Processo nº 1062628-22.2023.4.01.3400
ID: 290818596
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1062628-22.2023.4.01.3400
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PRISCILA DE SOUZA OLIVEIRA MOURAO
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1062628-22.2023.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 1062628-22.2023.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO P…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1062628-22.2023.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 1062628-22.2023.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO PASSIVO:ISABELLE LUIZE FARAGO REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PRISCILA DE SOUZA OLIVEIRA MOURAO - DF66371-A RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1062628-22.2023.4.01.3400 RELATÓRIO Transcrevo o relatório da sentença: "Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada com o objetivo de, em sede de tutela provisória de urgência, receber da ré a medicação denominada elexacaftor, tezacaftor, ivacaftor (nome comercial TRIKAFTA) para tratamento de morbidade que acomete a autora. Relata a autora que foi diagnosticada como sendo portadora de Fibrose Cística (FC), com duas mutações F508del e G542X, doença genética e grave que resulta na formação de muco espesso que se acumula nos pulmões e outras partes do corpo, levando a problemas respiratórios graves, bem como outras complicações, tais como infecções. Com a inicial, vieram documentos. No id 1694569483, foi determinada a realização de perícia prévia à análise do pedido de tutela de urgência. Contestação apresentada no id 1738683080 e réplica no id 1751327588. Laudo Pericial juntado nos id 1816133690, sobre o qual as partes já se manifestaram. Concedida a antecipação de tutela (id 1862535677). Os autos vieram conclusos para julgamento. É o relatório. Decido." A ação foi julgada procedente, como se depreende do dispositivo: "Diante do exposto, confirmo a decisão id 1862535677 e JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar a União a fornecer à parte autora o medicamento denominado Trikafta, a ser administrado na forma e na posologia constantes da prescrição médica. Condeno a ré ao pagamento dos honorários advocatícios à parte adversa, que fixo em R$ 5.000,00, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC (cf. AC 1007771-13.2021.4.01.4300, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 20/09/2023 PAG.). A ré é isenta do pagamento das custas judiciais, nos termos do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96." UNIÃO interpôs apelação, na qual requer a reforma da sentença, alegando que o medicamento ainda não foi incorporado ao Protocolo Clinico e Diretrizes Terapêuticas para oferta do medicamento pelo SUS; que no SUS existem alternativas medicamentosas para o tratamento da doença; a necessidade de perícia médica e ausência de preenchimento dos requisitos firmados no Tema nº 106 do STJ; e a ausência de comprovação da hipossuficiência. As contrarrazões foram apresentadas. O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento da apelação. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1062628-22.2023.4.01.3400 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. A peça, subscrita por advogado da União, foi protocolada no prazo legal. II. A sentença recorrida, no que interessa: "II – FUNDAMENTAÇÃO Encontrando-se o processo em condições de ser sentenciado, passo ao exame do mérito. Pretende a autora o fornecimento do medicamento TRIKAFTA (elexacaftor, tezacaftor, ivacaftor), por ser portadora de Fibrose Cística, com mutação DeltaF508. Nesse contexto, incorporo aqui, como razões de decidir, a fundamentação da Decisão id 1862535677, por ter apresentado os fundamentos necessários à análise do mérito da presente demanda, conforme segue: “(...) In casu, após a minuciosa análise do laudo pericial apresentado no id 1782881559, entendo presentes os pressupostos autorizadores da concessão da antecipação de tutela postulada pela autora. Isso porque, o constituinte originário brasileiro, ao redigir o 1º artigo da nossa Carta Política, decidiu que: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;” (destaques acrescidos) Assim, tendo como norte a noção de que a proteção da dignidade da pessoa humana constitui fundamento da nossa República, incluiu, no rol de garantias fundamentais, a certeza de que todos os residentes no Brasil terão assegurados a inviolabilidade do direito à vida. É o que, expressamente, restou consignado no caput do art. 5º da Lei das Leis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...).” Como decorrência lógica, o art. 6º fixou que: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (destacamos) Por sua vez, como forma de dar concretude material ao direito fundamental (de segunda geração) à inviolabilidade da vida por meio da promoção do direito social à saúde, a Lei Fundamental, no art. 196, assegurou que: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (destaques acrescidos) Para isso, delimitou que: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.” (destaques acrescidos) Logo, fica claro que o nosso constituinte assegurou, de maneira universal, igualitária e integral, a garantia de que o Estado, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), deverá zelar pela promoção, proteção e recuperação do direito fundamental à saúde. Para tanto, com o escopo de dar suporte financeiro à execução dessa expressa opção política, o legislador constituinte também impôs que: “Art. 198 – (...). § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º; II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; (...).(destaques acrescidos) E, ao regulamentar o §3º supra, a Lei Complementar nº 141/12 assegurou: “Art. 5º A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. § 1º (VETADO). § 2º Em caso de variação negativa do PIB, o valor de que trata o caput não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o outro.” “Art. 6º Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art. 157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios.” “Art. 7º Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam o art. 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal.” “Art. 8º O Distrito Federal aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) do produto da arrecadação direta dos impostos que não possam ser segregados em base estadual e em base municipal.” (destaques acrescidos) Coube à Lei nº 8.080/90 dar os contornos infraconstitucionais ao Sistema Único de Saúde (SUS), lei essa que, no seu art. 2º, define: “Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” (destaques acrescidos) Já, no seu art. 7º arrolou, entre outros, os seguintes princípios norteadores do Sistema Único de Saúde: “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (...) IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; (...) XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;” (destaques acrescidos) Vai daí, fica fácil perceber que o legislador infraconstitucional também fez a mesma opção política de garantir a “integralidade de assistência” e a “universalidade” na execução das ações e serviços públicos de saúde. Entendimento, aliás, há muito, também já consolidado junto ao nosso Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vejamos a ementa do seguinte julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO MÉDICO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DEFERIDO. MULTA. EXCLUSÃO. LOCAL DE ENTREGA DA MEDICAÇÃO. DECRETO 7.508/2011. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Cinge-se a questão em torno da discussão acerca da concessão do medicamento MYALEPT (METRAPTINA), para o tratamento de uma doença denominada SÍNDROME DE BERARDINELLI - SEIP (CID E 88.1). 2. Inobstante entendimento de que a análise do fornecimento de medicação pelo poder público deva ser criteriosa - em que se verifiquem (I) a imprescindibilidade do medicamento; (II) a ausência de outras opções; (III) a atual situação clínica do paciente e o grau de evolução da doença; e (IV) a hipossuficiência financeira do enfermo, - o quadro fático dos autos, em abono à manutenção do deferimento, demonstra que a decisão impugnada, além de considerar o medicamento almejado como o único disponível, registrou a existência de hipossuficiência do paciente. 3. Ademais, considerando que a toda evidência o tratamento já se iniciou, vislumbra-se na espécie o risco inverso da medida no sentido de que não é recomendada a sua suspensão, mormente em sede de cognição perfunctória, sob pena de acarretar o agravamento da patologia do(a) paciente ou até mesmo o seu óbito, o que denota um panorama fático-jurídico consolidado. 4. A orientação jurisprudencial adotada por essa E. Corte acerca da imposição de multa (astreintes), no procedimento de fornecimento de medicamento a pacientes, é firme no sentido de que seria cabível a sua fixação acaso comprovada recalcitrância do agente responsável pelo cumprimento da medida, hipótese não verificada na espécie. 5. Tendo em conta o que dispõe o art. 28, IV, do Decreto 7.508/2011, que regulamenta a Lei 8.080/1990, a entrega da medicação deve se efetivar em unidade da rede pública de saúde escolhida pela direção do SUS. Anotando apenas que tal escolha, à luz da dignidade da pessoa humana, deve se dar em local próximo ao domicílio do (a) paciente. 6. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido, para excluir a determinação ao pagamento da multa e para que o fornecimento da medicação seja realizado em unidade pública de saúde escolhida pela direção do SUS, nos termos do item anterior. (AGRAVO 00180842520164010000, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:16/08/2016.) Aliás, nossa Corte Regional também firmou o entendimento no sentido de que a simples invocação da reserva do possível não tem o condão de afastar, por si só, a máxima efetividade e eficácia desse direito social à saúde. A título exemplificativo, vale consignar o seguinte excerto de decisão monocrática do eminente Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN: […] o princípio da reserva do possível deve ser relativizado em face do princípio do mínimo existencial quando se trata do acesso à saúde, pois, citando o eminente Ministro Celso de Mello, ao julgar prejudicada a ADPF nº 45, da qual foi relator, a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade [...]1 (AGRAVO 00046018820174010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1, 17/02/2017). Do laudo pericial médico (id 1816133690), extraem-se as informações de que: a) a parte autora é portadora de Fibrose Cística, com mutação DeltaF508, comprovado no nascimento quando foi efetuado o Teste do Pezinho e o Teste do Suor, com confirmação genética em 07/04/2021 b) trata-se de doença hereditária, grave e progressiva, que afeta vários órgãos do corpo. Nos pulmões o muco espesso induz infecções respiratórias de repetição, muito grave e consequente distúrbios ventilatórios; c) a parte autora experimentou todas as alternativas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS); d) o medicamento postulado atua na diminuição da progressão da doença e da morbidade da requerente, com aumento dos parâmetros da prova de função pulmonar, aumento do índice de massa corporal, redução das exacerbações e hospitalizações, promovendo o funcionamento adequado dos órgãos afetados na doença e melhorando a qualidade de vida relacionada à saúde, função pulmonar e a saúde digestiva; e) inexiste no Sistema Único de Saúde (SUS) medicamento que atue no defeito genético da parte autora; f) a fibrose cística não tem cura e o tratamento com o fármaco postulado deve ser iniciado o mais cedo possível para evitar o agravamento o rápido da doença e aliviar os sintomas, aumentando a qualidade de vida. Da análise crítica do laudo pericial e dos elementos objetivos dele constantes, chego à conclusão de que o medicamento postulado é imprescindível, sobretudo, considerando o grau de evolução da doença e o risco de agravamento de seu quadro clínico que pode cursar para o óbito. Embora não disponibilizado pelo SUS, o medicamento postulado detém registro na Anvisa, o que presumir sua segurança e eficácia. Note-se que o laudo pericial é digno de credibilidade, porque se baseia em dados constantes em exames e relatórios médicos, bem como em literatura médica especializada, e, juntamente com os demais documentos constantes dos autos, apresenta os elementos necessários ao deferimento da tutela provisória de urgência postulada. Ou seja, estão atendidos todos os requisitos que autorizam o reconhecimento da obrigação do Sistema Único de Saúde (SUS) em fornecer à parte autora o tratamento na forma requerida na peça vestibular. Por seu turno, o risco na demora encontra-se consubstanciado, como dito, no risco de morbidez da enfermidade que acomete a parte autora. Ante o exposto, antecipo os efeitos da tutela, para determinar à UNIÃO que passe a fornecer ao autor o medicamento denominado Trikafta (elexacaftor, tezacaftor, ivacaftor), na forma e quantidade prescritas pela médica assistente da autora, atendendo às seguintes diretrizes: 1 – fornecimento de quantidade mínima para 6 (seis) meses em cada disponibilização do medicamento, considerando a quantidade indicada pelo médico assistente em relatório/prescrição atualizado (máximo de 6 meses da emissão do relatório/prescrição), o qual (relatório/prescrição) deverá relatar, entre outras circunstâncias, o estágio atual da doença, sua evolução, efeitos positivos e negativos provocados pelo tratamento, subsistência da necessidade do medicamento, possíveis danos decorrentes da suspensão do tratamento, utilização total ou expiração da validade dos medicamentos já fornecidos e data do relatório/prescrição; 2 – entrega da medicação em unidade da rede pública de saúde escolhida pela direção do SUS, e não na residência do paciente, devendo tal escolha se dar em local próximo ao domicílio do paciente e ser informado pela ré diretamente à parte autora (princípio da cooperação). Sobre a entrega dos relatórios/prescrições médicas atualizadas prevista no item 1 acima, deverá ser observado o seguinte: 1 - com o objetivo de tornar mais ágil o procedimento e estimular a atuação colaborativa das partes, em consonância com diretrizes que norteiam o atual Código de Processo Civil (arts. 6º e 139, II, CPC), convém que a comunicação ocorra diretamente entre elas, sem necessária intervenção do Poder Judiciário; 2 – caso essa determinação não seja cumprida pela parte autora, ficará a parte ré desobrigada de fazer novas entregas do medicamento até que nova prescrição atualizada lhe seja entregue; 3 – a prescrição médica atualizada deverá ser encaminhada pela parta autora diretamente à UNIÃO (Núcleo de Judicialização – fone 61-3315-2291), no endereço de e-mail atendimento.njud@saude.gov.br, informando-se o número dos autos judiciais, endereço e telefone atualizados da parte autora para contatos que eventualmente se fizerem necessários, conforme informações prestadas pela AGU à fl. 466v. do Processo n. 33614-30.2011.4.01.3400. 4 - eventual apresentação pela parte autora de prescrição médica atualizada nos presentes autos não suprirá a necessidade de comunicação direta à parte ré; 5 - havendo mudança de endereço para encaminhamento das prescrições médicas atualizadas, deverá a parte ré comunicar diretamente a parte autora, comprovando essa comunicação nos presentes autos. Intime-se a ré, com urgência, acerca desta decisão. Não tendo a União como cumprir esta decisão no prazo fixado, deverá depositar em juízo, valor suficiente para o custeio direto pela parte autora do medicamento em tela, sob pena de sequestro da quantia respectiva que seja suficiente ao custeio do tratamento (inteligência do art. 16, § 2º, Lei 10.259/2001). Fica o eventual depósito e sequestro de tais valores condicionados ao fornecimento pela parte autora de orçamentos relativos ao custeio do tratamento completo. Efetivado o depósito, intime-se a parte autora para informar dados bancários (em nome da parte autora ou de seu representante legal) visando à imediata transferência dos valores, cuja prestação de contas deverá ser promovida no prazo de até 30 (trinta) dias. (...)" Da análise detida dos autos, depreende-se que não houve qualquer alteração na situação fático-jurídica a ensejar a adoção de posicionamento diverso daquele manifestado na decisão que deferiu a tutela provisória de urgência. Como se vê, o medicamento pleiteado (Trikafta), conforme prescrição médica, é o mais indicado dado o caráter da doença. Nas presentes circunstâncias, está configurada situação excepcional em que a autora, diagnosticada com Fibrose Cística, necessita se submeter ao tratamento com o fármaco pleiteado. Destarte, outro não pode ser o entendimento do Juízo, senão julgar procedente o pedido formulado na inicial. Ressalte-se, por fim, que foram analisados todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador." III. Da tese fixada no Tema nº 1.234 O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 1.234, em sede de Repercussão Geral, firmou as seguintes teses: “I – Competência. 1) Para fins de fixação de competência, as demandas relativas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS, mas com registro na ANVISA, tramitarão perante a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo, com base no Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG – situado na alíquota zero), divulgado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED - Lei 10.742/2003), for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, na forma do art. 292 do CPC. 1.1) Existindo mais de um medicamento do mesmo princípio ativo e não sendo solicitado um fármaco específico, considera-se, para efeito de competência, aquele listado no menor valor na lista CMED (PMVG, situado na alíquota zero). 1.2) No caso de inexistir valor fixado na lista CMED, considera-se o valor do tratamento anual do medicamento solicitado na demanda, podendo o magistrado, em caso de impugnação pela parte requerida, solicitar auxílio à CMED, na forma do art. 7º da Lei 10.742/2003. 1.3) Caso inexista resposta em tempo hábil da CMED, o juiz analisará de acordo com o orçamento trazido pela parte autora. 1.4) No caso de cumulação de pedidos, para fins de competência, será considerado apenas o valor do(s) medicamento(s) não incorporado(s) que deverá(ão) ser somado(s), independentemente da existência de cumulação alternativa de outros pedidos envolvendo obrigação de fazer, pagar ou de entregar coisa certa. II – Definição de Medicamentos Não Incorporados. 2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico. 2.1.1) Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na tese fixada no tema 500 da sistemática da repercussão geral, é mantida a competência da Justiça Federal em relação às ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, as quais deverão necessariamente ser propostas em face da União, observadas as especificidades já definidas no aludido tema. III – Custeio. 3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes. 3.2) Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor. 3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão. 3.3.1) O ressarcimento descrito no item 3.3 ocorrerá no percentual de 65% (sessenta e cinco por cento) dos desembolsos decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.4) Para fins de ressarcimento interfederativo, quanto aos medicamentos para tratamento oncológico, as ações ajuizadas previamente a 10 de junho de 2024 serão ressarcidas pela União na proporção de 80% (oitenta por cento) do valor total pago por Estados e por Municípios, independentemente do trânsito em julgado da decisão, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. O ressarcimento para os casos posteriores a 10 de junho de 2024 deverá ser pactuado na CIT, no mesmo prazo. IV – Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS. 4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, § 1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise. V – Plataforma Nacional. 5) Os Entes Federativos, em governança colaborativa com o Poder Judiciário, implementarão uma plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco, de fácil consulta e informação ao cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e eventual resolução administrativa, além de posterior controle judicial. 5.1) A porta de ingresso à plataforma será via prescrições eletrônicas, devidamente certificadas, possibilitando o controle ético da prescrição, a posteriori, mediante ofício do Ente Federativo ao respectivo conselho profissional. 5.2) A plataforma nacional visa a orientar todos os atores ligados ao sistema público de saúde, possibilitando a eficiência da análise pelo Poder Público e compartilhamento de informações com o Poder Judiciário, mediante a criação de fluxos de atendimento diferenciado, a depender de a solicitação estar ou não incluída na política pública de assistência farmacêutica do SUS e de acordo com os fluxos administrativos aprovados pelos próprios Entes Federativos em autocomposição. 5.3) A plataforma, entre outras medidas, deverá identificar quem é o responsável pelo custeio e fornecimento administrativo entre os Entes Federativos, com base nas responsabilidades e fluxos definidos em autocomposição entre todos os Entes Federativos, além de possibilitar o monitoramento dos pacientes beneficiários de decisões judiciais, com permissão de consulta virtual dos dados centralizados nacionalmente, pela simples consulta pelo CPF, nome de medicamento, CID, entre outros, com a observância da Lei Geral de Proteção da Dados e demais legislações quanto ao tratamento de dados pessoais sensíveis. 5.4) O serviço de saúde cujo profissional prescrever medicamento não incorporado ao SUS deverá assumir a responsabilidade contínua pelo acompanhamento clínico do paciente, apresentando, periodicamente, relatório atualizado do estado clínico do paciente, com informações detalhadas sobre o progresso do tratamento, incluindo melhorias, estabilizações ou deteriorações no estado de saúde do paciente, assim como qualquer mudança relevante no plano terapêutico. VI – Medicamentos incorporados. 6) Em relação aos medicamentos incorporados, conforme conceituação estabelecida no âmbito da Comissão Especial e constante do Anexo I, os Entes concordam em seguir o fluxo administrativo e judicial detalhado no Anexo I, inclusive em relação à competência judicial para apreciação das demandas e forma de ressarcimento entre os Entes, quando devido. 6.1) A(o) magistrada(o) deverá determinar o fornecimento em face de qual ente público deve prestá-lo (União, estado, Distrito Federal ou Município), nas hipóteses previstas no próprio fluxo acordado pelos Entes Federativos, anexados ao presente acórdão.” Quando à modulação de efeitos, o Supremo Tribunal Federal dispôs: "Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.234 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e homologou, em parte, os termos dos 3 (três) acordos, com as condicionantes e adaptações sintetizadas nas teses anteriormente citadas. Os efeitos da presente decisão foram modulados tão somente quanto ao deslocamento de competência (item 1 do acordo), aplicando-se apenas aos feitos ajuizados após a publicação do julgamento de mérito no DJe, de modo a afastar sua incidência aos processos em tramitação até o referido marco, sem possibilidade de suscitação de conflito negativo de competência a respeito dos processos anteriores." Portanto, as teses fixadas pelo STF têm imediata aplicação aos processos em curso, exceto no que tange ao decidido no item I, que trata especificamente da fixação da competência. Diante disso, para o processos ajuizados até a publicação do julgamento da ata de julgamento no DJe - o que ocorreu em 19/09/2024 -, não deve haver deslocamento de competência em razão da aplicação da tese. IV. Dos medicamentos incorporados No Tema nº 1234, o STF consolidou a distinção entre medicamento incorporados e não incorporados. São não incorporados "aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico." Interpretando o trecho acima a contrariu sensu, extrai-se a definição de medicamento incorporado. Neste último caso, a decisão judicial, além de analisar a imprescindibilidade do medicamento e a hipossuficiência da parte autora, deve adequar eventual fornecimento à fase do fluxo de distribuição do medicamento, de modo a determinar qual ente federativo deve fornecê-lo. Sobre a responsabilidade do fornecimento e o fluxo de distribuição, transcrevo o seguinte excerto do voto, pendente de publicação, do Ministro Gilmar, Relator para o Tema nº 1.234: "4.1) Medicamento incorporado: deverá ser observada a atribuição de responsabilidade definidas em autocomposição nesta Corte, dividida por medicamentos incluídos no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) ou Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF), da seguinte forma, em regra: a) Grupo 1A do CEAF: Competência da Justiça Federal e responsabilidade de custeio total da União, com posterior ressarcimento integral aos demais entes federativos que tenham suportado o ônus financeiro no processo, salvo se tratar de ato atribuído aos Estados na programação, distribuição ou dispensação; b) Grupo 1B do CEAF: Competência da Justiça Estadual e responsabilidade de aquisição pelo Estado-membro (financiamento pela União), diante de a regra de repartição de competências do SUS atribuir ao Ente estadual a aquisição, programação, distribuição e dispensação, com posterior ressarcimento na hipótese de o(a) juiz(a) redirecionar ao ente municipal. Haverá ressarcimento posterior pela União no caso de ausência/insuficiência de financiamento por este ente federal, em situação devidamente comprovada (Portaria Consolidação 2/2017). Em qualquer situação, a competência permanecerá na Justiça Estadual; c) Grupo 2 do CEAF: Competência da Justiça Estadual e responsabilidade de custeio total pelo Estado-membro, diante de a regra de repartição de competências do SUS atribuir ao Ente estadual custear e fornecer tal medicamento, com posterior ressarcimento na hipótese de o(a) juiz(a) redirecionar ao ente municipal; d) Grupo 3 do CEAF: Competência da Justiça Estadual, diante de a regra de repartição de competências do SUS atribuir aos Municípios a aquisição, programação, distribuição e dispensação, com ressarcimento de acordo com a divisão pactuada pela CIT, posteriormente pela União, tão somente no caso de ausência/insuficiência de financiamento por este ente federal; e) CBAF: Competência da Justiça Estadual, diante de a regra de repartição de competências do SUS atribuir aos Municípios a aquisição, programação, distribuição e dispensação, com ressarcimento de acordo com a divisão pactuada pela CIT, posteriormente pela União, tão somente no caso de ausência/insuficiência de financiamento por este ente federal; f) CESAF: Competência da Justiça Federal, com ressarcimento posterior pela União, caso os demais entes federativos sejam responsabilizados pelo fornecimento do medicamento no processo judicial, salvo se se tratar de ato atribuído aos estados e municípios (parte da distribuição e dispensação)." Conforme acordado nos fluxos homologados pelo STF, inexistindo ressarcimento administrativo e comprovada a responsabilidade da União, por intermédio do FNS, o magistrado deverá determinar o repasse fundo a fundo ou a depósito em conta judicial, nos termos do art. 17 da Recomendação nº 146/2023, a seguir transcrito: "Art. 17. O ente federado que tenha custeado o medicamento, insumo, produto ou serviço poderá pleitear o ressarcimento nos próprios autos em desfavor do ente responsável, desde que ambos tenham figurado no polo passivo do processo de conhecimento." Além disso, ao determinar o fornecimento de medicamentos incorporados, o magistrado deve zelar para que o valor da venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na CONITEC, ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28/11/2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor, na forma do anexo I da autocomposição realizada no Supremo Tribunal Federal’. (Resultado: aprovado à unanimidade dos membros - 20 votos pela aprovação). V. Particularidades da causa No caso em questão, o juízo de origem determinou o fornecimento do medicamento Trikafta (lexacaftor, tezacaftor, ivacaftor) para o tratamento de Fibrose Cística (FC), com duas mutações F508del e G542X. Na sentença, o juízo de origem descreveu o diagnóstico e os tratamentos aos quais se submeteu a parte autora com base no perícia judicial (Id. 1816133690): "a) a parte autora é portadora de Fibrose Cística, com mutação DeltaF508, comprovado no nascimento quando foi efetuado o Teste do Pezinho e o Teste do Suor, com confirmação genética em 07/04/2021 b) trata-se de doença hereditária, grave e progressiva, que afeta vários órgãos do corpo. Nos pulmões o muco espesso induz infecções respiratórias de repetição, muito grave e consequente distúrbios ventilatórios; c) a parte autora experimentou todas as alternativas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS); d) o medicamento postulado atua na diminuição da progressão da doença e da morbidade da requerente, com aumento dos parâmetros da prova de função pulmonar, aumento do índice de massa corporal, redução das exacerbações e hospitalizações, promovendo o funcionamento adequado dos órgãos afetados na doença e melhorando a qualidade de vida relacionada à saúde, função pulmonar e a saúde digestiva; e) inexiste no Sistema Único de Saúde (SUS) medicamento que atue no defeito genético da parte autora; f) a fibrose cística não tem cura e o tratamento com o fármaco postulado deve ser iniciado o mais cedo possível para evitar o agravamento o rápido da doença e aliviar os sintomas, aumentando a qualidade de vida." O parecer médico concluiu da seguinte forma: "ISABELLE LUIZE FARAGO, 20 anos, apresenta Fibrose Cística CID E84. Desde tenra idade a autora vem se submetendo aos tratamentos convencionais fornecidos pelo SUS, no entanto em exames posteriores aos tratamentos evidenciou-se progressão da doença. Diante do quadro de progressão da doença, foi lhe receitado pela Médica especialista que lhe assiste , o uso do medicamento TRIKAFTA®. Os estudos citados comprovam a EXISTÊNCIA de evidências científicas consistentes de efeitos benéficos significativos da medicação ivacaftor+tezacaftor+elexacaftor (TRIKAFTA®) para pessoas com fibrose cística portadoras de pelo menos uma cópia da mutação F508 del ( como é o caso), trazendo elementos técnicos suficientes para SUSTENTAR a indicação da droga. Recentemente a CONITEC aprovou a incorporação do Trikafta no Brasil.; Parecer FAVORÁVEL ao fornecimento da medicação pleiteada." Em sua apelação, a União informou que, para o tratamento da doença da parte autora, foi recomendada a incorporação do medicamento pleiteado. Verifico que foi publicada a Portaria Conjunta SAES/SECTICS nº 5/2024, que aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Fibrose Cística, no qual se preconizou que: "A associação elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor é um produto modulador da proteína CFTR, na qual o elexacaftor e o tezacaftor atuam como corretores e o ivacaftor como potencializador da proteína CFTR. Seu uso foi avaliado e recomendado pela Conitec para tratamento de pacientes acima de 6 anos com pelo menos uma mutação F508del no gene CFTR 169 . Na ocorrência de sobreposição de mutações (presença de variante F508del com uma variante Classe III), é aconselhável que pacientes que não estejam em tratamento o iniciem com a associação elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor 161,170 .Caso o paciente já esteja em uso do ivacaftor e apresente falha da terapêutica (conforme tempo de tratamento e critérios de interrupção), a transição para associação elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor deve ser realizada." No caso, tendo sido demonstrada a imprescindibilidade do tratamento; o esgotamento das alternativas terapêuticas vigente à época no SUS e a hipossuficiência da parte autora, mantém-se a sentença proferida na origem. Considerando que o medicamento integra o Grupo 1A do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, de aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde, a responsabilidade de fornecimento é exclusiva da União, tal como determinado pelo juízo de origem. Preenchidos os pressupostos para o fornecimento da medicação, em obediência ao disposto no Tema nº 1.234, determino, tão somente, que o valor da venda do medicamento não supere os Preços Máximos de Medicamentos por Princípio Ativo (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed/precos). VI. Dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação da União. Majoro em R$ 1.000,00 (mil reais) os honorários advocatícios fixados, com fundamento no art. 85, § 8º do CPC, em desfavor da União. É o voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1062628-22.2023.4.01.3400 Processo Referência: 1062628-22.2023.4.01.3400 APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: ISABELLE LUIZE FARAGO EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AO SUS. FIBROSE CÍSTICA. MEDICAMENTO TRIKAFTA (ELEXACAFTOR, TEZACAFTOR, IVACAFTOR). PRESCRIÇÃO MÉDICA E PERÍCIA JUDICIAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. Apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora para fornecimento do medicamento Trikafta (elexacaftor, tezacaftor, ivacaftor), indicado para o tratamento de Fibrose Cística (FC) com mutações F508del e G542X. 2. Aplicam-se ao caso as teses fixadas no Tema nº 1.234, que obedeceu à sistemática da repercussão geral no âmbito do Supremo Tribunal Federal. 3. No Tema nº 1234, o STF consolidou a distinção entre medicamento incorporados e não incorporados. São não incorporados "aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico." 4. No caso de medicamentos incorporados, a decisão judicial, além de analisar a imprescindibilidade do medicamento e a hipossuficiência da parte autora, deve observar a fase do fluxo de distribuição do medicamento, de modo a determinar qual ente federativo deve fornecê-lo. 5. Considerando que o medicamento integra o Grupo 1A do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, de aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde, a responsabilidade de fornecimento é exclusiva da União, tal como determinado pelo juízo de origem. 6. No caso, o perito médico nomeado pelo juízo afirmou a imprescindibilidade do tratamento e o esgotamento das alternativas terapêuticas vigente à época no SUS. Além disso, foi comprovada a hipossuficiência da parte autora. 7. Apelação da União desprovida. Honorários recursais arbitrados. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, à unanimidade, negar provimento à União, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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