Processo nº 1071836-30.2023.4.01.3400
ID: 283254785
Tribunal: TRF1
Órgão: 21ª Vara Federal Cível da SJDF
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1071836-30.2023.4.01.3400
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANILO HENRIQUE ALMEIDA MACHADO
OAB/GO XXXXXX
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MARIANA COSTA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 21ª Vara Federal Cível da SJDF PROCESSO 1071836-30.2023.4.01.3400 AUTOR: EMANUELLE MAGALHAES DE SOUZA REU: ASSOCIACAO DE ENSINO S…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 21ª Vara Federal Cível da SJDF PROCESSO 1071836-30.2023.4.01.3400 AUTOR: EMANUELLE MAGALHAES DE SOUZA REU: ASSOCIACAO DE ENSINO SUPERIOR DE NOVA IGUACU, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, UNIÃO FEDERAL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF SENTENÇA Cuida-se de ação que visa a declaração de inconstitucionalidade cumulado com condenação em obrigação de fazer, com pedido de tutela antecipada, consistente em: a) reescalonamento da sua dívida referente ao financiamento do Curso de Nutrição; (b) o deferimento para consignação dos valores referentes ao reescalonamento da sua dívida; (c) a retirada de restrição do CADIN e abstenção de cobrança dos valores; d) A parte ré proceda à matrícula do aluno no programa de financiamento estudantil, com a emissão de DRI e seja firmado um contrato de financiamento do FIES na 4ª requerida para o curso de medicina, sob pena de multa diária a ser arbitrada; e) para suspender os efeitos das portarias que limitam o acesso ao aluno ao financiamento, mencionadas anteriormente. Requer, ainda: a) Sejam julgados procedentes os pedidos a fim de, confirmando a tutela de urgência, julgar em juízo de certeza até a realização da colação de grau da parte autora, contemplando-a com 100% do financiamento do seu curso; b) ou, subsidiariamente, que possibilite que a parte Requerente se inscreva no FIES de forma a CONCORRER EM IGUALDADE com um aluno que nunca tenha utilizado o FIES/não seja graduado, sem que haja priorização daqueles que não são graduados e conceda à parte Requerente o financiamento de 100% da mensalidade do curso. c) Ou, subsidiariamente, que possibilite que a parte Requerente se inscreva no FIES de forma a CONCORRER EM IGUALDADE com um aluno que não tem graduação, sem que haja priorização daqueles que não são graduados; d) Que se declare a INCONSTITUCIONALIDADE das Portarias que regem o fies e estabelecem critérios que não estão previstos em lei, bem como, dos editais dos processos seletivos de cada semestre posteriores a essa, uma vez que estabelecem as mesmas regras, pelos argumentos expostos acima; e) Por estar dentro dos limites estabelecidos de até 50% (50, 40 e 30%) das vagas a serem ofertadas pelos alunos do FIES, requer a abertura de vagas para a parte Requerente na instituição ora 4ª Requerida. Alega a parte autora que ainda não está cursando medicina e tampouco conseguirá começar a cursar sem o auxílio do FIES; que preenche os requisitos necessários para obter o financiamento e, mesmo assim, não consegue ficar entre os selecionados para assegurar a realização do curso de medicina; que por já ter uma graduação anterior, sua colocação fica em posições exorbitantemente distante das vagas que são ofertadas para o FIES, uma vez que não é prioridade na fila de concessão do financiamento. Atribui à causa o valor de R$ 842.295,00. Com a inicial, vieram documentos, emendada sob o id. 1742037078. Tutela de urgência indeferida, id. 1817977183. Gratuidade de Justiça deferida, id. 1817977183. Interposto Agravo de Instrumento, id. 1833782656. Contestações apresentadas nos id’s. 1832224321, 1840124695, 1841450163 e 2137084650. Réplica, id. 2142921690. É o relatório. Decido. Não havendo provas a produzir além da documental, passo ao julgamento do mérito. Preliminarmente, quanto à arguição de ilegitimidade passiva. De acordo com o disposto no inciso IX, do art. 6º, da Portaria MEC 209/2018, e no art. 3º, I, "c", da Lei 10.260, de 2001, e na Portaria 80, de 1º de fevereiro de 2018, o Ministério da Educação delegou ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)a função de administrador dos ativos e passivos do Fies. O FNDE é uma autarquia federal criada pela Lei 5.537, de 21 de novembro de 1968, e alterada pelo Decreto–Lei 872, de 15/09/1969, sendo responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC). O FNDE é, portanto, o agente operador e administrador dos ativos e passivos referentes aos contratos firmados no âmbito do FIES, nos moldes do que dispõe o art. 3º, II, da Lei 10.260/2001, com a redação dada pela Lei 12.202/2010, participa dos contratos do FIES na condição de administrador dos ativos e passivos do programa. O FNDE participa dos contratos do FIES na função de administrador dos ativos e passivos do programa, a teor do art. 3º, I, c, da Lei 10.260/2001 e do art. 6º, IV, da Portaria Normativa/ME n. 209/2018 (Precedente: TRF1, AC 1010897-30.2022.4.01.3300, Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, Quinta Turma, PJe 04/05/2023), não restando qualquer dúvida de que está legitimado a figurar no polo passivo da presente ação. Nos termos do art. 3º, inciso II, da Lei 10.260/2001, a gestão do FIES caberá conjuntamente ao MEC e à instituição financeira contratada na qualidade de agente operador, na forma a ser regulamentada pelo referido Ministério. Diante de tal previsão legal, é forçoso reconhecer que a CEF, agente financeiro na relação contratual discutida nos autos, detém legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. A instituição financeira promove a execução e a gestão financeira do FIES. Assim, a instituição financeira, na condição de agente financeiro do FIES, detém legitimidade para figurar no polo passivo de demandas que visam à revisão de contrato de FIES, conforme disposto no art. 6º da Lei 10.260/2001, com redação dada pela Lei 13.530/2017. À IES incumbe a adoção de eventuais providências no tocante às alterações contratuais, por meio da Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento – CPSA. Nesse contexto, afasto as teses de ilegitimidade suscitadas pelas partes. Inadmissível a inclusão do Ministério da Educação no polo passivo da demanda, uma vez que a legislação não atribui competência ao Ministro de Estado da Educação para praticar ato concreto atinente à inscrição de candidato no FIES, tampouco o cancelamento da inscrição o do Programa. Não consta dos autos prova de que a autoridade requerida tenha praticado ou ordenado a prática de qualquer ato relativo à impetrante, alusivo ao FIES (MS n. 20.961/DF, relator Ministro Olindo Menezes, Desembargador Convocado do TRF 1ª Região, Primeira Seção, julgado em 09/12/2015, DJe de 15/12/2015). Quanto à impugnação do valor da causa, acolho a preliminar. A Resolução 50/2022 do Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CGFIES) estabeleceu que o montante máximo semestral que pode ser financiado pelo Fies para os cursos de Medicina corresponde a R$ 52.805,66 (cinquenta e dois mil, oitocentos e cinco reais e sessenta e seis centavos). Retifico o valor da causa, adotando como parâmetro o mencionado normativo, estabelecendo o referido valor de forma oficial (REsp 2.207.563, rel. Min. Francisco Falcão, DJEN 13/05/2025). Quanto à gratuidade de justiça, o STJ já decidiu que “O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente que a pessoa física declare não ter condições de arcar com as despesas processuais. Entretanto, tal presunção é relativa (art. 99, § 3º, do CPC/2015), podendo a parte contrária demonstrar a inexistência do alegado estado de hipossuficiência ou o julgador indeferir o pedido se encontrar elementos que coloquem em dúvida a condição financeira do peticionário. Precedentes” (AgInt no AREsp 1.311.620/RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 14/12/2018). Entende, ainda, o STJ, que “… o magistrado pode indeferir o pedido de assistência judiciária gratuita verificando elementos que infirmem a hipossuficiência da parte requerente, e que demonstrem ter ela condições de arcar com as custas do processo. Precedentes.” (AgInt no AREsp 1.477.376/SC, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 09/09/2019). Forçoso, assim, concluir que a ausência de documentos demonstrativos da alegada carência financeira do autor para arcar com as despesas processuais, não é fundamento suficiente para o indeferimento do pedido. Também não há nos autos nada que infirme a presunção de verdade do alegado estado de hipossuficiência econômica da parte Autora. Ainda que a parte autora estivesse formada, por si só, não afasta a, ainda que relativa, presunção de veracidade do alegado estado de pobreza apto a lastrear direito à obtenção da assistência judiciária gratuita. Assim, o deferimento do benefício da gratuidade judiciária é de ser mantido. Superadas as questões preliminares, passo ao mérito. A pretensão autoral não merece prosperar. Ao apreciar o pedido liminar, este juízo assim decidiu: A tutela provisória de urgência postulada em juízo exige demonstração dos requisitos estabelecidos no art. 300 do Código de Processo Civil, quais sejam, os elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Portanto, há necessidade de prova pré-constituída suficiente e apta a formar o convencimento do Juízo, ou seja, aquela que conduz a um único entendimento, da forte probabilidade de que os fatos narrados sejam verdadeiros e que o requerente possui o direito afirmado. Em suma, o fumus boni iuris. De outro lado, conjuga-se a este requisito a presença do periculum in mora, requisito necessário a qualquer medida de urgência e que pode ser traduzido como o perigo de que, se não concedida a antecipação dos efeitos da tutela, a decisão final seja ineficaz ou haja grande risco de que isto ocorra, isto é, que não exista mais utilidade na decisão judicial. Assim, a concessão da tutela provisória de urgência somente pode ser deferida quando presentes, concomitantemente, os requisitos mínimos justificadores do adiantamento do provimento final, de forma que a parte autora, violada em seu direito, não sofra as consequências da demora na prestação jurisdicional e também para garantir que, ao final, seja a tutela útil àquele que a buscou. No que tange à concessão da medida de urgência sem a audiência da parte contrária, deve-se observar, ainda, a ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, nos termos do § 3º do art. 300, do CPC. Mas da análise dos fundamentos esposados pela parte autora, em um juízo de cognição sumária a que estou adstrito neste momento, não vislumbro a presença dos requisitos necessários a autorizar a concessão da pretendida tutela de urgência. Primeiro, porque o pedido de retirada do nome da autora dos órgãos de proteção ao crédito, em razão do contrato de financiamento debatido nos autos, não se refere a eventual direito de aditamento do contrato. Nesse sentido, observa-se que não se trata também de mera discussão judicial do débito, que seria motivo para impedimento ao registro em órgãos de proteção, na esteira do entendimento do Tribunal pátrio, porquanto incumbe ao Judiciário analisar a legalidade e exatidão do valor da dívida, mas diz respeito, como já esclarecido, a exclusão do nome da autora do rol de devedores, o que demanda a análise da legalidade, ou não, da cobrança. Mas as provas que instruem o processo são parcas e insuficientes para evidenciar a probabilidade do direito alegado. Mesmo tendo sido franqueado prazo para a autora, ela não se desincumbiu da obrigação de estruturar este caderno eletrônico com provas contundentes dos argumentos apresentados na exordial. Lembramos que, segundo a sistemática processual civil, incumbe ao requerente o ônus da prova dos fatos constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC). E se a demandante não se desincumbe do seu ônus probatório, dependendo do recurso da inversão do ônus da prova, torna-se descabido o acolhimento da sua pretensão à liminar inicial. Segundo, porque a medida emergencial postulada, sem a oitiva da parte contrária, constitui excepcional diferimento do princípio do contraditório, somente cabível em caso de perigo de perecimento do direito enquanto se aguarda a formação do contraditório mínimo. In casu, a autora, não nega que deixou de adimplir com a parte que lhe competia no Financiamento Estudantil (Fies), desde dezembro/2018 (p 13 da exordial), apenas alega a existência, à época, de dificuldades financeiras que não são, de modo algum, oponíveis à Administração Pública. Nesse contexto, não me parece razoável deferir os pedidos pleiteados a título de medida de urgência, sob pena de retirar qualquer efetividade do contrato bilateral celebrado em razão de alegações insuscetíveis de análise em sede liminar. A rigor, somente com o depósito do valor cobrado pela instituição financeira é possível suspender a exigibilidade da dívida e os efeitos decorrentes da eventual inadimplência. Terceiro, porque, como visto, a autora é devedora antes mesmo de sua graduação no Curso em Nutrição, ocorrido em 20/12/2019 (id 1725531093), por essa razão também não subsiste qualquer urgência para a concessão de uma medida liminar altera pars. Quarto, porque, de acordo com a Lei 13.530/2017 (art. 5ºC, § 5º), a competência de pactuar condições especiais de amortização e/ou de reparcelamento das dívidas do Fies é do agente financeiro. Querendo de fato resolver sua inadimplência, deveria a autora ter se empenhado e se dirigido, pessoalmente, à agência bancária para tentar uma transação e não só ficar consultando essa possibilidade no site por meio de telefone celular. Neste caso, se aplica, muito propriamente, o brocardo jurídico de que “O Direito não socorre os que dormem” (dormientibus non succurrit jus). Quinto, porque a autora informa que não está matriculada na UNIVERSIDADE IGUAÇU (UNIG) para o Curso de Medicina (id 1742062069). Esse é mais um fato que reforça a ausência de qualquer perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo. Sexto, porque, nos termos do art. 1º, § 6º, da Lei 10.260/2001, com redação dada pela Lei 13.530/2017, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), tem natureza contábil e caráter social, sendo destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação própria. Além disso, sem que haja qualquer ilegalidade nela, a atual norma de regência do Fies prevê que o fundo será destinado prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil. Confira-se: Art. 1º É instituído, nos termos desta Lei, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Educação, destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria. (...) § 6º O financiamento com recursos do Fies será destinado prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil, vedada a concessão de novo financiamento a estudante em período de utilização de financiamento pelo Fies ou que não tenha quitado financiamento anterior pelo Fies ou pelo Programa de Crédito Educativo, de que trata a Lei no 8.436, de 25 de junho de 1992. Assim, voltando à atenção aos interessados em financiar uma segunda graduação, por uma questão lógica (diante da limitação orçamentária e da crescente lista de novos interessados a cada semestre), esses candidatos devem ter ciência de que a prioridade precípua do Fies é o fomento da primeira graduação, sendo disponibilizadas para disputa, entre os já graduados, apenas as vagas remanescentes do processo, obedecidas as prioridades. Afinal, não se pode ignorar que, diferentemente do candidato que nunca obteve diploma de educação superior, o candidato já graduado dispõe de recursos intelectuais e financeiros suficientes para custear uma nova graduação pretendida. E mesmo que se alegue não possuir os referidos recursos financeiros, em tese, conta com subsídios intelectuais suficientes e com condições mínimas necessárias para se inserir no mercado de trabalho de modo a auferir recursos próprios para custear uma nova formação. De todo modo não se pode perder de vista que a isonomia pressupõe a igual aplicação das normas àqueles que preencham iguais condições, assim como aplicação desigual das normas conforme as desiguais condições. Este é um pressuposto que visa, assim, à equidade no Direito, ao equilibrar relações desiguais. Assim sendo, o princípio da isonomia deduz as diferenças contextuais, mas preza pela aplicação igualitária das normas, desde que preenchidas as condições necessárias. E a seleção para o Fies supõe que cada grupo de preferência possui um número de vagas disponíveis e, para classificar os candidatos, o sistema verifica a prioridade indicada entre as três opções de curso, de turno e de local de oferta escolhidos. Nesse contexto, tem mais chances de conseguir o financiamento aqueles candidatos que ainda não tenham terminado o ensino superior e que ainda não foram beneficiados pelo financiamento estudantil. Em casos assim, é defeso ao Poder Judiciário imiscuir-se nos atos levados a efeito no âmbito interno da Administração, quando inseridos no campo que lhe confere o ordenamento jurídico, cabendo-lhe unicamente examiná-los se foram praticados conforme ou contrariamente à lei. Até porque a Primeira Seção do egrégio STJ, apreciando caso análogo ao dos autos, firmou entendimento no sentido de que "o estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defeso qualquer incursão no mérito administrativo" (STJ, MS nº 20.074/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 1º/07/2013). Outros precedentes: MS nº 201301473835, Rel. HERMAN BENJAMIN, DJE de 23/09/2014; EDMS nº 201400382153, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJE de 29/04/2015. Sétimo, porque como já declarado pelo STF (SS n. 1.853/DF), reconhecer, em sede de liminar, a inconstitucionalidade de ato normativo, para o fim de deferir uma tutela provisória, representa, de regra, precipitação, como, aliás, se extrai do princípio subjacente à Súmula Vinculante nº 10/STF: “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência (...)” (AGTAG nº 2009.01.00.010667-2/MG, Rel. Des. Federal LUCIANO TOLENTINO AMARAL). Oitavo, porque, quanto ao direito constitucional à educação, é importante dizer que o art. 208, inciso I, da CF/88 é enfático ao reconhecer que esse direito é um dever do Estado que deve, obrigatoriamente, garantir a educação básica e de forma gratuita às crianças desde os 4 (quatro) anos até os 17 (dezessete) anos. Confira: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; - nosso destaque Na sequência, o acesso ao ensino superior gratuito é oferecido pelas universidades públicas. E existem algumas centenas de universidade públicas financiadas pelos Governos federal, estadual, distrital e municipal. Entre elas se incluem as universidades mais renomadas do país (USP, UniCamp, UFRGS, UFRJ, UFMG, UFPE, UFBA, UFPR, UnB). Mas não foi em uma dessas que a autora pretende se matricular e é irrelevante saber o motivo. O fato é que a requerente pretende fazer seu curso superior em uma universidade privada e por intermédio do Fies, devendo, desse modo, se submeter às regras para obtenção do financiamento estudantil pretendido. Ante o exposto, diante da ausência dos requisitos do art. 300 do CPC, INDEFIRO os pedidos de tutela provisória de urgência. Os fundamentos da decisão se mantêm, os quais incorporo à presente sentença. O objetivo do FIES está determinado no art. 1º da Lei 10.260/2001, com a redação dada pela Lei 12.513/2011, que assim preconiza: Art. 1º É instituído, nos termos desta Lei, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de natureza contábil, destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação própria. § 1º O financiamento de que trata o caput poderá beneficiar estudantes matriculados em cursos da educação profissional e tecnológica, bem como em programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva, desde que haja disponibilidade de recursos. E, quanto a sua gestão, a mesma Lei determina no art. 3º o seguinte: Art. 3º A gestão do FIES caberá: I - ao Ministério da Educação, na qualidade de: a) formulador da política de oferta de vagas e de seleção de estudantes, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies; b) supervisor do cumprimento das normas do programa; c) administrador dos ativos e passivos do Fies, podendo esta atribuição ser delegada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); II - a instituição financeira pública federal, contratada na qualidade de agente operador, na forma a ser regulamentada pelo Ministério da Educação; III - ao Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies), que terá sua composição, sua estrutura e sua competência instituídas e regulamentadas por decreto, na qualidade de: a) formulador da política de oferta de financiamento) supervisor da execução das operações do Fies sob coordenação do Ministério da Educação. § 1º O Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento sobre: I - as regras de seleção de estudantes a serem financiados, devendo ser considerados a renda familiar per capita e outros requisitos, e as regras de oferta de vagas; - nosso destaque (...) Assim, a Lei autorizou ao Ministério da Educação (MEC) estabelecer e editar as regras para o financiamento pelo FIES. Além disso, nos termos do art. 1º, § 6º, da Lei 10.260/2001, com redação dada pela Lei 13.530/2017, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), tem natureza contábil e caráter social, sendo destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria. Desse modo, se por um lado as normas secundárias não geram direitos nem criam obrigações e também não devem contrariar as normas primárias, mas, sim, complementá-las para possibilitarem a sua aplicação, por outro lado, considerando que a referida Lei exige que exista uma ordem de prioridade para a oferta do FIES aos estudantes, que não foi por ela explicitada, evidentemente demanda-se que a matéria seja regulamentada. A Portaria Normativa MEC nº 535, de 12/06/2020, que alterou a Portaria MEC Nº 209, de 07/03/2018, nos seguintes termos: Art. 84-C. A transferência de que trata os arts. 84-A e 84-B desta Portaria: I - somente será permitida nos casos em que a média aritmética das notas obtidas pelo estudante no Enem, utilizadas para sua admissão no Fies, for igual ou superior à média aritmética do último estudante pré-selecionado para o curso de destino no processo seletivo mais recente do programa em que houver estudante pré-selecionado para o financiamento estudantil; e II - somente poderá ser efetuada para curso de destino em que já houver estudantes pré-selecionados nos processos seletivos do Fies por meio da nota do Enem. – nosso destaque Sendo assim, a Portaria combatida não é nova, não desborda do poder regulamentador nem se mostra ilegal ou contrária às normas regentes do financiamento estudantil. Ao contrário, tal regra adotada favorece a meritocracia, aperfeiçoando o modo de condução dessa política pública, nos parâmetros constitucionais e legais que regem a Administração. Isto porque impede que alunos se matriculem em cursos de menor concorrência para obter o financiamento e, depois, se transfiram para cursos de maior concorrência, assim como acontecia quando era exigida apenas a anuência da IES que os recebiam. É uma norma, que deve ser observado para os procedimentos de transferência distinta e que se molda totalmente ao princípio constitucional da moralidade e da razoabilidade, diante da decorrência natural dos próprios limites orçamentários dos recursos destinados a essa política pública, garantindo que todos os alunos financiados obtenham vantagens justas. De qualquer forma, a regra de corte do art. 84-C da Portaria Normativa MEC nº 535 já estava em vigor antes de a impetrante firmar o seu contrato de financiamento estudantil, razão pela qual tal regramento normativo se aplica à avença em tela. O TRF1, por seu turno, no recente julgamento do IRDR 72 (Processo PJe 1032743-75.2023.4.01.0000, rel. Des. Fed. Katio Balbino, Terceira Seção, PJe 08/11/2024), assentou que: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 72. FUNDO DE FINANCIAMENTO AO ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR (FIES). CONCESSÃO E TRANSFERÊNCIA PARA INSITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DISTINTA. LEGITIMIDADE DO FNDE. DEFINIÇÃO COM BASE EM CRITÉRIO FÁTICO-TEMPORAL. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. PONTUAÇÃO DO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO. PORTARIAS MEC 38/2021 E 535/2020. LEGITIMIDADE DOS REQUISITOS EM CAUSA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA ÀS NORMAS LEGAIS DE REGÊNCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA. TESES FIXADAS. 1. Incidente de resolução de demandas repetitivas suscitado com supedâneo no artigo 977, I, do CPC. 2. Demonstrado o atendimento aos pressupostos para admissão do IRDR: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (artigo 976, CPC). 3. Questões de direito processual e material a serem deliberadas: (1) definir se o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Fnde é para legítima para figurar no polo passivo das demandas que versem sobre a obtenção e transferência do FIES; (2) definir se a norma infralegal inserida pela Portaria MEC nº 38/2021 pode impor restrição para obtenção do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, consistente na classificação através de nota obtida no ENEM; (3) deliberar sobre o cabimento da utilização da nota do ENEM como requisito para transferência de financiamento estudantil de um curso para outro no âmbito do FIES, estabelecida pela Portaria do MEC nº 535/2020. 4. A definição da legitimidade do FNDE para figurar nas ações voltadas à concessão e transferência de financiamento pelo FIES reclama o exame do contexto normativo-temporal de cada situação concreta analisada, mediante a observância das disposições presentes na Portaria MEC 209/2018. Assim, o FNDE é parte legítima para responder às ações relativas ao FIES, na condição de agente operador, em relação aos contratos celebrados até o segundo semestre de 2017. 5. Em relação aos contratos firmados a partir do primeiro semestre de 2018, a participação do FNDE como agente operador, conforme os termos da Portaria MEC 209/2018, é limitada a determinadas atividades, todas elas anteriores ao envio da inscrição ao agente financeiro. Diante disso, para o período em comento, o FNDE possui legitimidade para integrar as lides que tenham como objeto a validade das disposições presentes na Portaria MEC nº 38/2021 quanto às restrições exigidas para a obtenção do financiamento pelo FIES com base na nota obtida no ENEM, não possuindo legitimidade, contudo, quanto aos processos nos quais se discuta o cabimento da utilização da nota do ENEM como requisito para transferência de financiamento estudantil de um curso para outro no âmbito do FIES, exigência estabelecida pela Portaria do MEC nº 535/2020, isso porque essa última controvérsia se relaciona a procedimentos posteriores ao envio da inscrição ao agente financeiro. 6. Com sua primeira previsão normativa insculpida na Medida Provisória nº 1.827/1999, o FIES nasceu com a justificativa de ampliação das condições de acesso à educação de nível superior, “como importante mecanismo de ascensão social, bem assim de incremento da competitividade da economia brasileira”, conforme explicitado na Exposição de Motivos interministerial nº 82/1999, com base na qual o ato normativo em causa foi apresentado ao Congresso Nacional. 7. Reconhecimento de que o FIES não se constitui em mecanismo indissociável do dever constitucional programático cometido ao Estado para a garantia de acesso universal à educação, à consideração de que, segundo o art. 208, V, da Constituição Federal, o acesso ao ensino superior também pressupõe a observância da “capacidade de cada um”. 8. A observância da média aritmética das notas obtidas pelo candidato nas provas do Enem constitui-se em critério objetivo e impessoal para a seleção dos estudantes com vistas à concessão do financiamento, coadunando-se ainda com a necessidade de compatibilização da implementação do programa com as limitações orçamentárias previstas no art. 3º, § 6º, da Lei nº 10.260/2001, sua norma matriz. 9. Compreensão que se acentua na hipótese de transferência para cursos distintos, visto que a ausência da observância da nota obtida pelo último candidato selecionado para o curso de destino a um só tempo afrontaria o princípio da isonomia, na medida em que havendo um número limitado de vagas ofertadas pelas instituições de ensino, a ausência de restrições poderia reduzir o quantitativo ordinariamente disponibilizado para os casos de concessão originária do financiamento, prejudicando candidatos com melhor aproveitamento acadêmico, e por também comprometer o planejamento orçamentário do sistema, na medida em que, como regra, os valores da mensalidade dos cursos de destino – nomeadamente o curso de medicina – são superiores aos do curso de origem. 10. Fixação das seguintes teses para o Incidente de Demandas Repetitivas nº 72: 1) Observada a redação atualmente em vigor da Lei nº 13.530/2017 e da Portaria MEC 209/2018, o FNDE é parte legítima para responder às ações relativas ao FIES, na condição de agente operador, em relação aos contratos celebrados até o segundo semestre de 2017; em relação aos contratos do Fies celebrados a partir do primeiro semestre de 2018, o FNDE é parte legítima, como agente operador, nas ações nas quais se discutam os procedimentos realizados por meio do SisFies no âmbito da CPSA, até o encaminhamento da inscrição ao agente financeiro; 2) As restrições constantes das Portarias MEC 38/2021 e 535/2020 para fins de seleção de estudantes para a obtenção de financiamento estudantil pelo Fies, bem assim para a transferência de cursos mediante a realização de aditamento contratual, não extrapolam nem confrontam o regramento constitucional relativo ao direito à educação, tampouco a norma instituidora do Fies. (TRF1, IRDR 72, 1032743-75.2023.4.01.0000, rel. Des. Fed. Katio Balbino, Terceira Seção, PJe 08/11/2024). Conforme se verifica, não há que se falar em inconstitucionalidade da norma guerreada por violação à Constituição Federal, e os fundamentos do pedido autoral não se sustentam. Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos autorais, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil brasileiro. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, pro rata, cuja exigibilidade deverá permanecer sob condição suspensiva, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC, à vista da gratuidade de justiça concedida. Interposta apelação, intime-se para contrarrazões. Decorrido o prazo, remetam-se os autos ao TRF1, com as cautelas de estilo. Transitada em julgado, após as providências de praxe, arquivem-se definitivamente. Registro, publicação e intimações, via sistema. À Secretaria: Oficie-se, de imediato, ao eminente Relator do Agravo de Instrumento nº 1039282-57.2023.4.01.0000 (id. 1833782656). Brasília/DF, data da assinatura eletrônica. FRANCISCO VALLE BRUM Juiz Federal Substituto da 21ª Vara/SJDF
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