Processo nº 1026246-50.2025.4.01.3500
ID: 300760530
Tribunal: TRF1
Órgão: 9ª Vara Federal Cível da SJGO
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 1026246-50.2025.4.01.3500
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HENRIQUE ESTEVES ALVES FERREIRA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 9ª Vara Federal Cível da SJGO PROCESSO: 1026246-50.2025.4.01.3500 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: M&L PRODUCOES ARTISTI…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 9ª Vara Federal Cível da SJGO PROCESSO: 1026246-50.2025.4.01.3500 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: M&L PRODUCOES ARTISTICAS LTDA REPRESENTANTES POLO ATIVO: HENRIQUE ESTEVES ALVES FERREIRA - GO33279 POLO PASSIVO:DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL EM GOIÁS e outros DECISÃO Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por M&L PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA contra ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM GOIÂNIA/GO, objetivando: a) afastar os efeitos do Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025, mantendo-se o benefício fiscal de alíquota zero de IRPJ, CSLL,PIS e COFINS até o efetivo esgotamento do prazo de 60 meses previsto no art. 4º da Lei nº 14.148/2021, em favor da Impetrante e, consequentemente, a determinação de que a autoridade coatora se se abstenha de exigir, lançar ou cobrar os referidos tributos, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00(dois mil reais); b)subsidiariamente, na hipótese de se reputar válidos os procedimentos já adotados pela Receita Federal, conceder a liminar inaudita altera parte para aplicar as regras constitucionais da anterioridade previstas no art. 150, III, “b”e “c” a partir da publicação do Ato Declaratório Executivo RFB nº 02/2025, de modo a reconhecer o direito líquido e certo da impetrante de usufruir da redução a zero das alíquotas de PIS,COFINS, IRPJ e CSLL, na forma como previsto na Lei nº 14.148/2021, findando-se, todavia, a fruição do benefício após o decurso dos prazos contados e previstos pelo Ato Declaratório Executivo nº 2/2025, da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e da anterioridade nonagesimal, quanto às contribuições à seguridade social. Alega, em síntese, que: a) atua no ramo de produção e promoção de shows artísticos e eventos culturais ( CNAE- 9001-9/02) e, portanto, faz jus aos benefícios da Lei n. 14.148/2021 que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos ( PERSE), dispondo de ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da COVID-19; b) o art. 4º da Lei n. 14.148/2021 reduziu a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60(sessenta) meses as alíquotas dos tributos IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, cujo benefício terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de quinze bilhões de reais, o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, conforme as diretrizes da lei; c) em 12/03/2025 a Receita Federal apresentou o segundo relatório de acompanhamento do PERSE, no qual informou-se que os valores informados por contribuintes habilitados ao Perse somaram R$ 12,6 bilhões até dez/2024 e R$ 12,8 bilhões até fevereiro de 2025; d) prevendo de forma sugestiva que o limite de renúncia fiscal atingiria seu teto ao final de março de 2025, anunciou a extinção do PERSE para os fatos geradores a partir de abril de 2025; e) o Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025 declarou cumpridos os requisitos do artigo 4-A da Lei n. 14.148/21 e decretou antecipadamente a extinção do PERSE, sob o argumento de ter sido alcançado o teto de custos tributários de 15 bilhões de reais, de modo que a autoridade coatora deve fiscalizar e exigir o recolhimento dos tributos incidentes sobre as atividades do setor de eventos, afastando o benefício da alíquota de 0% no que se refere ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS; f) o teto de gastos tributários de R$15 bilhões de reais não foi alcançado e não foram apresentados relatórios periódicos sobre essa informação; g) a imposição da cobrança viola o princípio da segurança jurídica tributária e à anterioridade geral ( IRPJ) e nonagesimal ( contribuições sociais); É o relatório. Decido. São requisitos necessários à concessão do pleito liminar, nos termos do artigo 7º, inciso III, da Lei n.º 12.016/2009, a probabilidade do direito alegado (relevância do fundamento) e o fundado receio de ineficácia da medida, caso venha a ser concedida somente na sentença (periculum in mora). Analisando detidamente os autos, não vislumbro a probabilidade do direito alegado. O PERSE foi instituído como uma política pública de caráter emergencial voltada à mitigação dos efeitos econômicos da pandemia da COVID-19 sobre o setor de eventos, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 14.148/2021. Dentre as medidas implementadas, destaca-se a concessão de alíquota zero para IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, por período limitado. A Lei nº 14.859/2024, que alterou substancialmente o programa, introduziu novos critérios de acesso e fruição do benefício fiscal, inclusive estabelecendo limite de custo fiscal total, previsto no art. 4º-A da Lei nº 14.148/2021, que fixou teto de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), a ser monitorado por relatórios bimestrais e declarado extinto mediante audiência pública no Congresso Nacional. Trata-se, pois, de benefício fiscal vinculado a uma condição resolutiva legal expressa, que, uma vez implementada, tem como efeito automático a cessação da isenção. A seguir, transcrevo alguns dispositivos da norma supracitada, com as alterações da Lei nº 14.859/2024: Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. § 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente: I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; II - hotelaria em geral; III - administração de salas de exibição cinematográfica; e IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. § 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo. (...) Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): (Redação dada pela Lei nº 14.859, de 2024) I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep); (Vide Lei Complementar nº 214, de 2025) Produção de efeitos II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); (Vide Lei Complementar nº 214, de 2025) Produção de efeitos III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ).” (...) § 7º Apenas terão direito à redução de alíquota de que trata este artigo as pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos que possuíam como código da CNAE principal ou atividade preponderante, em 18 de março de 2022, uma das atividades econômicas descritas nos códigos da CNAE referidos no caput ou no § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024) § 8º Para fins do disposto no § 7º deste artigo, considera-se preponderante a atividade cuja receita bruta decorrente de seu exercício seja a de maior valor absoluto, apurado dentre os códigos da CNAE componentes da receita bruta total da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024) (...) Art. 4º-A. O benefício fiscal estabelecido no art. 4º terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas de que trata o art. 4º que foram consideradas habilitadas na forma do art. 4º-B desta Lei, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ, sendo discriminados no relatório os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado, ficando o benefício fiscal extinto a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado. (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024) Art. 4º-B. A fruição do benefício fiscal previsto no art. 4º desta Lei é condicionada à habilitação prévia, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da regulamentação deste artigo, restrita exclusivamente à apresentação, por plataforma eletrônica automatizada da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, dos atos constitutivos e respectivas alterações. (Incluído pela Lei nº 14.859, de 2024) “Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. § 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente: IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. § 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo. Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE”. O modelo introduzido pela Lei nº 14.859/2024 não configura inovação ou surpresa normativa, mas sim o exercício legítimo de uma política fiscal condicionada à cláusula resolutiva expressa, cuja implementação era prevista legalmente desde maio de 2024, com acompanhamento público dos relatórios bimestrais publicados pela Receita Federal. O argumento da parte impetrante de que faria jus ao benefício até março de 2027 não se sustenta. A jurisprudência consolidada, inclusive no TRF3 e TRF4, afasta a noção de que o benefício do PERSE configure isenção onerosa, protegida pela vedação do art. 178 do CTN. Isso porque não há contrapartida específica imposta ao contribuinte para fruição da isenção, sendo os critérios de enquadramento (como CNAE e regularidade no CADASTUR) meros requisitos objetivos para adesão ao programa. A título ilustrativo, colaciono o seguinte julgado do TRF3: E M E N T A TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE . EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE NO CADASTUR. RESTAURANTES, CAFETERIAS, BARES E SIMILARES. ILEGALIDADE PORTARIA ME 7.163/2021 . NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE QUANTO À LEI 14.592/2023. APELAÇÃO PROVIDA EM MENOR EXTENSÃO. 1 . Discute-se a legalidade da exigência prevista no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14 .148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE. 2 - Ao disciplinar a aplicação desse benefício fiscal, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa 2 .114, de 31/10/2022, prevendo em seu art. 4º, dentre outros, que tal benefício aplica-se às pessoas jurídicas de que trata o Anexo II da Portaria ME 7.163/21, desde que, em 18 de março de 2022, estivessem com inscrição em situação regular no CADASTUR (inciso II, alínea b). 3 - Posteriormente, a nova Portaria ME 12 .266/22 (DOU de 02/01/2023), que atualizou a lista de CNAEs abrangidos pelo benefício fiscal do PERSE, também previu a data de 18/03/2022 como base para que as empresas do setor de turismo possuíssem regular inscrição no CADASTUR para usufruir tal benefício. 4 - Desse modo, de acordo com a regulamentação infralegal (Portarias ME e Instrução Normativa RFB) vigente no momento em que as apeladas realizaram a inscrição de seus estabelecimentos no CADASTUR, o benefício do PERSE somente poderia ser usufruído se, em 18 de março de 2022, esta já estivesse com inscrição em situação regular em tal Cadastro. 5 - No entanto, não é possível que normas infralegais, a pretexto de regulamentarem determinado benefício fiscal, estabeleçam condição não prevista em lei, sob pena de violar o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, e no art . 150, I, ambos da Constituição Federal. Não se trata, portanto, de mero desdobramento normativo do tempo em que se conjugaram os verbos utilizados no caput do § 1º do art. 2º da Lei nº 14.148/2021 . Isso porque o contribuinte pode atuar no setor de turismo e não ter efetuado a sua inscrição no CADASTUR. 6 - A exigência feita pela Portaria ME 7.163/21, de inscrição prévia da pessoa jurídica no CADASTUR como condição para que a empresa seja considerada atuante no setor turístico e assim usufruir o benefício fiscal, é abusiva, prejudicando os contribuintes que – embora atuassem no segmento de turismo – não tivessem anteriormente realizado tal inscrição, que não era obrigatória. 7 - Verifica-se que tal previsão culminou por estabelecer um tratamento diferenciado, baseado em premissa não essencial ao exercício de atividade econômica, distinguindo empresas que passaram todas pelo mesmo infortúnio econômico (pandemia da COVID-19), em evidente quebra do princípio da isonomia, sem nenhuma previsão legal . 8 - Nesse sentido, o STJ já há muito vem decidido que um ato infralegal não pode estabelecer condições não previstas em lei para fruição de determinado benefício fiscal, por extrapolar o seu poder regulamentar e ferir o princípio da legalidade. 9 - O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. 10 - Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária . Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação . 11 - A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos. 12 - Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração . A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária. 13 - A Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte . Precedentes. 14 - Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104” . Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”) . Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos. 15 - Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”) . 16 - Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. 17 - Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14 .148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária. 18 - Com a vigência da Lei n .º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social . 19 - Reconhecida a ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14 .148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14 .592/2023. 20 – Apelação provida em menor extensão.(TRF-3 - ApCiv: 5006716-82.2022 .4.03.6105 SP, Relator.: CARLOS EDUARDO DELGADO, Data de Julgamento: 28/02/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 04/03/2024) Por outro lado, vale ressaltar que a extinção do benefício fiscal ocorreu por ato vinculado, com base nos relatórios de custo fiscal acumulado (DIRBI), demonstrando que o teto legal havia sido atingido. Precedida de audiência pública realizada em 12 de março de 2025, a medida observou os requisitos de publicidade, motivação e transparência, sem configurar abuso de poder ou desvio de finalidade, conforme Relatório disponibilizado ao público no site do Congresso Nacional (https://www.congressonacional.leg.br/documents/137784508/146393328/12-03-2025-MF.pdf/9f3add0c-ea4e-4fae-8bbf-acb4b32c089f). O Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025 apenas reconheceu o implemento da cláusula resolutiva legal. Não inovou, tampouco editou norma nova. Trata-se, portanto, de ato de mera execução legal, cujo conteúdo é objetivo e determinado por disposição legal anterior. Ademais, a alegação de violação ao art. 150, III, "b" e "c", da Constituição Federal também não se sustenta. A extinção do benefício decorre da implementação de condição resolutiva previamente fixada em lei, e não de nova norma que crie ou majore tributos. Nesse sentido, a jurisprudência do TRF4: PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS (PERSE). LEI 14.148/21. SIMPLES NACIONAL . DESONERAÇÃO LEGÍTIMA. 1. O benefício fiscal instituído pelo art. 4º da Lei 14 .148/21 não se estende a empresas submetidas ao regime do Simples Nacional, em virtude de óbice previsto no art. 24 da Lei Complementar 123/06. 2. Não se pode olvidar que o Perse consubstancia desoneração legítima, fundada em razões sociais e econômicas, atreladas às dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor do turismo no período das pandemia da COVID-19 . Porém, haja vista não exigir contrapartidas, não constitui isenção onerosa, insuscetível de revogação a qualquer tempo por força do princípio da segurança jurídica e da interpretação a contrario sensu do art. 178 do Código Tributário Nacional. Aplica-se-lhe, portanto, a regra da revogabilidade a qualquer tempo das isenções, consagrada diretamente por este dispositivo da codificação tributária.(TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL: 50124956720234047200 SC, Relator.: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 21/06/2024, PRIMEIRA TURMA) Portanto, não há violação ao princípio da anterioridade, visto que não há inovação legislativa, mas sim mero restabelecimento da regra ordinária de tributação. Dessa forma, por não vislumbrar a probabilidade do direito alegado, a liminar deve ser indeferida. Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR. INTIME -SE a parte impetrante acerca desta decisão; NOTIFIQUE-SE a autoridade a prestar informações, no prazo de 10(dez) dias, e INTIME-SE a pessoa jurídica a que está vinculada; INTIME-SE o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para que indique se pretende intervir no feito, no prazo de 05 (cinco) dias. Em caso positivo, será realizada intimação em momento oportuno; Juntadas as informações, caso o MPF não pretenda intervir, CONCLUIR o processo para julgamento. Goiânia(GO), data da assinatura eletrônica. (assinado eletronicamente) GABRIEL AUGUSTO FARIA DOS SANTOS Juiz Federal Substituto
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