Processo nº 0836012-48.2021.8.20.5001
ID: 280157928
Tribunal: TJRN
Órgão: Gab. Des. João Rebouças na Câmara Cível
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0836012-48.2021.8.20.5001
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0836012-48.2021.8.20.5001 Polo ativo MPRN - 09ª PROMOTORIA NATAL Advogado(s): Pol…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0836012-48.2021.8.20.5001 Polo ativo MPRN - 09ª PROMOTORIA NATAL Advogado(s): Polo passivo MUNICIPIO DE NATAL e outros Advogado(s): Apelação Cível n° 0836012-48.2021.8.20.5001. Apelante: Município de Natal. Apelado: Ministério Público. Relator: Desembargador João Rebouças. Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS. REFORMA E ADEQUAÇÃO DE ESCOLA MUNICIPAL PARA GARANTIA DE ACESSIBILIDADE. IMPLEMENTAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. TEMA 698/STF. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público com o objetivo de compelir o Município de Natal a promover reformas estruturais e de acessibilidade no Centro Municipal de Educação Infantil Jesus Bom Pastor, de forma a atender às normas técnicas aplicáveis e aos direitos fundamentais dos alunos com deficiência física ou mobilidade reduzida. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão envolve definir se o Poder Judiciário pode determinar ao Município a realização de obras em escola pública municipal para garantir o direito à educação com acessibilidade, especialmente diante do princípio da separação dos poderes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, XXXV, a inafastabilidade da jurisdição, permitindo ao Poder Judiciário intervir para assegurar direitos fundamentais diante de omissões estatais, especialmente no que tange à efetivação de políticas públicas essenciais à dignidade da pessoa humana. 4. A atuação do Judiciário para assegurar a execução de políticas públicas destinadas à garantia de direitos sociais, como o direito à educação e à acessibilidade, não configura violação ao princípio da separação dos poderes, nos termos da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal. 5. No julgamento do Tema 698 da Repercussão Geral, o STF firmou a tese de que “o Poder Judiciário pode determinar que o Poder Público implemente políticas públicas específicas, desde que estejam em consonância com os direitos fundamentais previstos na Constituição e quando houver omissão inconstitucional do ente estatal”. 6. O direito à acessibilidade é assegurado pela Constituição Federal (art. 227), pela Lei nº 10.098/2000 e pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), impondo ao Estado o dever de garantir condições adequadas de acesso a todos os cidadãos, especialmente crianças com deficiência ou mobilidade reduzida. 7. Laudo técnico constante dos autos confirma a existência de irregularidades estruturais e ausência de condições adequadas de acessibilidade na unidade escolar, demonstrando a omissão do ente público em garantir a plena inclusão dos alunos. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Conhecimento e desprovimento do recurso. __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 2º, 5º, XXXV, e 227; CPC, art. 497; Lei nº 10.098/2000; Lei nº 13.146/2015. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 1071070 AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 24/11/2017; STF, RE 958246 AgR/PB, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 02/06/2017; STF, ARE 942573 AgR/PB, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, j. 16/12/2016; STF, RE 581352 AgR/AM, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 29/10/2013; STJ, REsp 1607472/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15/09/2016; TJRN, AC nº 0807584-36.2012.8.20.0001, Rel. Des. João Rebouças, Terceira Câmara Cível, j. 21/06/2021. Tema 698 do STF: Implementação de políticas públicas pelo Judiciário frente à omissão estatal na efetivação de direitos fundamentais. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. Acordam os Desembargadores da Primeira Turma da Segunda Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste. RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Natal, bem como Remessa Necessária, em face de sentença proferida pelo de Juízo de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal que, nos autos da Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, julgou procedente o pedido formulado para obrigar o ente público a incluir na primeira lei orçamentária anual enviada após o trânsito em julgado da sentença e realizar obras de adaptação para pessoas com deficiência no CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil Jesus Bom Pastor, sob pena de multa e futuro bloqueio de valores. Em suas razões, aduz o apelante que o pedido do Ministério Público encontra óbice na Constituição Federal, por representar afronta ao princípio da separação de poderes e da soberania orçamentária, além de não possuir nexo de causalidade e da comprovação de omissão do Município. Assevera que não cabe ao Poder Judiciário atuar como legislador e determinar que o Poder Executivo realize obras que estão dentro de sua margem de discricionariedade. Argumenta que é manifestamente inconstitucional a interferência do Poder Judiciário visando determinar o Poder Executivo a incluir determinadas verbas no orçamento, assim como ditar onde, quando e em quais obras públicas ou serviços seriam aplicadas tais verbas, conforme estipulam os Temas 698 e 220 do STF. Sustenta, ainda, que a sentença viola o princípio da legalidade orçamentária, pois o comando normativo previsto na LC 101/00 define que as dotações orçamentárias devem ser específicas ao fim colimado, não podendo ser determinadas a realização de quaisquer obras sem a indicação da sua fonte de custeio. Ao final, após requerer o prequestionamento das normas legais pertinentes, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja reformada a sentença e julgados improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Alternativamente, “a reforma da sentença para retirar dela a obrigação pontual, consoante definido pelo tema 698 de Repercussão geral, alterando a sentença no sentido de determinar um plano de ação a ser cumprido pelo Município do Natal” ou ainda “que a obrigação de fazer seja arbitrada em observância aos artigos 15 e 16 da LC 101/2000, 20 e 22 da LINDB, no sentido de que a obrigação seja incluir a obra na próxima lei orçamentária”. Ofertadas contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 29665148). A 8ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Id 29797887). É o relatório. VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Cinge-se a análise do presente recurso em saber se o Poder Judiciário pode condenar o Município de Natal a realizar reforma em escola pública, de modo a atender as recomendações quanto à reforma estrutural e à acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência física ou mobilidade reduzida, além do bloqueio de verbas para tal mister. De início, cumpre esclarecer que a Constituição Federal, logo no seu art. 2º, estabelece o princípio da separação dos poderes, ao dispor que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Trata-se de repartição das funções que estruturam e organizam o Estado, de maneira a otimizar as atividades preponderantes e de interesse da sociedade. Acerca do tema, Uadi Lammêgo Bulos (Constituição Federal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 88) registra que: “A independência a que se refere este art. 2º delineia-se pela investidura e permanência das pessoas num dos órgãos do governo, as quais, ao exercerem as atribuições que lhes foram conferidas, atuam num raio de competência próprio, sem a ingerência de outros órgãos, com total liberdade, organizando serviços e tomando decisões livremente, sem qualquer interferência alheia, mas permitindo colaboração quando a necessidade o exigir. Em última análise, a independência das funções do poder público, uno e indivisível, exteriorizando-se pelo impedimento de uma função se sobrepor em relação à outra, admitidas as exceções participantes dos mecanismos de freios e contrapesos.” A repartição das funções estatais foi idealizada para otimizar a atuação do Poder Público. As atividades estruturantes e vitais para o funcionamento da sociedade – a elaboração de leis para reger a vida em sociedade, executar, a solução de conflitos de interesse e a concretização de políticas públicas e aplicação de tributos – é repartida entre Legislativo, Judiciário e Executivo, cada qual realizando primordialmente a tarefa que lhe foi conferida pela Constituição Federal. O grande debate que é travado na doutrina e na jurisprudência na atualidade acerca do assunto reside em saber até qual ponto pode um Poder interferir nas atividades do outro. O art. 2º da Constituição da República garante a independência de cada um dos Poderes e determina que a convivência institucional seja harmônica. A Carta Constitucional, ao seu turno, assegura o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário em seu art. 5º, XXXV, de modo a proporcionar proteção a lesão ou ameaça a direito. Confere-se ao Judiciário, além disso, a tutela contra a ineficácia ou contra as omissões do Poder Público. Como registra o Professor Kazuo Watanabe (Controle jurisdicional das políticas públicas mínimo existencial e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis. Revista de Processo, vol. 193, mar/2011, p. 13): “A grande dificuldade do Judiciário, diante da existência de inúmeros direitos fundamentais sociais consagrados na Constituição, está em saber se cabe, em relação a todos eles, o seu controle sob a ótica da constitucionalidade. Vale dizer, se todos eles são dotados da possibilidade de tutela jurisdicional, ou alguns deles dependem de prévia ponderação de outros poderes do Estado, consistente em formulação específica de política pública para sua implementação”. A discussão travada nos autos reside em saber se o Poder Judiciário, em ação promovida pelo Ministério Público, pode obrigar o ente público estadual a proceder com a reforma no CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil Jesus Bom Pastor, de modo a realizar as obras necessárias para garantir uma estrutura adequada e a acessibilidade para pessoas com necessidades especiais. Conforme posição dominante na doutrina e na jurisprudência, é possível que o Poder Judiciário, quando provocado, intervenha e implemente políticas públicas relacionadas à concretização do mínimo existencial e que não estejam sendo concretizadas em decorrência de inércia do Poder Executivo. De fato, o Supremo Tribunal Federal entende que o Poder Judiciário pode, em situações excepcionais, determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de modo a realizar políticas públicas indispensáveis para a garantia de relevantes direitos constitucionais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. É o que se verifica dos julgados abaixo transcritos: “EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REFORMA EM ESCOLA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. OMISSÃO ESTATAL. SITUAÇÃO DE RISCO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.” (STF - ARE 1071070 AgR/DF - Relator Ministro Luiz Fux - 1ª Turma - j. em 24/11/2017). “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITO CONSTITUCIONAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – POLÍTICAS PÚBLICAS – MANUTENÇÃO DE ESCOLA – DETERMINAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO – PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – OFENSA NÃO CONFIGURADA – PRECEDENTES – SUCUMBÊNCIA RECURSAL (CPC, ART. 85, § 11) – NÃO DECRETAÇÃO, NO CASO, ANTE A AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA NA ORIGEM – AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.” (STF - RE 958246 AgR/PB - Relator Ministro Celso de Mello - 2ª Turma - j. em 02/06/2017). “EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário. Direito Constitucional. Ação civil pública. Reforma em escola. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, inserto no art. 2º da Constituição Federal. 2. Agravo regimental não provido. 3. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, pois não houve fixação prévia de honorários advocatícios na causa.” (STF - RE 908680 AgR/PB - Relator Ministro Dias Toffoli - 2ª Turma - j. em 07/04/2017). “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLÍTICAS PÚBLICAS. DESCUMPRIMENTO. MULTA. SÚMULA 284. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO e da Legislação Infraconstitucional pertinente. SÚMULAS 279 e 280/STF. IMPLEMENTAÇÃO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, com APLICAÇÃO DE MULTA. I – Recurso extraordinário com alegação que esbarra nos óbices previstos nas Súmulas 279, 280 e 284 do STF, pela deficiência na sua fundamentação e porque a questão posta nos autos está fundamentada na interpretação da legislação infraconstitucional, local e federal, aplicável à espécie (Decreto Estadual 58.819/SP, CPC e ECA), bem como na análise de fatos e provas. II - É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. III – Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º do CPC.” (STF - ARE 1010267 AgR - Relator Ministro Ricardo Lewandowski - 2ª Turma - j. em 31/03/2017). Entende o STF que cabe ao Poder Judiciário promover a implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo Poder Público (RE 581352 AgR/AM - Relator Ministro Celso de Mello - 2ª Turma - j. em 29/10/2013). Desse modo, admite-se que o Poder Judiciário, diante da omissão do Poder Público, imponha determinações em desfavor do estado visando à concretização de direitos fundamentais. Quando o processo envolve reformas e obras em escolas públicas, o Supremo Tribunal Federal decide que é possível a implementação de políticas públicas, como a reforma em escolas, por determinação do Poder Judiciário, sem que isso implique em violação ao princípio da separação de poderes – vide ARE 1071070 AgR/DF - Relator Ministro Luiz Fux - 1ª Turma - j. em 24/11/2017. Compreende-se que a determinação de reparar e reformar escola pública determinada pelo Poder Judiciário, por se relacionar a direitos ou garantias fundamentais, não viola o princípio da separação dos poderes – RE 958246 AgR/PB - Relator Ministro Celso de Mello - 2ª Turma - j. em 02/06/2017; ARE 942573 AgR/PB - Relator Ministro Edson Fachin - 1ª Turma - j. em 16/12/2016. Eis a ementa deste último julgado: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 14.6.2016. DIREITO CONSTITUCIONAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSIÇÃO DE MULTA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO . 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar ao Estado a obrigação de fazer reparação em escolas, quando estas se encontrarem em condições precárias, por se relacionarem a direitos ou garantias fundamentais, sem que isso ofenda o princípio da separação dos poderes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com majoração de honorários advocatícios, com base no art. 85, § 11, do CPC, e aplicação de multa, nos termos do art. 1.021, §4º, do CPC.” (STF - ARE 942573 AgR/PB - Relator Ministro Edson Fachin - 1ª Turma - j. em 16/12/2016). Merece destaque, por oportuno, o teor do art. 227 da Constituição Federal: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (destaquei) Ademais, segundo a prescrição do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Nesse contexto, conforme documentos anexados ao processo, sobretudo a inspeção realizada pela 9ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, é possível verificar que o CMEI mencionado não está adequada às necessidades dos alunos, bem como não possui acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência física ou que tenham sua mobilidade reduzida. Eis a conclusão da inspeção (Id 29665123): “(…) Diante desta análise, concluímos que a documentação não atende integralmente às normas técnicas de acessibilidade, posto que ainda apresenta irregularidades, necessitando de adequações para se adaptar ao uso por pessoas com deficiência ou com restrição de mobilidade de maneira integral. Por oportuno, informamos que o presente parecer técnico não possui caráter vinculativo aos órgãos de licenciamento do executivo municipal.”. Dessa forma, além das deficiências estruturais, que atinge a todos os alunos, vislumbra-se que os alunos com deficiência estão sendo tolhidos de seus direitos de inclusão social e uso dos serviços públicos em face da inobservância, pelo Município, das normas pertinentes ao caso, quais sejam a Constituição Federal, a Lei nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências, e a Lei nº 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), entre outras dispersas no ordenamento jurídico. Saliento que essa interpretação tem contado com o beneplácito da jurisprudência no sentido de que é possível o Poder Judiciário determinar que o Poder Executivo proceda com a reforma de escolas públicas, não podendo se eximir de sua responsabilidade por suposta indisponibilidade financeira, de modo a garantir o direito ao acesso à educação das pessoas portadoras de deficiência ou que possuem sua mobilidade reduzida. Vejamos: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. OBRAS, MANUTENÇÃO E REFORMAS EM ESCOLA PÚBLICA. PRELIMINAR DE SUSPENSÃO CONSENSUAL DO FEITO EM FACE DA PANDEMIA DE COVID19. AUSÊNCIA DE CONCORDÂNCIA DA PARTE DEMANDANTE. TEMPO SUFICIENTE CONCEDIDO PARA QUE HOUVESSE O PLANEJAMENTO FINANCEIRO-ORÇAMENTÁRIO. PRAZOS PROCESSUAIS QUE SE ENCONTRAM EM ANDAMENTO. REJEIÇÃO. MÉRITO. DIREITOS À ACESSIBILIDADE E À EDUCAÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. ART. 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E DE RESTRIÇÕES DE ORDEM FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA. MEDIDAS QUE VISAM À MELHORIA DAS CONDIÇÕES PRESENTES, SOB PENA DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. VALOR QUE SOMENTE SERÁ APLICADO SE HOUVER EFETIVO DESCUMPRIMENTO. PRAZO ELÁSTICO PARA O CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO E DA REMESSA NECESSÁRIA. PRECEDENTES DO STF, STJ E DO TJRN. - Entende o Supremo Tribunal Federal que é possível a implementação de políticas públicas, como a reforma em escolas, por determinação do Poder Judiciário, sem que isso implique em violação ao princípio da separação de poderes – vide ARE 1071070 AgR/DF, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 24.11.2017. - A invocação da teoria da reserva do possível, de origem alemã, notoriamente relacionada com a teoria dos custos dos direitos, não pode conduzir à convalidação, pelo Poder Judiciário, de omissões inconstitucionais que venham a comprometer o próprio núcleo intangível de determinado direito e, consequentemente, o mínimo existencial da população ou de um setor específico dela. - A jurisprudência tem admitido a imposição da aludida multa cominatória à Fazenda Pública, haja vista que objetiva, apenas, o cumprimento do comando legal, contrato ou ordem judicial, propondo-se a proporcionar segurança à ordem jurídica, não sendo esta, no presente caso, expropriatória ou desarrazoada, haja vista o largo prazo concedido para a realização da obra.” (TJRN – AC nº 0807584-36.2012.8.20.0001 – De Minha Relatoria – 3ª Câmara Cível – j. em 21/06/2021). “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. OBRAS, MANUTENÇÃO E REFORMAS EM ESCOLA PÚBLICA. DIREITOS À ACESSIBILIDADE E À EDUCAÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. ART. 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO E DA REMESSA NECESSÁRIA. PRECEDENTES DO STF E DO TJRN. - Entende o Supremo Tribunal Federal que é possível a implementação de políticas públicas, como a reforma em escolas, por determinação do Poder Judiciário, sem que isso implique em violação ao princípio da separação de poderes – vide ARE 1071070 AgR/DF, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 24.11.2017. - Compreende-se que a determinação de reparar e reformar escola pública determinada pelo Poder Judiciário, por se relacionar a direitos ou garantias fundamentais, não viola o princípio da separação dos poderes – RE 958246 AgR/PB, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 02.06.2017; ARE 942573 AgR/PB, Relator Ministro Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 16.12.2016.” (TJRN - AC Nº 2017.010730-6 – De Minha Relatoria – 3ª Câmara Cível - j. em 06/02/2018). Por conseguinte, frise-se que por ser uma escola pública, é afetada pelo serviço público de educação, e, por essa razão, deve o Município efetivar as alterações estruturais devidas para adequá-la às condições de uso de todos os alunos e de acessibilidade necessárias a todos os cidadãos, sobretudo os portadores de deficiência física que sejam destinatários desse serviço público. Quanto à alegação de confronto da presente medida com as normas que regem a necessidade de submissão do ente público à existência de dotação orçamentária, entendo igualmente não merecer guarida, eis que, diante do conflito de normas envolvendo o direito fundamental à inclusão social, deve esta prevalecer ante sua natureza de valor constitucionalmente garantido. Neste contexto, pertinente registrar que aquelas condições não podem ser invocadas pelo Poder Público com o escopo de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando desse comportamento decorrer aniquilação de direitos fundamentais do indivíduo. Ademais, não há guarida à alegação de que o direito social encontra limitação na reserva de orçamento, impostos pelo artigo 167 da CF e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, por não ser direito fundamental previsto no artigo 5º da Carta Magna. Logo, em casos como este, em que interesses e direitos parecem colidir (de um lado o interesse financeiro estatal e, de outro, a inclusão social), é preciso analisá-los e sopesá-los, elevando o valor maior. Nesse sentido: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE DE AGIR DO MPF. ADEQUAÇÃO DOS PRÉDIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. ACESSIBILIDADE. PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 282/STF. 1. Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE com o escopo de obrigar a recorrente a iniciar as obras de adaptação de todas as suas edificações para permitir a sua utilização por pessoas portadoras de necessidade especiais. 2. Não se pode conhecer da insurgência contra a ofensa do art. 7º, § 2º, da Lei 8.666/1993, pois o referido dispositivo legal não foi analisado pela instância de origem. Dessa forma, não se pode alegar que houve presquestionamento da questão, nem ao menos implicitamente. 3. Conforme destacado pelo Tribunal regional, o MPF vem solicitando à Reitoria da UFPE, há mais de uma década, providências para a conclusão das obras de acessibilidade em suas instalações. Como prova de sua afirmação destacou a existência do Inquérito Civil 1.26.000.0001418/2003-23, que fixou o prazo de trinta meses para o encerramento das adaptações necessárias nos prédios da universidade. Contudo, o lapso temporal transcorreu sem que as determinações constantes no inquérito fossem cumpridas. 4. Tendo em vista o quadro fático delineado pela instância a quo, sobeja o interesse do parquet no ajuizamento da demanda. Ainda mais, por se tratar do direito de pessoas com necessidades especiais de frequentar uma universidade pública. 5. No campo dos direitos individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz não deve se impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A ser diferente, estaria o Judiciário a fazer juízo de valor ou político em esfera na qual o legislador não lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja a de exigir o imediato e cabal cumprimento dos deveres, completamente vinculados, da Administração Pública. 6. Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei. 7. Ademais, tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 8. Recurso Especial conhecido parcialmente e, nessa parte, não provido.” (STJ - REsp 1607472/PE - Relator Ministro Herman Benjamin – 2ª Turma – j. em 15/09/2016 – destaquei). Feitas estas considerações, tendo em vista que o Município demandado não pode alegar a cláusula da reserva do possível para impedir a implementação de políticas públicas e direitos previstos na própria Constituição Federal, entre eles o direito à educação, entendo que deve ser mantida a sentença questionada. Por fim, no tocante à alegada impossibilidade de bloqueio de verbas em desfavor do Município, entendo não assistir melhor sorte ao apelante. Cumpre esclarecer que o art. 497 do CPC prevê a possibilidade do Magistrado proceder à respectiva incidência, compatível com a obrigação. Nesse contexto, é de ressaltar-se que a jurisprudência tem admitido a imposição de bloqueio de verba à Fazenda Pública, haja vista objetivar o cumprimento do comando legal, contrato ou ordem judicial, propondo-se a proporcionar segurança à ordem jurídica. Acerca do tema, colaciono alguns precedentes do STJ e desta Egrégia Corte, que adotam o entendimento ora exposto, senão vejamos: "EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) E BLOQUEIO DE VALORES. MEDIDAS EXECUTIVAS DE APOIO. CUMULAÇÃO. DESNECESSIDADE NO CASO CONCRETO. 1. Sustenta a parte recorrente ter havido violação ao art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil (CPC), ao argumento de que é possível a fixação de astreintes contra a Fazenda Pública, não ficando afastada sua necessidade com a determinação judicial de bloqueio de valores. 2. Fixação de multa diária e bloqueio de valores do erário são medidas de apoio inerentes ao procedimento executivo, cujo objetivo precípuo é garantir a obtenção mais pronta possível do bem da vida que se busca com o provimento judicial. 3. A adequação de imposição de astreintes ou de bloqueio de verbas, bem como a eventual necessidade de cumulação das duas medidas, depende da aferição da eficácia autônoma (ou mesmo em conjunto) dos institutos no caso concreto, sendo ambos cabíveis, em tese, contra o Poder Público, tudo na forma do art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC. 4. Na espécie, a origem entendeu que o bloqueio de valores públicos seria mais eficiente do que a cominação de multa diária, isto à luz de aspectos fático-probatórios ligados à realidade dos autos. Reverter esta premissa importaria em inobservância da Súmula n. 7 desta Corte Superior. 5. Tendo em conta que uma ou outra medida estão legalmente previstas como meios de coagir o devedor a cumprir a obrigação específica imposta judicialmente, não há que se cogitar de ofensa ao art. 461, § 4º, do CPC.(...)." (STJ - REsp 830.417/RS- Relator Ministro Mauro Campbell Marques – 2ª Turma – j. em 14/09/2010 – destaquei). “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REFORMA DE ESCOLA MUNICIPAL PARA ASSEGURAR ACESSIBILIDADE ÀS PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS E MOBILIDADE REDUZIDA. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 227, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 5º E 24 DO DECRETO Nº 5.296/2004 E ART. 497 DO NCPC. PRECEDENTES DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DESTE TRIBUNAL. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO.” (TJRN - AI nº 2017.013579-0 - Relator Desembargador Amílcar Maia - 3ª Câmara Cível - j. em 27/02/2018 – destaquei). Por fim, cumpre esclarecer que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 684.612/RJ, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/07/2023 e submetido ao rito da Repercussão Geral (Tema 698), estabeleceu as seguintes teses: “1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes. 2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado. 3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP)”. Analisando-se as determinações contidas na sentença, verifica-se que estas se encontram coerentes com o que restou decidido pelo Tema 698, uma vez que restou devidamente analisado que não há violação do princípio da separação dos poderes. Ademais, com relação ao item 2, foi apontada a devida finalidade na determinação judicial, qual seja, deixar o prédio do CMEI apto ao acesso e uso das pessoas portadoras de deficiência física ou mobilidade reduzida. Resta subentendido, ainda, que o ente público será obrigado a apresentar um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado. Desta forma, não houve determinação de quais meios em específicos serão utilizados para alcançar esta finalidade, ficando a critério da Administração analisar qual o melhor critério para solucionar o problema. Conforme declarado pelo Ministro Relator do RE 684.612/RJ em seu voto: “Estabelecida a meta a ser cumprida, diversos são os meios com os quais se pode implementá-la, cabendo ao administrador optar por aquele que considera mais pertinente e eficaz”. A meta, portanto, é tornar o prédio apto no prazo de 12 (doze) meses após o trânsito em julgado do presente feito. Desta forma, as conclusões relativamente à sentença já se encontram em consonância com o que restou decidido no Tema 698 do STF. Ademais, também se encontra em consonância com o disposto nos arts. 15 e 16 da LC 101/2000, 20 e 22 da LINDB, pois a obrigação é de incluir a obra na próxima lei orçamentária. Face ao exposto, conheço e nego provimento ao recurso e à remessa necessária. É como voto. Natal, data da sessão de julgamento. Desembargador João Rebouças Relator Natal/RN, 12 de Maio de 2025.
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