Processo nº 1013437-40.2025.8.11.0000
ID: 323212158
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1013437-40.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013437-40.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Liminar, Planos de saúde] Relator: Des(a)…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1013437-40.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Liminar, Planos de saúde] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (AGRAVANTE), JHEYNIFFER PAOLA CAMARGO BANDEIRA BISPO - CPF: 042.777.051-38 (AGRAVADO), JOSYMARA DA SILVA CAMARGO - CPF: 626.894.521-20 (AGRAVADO), JOSYMARA DA SILVA CAMARGO - CPF: 626.894.521-20 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), JULIO CESAR RIBEIRO - CPF: 569.819.451-34 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A AGRAVANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO AGRAVADO(S): JHEYNIFFER PAOLA CAMARGO BANDEIRA BISPO EMENTA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. ELETROCONVULSOTERAPIA (ECT). URGÊNCIA E RECOMENDAÇÃO MÉDICA ESPECÍFICA. ROL DA ANS. INTERPRETAÇÃO APÓS LEI Nº 14.454/2022. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo de Instrumento interposto contra decisão que concedeu tutela de urgência para determinar a autorização e custeio do procedimento de Eletroconvulsoterapia (ECT) à autora, diante de quadro de transtorno depressivo grave, com ideação suicida e refratariedade a tratamentos convencionais, atestados por médica psiquiatra. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se é legítima ou abusiva a negativa de cobertura do tratamento de ECT pelo plano de saúde, fundamentada na ausência de previsão contratual e do procedimento no rol da ANS, diante de urgência e prescrição médica; (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR O plano de saúde não pode recusar tratamento prescrito por médico assistente, ainda que não previsto no rol da ANS, se comprovada urgência e necessidade. A Lei nº 14.454/2022 autoriza a cobertura de procedimentos fora do rol da ANS, desde que exista indicação médica fundamentada e respaldo científico. Estão presentes os requisitos do art. 300 do CPC: probabilidade do direito (prescrição médica e quadro grave) e perigo de dano (risco à vida). A eventual irreversibilidade do procedimento não impede a concessão da tutela, dada a urgência comprovada. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: É abusiva a negativa de cobertura de tratamento de eletroconvulsoterapia (ECT) prescrito por médico assistente a paciente com quadro grave, ainda que ausente previsão no rol da ANS e no contrato, desde que demonstrada necessidade clínica e urgência. É legítima a concessão de tutela de urgência para determinar o custeio de tratamento essencial à saúde e à vida do beneficiário, quando presentes prescrição médica específica, risco de dano irreparável e esgotamento de abordagens convencionais, à luz da Lei nº 14.454/2022 e dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, 5º, caput, 6º e 196; Lei nº 9.656/1998, arts. 10, §§ 12 e 13, 35-C; Lei nº 14.454/2022; Código de Defesa do Consumidor, art. 47; Código de Processo Civil, art. 300; Resolução CFM nº 1.640/2002. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp: 969764 CE; TJMT, 1017168-44.2025.8.11.0000, 1025658-78.2023.8.11.0015 e 1004688-34.2025.8.11.0000 R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Unimed Cuiabá Cooperativa de Trabalho Médico contra decisão proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, que, nos autos da “Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais” ajuizada por Jheyniffer Paola Camargo Bandeiro Bispo, representada por sua genitora, concedeu tutela de urgência determinando à agravante que autorizasse e custeasse, no prazo de cinco dias, o procedimento de Eletroconvulsoterapia (ECT), conforme prescrição médica, sob pena de medidas coercitivas (art. 297 do CPC), sob os seguintes fundamentos: Vistos, etc. Trata-se deAção de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Moraisproposta por Jheyniffer Paola Camargo Bandeiro Bispo neste ato representado por Josymara da Silva Camargo em desfavor de Unimed Cuiabá – Cooperativa de Trabalho Médico, com pedido de tutela de urgência, para que seja determinado que a parte requerida autorize/custeie o tratamento de eletroconvulsoterapia (ECT). Consta na inicial que o autor é usuária dos serviços prestados pela requerida. Narra que, aos20 anos de idade, encontra-se em tratamento psiquiátrico desde a infância, tendo sido atendida por diversos especialistas e submetida a diferentes abordagens terapêuticas, inclusive uso de medicamentos variados eestimulação magnética transcraniana por dois anos, com efeitos temporários. Aduz que foi diagnosticada com um quadro detranstorno afetivo bipolar refratário (CID F31)comtraços de transtorno de personalidade borderline (CID F60.3), com ideação suicida recorrente e resistência a múltiplas linhas de tratamento. Sustenta que em razão da gravidade do caso e da ineficácia das terapias convencionais, foi indicada a realização de eletroconvulsoterapia (ECT), como medida terapêutica eficaz e cientificamente reconhecida. Acrescenta que, em14/03/2025, formulou pedido de autorização junto à operadora do plano para realização do tratamento com ECT, o qual foinegado sob o argumento de ausência do procedimento no rol da ANS. Vieram os autos conclusos. Fundamento: Acolho o aditamento a petição acostada ao ID 189060129. Defiro os benefícios da justiça gratuita. Sobre a tutela provisória de urgência, sabe-se que a mesma poderá ser concedida quando houver a comprovação dos elementos que demonstrarem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, bem como quando não possuir risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Prescreve o art. 300, do Código de Processo Civil: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Sobre o tema, leciona José Miguel Garcia Medina, em comentários à nova legislação, sob o título “Código de Processo Civil Comentado, 1ª Ed.”. “A medida de urgência deverá ser determinada em atenção a uma série de elementos, habitualmente sintetizados na fórmulafumus + periculum, mas que são bastante abrangentes. A medida a ser concedida seráadequadaà proteção e realização do direito frente ao perito. Para se deliberar entre uma medida conservativa “leve” ou “menos agressiva” à esfera jurídica do réu e uma medida antecipatória (ou, no extremo, antecipatória e irreversível) deve-se levar em consideração a importância do bem jurídico a ser protegido (em favor do autor) frente ao bem defendido pelo réu.”. Nesse contexto, e de acordo com o art. 300, do Código de Processo Civil, tem-se que para deferimento da tutela de urgência antecipada, se faz necessária a existência de prova capaz de conduzir o convencimento do juízo pela probabilidade do direito, se demonstre o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, bem como que a medida possa ser reversível. Conforme tem entendido a melhor doutrina e jurisprudência, o portador de moléstia grave não pode aguardar o julgamento final da ação intentada, sendo, assim, o caso de se antecipar os efeitos da tutela para que lhe seja oferecido o tratamento indicado e prescrito pelo médico responsável, com o intuito de controlar a enfermidade da requerente. Aplicável ao caso as normas do CDC, principalmente aquelas voltadas a impedir a abusividade de cláusulas contratuais que gerem limitação de direitos (art. 51) e as que ensejem desrespeito à dignidade da pessoa humana e à saúde (art. 4º). É o que prevê a Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. Na presente demanda, verifica-se que a parte autora necessita de tratamento específico, bem como esclarece a questão da urgência na realização no fornecimento do tratamento para a melhora na saúde do paciente, incluindo-se referido procedimento no prazo de urgência e emergência, mormente ante a interpretação das cláusulas contratuais de forma mais favorável ao hipossuficiente da relação de consumo disciplinada pelo CDC. Não obstante a previsão de limitação, prevalece o disposto no art. 35-C, I, da Lei 9.656/98, que prevê o atendimento obrigatório nos casos de emergência, como na hipótese: “Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente” Compulsando os autos, verifica-se, nesse momento processual, dos laudos acostados, a necessidade imediata autorização do procedimento descrito em ID 189060132, não podendo o plano de saúde recusar o procedimento, discriminar e restringir quais procedimentos poderão ser utilizados no tratamento, cabendo essa decisão ao profissional da saúde que acompanha a paciente. Nesse sentido a jurisprudência: E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – INDICAÇÃO DE ELETROCONVULSOTERAPIA (ECT) COM URGÊNCIA –RELAÇÃO DA ANS – TRATAMENTO CONVENCIONAL INEFICAZ - PRÉVIA RECOMENDAÇÃO MÉDICA – EXCEÇÃO AO ROL TAXATIVO – CUSTEIO DEVIDO – TUTELA DE URGÊNCIA – PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO CONSTATADO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O plano de saúde não pode se recusar a custear o tratamento clínico prescrito pelo médico especialista que acompanha o paciente, ao fundamento de que não consta na Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde, uma vez que embora o STJ tenha decidido no recente julgamento dos EREsp 1886929/SP e EREsp 1889704/SP que o rol da ANS é taxativo, foram estabelecidas algumas diretrizes, dentre elas a ausência de substituto terapêutico ou o esgotamento dos procedimentos autorizados pela ANS. Dessa forma, evidenciada a ineficácia do tratamento convencional, devem ser propiciados todos os meios disponíveis para resguardar a vida e a saúde da agravada. (TJ-MT 10084359420228110000 MT, Relator.: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 10/08/2022, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/08/2022) Portanto, sendo a parte demandante usuária do plano de saúde e estando em dia com as suas obrigações quanto às prestações do plano, não há falar em negativa dos procedimentos. Ademais, a antecipação dos efeitos da tutela não trará qualquer risco à requerida, pois, se eventualmente a ação no mérito não for julgada improcedente, poderá ela pleitear o ressarcimento das despesas de que trata o processo. Diante do exposto, DEFIRO a antecipação da tutela de urgência e determino que a parte requerida,proceda à autorização/custeio, no prazo de 05 (cinco) dias, doprocedimento de Eletroconvulsoterapia - ECT, conforme prescrição médica (ID 189060132),sob pena de aplicação das medidas previstas no art. 297, do Código de Processo Civil. Autorizo a distribuição para cumprimento por Oficial de Justiça Plantonista. Encaminhem-se os autos para Central de Conciliação e Mediação da Capital para a designação da audiência de conciliação, conforme disposto no Ofício Circular n. 08/2024/NUPEMEC-PRES. Intime-se e cite-se a parte requerida com antecedência mínima de 20 (vinte) dias, para comparecer a audiência, sob pena de imposição da sanção prevista no § 8º, do art. 334, do Código de Processo Civil, em caso de ausência injustificada. O prazo para contestação é de 15 (quinze) dias úteis e será contado a partir da realização da audiência ou da data do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação apresentado pelo réu. A ausência de contestação implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. Fiquem as partes cientes de que o comparecimento na audiência é obrigatório (pessoalmente ou por intermédio de representante, por meio de procuração específica, com outorga de poderes para negociar e transigir), devendo estar acompanhadas de seus advogados. Decorrido o prazo para contestação, intime-se a parte autora para que no prazo de 15 (quinze) dias úteis apresente impugnação à contestação (oportunidade em que: I – havendo revelia, deverá informar se quer produzir outras provas ou se deseja o julgamento antecipado; II – havendo contestação, deverá se manifestar em réplica, inclusive com contrariedade e apresentação de provas relacionadas a eventuais questões incidentais; III – em sendo formulada reconvenção com a contestação ou no seu prazo, deverá a parte autora apresentar resposta à reconvenção). Com fundamento no artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, INVERTO o ônus da prova e determino que a empresa ré apresente os documentos comprobatórios necessários e úteis em relação aos fatos narrados na inicial. Cumprida as determinações acima, voltem-me os autos conclusos. Expeça-se o necessário. Cumpra-se. [...] [Grifos nossos e do original] A parte agravante, em sua minuta recursal (ID 283110871), apresenta os seguintes questionamentos fático-jurídicos: Ausência de probabilidade do direito, inexistência de perigo de dano ou risco de resultado útil ao processo, irreversibilidade da medida e ausência de obrigação ou abusividade A tutela de urgência recursal foi indeferida, nos termos da Decisão de ID. 283633872 proferida por este Relator. O agravado, por sua vez, apresenta contraminuta (ID 288855364) na qual rebate as alegações da parte agravante. A decisão do relator indeferiu o efeito suspensivo, ressaltando que, em cognição sumária, restou comprovada a gravidade do quadro clínico da agravada, com ineficácia de outros tratamentos, respaldo científico para a ECT, e aplicação do entendimento jurisprudencial do STJ e da Lei nº 14.454/2022 (que autoriza exceção à taxatividade do rol da ANS), além de ausência de perigo de irreversibilidade (ID. 283633872) O Ministério Público emitiu parecer pelo não provimento do recurso, entendendo abusiva a negativa de cobertura do tratamento prescrito por médico assistente, reforçando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a função do contrato de assistência à saúde e a supremacia dos direitos fundamentais à saúde e à dignidade da pessoa humana (ID. 295416856) Recurso tempestivo (Aba Expedientes - Citação (39206017) – PJE 1º Grau) e preparo efetuado (ID. 283405397). É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R AGRAVANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO AGRAVADO(S): JHEYNIFFER PAOLA CAMARGO BANDEIRA BISPO VOTO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA Egrégia Câmara: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Reitero que se trata de recurso de Agravo de Instrumento interposto por Unimed Cuiabá Cooperativa de Trabalho Médico contra decisão proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, que, nos autos da “Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais” ajuizada por Jheyniffer Paola Camargo Bandeiro Bispo, representada por sua genitora, concedeu tutela de urgência determinando à agravante que autorizasse e custeasse, no prazo de cinco dias, o procedimento de Eletroconvulsoterapia (ECT), sob argumento de necessidade imediata autorização do procedimento. A agravante sustenta, em síntese, a ausência dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, notadamente quanto à probabilidade do direito e ao perigo de dano, afirmando que o laudo médico não comprova a existência de quadro clínico de urgência ou emergência. Defende que o tratamento de eletroconvulsoterapia (ECT) não está previsto no rol de procedimentos obrigatórios da ANS, sendo legítima a negativa de cobertura, conforme estipulado no contrato firmado entre as partes, o qual prevê expressamente tal exclusão. Argumenta, ainda, que eventuais cláusulas limitadoras de cobertura são lícitas e amparadas pela legislação de regência, não podendo o Judiciário impor obrigações não previstas contratualmente, sob pena de violação à segurança jurídica, ao equilíbrio atuarial e à autonomia privada. Por fim, pugna pela revogação imediata da tutela concedida ou, subsidiariamente, pela exigência de caução. Em contrarrazões, a parte recorrida sustenta, inicialmente, que a decisão agravada deve ser mantida, pois foi proferida em estrita observância à legislação vigente e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. Alega que a concessão da tutela de urgência está devidamente fundamentada na existência de prescrição médica clara e específica para o tratamento de eletroconvulsoterapia (ECT), diante da ineficácia de terapias convencionais e do grave risco à vida da paciente. Defende que, embora o rol da ANS seja, em regra, taxativo, a Lei nº 14.454/2022 autorizou a cobertura de procedimentos não previstos expressamente, desde que haja comprovação de eficácia baseada em evidências científicas e indicação médica justificada, requisitos plenamente preenchidos no caso dos autos. Ao final, argumenta que a negativa de cobertura pelo plano de saúde viola direitos fundamentais, impondo risco concreto à saúde e à vida da paciente, razão pela qual requer o desprovimento do recurso. A seguir, passo ao exame das teses suscitadas pela parte agravante. Ausência de probabilidade do direito, inexistência de perigo de dano ou risco de resultado útil ao processo, irreversibilidade da medida e ausência de obrigação ou abusividade Pois bem. De início, ressalto que, o Agravo de Instrumento por ser um recurso secundum eventum litis, limita-se ao exame do acerto ou não da decisão impugnada, em vista que ao Tribunal incumbe aferir tão somente se o ato judicial vergastado está eivado de ilegalidade e abusividade, sendo defeso o exame de questões estranhas ao que ficou decidido na lide. A controvérsia posta em juízo cinge-se, essencialmente, à verificação da legalidade da tutela provisória deferida em primeiro grau, à luz dos requisitos estabelecidos no art. 300 do Código de Processo Civil, a qual deferiu a tutela de urgência para realização do procedimento de eletroconvulsoterapia (ECT). A agravante sustenta que a decisão objurgada deve ser revogada devido à ausência dos requisitos essenciais para a concessão da tutela de urgência, em especial a probabilidade do direito e a presença de perigo de dano ou risco de resultado útil ao processo. Com efeito, o conjunto probatório evidencia a gravidade do quadro clínico da agravada, paciente portadora de transtorno depressivo (CID-F32+ F90), com ideação suicida e refratariedade a abordagens terapêuticas convencionais, conforme atestado por médica psiquiatra regularmente inscrita no CRM (ID. 188079314). Nesse contexto, ao revés do sustentado pela agravante, considerando o quadro clínico da agravada, há que se considerar a existência de periculum in mora quanto ao procedimento indicado, ainda que não faça parte do rol da ANS. Sobre o tema em exame, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que é possível à operadora de plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura contratual, mas não o tipo de tratamento prescrito ao usuário, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para realização do ato proposto pelo médico, conforme: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MATERIAIS. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE TRATAMENTO A DOENÇA COBERTA . ÍNDOLE ABUSIVA. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO, AINDA QUE IMPLÍCITO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO . 1. Conforme entendimento consolidado nesta Corte, é possível o reconhecimento de prequestionamento implícito, para fins de conhecimento do recurso especial, quando as questões debatidas no recurso especial tenham sido decididas no acórdão recorrido, ainda que sem a explícita indicação dos dispositivos de lei que o fundamentaram. In casu, a questão atinente ao valor atribuído na origem às astreintes não foi debatida nem decidida no acórdão de origem, não tendo sido prequestionado o art. 461, § 6º, do CPC/73 .Incidência das Súmulas 282 e 356/STF. 2. "A jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico" (AgInt no AREsp 949.765/SP, Rel . Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 1º/12/2016, DJe de 19/12/2016). 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 969764 CE 2016/0219959-4, Relator.: Ministro LÁZARO GUIMARÃES DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5 REGIÃO, Data de Julgamento: 15/03/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/03/2018) Ademais, cumpre registrar que a Eletroconvulsoterapia é procedimento regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução n. 1.640/2002 que, em seu art. 1º, reconhece a "eletroconvulsoterapia (ECT), como método terapêutico eficaz, seguro, internacionalmente reconhecido e aceito, deve ser realizada em ambiente hospitalar" e, de acordo com seu art. 9, § 1º, é especialmente indicada para "depressão maior unipolar e bipolar; mania (em especial, episódios mistos e psicóticos); certas formas de esquizofrenia (em particular, a forma catatônica), certas formas agudas e produtivas resistentes aos neurolépticos atuais; transtorno esquizoafetivo; certas condições mentais secundárias às condições clínicas (estados confusionais e catatônicos secundários a doenças tóxicas e metabólicas); certas formas de doença de Parkinson; pacientes que apresentam impossibilidade do uso de terapêutica psicofarmacológica”. Com efeito, diante da recente alteração legislativa provocada pela edição da Lei nº 14.454/2022, que adicionou os §§ 12 e 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998, é possível a cobertura de procedimentos ou tratamentos que não estejam previstos no Rol da ANS quando existir comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico, sendo este o caso dos autos. Além do mais, não se verifica a relevância dos fundamentos recursais da agravante, uma vez que o direito ao bem-estar do paciente deve sobrepujar a conveniência da Cooperativa Médica, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e seus consectários lógicos, os direitos à vida e saúde, bens maiores do ser humano, resguardados pela Constituição Federal em seus artigos 1º, III, 5º, caput e 6º, caput. Importante destacar, que o procedimento em questão não está previsto nas hipóteses de exclusão do art. 10, da Lei n° 9.656/98, a qual dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Assim, se houve indicação médica para o procedimento postulado, descabe, pelo menos neste momento, eventual negativa de cobertura, o que pode comprometer a saúde e a vida da beneficiária do plano. Neste sentido, a jurisprudência hodierna: DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO COM ELETROCONVULSOTERAPIA (ECT). NEGATIVA DE COBERTURA. URGÊNCIA COMPROVADA. DECISÃO MANTIDA. I. Caso em exame Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra decisão que deferiu tutela de urgência para obrigar a cobertura de 15 sessões de Eletroconvulsoterapia (ECT), conforme prescrição médica, em favor de beneficiária diagnosticada com Transtorno Afetivo Bipolar em fase depressiva grave. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se é legítima a negativa de cobertura do tratamento prescrito, com fundamento na ausência de previsão contratual, diante da urgência e da comprovação de que se trata de quadro clínico grave e resistente às terapias convencionais. III. Razões de decidir 3. Comprovada a urgência do tratamento e a resistência do quadro clínico a outras abordagens terapêuticas, configura-se a probabilidade do direito e o perigo de dano, nos termos do art. 300 do CPC. 4. O tratamento de ECT possui respaldo técnico e normativo, sendo reconhecido pela Resolução CFM nº 1.640/2002 e recomendado por órgãos técnicos como o NatJus. 5. A negativa de cobertura revela-se abusiva quando coloca em risco a vida e a saúde da paciente, valores protegidos constitucionalmente (CF, art. 196), sobretudo quando não há justificativa técnica idônea para a recusa do procedimento indicado. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A negativa de cobertura de tratamento com Eletroconvulsoterapia (ECT), prescrito como necessário e urgente por profissional habilitado, configura prática abusiva quando baseada unicamente na ausência de previsão contratual. 2. É legítima a imposição judicial para custeio de tratamento fora do rol da ANS, em casos excepcionais comprovados por laudo médico e esgotamento das terapias convencionais.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; CPC, art. 300; CDC, art. 47. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.886.929/SP; TJMT, AC n.º 1053673-81.2020.8.11.0041; TJMT, AC n.º 1008982-11.2022.8.11.0041 (N.U 1017168-44.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/06/2025, Publicado no DJE 23/06/2025) Dessa forma, observa-se que a plausibilidade do direito invocado pela agravada está evidente, pois considerando a necessidade urgência da realização do procedimento de “Eletroconvulsoterapia – ECT”, não há justa recusa. De igual modo, resta evidenciado o estado de emergência previsto no art. 35-C da Lei 9.656/98, que determina o imediato custeio pelo plano de saúde do tratamento vindicado pelo paciente/autor, verbis: Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:(Redação dada pela Lei nº 11.935, de 2009) I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente. A propósito: E M E N T A OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – BENEFICIÁRIA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR – TRATAMENTO COM ELETROCONVULSOTERAPIA – NEGATIVA DE COBERTURA – AUSÊNCIA PREVISAO ROL ANS – RECOMENDAÇÃO MÉDICA – TRATAMENTO RECONHECIDO PELO CFM – URGÊNCIA/EMERGÊNCIA – PROTEÇÃO A BEM MAIOR – RELEVÂNCIA – DIREITO FUNDAMENTAL – SENTENÇA MANTIDA – HONORÁRIO RECURSAL – RECURSO DESPROVIDO. A teor do verbete sumular n. 608 do STJ, “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” Os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais moléstias oferecerão cobertura, não cabendo a eles limitar o tipo de tratamento que será prescrito, ou material necessário ao procedimento, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes, devendo ser mantido o valor arbitrado na sentença, quando se apresenta adequado com a realidade do caso concreto. Em razão do trabalho adicional empregado pelo advogado, da natureza e da importância da causa, majoram-se os honorários advocatícios, nos moldes do art. 85, §11, do CPC. (N.U 1025658-78.2023.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/06/2024, Publicado no DJE 30/06/2024) Sob essa premissa, ao menos por ora, em análise sumária própria do agravo de instrumento que reexamina decisão de tutela de urgência, restando caracterizados a probabilidade do direito e a emergência para a realização do procedimento cirúrgico, deve prevalecer a indicação do especialista que acompanha o agravado, o qual, a princípio, é detentor da melhor terapêutica a ser oferecida ao paciente. Sobre o tema, é vasta a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE ELETROCONVULSOTERAPIA. ROL DA ANS. TRATAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. LEI Nº 14.454/2022. REQUISITOS DA TUTELA PRESENTES. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto por operadora de plano de saúde contra decisão que deferiu tutela de urgência para custeio de tratamento com eletroconvulsoterapia (ECT), prescrito a paciente com depressão grave e risco de suicídio, sob pena de bloqueio de valores via SISBAJUD. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a negativa de cobertura do tratamento de ECT pela operadora, sob fundamento de ausência no rol da ANS, é legítima ou abusiva; (ii) saber se estão presentes os requisitos para concessão da tutela de urgência. III. Razões de decidir 3. A negativa de cobertura com base no rol da ANS mostra-se abusiva diante da prescrição médica específica e da ineficácia comprovada de tratamentos anteriores, conforme entendimento do STJ e do art. 10, § 13, da L. nº 9.656/1998, com redação dada pela L. nº 14.454/2022. 4. A ECT é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como método seguro e eficaz para quadros de depressão maior resistente. A jurisprudência entende que o plano de saúde pode delimitar as doenças cobertas, mas não os meios terapêuticos indicados pelo médico assistente. 5. A decisão agravada observou os requisitos do art. 300 do CPC, considerando a urgência do quadro clínico da agravada, o risco de suicídio e a prescrição de tratamento especializado. 6. A eventual irreversibilidade da medida não impede a concessão da tutela, diante do risco à saúde e à vida da paciente, prevalecendo o princípio da dignidade da pessoa humana sobre eventuais impactos financeiros. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento:1. É abusiva a negativa de cobertura de tratamento de eletroconvulsoterapia, prescrito por médico assistente a paciente com depressão grave, ainda que não incluído no rol da ANS, quando demonstrada sua eficácia e necessidade terapêutica. 2. É cabível a concessão de tutela de urgência em tais casos, quando demonstrada a probabilidade do direito e o risco de agravamento do estado clínico do paciente.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 6º; L. nº 9.656/1998, art. 10, §§ 12 e 13; CPC, art. 300. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.769.557/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 13.11.2018; STJ, AgInt no REsp 1.765.668/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 29.04.2019; TJMT, AI nº 1015033-93.2024.8.11.0000, Rel. Des. Sebastião de Arruda Almeida, j. 13.08.2024. (N.U 1004688-34.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/04/2025, Publicado no DJE 23/04/2025) Inobstante, não se verifica o propalado risco de dano grave e de difícil reparação à agravante, uma vez que eventual prejuízo suportado poderá por ela ser reavido da parte agravada caso, ao final, sagre-se vencedora da lide. Ao revés, o periculum in mora se apresenta de forma inversa, pois a não viabilização da cirurgia com o material adequado conforme indicado imporá risco para atingir o objetivo buscado pela paciente, qual seja, a sua qualidade de vida em razão da patologia pela qual é acometida. Conclusão Por essas razões, conheço do recurso de Agravo de instrumento e, em consonância com o parecer ministerial, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo-se, na integralidade, a r. decisão fustigada. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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