Processo nº 0828580-24.2024.8.23.0010
ID: 324498605
Tribunal: TJRR
Órgão: 4ª Vara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0828580-24.2024.8.23.0010
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO
OAB/SP XXXXXX
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AO JUÍZO DA 4ª VARA DA COMARCA DE BOA VISTA - RORAIMA.
PROCESSO Nº: 0828580-24.2024.8.23.0010
LUCIMEIRY BARBOSA DA COSTA, brasileira, solteira,
funcionária pública, portadora da Carteira de Id…
AO JUÍZO DA 4ª VARA DA COMARCA DE BOA VISTA - RORAIMA.
PROCESSO Nº: 0828580-24.2024.8.23.0010
LUCIMEIRY BARBOSA DA COSTA, brasileira, solteira,
funcionária pública, portadora da Carteira de Identidade no 215102 –
SSP/RR, inscrita no CPF sob o número 695.209.252-87, residente e
domiciliada na Rua Soldado da Polícia Militar Django da silva, n° 530,
Caranã, CEP: 69.300-000, município de Boa Vista – Roraima, com
endereço
eletrônico: meiry_lala@hotmail.com, por seu advogado
regularmente constituído (procuração em anexo), com escritório na
Avenida Getúlio Vargas, n° 5430, bairro Centro, Boa Vista/RR, e-mail
advcaldasjr@gmail.com,
vem,
respeitosamente,
perante
Vossa
Excelência, inconformado com a r. sentença, interpor o presente
RECURSO DE APELAÇÃO
com base no Art. 1.009 e seguintes, do CPC, requerendo,
após as formalidades legais, a consequente remessa das Razões
Recursais ao Egrégio Tribunal de Justiça de Roraima.
A parte Recorrente deixa de juntar comprovante de preparo e
demais despesas processuais, vez que beneficiaria da justiça gratuita, nos
termos da Lei nº. 1.050/60, deferida ao teor do EP. 6.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Boa Vista - RR, datado e assinado digitalmente.
WALDECIR SOUZA CALDAS JÚNIOR
OAB/RR nº 957
RAZÕES RECURSAIS
Apelante: LUCIMEIRY BARBOSA DA COSTA
Apelados: BANCO DO BRASIL S.A., BANCO PAN S.A. BANCO SANTANDER
S/A e outros
Origem: 4ª Vara Cível
Autos nº: 0828580-24.2024.8.23.0010
EGRÉGIA CÂMARA CÍVEL!
NOBRES JULGADORES!
I.
SÍNTESE FÁTICA
A parte Apelante ingressou com AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE
DÍVIDAS (SUPERENDIVIDAMENTO) em face dos Apelados, com o intuito
de buscar adequação dos contratos vigentes ao seu mínimo existencial.
No decorrer do trâmite processual juntou aos autos vasta
documentação comprovando a impossibilidade de resguardar o seu
próprio sustento e de sua família.
Ocorre que o juízo de origem compreendeu, conforme a sentença
prolatada no EP. 323, que não ficou demonstrado que a parte Apelante não
comprovou estar superendividado. Vejamos:
Por fim, observa-se que o autor não demonstrou, no
presente caso, os fatos constitutivos de seu direito,
ônus do qual não se desincumbiu (art. 373, inc. I do
CPC), razão pela qual não merece prosperar o pleito
inicial. Por fim, entendo terem sido enfrentados todos
os argumentos trazidos pelas partes capazes de
influenciar
na
convicção
do
presente
julgador,
consoante art. 489, §1º, IV, do Código de Processo Civil.
Ante o exposto e, analisado tudo mais que dos autos
consta, com fulcro na fundamentação supra, julgo
improcedentes os pedidos autorais, em face dos
requeridos e, via de consequência, declaro extinta a
fase de conhecimento, com resolução de mérito, na
forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo
Civil.
Ainda utilizou como parâmetro de superendividamento o Decreto
11.150/2022.
Nesse sentido, salienta-se que o Decreto 11.150/2022,
em seu art. 3°, preceitua que no âmbito da prevenção,
do tratamento e da conciliação administrativa ou
judicial
das
situações
de
superendividamento,
considera-se mínimo existencial a renda mensal do
consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00
(seiscentos
reais). No caso concreto, os valores
apresentados
pelo
autor
demonstram
um
valor
superior a quantia definida como mínimo existencial.
Todavia, a parte Apelante inconformada com a referida
sentença, interpôs o presente recurso de Apelação por entender que ficou
comprovada a situação de superendividamento, bem como a existência de
todos os débitos e a inconstitucionalidade do Decreto 11.150/2022.
Assim, necessário novamente a demonstração da abusividade na
cobrança dos juros contratados, conforme exposto abaixo.
A)PRELIMINARMENTE - CERCEAMENTO DE DEFESA
Preliminarmente, é necessário destacar o cerceamento de defesa.
Em ações de superendividamento há uma complexidade em indicar todos
os contratos vigentes e os seus saldos remanescentes.
Essa dificuldade se dá pela grande quantidade de contratos, pela
confusão na vida financeira do superendividado e pela ausência de
conhecimento técnico da parte.
O superendividado não consegue precisar o saldo devedor de todos
os seus contratos e nem atualizar aqueles que estão em mora. O controle
desses dados é feito pelas instituições bancárias.
Essa particularidade não é somente dos superendividados. A
realidade é que a imensa maioria dos consumidores apenas efetuam o
pagamento
de
quanto está sendo cobrado. Afinal, não têm os
conhecimentos necessários para atualizar os valores com a incidência de
juros e outros encargos.
Diante desta problemática, foi formulado o pedido de inversão do
ônus da prova e as provas que a parte Apelante tem o interesse em
produzir. Vejamos o pedido:
c. Seja aplicada a inversão do ônus da prova, em
atenção aos Arts. 6º, VII e 14, §3º, do Código de Defesa
do Consumidor para àquelas evidências que só
poderiam ser formuladas e apresentadas pelos próprios
RÉUS, ou aquelas que os REQUERIDOS tenham maior
facilidade em produzir, em especial:
1. todos os instrumentos contratuais das dívidas que se
pretende repactuar, contendo o número dos contratos,
a quantidade total de parcelas, e o valor das parcelas; e
2. a evolução atualizada da dívida, informando quantas
parcelas já foram adimplidas pela parte Autora, de
modo a possibilitar a posterior confecção de Plano de
Pagamento.
D. Em especial, para que os Requeridos juntem toda a
documentação referentes às dívidas da parte Autora,
em até 15 (quinze) dias antes da realização de audiência
de conciliação;
Ocorre que esse requerimento foi indeferido, pois o juízo
compreendeu que não “EP 191 - INDEFIRO. A informação do rol de dívidas
incumbe à parte autora/devedora, consoante disposto no art. 104-A do
CDC, sendo providência imputada ao requerente, o qual deve trazer a
Juízo
o
plano
de
pagamento
com
os
débitos
que
pretende
renegociar/repactuar, não configurando obrigação da parte ré, tampouco,
espécie de prova a ser solicitada na presente fase. Outrossim,
despicienda, na espécie, a nomeação de administrador judicial, haja vista
que a própria parte requerente já apresentou plano de repactuação nos
autos (EP 55.2)”, conforme a decisão saneadora prolatada no EP. 201.
Todavia, ao chegar na sentença o magistrado compreendeu que não
restou comprovado os valores que são cobrados todos os meses. Tal
entendimento é completamente contraditório com o anterior.
Destaco que todos os débitos mencionados na petição inicial, no
plano de pagamento e na instauração de Superendividamento foram
demonstrados. Ocorre que como já mencionado, os Superendividados não
detém todos os contratos em mãos. Assim, juntamos aos autos as
cobranças que são realizadas nas contas bancárias do consumidor.
Não se pode fechar os olhos para a realidade e apenas imaginar um
mundo ideal. Seria adequado na busca pela justiça determinar que os
credores apresentarem todos os débitos em aberto e o saldo para
quitação. Não seria um ônus injusto, todos os credores têm equipes e
banco de dados que facilmente iriam apresentar esses documentos.
Em harmonia com a tese levantada por esta defesa está a
jurisprudência. Assim, apresento o presente julgado:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE
REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. LEI 14.181/2021. TUTELA
DE URGÊNCIA. POSSIBILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS
PROVA PARA JUNTADA DOS CONTRATOS.
I. A Lei n.º 14.181/2021, que regula o pedido de
repactuação de dívidas, não veda a concessão de tutela
de urgência.
II. Diante da demonstração de que o pagamento das
dívidas comprometem expressivamente a renda mensal
da parte, colocando em risco o seu sustento, presentes
os requisitos para concessão da tutela de urgência
consistente em limitação até o correspondente a 30%
(trinta por cento) da sua renda mensal.
III. Diante dos elementos que atestam a existência
de relação jurídica entre as partes, cabível a
inversão do ônus da prova para que a instituição
financeira junte aos autos o instrumento contratual.
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO
CONHECIDO
E
DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. (TJ-GO - Agravo de
Instrumento:
5864497-17.2023.8.09.0051
GOIÂNIA,
Relator: Des(a). ALICE TELES DE OLIVEIRA, 11ª
Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ)
Por outro lado,
EMENTA:
APELAÇÃO
CÍVEL
-
PRELIMINAR
DE
NULIDADE
DA SENTENÇA - CERCEAMENTO DE
DEFESA - PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA -
REGRA
DE
INSTRUÇÃO
-
HIPOSSUFICIÊNCIA
TÉCNICA DO CONSUMIDOR - SENTENÇA ANULADA -
REABERTURA DA FASE PROBATÓRIA.
- Nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, ao consumidor,
parte vulnerável e presumidamente hipossuficiente na
relação de consumo, devem ser assegurados os meios
de facilitação de defesa, inclusive por meio da inversão
do ônus da prova nas hipóteses em que restar
demonstrada a verossimilhança de suas alegações ou
sua hipossuficiência técnica, ou seja, sua incapacidade
de comprovar as suas alegações no caso concreto -
Consoante a jurisprudência consolidada do Superior
Tribunal de Justiça, "a inversão do ônus da prova
prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e
não regra de julgamento, motivo pelo qual a decisão
judicial que a determina deve ocorrer antes da etapa
instrutória
ou
quando
proferida
em
momento
posterior, garantir a parte a quem foi imposto o ônus a
oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes"
(REsp n. 1.286.273/SP, relator Ministro Marco Buzzi,
Quarta Turma, julgado em 8/6/2021, DJe de 22/6/2021) -
Diante da comprovada hipossuficiência técnica do
consumidor,
exsurge
evidente
a
necessidade
de
inversão dos ônus da prova que, por se tratar de regra
de instrução, impõe a anulação da sentença e a
reabertura da fase probatória, para que ao réu seja
facultada a produção de provas de fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito do autor. [...]
(TJ-MG - AC: 10000220595367003 MG, Relator: Yeda
Athias, Data de Julgamento: 15/02/2023, Câmaras
Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
17/02/2023)
Assim,
conforme
o
presente
julgado,
faz-se
necessário
o
reconhecimento do cerceamento de defesa e a consequente anulação da
sentença para que a instrução seja reaberta com a inversão do ônus da
prova, pois a parte superendividada é hipossuficiente, não tendo
condições de apresentar todos as provas necessárias. Todavia, mesmo
assim
apresentou
aos
autos
diversas provas que comprovam a
verossimilhança das alegações, afinal demonstrou os descontos nas
contas bancárias.
II.
DO MÉRITO
B)COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO
Ao analisar a situação de superendividamento de uma pessoa não se
pode usar fórmulas prontas e moldadas para outras situações. Deve ser
uma análise individualizada.
Desta forma, há vários caminhos para alcançar a comprovação da
afetação do mínimo existencial. No caso em tela, ficou claro que a parte
Apelante não tem condições financeiras de arcar com todas as suas
dívidas e manter um padrão de vida digno.
Conforme já mencionado na petição inicial, a parte Apelante recebe
mensalmente a quantia de R$ 9.308,70 (nove mil, trezentos e oito reais e
setenta centavos). Após os descontos obrigatórios como contribuição
previdenciária e Imposto de Renda no valor de R$ 1.323,41 (mil, trezentos
e vinte e três reais e quarenta e um reais). Resta para a parte somente a
quantia de R$ 7.985,29 (sete mil, novecentos e oitenta e cinco reais e
vinte e nove centavos).
Ademais, a parte Apelante possui encargos financeiros mensais
oriundos de contratos celebrados junto aos Apelados, que, quando
somados, correspondem ao valor de R$ 5.803,97 (cinco mil, oitocentos e
três reais e noventa e sete centavos), equivalente a MAIS DE 73% DE SUA
RENDA LÍQUIDA:
Após os diversos descontos referentes aos empréstimos, resta a
parte autora um saldo de R$ 2.181,32 (dois mil, cento e oitenta e um reais e
trinta e dois centavos):
RENDA LÍQUIDA……………….. R$ 7.985,29
DESCONTO DÍVIDAS…………. R$ 5.803,97
VALOR QUE RESTA………….… R$ 2.181,32
Assim,
nota-se
que a quantia destinada ao pagamento de
empréstimos consignados e não consignados, somada a esta dívida,
corresponde ao valor de R$ 428.844,37 (quatrocentos e vinte e oito mil,
oitocentos e quarenta e quatro reais e trinta e sete centavos).
É importante mencionar que o valor que resta para parte Apelante é
ínfimo, pois não é suficiente para custear suas despesas básicas, como
moradia, saúde, alimentação, despesas médicas, educação e etc. Tais
dívidas têm comprometido substancialmente o mínimo existencial da
parte Apelante.
Conforme documentos anexados a esta exordial, a parte requerente
possui as seguintes despesas básicas mensais, ao que se percebe, superior
ao valor que resta após os descontos bancários:
Nesse sentido, o Apelante se vê na contingência de propor a
presente demanda judicial, com o objetivo de ver repactuadas as suas
obrigações com a instituição qualificada no preâmbulo, e assim readquirir
a sua dignidade e reabilitar-se nos mercados de consumo e de crédito, ou
como será demonstrado, para que a parte Apelante possa voltar a viver,
inclusive podendo comprar o que é básico para sua sobrevivência, já que
os bancos retêm mais de 73% de seus proventos.
Os referidos contratos têm origem a partir de empréstimos, os quais
iniciaram quando a parte Apelante fez um empréstimo com a instituição ré
e após ter dificuldades em pagar algumas parcelas, o Apelado ofereceu
mais crédito para que este pudesse, com esse “dinheiro novo”, quitar as
parcelas em aberto, esse fato ocorreu mais algumas vezes e no presente
momento o Apelante possui diversos contratos em aberto com as
instituições rés.
O caso, Excelência, é que houve oferta abusiva, irresponsável de
crédito ao Apelante, seja por negligência ou má-fé dos bancos Apelados
que permitiram sucessivos empréstimos sem orientá-lo, ou seja, quanto
mais dívidas o Apelante contraia, mais dinheiro os bancos Apelados
colocavam nas mãos do Apelante.
Fica evidente que o autor não possui condições suficientes para
sustento próprio e familiar mensal após o pagamento de todas as suas
dívidas, não podendo prover o sustento básico, tendo que recorrer a
utilização de créditos que geram novas dívidas.
Assim,
visando
a
manutenção da vida do requerente, sua
sobrevivência e de sua família, é que não lhe resta alternativa a não ser
socorrer-se do Poder Judiciário por meio da presente demanda judicial.
C)INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 11.150/2022
Na referida sentença, o magistrado de origem usa como parâmetro
para a caracterização do superendividamento o Decreto 11.150/2022 em
que define qual seria o valor exato do mínimo existencial.
Inicialmente o Decreto determinava que o mínimo existencial seria
25% do salário mínimo, mas posteriormente houve alteração na redação
em virtude do Decreto nº 11.567/2023 em que fixou o mínimo existencial
em R$ 600,00 (seiscentos reais).
Ocorre que o conteúdo deste Decreto não está de acordo com a
Constituição Federal e por isso se tornou objeto de duas Ações de
Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. As duas ações
tramitam no Supremo Tribunal Federal sob os números 1005/DF e
1006/DF.
As ações foram propostas pela Associação Nacional dos Membros
do Ministério Público - CONAMP e Associação Nacional das Defensoras e
Defensores Públicos - ANADEP. As duas associações, dentre outras teses,
alegam que há ofensa à dignidade da pessoa humana.
O relator sorteado para as duas ações foi o Ministro André
Mendonça, em que no seu primeiro ato remeteu os autos ao MPF para que
emitisse parecer.
Assim, a Procuradoria Geral da República emitiu parecer favorável à
inconstitucionalidade. Vejamos a ementa do parecer:
ARGUIÇÕES DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL.
DECRETO
PRESIDENCIAL
11.150/2022.
PRESERVAÇÃO
E
NÃO
COMPROMETIMENTO
DO
MÍNIMO
EXISTENCIAL
PARA
FINS
DE
PREVENÇÃO,
TRATAMENTO
E
CONCILIAÇÃO ADMINISTRATIVA E JUDICIAL DAS
SITUAÇÕES
DE
SUPERENDIVIDAMENTO.
ADMISSIBILIDADE
DAS
AÇÕES
AJUIZADAS.
DISPOSITIVO QUE, AO REVELAR O SENTIDO E FIXAR
O
ALCANCE DO QUE SE CONSIDERA MÍNIMO
EXISTENCIAL
DO
CONSUMO,
AFRONTOU
DIRETAMENTE
PRECEITOS
FUNDAMENTAIS
DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 3º DO DECRETO
11.150/2022). VOCAÇÃO INOVATÓRIA DOS ARTS. 4º E
5º DO ATO IMPUGNADO. DENSIDADE NORMATIVA
QUE JUSTIFICA O CABIMENTO DA FISCALIZAÇÃO
ABSTRATA.
NÃO
IMPUGNAÇÃO
ESPECÍFICA
DE
TODOS OS ARTIGOS DO DECRETO. CONHECIMENTO
PARCIAL. MÉRITO. ATO NORMATIVO QUE VULNERA O
FUNDAMENTO
DA
DIGNIDADE
HUMANA,
O
OBJETIVO
DE
ERRADICAR
A
POBREZA
E
AS
DESIGUALDADES SOCIAIS E O DEVER LEGAL DO
ESTADO DE PROTEGER O CONSUMIDOR. VALOR
DEFINIDO A TÍTULO DE MÍNIMO EXISTENCIAL QUE
IMPOSSIBILITA O DESENVOLVIMENTO DA PESSOA
EM SOCIEDADE. FALTA DE CONDIÇÕES ADEQUADAS
A UMA VIDA DIGNA. RESTRIÇÃO DE SITUAÇÕES NÃO
VEDADAS PELA LEGISLAÇÃO FEDERAL. INOVAÇÕES
LEGISLATIVAS.
PARECER
PELO
CONHECIMENTO
PARCIAL DAS AÇÕES E, NESSA EXTENSÃO, PELA
PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
[...]
4. O art. 3º, caput e §§ 2º e 3º, do Decreto
presidencial 11.150/2022, ao revelar o sentido e fixar
o alcance do que se considera mínimo existencial
para fins de consumo, afronta diretamente os
preceitos fundamentais da dignidade humana, do
dever legal do Estado de proteger o consumidor,
além de se opor ao objetivo da República Federativa
do Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais.
5. O regulamento, ainda que tenha como intuito
integrar normas jurídicas sob uma determinada ótica,
não há de se mostrar alheio a preceitos fundamentais
do Estado, sob o risco de esvaziar os fundamentos e os
objetivos republicanos da democracia brasileira.
6. Os arts. 4º e 5º do Decreto presidencial 11.150/2022
inovam
na
ordem
infraconstitucional,
estabelecendo situações restritivas não vedadas
pelo CDC, fragilizando as condições adequadas e
mínimas de existência digna do consumidor.
– Parecer pelo conhecimento parcial das ações e, nessa
extensão, pela procedência dos pedidos, para que
sejam declarados inconstitucionais os arts. 3º, caput e
§§ 2º e 3º; 4º e 5º do Decreto 11.150/2022.
De maneira muito acertada, a Procuradoria Geral da República
emitiu parecer favorável à declaração de inconstitucionalidade do r.
Decreto Presidencial.
Não é possível fixar o valor do mínimo existencial desta maneira,
tendo em vista que há mutabilidade dos valores. Ao julgar o RE
567.985/MT, o Ministro Marco Aurélio afirmou que “as prestações básicas
que compõem o mínimo existencial – esse conjunto sem o qual o ser
humano não tem dignidade – não são as mesmas de ontem, e certamente
não serão iguais às de amanhã” (Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/Acórdão
Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 3.10.2013). Ideia antiga, mas
que permanece atual.
Desta maneira, a fixação do mínimo existencial ocasiona afronta a
preservação do mínimo existencial fragilizando a dignidade de todos os
consumidores.
Em outro momento do parecer, a PGR afirma que:
A existência digna pressupõe condições mínimas de
subsistência. O próprio texto constitucional, ao
prever o salário-mínimo como o necessário a
atender as necessidades básicas do indivíduo, já
trouxe
parâmetro
condizente
com
o
mínimo
existencial.
Há
necessidade
de
se
preservar
o
salário-mínimo, os proventos de aposentadoria e
pensão ou qualquer outra fonte de renda dos
indivíduos que lhes assegurem o desenvolvimento
em sociedade, sem que essa forma de subsistência
básica possa ser apropriada pelo Estado ou pelos
particulares, como, por exemplo, as instituições
bancárias.
Ocorre que com R$ 600,00 (seiscentos reais) não é possível que o
indivíduo tenha condições de ter o desenvolvimento em sociedade. Sendo
uma quantia ínfima para o atual contexto.
Ademais, em uma análise constitucional do Decreto, também
podemos levantar diversos pontos de inconstitucionalidade como:
I.
Violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º,
III,
CF/88):
O
princípio
da
dignidade da pessoa humana,
fundamento da República Federativa do Brasil, exige que seja
garantido a todo cidadão um padrão mínimo de vida digna. A
fixação de um valor irrisório como R$ 600,00 para representar o
mínimo existencial afronta diretamente este princípio basilar do
nosso ordenamento jurídico.
II.
Ofensa ao Princípio da Isonomia (art. 5º, caput, CF/88): A
aplicação indiscriminada de um valor único como parâmetro de
mínimo existencial ignora as disparidades regionais e individuais,
violando o princípio da isonomia em seu sentido material. O custo
de vida na cidade de Boa Vista/RR, onde reside a Apelante,
certamente difere de outras localidades do país.
III.
Desrespeito ao Princípio da Proporcionalidade: A interpretação
adotada
pela
r.
sentença
não
observa
o
princípio
da
proporcionalidade, implícito no texto constitucional e reconhecido
pela jurisprudência do STF. Ao fixar de forma rígida um valor tão
baixo como parâmetro de mínimo existencial, a decisão não realiza
a necessária ponderação entre a proteção do consumidor e os
interesses dos credores.
IV.
Violação ao Direito Fundamental à Vida e à Saúde (arts. 5º,
caput,
e
196,
CF/88):
Considerar
como
suficiente
para
a
subsistência digna um valor manifestamente insuficiente coloca em
risco o direito à vida e à saúde da Apelante, direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados.
V.
Inobservância do Princípio da Vedação ao Retrocesso Social: A
interpretação
restritiva
do
conceito
de
mínimo
existencial
representa um retrocesso na proteção dos direitos sociais, violando
o princípio da vedação ao retrocesso, amplamente reconhecido pela
doutrina constitucionalista e pela jurisprudência dos tribunais
superiores.
VI.
Desrespeito à Hierarquia das Normas: Um decreto, como norma
infralegal, não pode restringir direitos fundamentais assegurados
pela Constituição Federal e por leis ordinárias, como o Código de
Defesa do Consumidor.
VII.
Ofensa ao Princípio da Razoabilidade: Não é razoável presumir
que, no atual contexto econômico, uma pessoa possa manter uma
existência digna com apenas R$ 600,00 mensais.
Assim, da mesma forma que compreendeu a Procuradoria Geral da
República, o referido Decreto não pode ser usado como parâmetro de
mínimo existencial por ofender a dignidade da pessoa não a garantir o
necessário para o desenvolvimento social e evitando a exclusão social.
D) VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNÇÃO
SOCIAL DOS CONTRATOS
A sentença desconsiderou os princípios fundamentais da boa-fé
objetiva e da função social dos contratos, previstos nos artigos 421 e 422
do Código Civil.
Os contratos firmados entre o Apelante e as instituições financeiras
devem ser interpretados à luz desses princípios, que impõem deveres de
cooperação, lealdade e equilíbrio nas relações contratuais.
A situação de superendividamento do Apelante evidencia um
desequilíbrio contratual que viola a função social do contrato, na medida
em que compromete a dignidade e a subsistência do consumidor.
A boa-fé objetiva impõe às instituições financeiras o dever de
renegociar as dívidas em situações de manifesta impossibilidade de
pagamento, o que não foi devidamente considerado na sentença
recorrida.
E) DESCONSIDERAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
A decisão de primeira instância não aplicou adequadamente as
normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, em especial
aquelas introduzidas pela Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento).
O art. 6º, XI do CDC estabelece como direito básico do consumidor
"a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e
de prevenção e tratamento de situações de superendividamento,
preservado o mínimo existencial (...)".
Ao não reconhecer a situação de superendividamento do Apelante, a
sentença ignorou o dever de prevenção e tratamento imposto pelo CDC,
violando direitos básicos do consumidor.
A decisão também não considerou o princípio da vulnerabilidade do
consumidor (art. 4º, I do CDC), especialmente relevante em relações de
crédito com instituições financeiras.
F) DESPROPORCIONALIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS E
ABUSIVIDADE
A sentença não analisou adequadamente a proporcionalidade das
cláusulas contratuais que regulam as dívidas do Apelante, ignorando
potenciais abusividades.
O art. 51, IV do CDC estabelece a nulidade de cláusulas contratuais
que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem
o
consumidor
em
desvantagem
exagerada,
ou
sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".
Os contratos de empréstimo firmados pelo Apelante contêm
cláusulas que, em seu conjunto, resultam em obrigações excessivamente
onerosas, colocando-o em situação de desvantagem exagerada frente às
instituições financeiras.
A taxa de juros e demais encargos aplicados aos contratos devem
ser revistos à luz do princípio da proporcionalidade e da vedação ao
enriquecimento sem causa, considerando a situação de vulnerabilidade
do Apelante.
A abusividade se manifesta na desproporção entre as obrigações
das partes e no comprometimento excessivo da renda do Apelante, que
ultrapassa os limites do razoável e compromete sua subsistência digna.
III.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer o conhecimento do presente recurso
de apelação por estarem presentes todos os requisitos de admissibilidade,
e, no mérito, seja reformada a sentença do juízo a quo, para:
a) Preliminarmente, seja reconhecida a nulidade da sentença por
cerceamento de defesa, bem como determine a abertura da
instrução probatória com a inversão do ônus da prova e a intimação
dos Apelados para que apresentem todos os contratos ativos e os
seus respectivos saldos para quitação, sob pena de declaração de
inexigibilidade dos débitos.
b) Seja
reconhecida
a
inconstitucionalidade
dos
Decreto
n°
11.150/2022 e Decreto nº 11.567/2023, tendo em vista que afronta
com a dignidade da pessoa humana;
c) Que a r. Sentença seja reformada para acolher os pedidos
formulados na petição inicial e torne o plano de pagamento ora
apresentado em plano judicial compulsório com o seu início no mês
subsequente à data da sentença.
d)condenar a parte Requerida ao pagamento de custas processuais,
despesas e honorários advocatícios.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Boa Vista - RR, datado e assinado digitalmente.
WALDECIR SOUZA CALDAS JÚNIOR
OAB/RR nº 957
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