indenização do alegado dano moral, tem-se que o proveito econômico obtido tornou-se irrisório, de forma que os honorários advocatícios devem ser fixados por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, §8º, do CPC, fixando-se a quantia de R$ 700,00 (setecentos reais), observando-se a baixa complexidade da demanda, a inexistência de atos praticados em audiência e o curto lapso temporal de duração do processo (art. 85, §2º, I a IV, do CPC). Ante o exposto, nos termos do art. 932 c/c art. 926, ambos do CPC, conheço da apelação cível para dar-lhe parcial provimento, reformando a sentença unicamente para afastar a condenação por indenização do dano moral. Sucumbência exclusiva da demandada. Arbitro a verba honorária sucumbencial em R$ 700,00 (setecentos reais), nos termos do art. 85, §8º, do CPC, suspensa a exigibilidade em virtude do benefício da justiça gratuita deferido (art. 98, §3º, do CPC). Expedientes necessários. Fortaleza, 25 de abril de 2025. Des. RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS Relator

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Processo nº 0801221-24.2024.8.15.0301

ID: 335737779

Tribunal: TJPB Órgão: Câmara Criminal Classe: APELAçãO CRIMINAL Nº Processo: 0801221-24.2024.8.15.0301

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

ANDRE CARVALHO DOS SANTOS

Polo Passivo:

EXPEDIENTE

Advogados:

PATRICK CHAVES PESSOA

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MARLYSON PEDRO COSTA

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário Tribunal de Justiça da Paraíba Gabinete 10 - Des. João Benedito da Silva Processo nº: 0801221-24.2024.8.15.0301 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assuntos: [Roubo Majorado, Estupro, Pe… Poder Judiciário Tribunal de Justiça da Paraíba Gabinete 10 - Des. João Benedito da Silva Processo nº: 0801221-24.2024.8.15.0301 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assuntos: [Roubo Majorado, Estupro, Perseguição] APELANTE: ANDRE CARVALHO DOS SANTOS - Advogado do(a) APELANTE: MARLYSON PEDRO COSTA - PB27558 APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA PARAIBA - PGJ 09.284.001/0001-80 APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ESTUPRO, ROUBO E STALKING. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. EMENDATIO LIBELLI. PREVISÃO NO ART. 383 DO CPP. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. VALIDADE. TENTATIVA RECONHECIDA. ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ROUBO. AUSÊNCIA DO ANIMUS FURANDI. CONDUTA QUE SE ACOPLA DO CRIME DE LESÃO CORPORAL. REENQUADRAMENTO DO TIPO PENAL. PERSEGUIÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. PROVIMENTO PARCIAL. O réu se defende dos fatos narrados na inicial, e não da tipificação contida na denúncia. Da leitura do art. 383 do Código de Processo Penal extrai-se que: “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. Como sabido, nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é de extrema importância, pois geralmente cometidos na clandestinidade, longe dos olhos de testemunhas, de forma que conta com especial valor probatório, uma vez que é vítima quem, devido à proximidade dos fatos, tem melhores condições de narrar sua dinâmica e apontar seu responsável. Sendo assim, inexiste razão, na presente hipótese, para desprezar a palavra da vítima, resultando descabida a arguição de que, sem motivo, buscaria incriminar o réu. De todo o relato trazido aos autos, é fato que o apelante foi interrompido em seu intento pela pronta reação da vítima, que lutou o tempo todo, desferindo-lhe golpes com o capacete. Assim, entende-se que houve o fracionamento do iter criminis, sendo que o delito de estupro não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do apelante. Desclassificação para importunação sexual – pedido que não merece acolhida, uma vez que as provas colhidas nos autos demonstram, de forma inequívoca, que o acusado iniciou a execução do crime de estupro, somente não o consumando por circunstâncias alheias à sua vontade. A dinâmica dos fatos não demonstra, de forma cristalina, o animus furandi, que consiste na vontade consciente e dirigida de apropriar-se da coisa alheia para si ou para outrem. Todavia, comprovado que o réu ofendeu a integridade física da vítima, sendo tal fato narrado na denúncia, imperiosa a condenação pelo delito de lesão corporal. Do relato da vítima restou demonstrado a reiteração da conduta de perseguição do réu e o imenso temor que lhe causou, passando a ter perturbada sua liberdade de locomoção e privacidade, uma vez que já temia transitar livremente na localidade onde morava. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acima identificados; A C O R D A a Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, por unanimidade, em REJEITAR A PRELIMINAR, NO MÉRITO, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO APELO PARA REDUZIR A PENA E ALTERAR O REGIME PARA O SEMIABERTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. RELATÓRIO ANDRE CARVALHO DOS SANTOS foi condenado pelo Juízo da 1ª Vara Mista da Comarca de Pombal nas sanções do art. 157, § 2º, VII c/c art. 213 c/c art. 70, parte final, todos do Código Penal e, ainda, nas penas do art. 147-A, §1º, II do Código Penal, em concurso material de crimes, na forma do art. 69 do mesmo Estatuto Punitivo, a uma pena de 12 (doze) anos e 09 (nove) de reclusão e, ainda, em 65 (sessenta e cinco) dias-multa, a ser cumprida no regime inicialmente fechado (sentença de id 32153207). Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação e em suas razões (id 32544633), a Defesa alega, preliminarmente, que o magistrado pode até condenar o acusado por crime mais grave do que o imputado na denúncia, mas sem alterar a descrição dos fatos expostos na exordial acusatória (art. 383 do CPP). Aduz que a mudança na narrativa dos fatos decorrente de eventual prova nova na instrução só é cabível quando houver aditamento da denúncia e reinaugurando a produção de provas (art. 384 do CPP). Segundo a Defesa, a sentença condenou o acusado por estupro consumado invocando circunstâncias que não foram narradas na denúncia. Relata que as narrativas da denúncia são apenas imputando que o acusado teria tentado constranger e tentado apalpar a vítima. Conclui que a sentença que condena um acusado por fato que não tinha sido descrito na denúncia padece de nulidade absoluta, cuja consequência é a absolvição do réu. MÉRITO CRIME DE ESTUPRO A Defesa aponta a fragilidade e as inconsistências das versões apresentadas pela vítima, conforme os elementos probatórios constantes nos autos. Afirma que há contradições nas três versões apresentadas pela vítima, sendo duas na esfera policial e um durante a instrução processual. Segundo a Defesa, na 1ª versão: A vítima não fala que o agressor tentou tocar em suas partes íntimas; na 2ª versão: A vítima diz que o agressor tentou pegar em suas partes íntimas durante a tentativa de levá-la para o mato e na 3ª versão: A vítima afirma que o agressor não tocou em seus órgãos genitais, apenas passou a mão em sua bunda quando ela estava na moto. Aduz ainda que ora a vítima narra que o réu tomou seu celular após conseguir filmar alguma coisa e ora diz que o celular foi tomado antes que conseguisse filmar. Prossegue afirmando que apenas na terceira versão a vítima afirmou que o réu passou a mão nas suas nádegas. DA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL Argumenta a Defesa que, conforme relato da própria vítima, o suposto contato físico com o réu ocorreu quando ela já estava na moto em funcionamento, pronta para deixar o local. A violência e ameaça já haviam cessado, restando caracterizado, no máximo, o crime de importunação sexual (art. 215-A do CP), e não estupro consumado. Contudo, na sentença de primeiro grau, o magistrado consignou que o apelante ainda estaria com a faca em mãos enquanto a vítima subia na moto, porém tal fato não ficou comprovado nos autos, nem foi mencionado de forma clara pela vítima. Entende que não há comprovação de grave ameaça contínua no momento final da interação entre a vítima e o apelante. RECONHECIMENTO DO ESTUPRO NA FORMA TENTADA Em caso de não acolhimento da tese principal, qual seja, a desclassificação do crime de estupro para importunação sexual, requer-se subsidiariamente o reconhecimento do crime de estupro na forma tentada, com a consequente adequação da pena. Relata a Defesa que a própria vítima reconhece que reagiu ao suposto ato do recorrente, utilizando o capacete como instrumento de defesa e impedindo que ele se aproximasse ou concluísse qualquer ato que configurasse a consumação do delito. CRIME DE ROUBO De início, afirma-se que o crime de roubo, previsto no art. 157 do Código Penal, caracteriza-se pela subtração de coisa alheia móvel mediante grave ameaça ou violência, com a intenção de incorporar definitivamente o bem ao patrimônio do agente (animus rem sibi habendi). No caso em tela, alega-se que a análise dos fatos demonstra que não houve a intenção de apropriar-se do celular da vítima de forma definitiva. O recorrente tomou o aparelho apenas para evitar a produção de provas que pudessem incriminá-lo, conforme relatado pela própria vítima e corroborado pelo Relatório de Investigação Policial. Entende que o apelante agiu com o único objetivo de eliminar uma possível prova que poderia ser usada contra ele, pelo que a ausência do animus furandi descaracteriza o delito de roubo. Em contrarrazões do Ministério Público opinou pelo provimento parcial do apelo, com a absolvição do acusado quanto ao crime de roubo majorado pelo emprego de arma branca e reconhecimento do estupro na modalidade tentada – id 33178915 . A douta Procuradoria de Justiça exarou Parecer pelo desprovimento do recurso – id 33727656. É o relatório. VOTO Como visto, ANDRE CARVALHO DOS SANTOS foi condenado pelo Juízo da 1ª Vara Mista da Comarca de Pombal nas sanções do art. 157, § 2º, VII c/c art. 213 c/c art. 70, parte final, todos do Código Penal e, ainda, nas penas do art. 147-A, §1º, II do Código Penal, em concurso material de crimes, na forma do art. 69 do mesmo Estatuto Punitivo. Narra a exordial acusatória (id 32153147) que: [...] Segundo se infere do caderno investigativo, no dia 01 de junho do corrente ano (2024), por volta das 11h40min, no sentido do Centro do município para a Zona Rural de São Bentinho/PB, logo após sair da BR230 e adentrar na estrada vicinal, o investigado, de forma voluntária e consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta: a) tentou constranger a vítima BARBARA NUNES DOS SANTOS, mediante grave ameaça, a praticar e permitir que com ela se praticasse atos libidinosos ou ter conjunção carnal; b) subtraiu para si bem alheio móvel, a saber, o aparelho celular da vítima, mediante grave ameaça promovida com arma branca; c) perseguiu a vítima de maneira reiterada, ameaçando-lhe a integridade psicológica. Nas circunstâncias de data e horário apresentados, a vítima estava trafegando em uma motocicleta no sentido da zona rural de São Bentinho/PB, em direção à sua residência no Sítio Várzea de Dentro, quando foi surpreendida por um homem alto, magro, vestindo roupas e capuz pretos, de pele parda, saindo do matagal portando uma faca peixeira e obrigando-a a parar a motocicleta. Assustada, a vítima parou, instante em que o increpado pegou a motocicleta e, abrindo passagem por entre os arames, colocou o veículo para dentro da roça, bem como puxando a vítima para o matagal e tentando pegar em suas partes íntimas. Temendo por sua vida, a ofendida entrou em luta corporal com o acusado para tentar se desvencilhar da armadilha, momento em que tentou pegar o seu aparelho celular para filmar a conduta delituosa. Ato contínuo, o acusado a ameaçou e disse que se ela pegasse o celular iria “furá-la”. Neste instante, com medo de ter sua identidade descoberta, o acusado ligou a motocicleta e mandou a vítima ir embora, todavia, tomou-lhe o celular, momento em que lesionou a sua mão, conforme laudo de ofensa física (ID 91789534 – Pág. 06), perguntando, ainda, se a vítima sabia quem ele era. Insta salientar que a ofendida já havia reconhecido o acusado como sendo “André de Butim”, tanto pelas características físicas, como pela voz. Dias após o ocorrido, em 07/06/2024, o acusado, juntamente com sua esposa e sua mãe, foi ao estabelecimento do marido da vítima, na cidade de Malta/PB, e proferiu ameaças dizendo: “Você vai pagar pelo que fez”, com o claro intuito de intimidar a vítima e seus familiares. De mais a mais, o acusado ainda efetuou diversas ligações para parentes da vítima com o intuito de ameaçar e intimidar, para que não fosse realizada a apuração formal do caso e as acusações fossem retiradas. [...] Ademais, a camisa preta utilizada no intento criminoso foi localizada na residência do acusado, assim como a faca peixeira utilizada estava em sua cintura no dia da apreensão. Por fim, conforme emerge dos autos, o increpado perseguia a vítima reiteradamente, sempre a olhava com lascívia e intimidação, inclusive sendo a perseguição notória, conforme depoimento testemunhal acostado aos autos, causando na vítima forte abalo psicológico. Desse modo, estão presentes a prova da materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria da prática dos crimes em comento, impondo-se, assim, o oferecimento da presente inicial acusatória. [...] PRELIMINAR De início, a Defesa do recorrente pretende o reconhecimento de nulidade processual sob a alegação de cerceamento de defesa, tendo em vista a aplicação pelo Magistrado a quo do instituto da emendatio libelli, dando aos fatos narrados na denúncia tipificação diversa. Como sabido, o réu se defende dos fatos narrados na inicial, e não da tipificação contida na denúncia. Da leitura do art. 383 do Código de Processo Penal extrai-se que: “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. Nos dispositivos seguintes, a lei processual penal não prevê a necessidade de manifestação da defesa para que haja tal alteração porque, conforme já dito anteriormente, a acusação é limitada à narrativa dos fatos apresentada na denúncia, tendo a defesa que responder ao articulado da inicial acusatória. Colaciono o seguinte julgado: [...] Afasta-se a preliminar de ofensa à ampla defesa e ao devido processo legal nas hipóteses em que a condenação por tipo penal diverso daquele descrito na denúncia decorre da incidência da norma contida no artigo 383 do Código de Processo Penal, que consagra o instituto da emendatio libelli [...]. (TJ-MG - APR: 00103975920228130342, Relator.: Des .(a) Maurício Pinto Ferreira, Data de Julgamento: 09/11/2023, 8ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 10/11/2023). Preliminar rejeitada. MÉRITO CRIME DE ESTUPRO A materialidade e autoria do delito restaram consubstanciadas no Inquérito Policial de id 32153113, Laudo Traumatológico de id 32153113 – pág.6, Termo de Reconhecimento de Coisas de id 32153130 e depoimentos testemunhais. Vejamos. A testemunha , Raimundo Cardoso, esposo da vítima, em audiência relatou que sua esposa já havia lhe falado que o réu vivia lhe seguindo. Que no primeiro depoimento sua esposa teve medo de falar o nome do réu, pois ela estava com medo que ele fizesse algo contra o depoente. Que no dia do fato o réu foi atrás da vítima quando ela saiu do centro comercial e foi ao salão, antes de ir para casa. Que outras pessoas viram o réu no sítio no horário do fato; que todos no sítio tem medo de falar. PJE Mídias. A vítima, Barbara Nunes dos Santos, muito nervosa e emocionada, afirmou que saiu de casa pela manhã por volta das dez horas da manhã; que foi no centro da cidade deixar umas encomendas no centro comercial; que ao sair do local, viu na rua o réu defronte de onde estava; que ao voltar para seu sítio, por volta de onze e meia da manhã, ao sair da BR, para entrar na estrada de terra, o réu saiu de dentro do mato com uma faca na mão e mandando ela descer da moto; que ele lhe puxava pela mão; a moto meio que virou; que ela tirou o capacete, gritou por Deus; que começou a lutar; que batia nele com o capacete; que o réu já vinha lhe seguindo; que tentou pegar o celular para filmar e contar ao seu marido; que o réu achava que ela tinha filmado e ficava dizendo que ia lhe furar; mas ela não conseguiu filmar; que ele chegou a lhe furar com a faca e tomou seu celular; que ele lhe machucou na mão, ao tentar tomar seu celular; que ele não lhe pediu nada de seus bens; que ele então gritava para ela ir embora; que quando subiu na moto ele passou a mão na sua bunda; que ela lutou muito e não deixava ele se aproximar dela; que conseguiu ir embora, desesperada; que ele tomou seu celular porque achava que ela tinha filmado; que foi para a casa de sua mãe; que antes o réu já vinha lhe seguindo; que seus parentes sabiam que o réu estava lhe seguindo; que não recuperou o celular; que no primeiro depoimento na polícia estava com muito medo, foi no dia do crime; que nesse primeiro momento não disse o nome do réu por medo; que o reconheceu pela fala e pelo corpo, embora ele estivesse todo vestido de preto e usando um gorro que só aparecia os olhos; que sabia que era ele porque já vinha lhe perseguindo; que a primeira vez que ele a perseguiu, a vítima vinha fazendo caminhado pela estrada de terra, que ele apareceu de carro e começou a trafegar bem devagar e a encarando; num segundo momento, o réu a seguiu mais três vezes de moto, sempre no mesmo horário, as 13h, quando saía de casa para ir a academia; que ele sempre estava em certo ponto da estrada parado, e só após ela passar ele passou a ir atrás dela devagar; que ele não falava nada; que nunca perguntou o motivo de tal atitude; que achava que ele queria que ela lhe desse “cabimento”; que após o fato ora apurado, o réu foi no local da lanchonete de seu marido, onde estava a vítima, e ficou lhe ameaçando; que não tem nenhuma dúvida de que foi o réu que lhe abordou com a faca; que conhecia sua voz, pois lhe conhece desde de criança; que são vizinhos de sítio; que conhece a irmã dele; que já vinha se sentindo ameaçada com as atitudes do réu e sente muito medo; que tem muito medo que o réu faça alguma coisa com seu esposo; que no dia do fato, pouco antes, viu o réu no centro de Cajazeirinhas; que logo no dia do fato seus parentes lhe disseram para não dizer nada porque o réu andava armado e porque ela não tinha conseguido filmar. PJE Mídias. A vítima pelo seu relato, demonstra se sentir muito intimidada por essas atitudes de perseguição do réu. Por fim, ao ser interrogado o réu negou a autoria; alegou que é inocente; que no dia do fato estava na sua casa; que sua mulher lhe pediu para leva-la para fazer as unhas e foi até a cidade; que deixou e voltou para casa; que depois voltou para ir busca-la por volta das dez e meia; que voltou para a rua depois de deixar sua mulher em casa; que foi para o estabelecimento de Carlos; que por volta das onze e meia estava em Cajazeirinhas e sua esposa lhe ligou perguntando onde ele estava porque tinha ocorrido um assalto perto do sítio; que pouco depois voltou para casa; chegou em casa por volta de meio e dia; negou ter ido na lanchonete ameaçar a vítima; que sobre o fato de ser atribuída a ele a conduta não sabe o motivo; que não tem rixa com a vítima nem com a família; que só conhece a vítima de vista; que a conhece desde criança; que nunca a perseguiu; nunca disse nada com ela; que a estrada é publica; que é passagem para a casa de sua mãe. Que no dia do fato estava com a faca de seu pai, porque é pescador. Que a faca que a polícia apreendeu é sua e o moletom é do seu filho. Ao saber que estavam falando que tinha sido ele que praticou o fato contra Bárbara, não foi na polícia esclarecer. PJE Mídias. De início, destaque-se que, em casos de crimes dessa natureza que, na maioria das vezes não deixa vestígios nem tem testemunhas, prescinde-se inclusive do exame de corpo de delito, já que tal ato pode ser comprovado por outros meios de prova, ainda que de forma indireta, como através da prova testemunhal, com fulcro no artigo 167 do CPP. Não logrou a Defesa provar a existência de qualquer motivo que teria a vítima para incriminar o réu tão seriamente, e seus relatos, ao contrário do que alegado pela Defesa, conduzem a uma única versão. Com efeito, é comum, num primeiro momento, as vítimas de crimes dessa natureza demonstrarem vergonha e sentimento de culpa em relatar o fato. Observa-se que, no dia do fato, e logo após o ocorrido, ao ir à delegacia a vítima, ainda muito nervosa, teve medo de falar até mesmo o nome do acusado, apresentando versão resumida do ocorrido. Não se trata de situação em que ela tenha relatado um fato e depois mudado seu depoimento passando a afirmar que não ocorreu ou ocorreu de outra forma. Em Juízo, esclareceu que no primeiro momento estava com muito medo, até porque fora advertida por seus parentes a não acusar o réu porque ele tinha o costume de andar armado. Ao ser tomado seu depoimento pelo delegado, num segundo momento, a vítima, já mais calma, conseguiu relatar os fatos nos seus detalhes. Narrou que: [...] A declarante percebeu que esse homem havia rompido os arames da estrada, e ao pará-la, ficava puxando-a para dentro do mato, e ela temeu pelo que poderia acontecer consigo, pois o homem a tentava levar para o meio do mato e tentava pegar nas suas partes intimas. Nesse momento ela, com o seu capacete em mãos e para se defender, entrou em uma luta corporal com esse homem. Que comunicante pegou o seu celular para gravar o homem e ter provas para acusá-lo. Que ela disse para ANDRÉ que iria contar para JOHN, o seu marido, o que ANDRÉ estava fazendo com ela, já que a declarante estava sendo perseguida por ANDRÉ há tempos. Que nesse momento ANDRÉ se agoniou e conseguiu tomar o celular da sua mão e foi nesse momento que ele cortou a sua mão com a faca que portava. Que ANDRÉ também levantou sua moto e a ligou, a mandando ir embora. Que ANDRÉ estava com medo de que a declarante o houvesse reconhecido. Que a declarante pegou a sua moto e foi embora desesperada.[...] – id 32153113 – pág.8. Em Juízo, além de relatar as mesmas circunstâncias, confirmou que o réu passou a mão nas suas nádegas, quando já estava na sua própria motocicleta, saindo do local, o que não altera significativamente o fato de ter afirmado que ele tentara pegar em suas partes íntimas. Veja-se: [...] 3. Pequenas divergências nos depoimentos da vítima, as quais apenas rodeiam o fato principal (revelado de modo contundente e lógico), não são capazes de, isoladamente, gerar dúvida razoável quanto à ocorrência do delito, mormente quando não externado interesse de injustamente incriminar o réu ou de acrescentar ao relato fatos não condizentes com a realidade. [...] (TJ-DF 0716759-67 .2021.8.07.0009 1754511, Relator.: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 06/09/2023, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: 20/09/2023) A vítima afirma, em mais de um relato, que o réu a abordou com violência, tentou dominá-la em local ermo, portando uma faca, proferiu ameaças de morte e, para tomar-lhe o celular, chegou a cortar sua mão com a faca (lesão confirmada em laudo pericial), além da tentativa de pegar em suas partes íntimas. Segundo a narrativa, sua intenção era arrastá-la para longe da estrada, adentrando o mato, e só não conseguiu seu intento porque a vítima lutou fortemente, pelo que o acusado desistiu de seu intento. O próprio réu não negou que se conhecem desde criança; o que confirma a afirmação da vítima de que o reconheceu pela voz, olhos, tipo físico e altura, além de reconhecer a faca e a blusa utilizadas por ele no momento do fato, e apreendidas pela polícia na casa dele - Termo de Reconhecimento de Coisas de id 32153130. O réu e tampouco as testemunhas arroladas pela Defesa não relataram ter conhecimento do motivo de a vítima incriminá-lo tão seriamente, confirmando que todos se conhecem, moram numa localidade pequena e não relataram existência de rixa anterior entre eles ou entre as famílias. Quanto ao alegado álibi trazido pelo réu, como bem foi destacado na sentença: “No que concerne ao depoimento do réu, este negou a autoria delitiva. No entanto, seu depoimento está isolado. O álibi que o réu ventilou, inclusive, não o beneficia, haja vista que indica que o réu não estava no “restaurante” de Carlos no momento do fato. Com efeito, o próprio José Carlos da Nóbrega Soares, em seu depoimento judicial, ressaltou que o réu passou algo em torno de 30 (trinta) minutos fora do estabelecimento, por volta das 11h30min, horário aproximado do delito.” Como sabido, nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é de extrema importância, pois geralmente cometidos na clandestinidade, longe dos olhos de testemunhas, de forma que conta com especial valor probatório, uma vez que é vítima quem, devido à proximidade dos fatos, tem melhores condições de narrar sua dinâmica e apontar seu responsável. Sendo assim, inexiste razão, na presente hipótese, para desprezar a palavra da vítima, resultando descabida a arguição de que, sem motivo, buscaria incriminar o réu. Esse o entendimento da a jurisprudência pátria: [...] VI - De mais a mais, não socorre a defesa a alegação de que os depoentes não presenciaram os fatos. Ora, como já assinalado, é próprio dos crimes contra a liberdade sexual prática de forma sub-reptícia, o que dificulta a existência de testemunhas presenciais dos fatos. Nesse passo, é esperado que a versão apresentada pelos depoentes seja coerente e verossímil com a palavra da vítima e as demais provas carreadas aos autos. [...] (STJ - AgRg no HC: 847588 PE 2023/0293995-0, Relator.: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 15/04/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/04/2024) [...] II - É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios, como ocorreu na presente hipótese. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 1994996 TO 2021/0322893-4, Relator.: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 14/03/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2023) De todo o relato trazido aos autos, é fato que o apelante foi interrompido em seu intento pela pronta reação da vítima, que lutou o tempo todo, desferindo-lhe golpes com o capacete. Assim, entende-se que houve o fracionamento do iter criminis, sendo que o delito de estupro não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do apelante. Embora a vítima tenha informado que, quando já estava na moto, saindo, o réu passou a mão nas suas nádegas, não restou bem explicitado se foi com lascívia ou ainda como resultado do embate travado entre eles, pelo que, a bem do in dubio pro reo, cabe melhor à narrativa a ocorrência da forma tentada do crime. Remeto ao seguinte julgado: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO TENTADO. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS PELO ARCABOUÇO FÁTICO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO MANTIDA. Demonstrada a coesão da palavra da vítima, de relevante importância em crimes de cunho sexual, com os demais elementos de convicção amealhados aos autos (prova oral jurisdicionalizada e o relatório médico), que indicam suficientemente a materialidade e a autoria delitiva, deve ser mantida a condenação do apelante pela prática do crime de estupro tentado. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJ-GO 5305932-76 .2021.8.09.0152, Relator.: ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 27/04/2023) Ao tratar sobre a tentativa, Julio Fabrinni Mirabete assim expôs a questão: “[...] Para a realização do crime há um caminho, um itinerário a percorrer entre a ideia de sua realização e a consumação. Esse caminho, a que se dá o nome de iter criminis, é composto de cogitação, atos preparatórios, atos de execução e consumação. A cogitação não é punida, nem mesmo a externada a terceiro, salvo quando constitui ela, de per si, um fato típico. Os atos preparatórios são atos materiais, externos ao agente, que passa da cogitação à ação objetiva. Também não são puníveis, a não ser quando constituem fatos típicos. [...] Os atos de execução, ou executórios, são os atos materiais à prática do crime. Para distinguir entre atos preparatórios e atos de execução, a lei adotou a critério do início da realização do tipo, formal, em que se dá o reconhecimento da execução quando se inicia a realização da conduta núcleo do tipo. [...]."(in Código Penal Interpretado, 7a ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 61)” Diante disso, em juízo de readequação típica do fato, entendo que o acusado praticou o crime de estupro na forma tentada, nos termos do artigo 213, c/c artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, não se podendo falar em absolvição da conduta, mas em desclassificação. Tendo em vista os fatos demonstrados e provados, acima descritos, o reconhecimento do tipo importunação sexual, sob o argumento de que os atos praticados pelo réu não configurariam a tentativa do delito previsto no artigo 213 do Código Penal, resta descartado. O pleito da Defesa, quanto a tal tese, não merece acolhida, uma vez que as provas colhidas nos autos demonstram, de forma inequívoca, que o acusado iniciou a execução do crime de estupro, somente não o consumando por circunstâncias alheias à sua vontade. DO CRIME DE PERSEGUIÇÃO A Defesa não se insurgiu quanto à condenação pelo delito de perseguição imputado ao apelante. O crime de perseguição também é chamado pela doutrina e pela jurisprudência por stalking, termo em inglês utilizado para designar a perseguição contumaz e obsessiva. Vejamos a redação do tipo penal: Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Do relato da vítima restou demonstrado a reiteração da conduta do réu e o imenso temor que lhe causou tal conduta, passando a ter perturbada sua liberdade de locomoção e privacidade, uma vez que já temia transitar livremente na localidade onde morava. Como bem demonstrado na sentença: “Pelo que se observa de seu depoimento, o réu passou a frequentar a casa da irmã mais vezes com o objetivo de observar a ré e constrangê-la. Relatou que em todas as oportunidades o réu a cobiçava com o olhar, encarando-a. Em confirmação ao depoimento da vítima, consta o depoimento da testemunha ocular, Geraldo Manoel dos Santos, ouvido perante a autoridade policial, o qual afirmou que viu o réu seguindo a vítima, oportunidade em que até perguntou a vítima se o acusado era o seu "segurança" e, ainda, registrou que achou estranho porque viu essa perseguição ocorrer por mais de uma vez, razão pela qual orientou a vítima a comunicar o fato ao seu marido (ID 92845191 - Pág. 22). [...] Assim, por esses depoimentos é possível observar que o réu, agindo como agiu, perseguiu a vítima de forma reiterada, valendo-se de veículos automotores, para perturbá-la em sua esfera de liberdade e privacidade, cobiçando-a com o olhar em todas as quatro oportunidades relatadas, o que é suficiente para configurar a consumação do crime previsto no art. 147-A do CPB, já que com esse comportamento contumaz o réu causou perturbação à vítima, vindo a fazer com que esta mudasse, inclusive, a sua rotina diária.” A condenação há que ser mantida. DO CRIME DE ROUBO QUALIFICADO Como visto, o acusado foi condenado pelo delito do art. 157, § 7º, do CP, em razão de ter subtraído o aparelho celular da vítima com emprego de violência ou grave ameaça exercida mediante uso de arma branca. Pois bem. Nos termos do caput do supracitado dispositivo, pratica o delito de roubo o agente que subtrai coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa. Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Da exegese da norma em tela, denota-se que o crime de roubo se caracteriza quando o agente, após ameaçar e/ou praticar violência contra a vítima, obtém a posse da res subtraída. Por sua vez, o elemento subjetivo inerente aos delitos dessa natureza é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de subtrair o patrimônio alheio. Nessa seara, a doutrina é remansosa no sentido de que o dolo especial do crime de roubo, assim como no delito de furto, consiste no animus furandi, ou seja, na intenção de subtrair a coisa alheia móvel. Sobre o assunto, Cezar Bitencourt leciona que o elemento subjetivo especial do tipo de roubo é representado pelo “especial fim de apoderar-se da coisa subtraída”. Em arremate, o supracitado professor argumenta que a “ausência do ânimus apropriativo” desnatura a figura do crime de roubo (BITENCOURT, 2019, p. 128). Nessa mesma diretriz, é o entendimento firmado pela jurisprudência pátria, com se vê dos julgados colacionados abaixo: PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. CONFIRMAÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE ANIMUS FURANDI. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Analisando os depoimentos testemunhais de géssica aquino barbosa e marielly da conceição oliveira, prestados em juízo, constatei que ambas confirmaram que não houve tentativa de roubo da motocicleta da vítima, no entanto o que existiu foi uma briga entre Francisco Santiago, marielly e emanuel, motivada por ciúmes. 2. No seu depoimento, gravado em dvd (fl. 167), a testemunha marielly ao ser perguntada pelo advogado de defesa se o motivo era para subtrair a moto da vítima ou se era por ciúmes de salvador com a testemunha, esta respondeu que foi porque salvador ficou com ciúmes, pois pensava pensava que iria namorar e que na época do fatos Santiago era amigo do apelado e do arroz (02:30 a 02:38 minutos). 3. Não obstante a acusação, sabe-se que para a configuração do delito previsto no artigo 157, do CP, é necessário que o agente objetive a subtração com fins patrimoniais, agindo com animus furandi, em proveito próprio ou alheio. 4. Conforme se verifica em momento algum do conjunto probatório se extrai a certeza da existência do animus furandi por parte do apelado. Em verdade, a prova é fraca e o órgão acusatório não logrou êxito em desincumbir-se de seu ônus probatório. O animus atribuído pelo apelante não passa de mera suspeita, devendo prevalecer o princípio in dubio pro reo. 5. Assim, não vislumbro o animus furandi na conduta do agente, diante das provas disponíveis nestes autos. É que se afigura imprescindível, para a configuração do delito de roubo, a aferição do tipo subjetivo. 6. Inexistindo provas suficientes acerca da autoria e materialidade delitiva, a absolvição é medida que se impõe, nos termos do artigo 386, inciso VII, do CPP, e em obediência aos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. 7. Recurso conhecido e improvido. (TJPI; ACr 2014.0001.001296-7; Primeira Câmara Especializada Criminal; Rel. Des. José Francisco do Nascimento; DJPI 04/06/2014; Pág. 7) APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO IMPRÓPRIO. No caso, o acervo fático-probatório evidencia a ausência de animus furandi na conduta do réu, tio da ofendida, que se amolda em um contexto familiar conturbado, âmbito em que se deu uma discussão entre o réu e a sua sobrinha, resultando na apreensão do telefone celular da adolescente pelo tio. Nesta toada, à ausência de prova sobre o dolo do réu de subtrair, a sua absolvição é a medida que se impõe, com força no art. 386, inc. VII, do CPP. Determinação de expedição de alvará de soltura em favor do réu, se por al ele não estiver preso. Apelo defensivo provido. M/AC 7.747 - S 28.02.18 - P 24 (TJRS; ACr 0007718-14.2018.8.21.7000; Tramandaí; Sexta Câmara Criminal; Rel. Des. Aymoré Roque Pottes de Mello; Julg. 28/02/2018; DJERS 05/03/2018) APELAÇÃO CRIMINAL. Crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma (art. 157, §2º, inciso I, do Código Penal). Recurso da defesa. Pleito de desclassificação para os delitos previstos nos art. 176 e 129, caput, ambos do Código Penal (outras fraudes e lesão corporal leve). Viabilidade quanto ao segundo. Confissão e prova testemunhal que indicam ausência de animus furandi na ação do agente. Delito previsto no art. 176 do Código Penal (outras fraudes) que não está descrito na denúncia. Reforma da sentença que se impõe. Prescrição da pretensão punitiva na sua forma retroativa. Réu menor de 21 (vinte e um) anos à época dos fatos. Inteligência do art. 115 do Código Penal. Redução pela metade. Lapso superior à 1 (um) ano entre recebimento da denúncia e a publicação da decisão condenatória. Inteligência dos arts. 107, inciso IV, 109, inciso VI (anterior à vigência da Lei n. 12.234/10), 110, § 1º, e 115, todos do Código Penal. Recurso conhecido e provido parcialmente. Extinção da punibilidade decretada. (TJSC; ACR 2011.058453-1; Rio do Sul; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Subst. José Everaldo Silva; Julg. 06/05/2014; DJSC 20/05/2014; Pág. 343) No presente caso, da análise dos elementos de prova contidos nos autos, não se vislumbra, nas condutas praticadas pelo acusado, o intento de se apropriar do aparelho celular da ofendida, conforme passo a explanar. Na oportunidade em que foi ouvida em juízo, ao narrar sobre o momento em que o acusado tomou seu celular, a ofendida narrou que: “ele só pegou meu telefone porque eu peguei para filmar” (SIC). Nessa mesma vertente, quando inquirida em sede policial, em duas oportunidades distintas (dias 1 e 7 de junho de 2024), a vítima foi enfática ao afirmar que o acusado chegou a ameaçá-la para que ela NÃO pegasse o próprio aparelho celular; que ele não subtraiu outros pertences, a respeito de seus anéis de ouro; e que ele só arrebatou seu telefone porque acreditava que ela, ofendida, o havia filmado, elementos esses que, quando coligidos, demonstram que o censurado não detinha a intenção de se apropriar do telefone celular, mas sim, o de evitar que a ofendida utilizasse o aparelho para filmá-lo ou para solicitar ajuda. Veja-se: (Teor das declarações prestadas pela vítima, em sede policial, no dia 01/06/2024) (Teor das declarações prestadas pela vítima, em sede policial, no dia 07/06/2024) Assim, em compasso com a manifestação do Ministério Público, em sede de contrarrazões, na qual pugnou pela absolvição do réu em face de tal delito, por não vislumbrar a presença do animus rem sibi habendi, tenho que o caminho é a absolvição. Trago excerto da referida peça processual: “Sua real motivação era evitar ser identificado, pois acreditava que a ofendida poderia ter registrado imagens ou vídeos de sua ação. Com esse intuito, utilizou violência para tomar o dispositivo, visando dificultar qualquer possível reconhecimento posterior. Não se verifica, portanto, o animus rem sibi habendi, essencial para a configuração do crime de roubo. Nesse contexto, a subtração do celular da vítima não teve caráter patrimonial, mas sim uma estratégia para ocultação de sua identidade e frustração da persecução penal.” (Excerto das contrarrazões do MP) Dessarte, a dinâmica dos fatos não demonstra, de modo seguro o animus furandi na conduta do increpado, de tal forma que, diante da dúvida quanto ao dolo específico que moveu a ação do réu, há de ser afastada a condenação pelo crime do art. 157, VII, do CP. Não obstante, entendo que a conduta do acusado, que consistiu em ofender a integridade física da vítima quando do arrebatamento do aparelho celular, lesionando sua mão direita com o emprego da faca que portava consigo, carateriza o delito do art. 129, § 13, do CP, in verbis: Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Ora, a materialidade delitiva resta demonstrada pelo Laudo de Ofensa física encartado no Id. 32153113 – p. 6, do qual se extrai que a vítima apresentou lesão perfurocortante em sua mão direita. De outra banda, a autoria também é inconteste, pelas razões já delineadas anteriormente na presente decisão. Ademais, a dinâmica dos fatos não deixa dúvidas que o delito em comento foi praticado em razão do sexo feminino da vítima, pois decorreu da tentativa de estupro praticada instantes antes. Nesse ponto, faz-se necessário ressaltar que, no caso ora análise, a lesão corporal praticada contra a vítima não constituiu a elementar do crime de estupro tentado, o qual, diga-se, foi praticado com o emprego de ameaça exercida com a faca, não de violência propriamente dita. Em verdade, a agressão física praticada contra a vítima – que consistiu em ferir sua mão - não defluiu do crime de estupro tentado, mas sim, do ato em que o acusado arrebatou o aparelho celular da vítima. É importante consignar que, embora os elementos de prova não permitam afirmar, de modo categórico, que o réu detinha o propósito direto de lesionar a vítima, há de considerar as circunstâncias em que o evento se deu, em especial, o fato de que o acusado segurava uma faca no momento da ação– instrumento que, de um modo geral, possui alto poder cortante, contundente e, até mesmo, letal – indicam que ele, pelo menos, assumiu o risco de produzir o resultado atingido, restando caracterizado o dolo, nos termos do art. 18, I, segunda parte do CP: Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Tal espécie de dolo é o que a doutrina classifica como dolo eventual, o qual se caracteriza quando o agente não possui o animus direto de alcançar o resultado, mas assumi o risco de atingi-lo, modalidade essa que é compatível com o crime de lesão corporal. A propósito: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO (ART. 129, §13, DO CPB). RECURSO DA DEFESA. 1. Tese desclassificatória para o delito de lesão corporal culposa (art. 129, §6º, do CP) e, subsidiariamente, para lesão corporal em contexto de violência doméstica sem qualificação de gênero (art. 129, §9º, do CP). Rejeitada. Comprovação do dolo do acusado em lesionar a vítima, ainda que na modalidade de dolo eventual. Declarações da ofendida e exame pericial. Modus operandi da ação delitiva, consistente em chute na perna da ofendida, jogando-a ao chão, utilização da força, para fins de arrebatar o seu celular, por motivo de ciúmes. Presença de elementos próprios da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino. Conduta que se amolda ao art. 129, §13, do CP. 2. Dosimetria da pena. Primeira fase. Pleito de fixação da pena-base no patamar mínimo legal. Indeferimento. Idoneidade na negativação dos vetores da culpabilidade e personalidade. Violência praticada na presença do filho do casal, menor de idade. Histórico de comportamento agressivo. Segundo estágio: Pleito de incidência da atenuante da confissão espontânea. Inviabilidade. Acusado que inadmitiu as agressões. Recurso conhecido e desprovido. 1. O réu interpôs recurso de apelação, requerendo a desclassificação do delito de lesão corporal qualificada (art. 129, § 13, do CP), para o delito de lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, do CP), sob o argumento que inexistiu dolo de lesionar e o delito não foi cometido em razão da condição de mulher. Subsidiariamente, requereu a desclassificação da conduta para o delito do art. 129, § 9º, do CP; a aplicação da pena-base no patamar mínimo legal e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. 2. A tese de desclassificação da conduta para o delito de lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, do CP) não merece prosperar, pois inexiste margem de dúvidas acerca do dolo do acusado de lesionar a vítima (animus laedendi), especialmente considerando o modus operandi da ação delitiva (luta corporal para arrebatar o celular da vítima), causando as lesões descritas no exame de corpo de delito, consistentes em "equimose na perna direita, pequeno corte na mucosa oral e discreto edema com escoriação no antebraço direito". Desse modo, comprovado o dolo do acusado de lesionar a vítima, ainda que na modalidade de dolo eventual, por meio das provas coligidas aos autos, especialmente, as declarações da vítima e do filho do casal, do depoimento do vizinho da ofendida e do exame de corpo de delito, rejeita-se pleito de desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, do CP). 3. No caso, o modus operandi da ação delitiva demonstra claramente a adequação da conduta do acusado ao delito tipificado no art. 129, § 13, do CP, mediante o uso de força corporal para imobilizar a vítima, jogando-a ao chão e desferindo chutes, por motivação de ciúmes, constituindo elementos próprios da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino; pelo que rejeita-se o pleito de desclassificação da conduta para o art. 129, §9º, do CP. 4. Dosimetria da pena. Primeira fase. A justificativa quanto à negativação da culpabilidade revela-se idônea, pois a prática da conduta delitiva na presença do filho menor de idade (situação corroborada nas declarações da ofendida em juízo), denota maior reprovabilidade da conduta do acusado, principalmente por se tratar de criança em desenvolvimento intelectivo e emocional. Quanto à personalidade, há comprovação nos autos acerca do comportamento agressivo do acusado, considerando que, em outras ocasiões, ele agrediu fisicamente e psicologicamente a vítima, inclusive houve pedido de medidas protetivas anteriores, conforme noticiado em suas declarações em juízo. 5. Quanto ao pleito de reconhecimento da confissão espontânea, não merece prosperar, pois em nenhum momento o réu confessou a autoria delitiva. Em sede policial, negou completamente os fatos; enquanto, em juízo, apenas afirmou que "tomou o celular da vítima por ciúmes", mas inadmitiu qualquer ofensa à integridade física da ofendida. 6. Recurso de apelação conhecido desprovido. Sentença mantida. (TJCE; ACr 0200932-63.2022.8.06.0107; Jaguaribe; Terceira Camara Criminal; Relª Juíza Ângela Teresa Gondim Carneiro Chaves; Julg. 28/05/2024; DJCE 04/06/2024; Pág. 229) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ART. 129, § 9º, DO CP. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. TESE ABSOLUTÓRIA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA E AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS NO INQUÉRITO E EM JUÍZO. ANIMUS LAEDENDI EVIDENCIADO. PALAVRA DA VÍTIMA COERENTE E HARMÔNICA. CORROBORAÇÃO POR DECLARAÇÕES DE INFORMANTE E EXAME PERICIAL. PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO. MODALIDADE CULPOSA. INVIABILIDADE. ANULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INADMISSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE INSTRUÇÃO ESPECÍFICA ACERCA DA EXTENSÃO DO PREJUÍZO MORAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A absolvição pela alegada tese de insuficiência de provas para a condenação mostra-se inviável quando todo o conjunto probatório carreado aos autos demonstra, inequivocamente, a prática do crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, praticado, com vontade livre e consciente pelo apelante em face de ex-companheira, o que foi sobejamente comprovado pelas detalhadas declarações da ofendida no inquérito e em juízo, em harmonia com o exame pericial descritivo das lesões por ela sofridas e com as declarações do informante (seu genitor), que, apesar de não ter presenciado diretamente a prática do verbo nuclear do tipo, presenciou parte dos fatos, vindo a, inclusive, conter o apelante em seu ímpeto violento, além de ter visualizado lesão com presença de sangue em sua filha, não se recordando apenas do local de tal ofensa; 2. Sobejam provas suficientes de que, ao agir como agiu, o réu, mediante vontade livre e consciente (dolo direto), quis produzir as lesões na vítima (resultado), ou, no mínimo, assumiu o risco de produzi-las (dolo eventual), o que afasta a pretendida tese de absolvição por ausência de tipicidade penal e demonstra a presença do animus laedendi em sua conduta; 3. Sequer é vislumbrável eventual hipótese de que sua conduta tenha sido culposa, tanto porque sua versão é de toda incompatível com o resultado do laudo pericial – mais coadunável com o delineamento fático feito pela vítima –, quanto porque nada nos autos sugere eventual inobservância do dever de cuidado por meio de negligência, imprudência ou imperícia. 4. A prática de violência doméstica e familiar contra a mulher implica a ocorrência de dano moral in re ipsa, de modo que, uma vez comprovada a prática delitiva, é desnecessária maior discussão sobre a efetiva comprovação do dano para a fixação de valor indenizatório mínimo (Recurso Especial Repetitivo nº 1.675.874/MS). 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJMA; ACr 0002317-51.2019.8.10.0001; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Francisco Ronaldo Maciel Oliveira; DJNMA 11/06/2024) APELAÇÃO-CRIME. PENAL E PROCESSO PENAL. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. ART. 129, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. APELO DEFENSIVO. Pedido de desclassificação para o crime de homicídio culposo. Art. 121, § 3º, do Código Penal. Conduta imprudente, negligente ou imperita não verificada. Réu que, deliberadamente, muniu-se com uma faca para enfrentar a vítima. Evidência do animus laedendi. Possibilidade também de atuação com dolo eventual. Apelante que, no mínimo, assumiu o risco de lesionar a vítima. Nítido prenúncio de ofensa concreta à integridade corporal de terceiros. Condenação irrepreensível. Requeridas a redução da pena e fixação de regime aberto. Viabilidade da pretensão. Fundament ação inidônea quanto à V aloração negativ a das vetoriais culpabilidade do agente e consequências do crime. Futilidade do móvel delitivo confirmada nos autos. Manutenção da pena. Base de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses fixada na sentença. Ajuste no cálculo dosimétrico prejudicial ao réu. Incidência da atenuante da confissão espontânea não avaliada pelo magistrado primevo. Art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal. Pena definitiva estabelecida em 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão. Regime aberto. Parâmetros previstos no art. 33, § 2º, alínea "c", do CPB. Apelação conhecida e parcialmente provida, apenas para fixar a sanção privativa de liberdade infligida ao recorrente em 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime aberto. (TJBA; AP 0000306-76.2005.8.05.0034; Salvador; Primeira Turma da Primeira Câmara Criminal; Relª Desª Ivone Bessa Ramos; Julg. 31/10/2017; DJBA 16/11/2017; Pág. 532) APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL COMETIDA PREVALECENDO-SE DAS RELAÇÕES DOMÉSTICAS. TESE PRELIMINAR. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. REJEIÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. CRIME COMETIDO CONTRA MULHER NO ÂMBITO DA FAMÍLIA. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. SUBSTITUIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. NECESSIDADE. PENA INFERIOR A SEIS MESES. Comprovado que os fatos ocorreram no contexto de violência doméstica e familiar, não há que se falar em inaplicabilidade da Lei nº 11.340/06, além de não se afastar a competência desta Câmara Especializada. Diante da prova segura e judicializada da materialidade e da autoria do delito, é impossível acolher o pleito absolutório. É vedada a fixação de prestação de serviços à comunidade como condição do sursis se a reprimenda não ultrapassa seis meses, nos termos do artigo 46 do CP. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DOLO EVENTUAL. CONFIGURAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. Comprovado a conduta do réu em no mínimo empurrar a vítima contra a parede chapiscada, descabe desclassificação por suposta ausência de animus laedendi uma vez que quem pratica tal conduta assume, ao menos, o risco do resultado, configurando no mínimo dolo eventual apto a legitimar a condenação do delito do artigo 129 § 9º do Código Penal, assim a condenação é medida que se impõe. V. V. DESCLASSIFICAÇÃO DE OFÍCIO PARA A MODALIDADE CULPOSA DO DELITO. NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE ANIMUS LAEDENDI. REFORMA NA DOSIMETRIA. Comprovada a ausência de animus laedendi, não possuindo o réu a vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou a saúde da vítima, é necessária a desclassificação do delito para sua modalidade culposa, prevista no art. 129, § 6º, do Código Penal. (TJMG; APCR 0003328-60.2021.8.13.0390; Nona Câmara Criminal Especializada; Rel. Des. Walner Barbosa Milward de Azevedo; Julg. 26/02/2025; DJEMG 27/02/2025) PENAL. APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL LEVE E AMEAÇA. CONDENAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. Pretendida a desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal culposa e a aplicação do princípio da consunção. 1) Condenação legítima. Desclassificação da lesão corporal para a modalidade culposa. Impossibilidade. Materialidade e autoria que restaram plenamente demonstradas pelas palavras da vítima e pelo laudo de lesão corporal que evidenciou a lesão sofrida. Impossibilidade de desclassificação para a modalidade culposa, na medida em que, no mínimo, o réu agiu com dolo eventual, ao empunhar a faca na direção da vítima. Da mesma forma, comprovada a ameaça proferida pelo acusado e que causou temor na ofendida, perfeito o reconhecimento do delito específico, que é formal e instantâneo. Aplicação do princípio da consunção entre os delitos de ameaça e lesão corporal. Impossibilidade. Tratando-se de delitos autônomos com momentos de consumação distintos, correto o reconhecimento do concurso material de crimes, com aplicação cumulativa das penas. 2) Dosimetria das penas. Crime de ameaça. Agravante prevista no art. 61, II, f, do CP. Necessidade de readequação do índice de exasperação de 2/7 (dois sétimos) para 1/6 (um sexto). Parcial provimento. (TJSP; ACr 1504165-05.2022.8.26.0597; Ac. 17512090; Sertãozinho; Nona Câmara de Direito Criminal; Rel. Des. Alcides Malossi Junior; Julg. 23/01/2024; DJESP 01/02/2024; Pág. 3099) DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA. AMEAÇA E LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER REJEITADA. ERRO NA EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DOLO EVENTUAL CARACTERIZADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÃO LEVE IMPROCEDENTE. ART. 129, § 13, DO CP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Não há falar em erro na execução quando existe um acúmulo de fatores de riscos sucessivamente assumidos pelo réu ao avançar sobre duas pessoas com uma faca, ainda que tenha tido a intenção de acertar somente um dos indivíduos, devendo responder a título de dolo eventual. 2. A qualificadora prevista no art. 129, § 13, do Código Penal aplica-se exclusivamente às hipóteses de lesão corporal leve, sendo incabível, portanto, o pleito de desclassificação de tal conduta para o crime de lesão leve. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJDF; APR 07079.96-74.2021.8.07.0010; 178.6114; Terceira Turma Criminal; Rel. Des. Waldir Leôncio Lopes Júnior; Julg. 16/11/2023; Publ. PJe 25/11/2023) Assim sendo, diante da ausência do animus furandi , entendo que a conduta do acusado que consistiu em causar lesão corporal na vítima, amolda-se ao tipo penal do art. 129, § 13, do CP. Faz-se importante consignar que, no processo penal, o réu se defende dos fatos que lhe são imputados, não da capitulação legal que lhe é atribuída, sendo possível ao julgador atribuiu nova definição do tipo penal que melhor se acoplar às condutas perpetradas, sem necessidade de aditamento da denúncia. No caso em deslinde, a denúncia narra que o acusado, com sua conduta, lesionou fisicamente a vítima no momento em que tomou seu aparelho celular, de modo que foi conferido o exercício do contraditório e da ampla defesa em razão de tal acusação: “(…) Nas circunstâncias de data e horário apresentados, a vítima estava trafegando em uma motocicleta no sentido da zona rural de São Bentinho/PB, em direção à sua residência no Sítio Várzea de Dentro, quando foi surpreendida por um homem alto, magro, vestindo roupas e capuz pretos, de pele parda, saindo do matagal portando uma faca peixeira e obrigando-a a parar a motocicleta. […] Temendo por sua vida, a ofendida entrou em luta corporal com o acusado para tentar se desvencilhar da armadilha, momento em que tentou pegar o seu aparelho celular para filmar a conduta delituosa. Ato contínuo, o acusado a ameaçou e disse que se ela pegasse o celular iria “furá-la”. Neste instante, com medo de ter sua identidade descoberta, o acusado ligou a motocicleta e mandou a vítima ir embora, todavia, tomou-lhe o celular, momento em que lesionou a sua mão, conforme laudo de ofensa física (ID 91789534 – Pág. 06), perguntando, ainda, se a vítima sabia quem ele era. (…)” (Excerto da denúncia) A par do que foi exposto nesse tópico, tendo em vista a ausência de animus furandi na conduta do acusado, coligido com o fato de que ele, ao manusear uma faca quando subtraiu o celular da vítima assumiu o risco de lesioná-la fisicamente, desclassifico o crime de roubo majorado pelo emprego de arma branca, para o delito do art. 129, § 13, do CP. Passo, então, à dosimetria da pena em relação ao crime em questão, o que faço com arrimo nos arts. 59 e 68, do CP. DO CRIME DE LESÃO CORPORAL Em relação à culpabilidade, compreendida como o grau de reprovabilidade da conduta perpetrada, tenho-a como negativa, pois o réu valeu-se uma faca peixeira para a prática delitiva, instrumento que, conforme já ressaltado no presente voto, comumente possui elevado poder cortante e contundente, além de ser potencialmente letal, o denota a necessidade de uma censura mais elevada. O réu não ostenta antecedentes. Não há elementos que desabonem sua conduta social e sua personalidade, sendo tais vetoriais, portanto, favoráveis. Os motivos do crime, por sua vez, mostram-se desfavoráveis ao acusado, eis que lesionou a vítima com o fito de tomar seu aparelho celular, a fim de evitar que ela pudesse filmar e posteriormente identificar seu algoz. Registre-se, por oportuno, que o réu estava com o rosto encoberto durante a prática delitiva, o que, por si só, já dificultaria sua identificação, de modo que poderia ter simplesmente fugido do local, sem que tomasse o celular da vítima e viesse a lesioná-la durante o ato. As circunstâncias do crime também merecem um maior grau de reprovabilidade, uma vez que praticou o delito em local ermo (às margens estrada carroçal na zona rural), longe dos olhares de terceiros, valendo-se de uma situação de maior vulnerabilidade da vítima. Quanto ao comportamento da vítima, tenho como neutra tal vetorial. Por fim, as consequências do crime, por sua vez, são negativas, eis que extrapolaram as sequelas físicas inerentes ao tipo penal em questão. Isso porque, conforme se observa da oitiva judicial da vítima, ele estava visivelmente abalada e traumatizada em face do ocorrido, além de relatar que passou a temer o acusado, já que convivem na mesma comunidade. Diante da análise das circunstâncias judiciais, considerando que 4 (quatro) delas se manifestam desfavoráveis ao acusado: culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências do crime; e tendo em vista que, à época dos fatos, o crime em epígrafe cominava pena de 1 a 4 anos de reclusão (fato praticado durante a vigência da Lei nº 14.188/2021), fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a qual torno em definitivo à míngua de circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de aumento ou de diminuição de pena. Passo ao redimensionamento da pena DO CRIME DE ESTUPRO TENTADO Na sentença, todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal foram favoráveis ao réu, sendo sido fixada a pena base no mínimo legal, qual seja, 6 (seis) anos de reclusão. Na 2ª Fase não incidem circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na 3ª Fase reconheço a tentativa - art. 14, II do Código Penal. Segundo a doutrina, “[...] a redução de pena de um a dois terços derivada da tentativa (art. 14, parágrafo único, do Código Penal) é uma causa geral de diminuição associada à aproximação maior ou menor – tentativa acabada ou inacabada – da consumação. (...)". (BUSATO, Paulo César. Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 877-878). Considerando que a vítima foi retirada de seu veículo, bem como chegou a ser ferida na mão com a faca do réu, na tentativa consumar o delito, tenho que houve um alcance maior do iter criminis, que não se consumou apenas pela inesperada reação da vítima, reduzo a pena no patamar mínimo de 1/3 (um terço) fixando-a em 4 (quatro) anos de reclusão, a qual é tornada definitiva. DO CRIME DE PERSEGUIÇÃO Na aplicação da pena, verifica-se que o Juiz considerou todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal favoráveis ao réu, fixando a base no mínimo legal – 6 (seis) meses de reclusão, e ao final, aplicando a causa de aumento do art. 147-A §1º, II, do CP, aumentou a pena de metade, tornando-a definitiva em 9 (nove) meses de reclusão e 15 (quinze) dias multa. Nada a alterar. Aplicação do concurso material Há concurso material entre o crime de estupro tentado e o crime de perseguição, de modo que, aplicando-se o disposto no art. 69 do Estatuto Processual Penal, todas as penas devem ser aplicadas cumulativamente. Sendo assim, somo as penas em 7 (sete) anos e 3 (três) meses de reclusão e, além de 15 (quinze) dias-multa, a qual é tornada definitiva. O dia-multa resta fixado na razão de um trigésimo do salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato (art. 49, §1°, CP). Diante do quantum de pena fixado, o regime deve ser abrandado para o semiaberto. Pelo exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, para desclassificar o delito do art. 213 do Estatuto Punitivo para a modalidade tentada, bem como para desclassificar o delito de roubo circunstanciado para o crime de lesão corporal, mantida a condenação pelo crime de perseguição, sendo a pena readequada para 7 (sete) anos e 3 (três) meses de reclusão e, além de 15 (quinze) dias-multa, e o regime abrandado para o semiaberto. Considerando o abrandamento do regime prisional para o semiaberto, e tendo em vista que o réu encontra-se preso, DETERMINO que o setor competente deste Tribunal de Justiça expeça-se o competente alvará de soltura em favor do réu/apelante ANDRÉ CARVALHO DOS SANTOS, em até 24 horas, na forma do art. 6º, §12º, e art. 7º, inc. I, "d", ambos da Resolução n. 417/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o devido registro no Banco Nacional de Mandados de Prisões (CNMP), ficando os efeitos desta ordem de soltura, contudo, condicionados à inexistência de prisão cautelar ou definitiva motivado por outras razões legais. É como voto. Presidiu a 25ª Sessão Ordinária - semipresencial, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, Presidente da Câmara Criminal. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores João Benedito da Silva, relator, Carlos Neves da Franca Neto (Juiz convocado para substituir o Exmo. Sr. Des. Carlos Martins Beltrão filho, revisor) e Manoel Gonçalves Dantas de Abrantes (Juiz convocado em substituição ao Des. Ricardo Vital de Almeida, vogal) Representando o Ministério Público, a Excelentíssima Senhora Katia Rejane Medeiros Lira Lucena, Procuradora de Justiça. Câmara Especializada Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em João Pessoa, 22 de julho de 2025. Desembargador João Benedito da Silva Relator

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