Processo nº 5003836-85.2023.8.24.0052
ID: 332851266
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5003836-85.2023.8.24.0052
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/SC XXXXXX
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JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5003836-85.2023.8.24.0052/SC
APELANTE
: JOAQUINA SOARES (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
APELANTE
: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: RENATO C…
Apelação Nº 5003836-85.2023.8.24.0052/SC
APELANTE
: JOAQUINA SOARES (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
APELANTE
: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de
Apelações Cíveis
interpostas por
J. S.
e B. B. S.A., respectivamente autor e réu, contra a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Porto União que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Contrato Bancário, Repetição do Indébito e Indenização por Danos Morais n. 50038368520238240052 ajuizada por
J. S.
em desfavor de B. B. S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 69 -
SENT1
- autos de origem):
ANTE O EXPOSTO, resolvendo o mérito (art. 487, I, CPC), julgo parcialmente procedente a pretensão formulada por
JOAQUINA SOARES
em face de BANCO BRADESCO S.A., para:
a) DECLARAR
a inexistência de dívida em razão do empréstimo consignado n. 0123414155238.
b) CONDENAR
a parte requerida à repetição do indébito, de forma simples, dos valores descontados do benefício previdenciário da parte autora relativos ao empréstimo consignado n. 0123414155238, atualizados monetariamente pelo ICGJ - Índice da Corregedoria-geral de Justiça deste Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Circular n. 231 de 15 de agosto de 2023), desde a data de cada desconto indevido, acrescido de juros de mora de 1% ao mês contados da citação, devendo o valor ser apurado mediante simples cálculo aritmético;
c) RESOLVER
o contrato entabulado entre as partes e
DETERMINAR
a devolução, pela parte autora, dos valores creditados em sua conta bancária referente ao contrato discutido nos autos, acrescidos de correção monetária pelo ICGJ - Índice da Corregedoria-geral de Justiça deste Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Circular n. 231 de 15 de agosto de 2023) e juros de 1% ao mês, ambos a contar da data de cada disponibilização na conta do autor
.
d) DETERMINAR
a compensação do valor a ser devolvido pela parte autora (item "c"), com a verba que tem direito a receber (item "b").
Conforme autoriza o artigo 86,
caput
, do Código de Processo Civil, considerando o número de pedidos formulados e a extensão da pretensão em relação a cada um, entendo necessária a divisão dos ônus sucumbenciais na proporção de 60% a cargo da parte ré e 40% a cargo da autora. Assim, constatada a sucumbência recíproca, as despesas processuais (inclusive eventuais perícias) e os honorários advocatícios serão pagos na referida proporção, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o
valor atualizado da causa
, consoante o disposto no artigo 85, § 2º, do CPC, tendo em vista o trabalho realizado pelo advogado, a natureza e complexidade da causa, bem como o tempo despendido, vedada a compensação (art. 85, § 14, CPC).
Por fim, considerando a impossibilidade de conclusão da prova pericial devido a não apresentação do contrato original pela parte ré, que a perita nomeada já havia iniciado os trabalhos (evento 53, PET1) e tendo em vista a determinação de custeio pelo sistema de justiça gratuita (evento 29, DESPADEC1), reduzo os honorários periciais pela metade, a fim de assegurar a remuneração da perita pelos atos já realizados, fixando-os em R$ 900,00.
Preclusa esta decisão,
solicite-se o pagamento
dos honorários por meio do
Sistema Eletrônico de Assistência Judiciária Gratuita
, nos termos do artigo 9º da Resolução CM n. 5 de 08/04/2019.
Dê-se ciência à perita nomeada quanto à desnecessidade de realização da perícia determinada.
Caso interposto o recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (artigo 1.009, §§ 1º e 2º). Após isso, encaminhem-se os autos ao e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Homologo
eventual renúncia do prazo recursal, caso informado pela parte diretamente no sistema eproc quando de sua intimação eletrônica.
Transitada em julgado e pagas eventuais custas, arquivem-se.
Em atenção ao princípio da celeridade processual e a fim de evitar tautologia, adota-se o relatório da sentença apelada (Evento 69 -
SENT1
- autos de origem):
JOAQUINA SOARES
ajuizou a presente ação declaratória de nulidade de contrato bancário, repetição do indébito e indenização por danos morais em face de BANCO BRADESCO S.A., na qual aduziu, em síntese, que a parte ré autorizou e vem realizando descontos de seu benefício previdenciário, fundamentado em contratos que não realizou. Diante disso, requereu a aplicação da legislação consumerista, a declaração de nulidade do contrato n. 0123414155238. Ao final, postulou, além da declaração da inexistência do débito, a restituição de valores em dobro e a condenação da parte adversa ao pagamento de danos morais. Juntou documentos.
Por meio da decisão de evento 4, DESPADEC1 foi deferido o pedido de justiça gratuita à parte autora e determinada a citação.
Citada, a parte ré apresentou resposta sob a forma de contestação (evento 13, CONT2). Preliminarmente, arguiu carência da ação por ausência de interesse de agir. No mérito, defendeu que a contratação se trata de portabilidade de crédito. Aduziu que por se tratar de transferência de dívida não há liberação de valores ao cliente. Sustentou que a contratação é legítima e a inexistência dos danos suscitados. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos, a condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé e a produção de provas. Juntou documentos.
Houve réplica (evento 18, RÉPLICA1).
Intimadas (evento 20, DESPADEC1), as partes se manifestaram sobre a produção de provas (evento 23, PET1 e evento 26, PET1).
Deferida a produção de perícia grafotécnica (evento 29, DESPADEC1).
Foram apresentados quesitos pela parte ré (evento 41, PET1).
A perita informou a coleta de padrões da autora e requereu a apresentação dos contratos originais pelo réu (evento 53, PET1).
Intimada a parte ré para apresentar os contratos originais, permaneceu inerte (evento 62, DESPADEC1 e evento 66, CERT1).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Inconformado, o réu B. B. S.A. pleiteou a reforma da decisão para reconhecer a validade do contrato e a inexistência de fraude, afastar a condenação à restituição dos valores e à indenização por danos morais, ou subsidiariamente, reduzir o valor da indenização e manter a compensação dos valores (Evento 76 -
APELAÇÃO1
- autos de origem).
Inconformada, a parte autora
J. S.
pleiteou a reforma da decisão para condenar o réu à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, ao pagamento de danos morais no valor de R$ 10.000,00, e ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios (Evento 81 -
APELAÇÃO1
- autos de origem).
Houve contrarrazões (evento 89 e 90 - autos de origem).
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relatório.
Exame de Admissibilidade Recursal
Preliminar
de Ausência de
Dialeticidade
Preliminarmente, em sede de contrarrazões, o réu arguiu a ausência de dialeticidade do recurso de apelação, ante a falta de contrariedade aos fundamentos da sentença.
O art. 1.010 do Código de Processo Civil prevê que:
Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:
I - os nomes e a qualificação das partes;
II - a exposição do fato e do direito;
III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;
IV - o pedido de nova decisão.
Todavia, analisando as razões recursais, observa-se que não há teses divergentes da fundamentação utilizada na sentença, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da dialeticidade.
Nesse sentido, colhe-se precedente desta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTOS QUE GUARDAM RELAÇÃO COM A SENTENÇA COMBATIDA. (...) (Apelação n. 5001123-33.2020.8.24.0056, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jaime Machado Junior, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 5-5-2022).
Afasta-se, portanto, a prefacial.
À vista disso, porque preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se dos recursos e passa-se à sua análise.
Nos termos do art. 932, inc. VIII, do Código de Processo Civil, incumbe ao relator
"exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal".
Por sua vez, o art. 132 do atual Regimento Interno deste Tribunal de Justiça passou a conter nos incisos XV e XVI, que compete ao relator, por decisão monocrática:
XV –
negar provimento a recurso
nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões,
dar provimento a recurso
nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
Também, a Súmula 568 do Superior Tribunal de Justiça prevê que "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça,
poderá dar ou negar provimento ao recurso
quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Assim, em primazia à celeridade processual, tem-se a possibilidade de julgamento monocrático do recurso de apelação interposto, porquanto a temática discutida nos autos possui entendimento dominante nesta Corte de Justiça.
Relação de Consumo
De plano, registra-se que ao caso aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, porquanto se trata de relação consumerista, estando de um lado o consumidor e de outro o fornecedor de serviços.
A defesa dos direitos básicos do consumidor deve ser resguardada e, em especial, o previsto no art. 6º, incisos VI, VIII e X, do CDC, que assim dispõe: "São direitos básicos do consumidor
a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais
, coletivos e difusos;
a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil
, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; e
a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral
".
Dessarte, o julgamento da presente demanda está adstrito às regras de proteção ao consumidor, notadamente a inversão do ônus da prova, pois ele é parte hipossuficiente e merece especial tratamento.
Mérito
Do recurso do réu
Irregularidade Contratual e Responsabilidade Objetiva
A controvérsia dos autos refere-se à validade de contrato de empréstimo consignado, no qual a parte autora alega inexistência de relação jurídica, enquanto a parte ré sustenta a regularidade da contratação.
A parte ré apresentou cópia do contrato assinado, alegando que a contratação foi realizada de forma regular (
evento 13, OUT3
– autos de origem). Em réplica, a parte autora impugnou a autenticidade da assinatura e a validade do contrato (
evento 18, RÉPLICA1
– autos de origem).
Diante da alegação de fraude, o juízo de origem oportunizou às partes a especificação de provas. Foi requerida a produção de prova pericial, contudo, intimada para apresentar em cartório a cópia original do contrato, a parte ré manteve-se inerte (evento 62 e 66 - autos de origem).
Nos termos do art. 429, II, do CPC, incumbe à parte que produziu o documento impugnado comprovar sua autenticidade. Tal entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1061, que fixou a tese de que, em caso de impugnação da assinatura em contrato bancário, cabe à instituição financeira o ônus de provar sua veracidade.
No caso, a análise dos autos revela que a parte ré não adotou as cautelas necessárias para garantir a autenticidade da contratação, configurando-se a responsabilidade objetiva pela falha na prestação do serviço.
Nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor responde, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos na prestação do serviço ou por informações inadequadas. A responsabilidade objetiva nas relações de consumo exige apenas a demonstração do dano e do nexo causal, sendo afastada apenas em caso de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior – excludentes que não restaram comprovadas nos autos.
O entendimento é pacificado pelo STJ, conforme a Súmula 479:
“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Em situações semelhantes, esta Corte já reconheceu a responsabilidade da instituição financeira pela contratação indevida, diante da ausência de comprovação da autenticidade da assinatura e da falha na verificação da identidade do contratante. Vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS". SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DAS PARTES.
AUTENTICIDADE DA ASSINATURA QUE RECAI SOBRE A PARTE QUE PRODUZIU O DOCUMENTO. ARTIGO 429, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TEMA 1.061 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVADO LASTRO CONTRATUAL.
DEDUÇÃO DE DIMINUTA QUANTIA QUE, AUSENTE AFIRMAÇÃO E CONCLUSÃO EM SENTIDO INVERSO, MOSTRA-SE INCAPAZ DE CARACTERIZAR ABALO ANÍMICO PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA, QUANDO VALORES SUPERIORES FORAM DEPOSITADOS EM CONTA BANCÁRIA. PREJUÍZO AO "MÍNIMO EXISTENCIAL" QUE NÃO PODE SER PRESUMIDO, MENOS AINDA QUANDO SEQUER ASSEVERADO E DEPOSITADA QUANTIA EM CONTA. "NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO" (TEMA 25 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL). INDENIZAÇÃO DESCABIDA. IRREALIDADE DE CONTRATAÇÃO A AFASTAR A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DEVIDA NA FORMA SIMPLES. MAIORIA, PORÉM, QUE COMPREENDE INCIDENTE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARTIGO 42 DA LEI CONSUMERISTA QUE NÃO PREVÊ COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ COMO CONDIÇÃO À DEVOLUÇÃO DOBRADA. CIRCUNSTÂNCIA SUBJETIVA QUE, ADEMAIS, SERIA DE QUASE IMPOSSÍVEL COMPROVAÇÃO. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AFETADO PARA JULGAMENTO DE FORÇA REPETITIVA NO TEMA 929. DOBRA APLICÁVEL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(TJSC, Apelação n. 5008325-62.2024.8.24.0075, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-06-2025).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE PROVEU EM PARTE O RECURSO DO RÉU E DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. (ART. 932, IV E V, DO CPC C/C ART. 132, XV E XVI, DO R.I.T.J.SC). DEVOLUÇÃO DA MATÉRIA AO COLEGIADO. EVENTUAL NULIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA É SUPRIDA COM O JULGAMENTO COLEGIADO DO AGRAVO INTERNO. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NESTE PONTO. MÉRITO. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. INACOLHIMENTO.
CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DA CONSUMIDORA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SÚMULA 479 DO STJ. PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA (ART. 39, VI, DO CDC). ÔNUS PROBATÓRIO DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO QUE INCUMBE AO BANCO
. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. TESE DE INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. ADOÇÃO, NA HIPÓTESE, DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELOS DEMAIS MEMBROS DA CÂMARA E PELO VOTO DIVERGENTE LANÇADO NOS AUTOS DA APELAÇÃO CÍVEL N. 5053917-51.2021.8.24.0038 PARA O AFASTAMENTO DO DANO MORAL. IRDR. TEMA 25. APLICABILIDADE. PARCELAS MENSAIS DE R$ 42,37 DESCONTADAS QUE CORRESPONDEM A 3,85% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA (65 ANOS NA ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO). VALOR QUE NÃO IMPORTOU EM PREJUÍZO À SUA SUBSISTÊNCIA, TAMPOUCO COMPROMETEU A SUA ESFERA PATRIMONIAL OU OFENDEU OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE. MERO DISSABOR. AFASTAMENTO DO DANO MORAL. PEDIDO DE APLICAÇÃO EXCLUSIVA DA TAXA SELIC. REJEIÇÃO. CIRCULAR CGJ/SC N. 345/2024. REGIME DE DIREITO INTERTEMPORAL, COM INCIDÊNCIA DO INPC E JUROS DE 1% AO MÊS ATÉ 29/08/2024, E APLICAÇÃO DO IPCA E TAXA SELIC A PARTIR DE 30/08/2024. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno interposto por instituição financeira contra decisão monocrática que conheceu e deu parcial provimento ao recurso do réu e conheceu em parte e, nesta extensão, deu provimento ao recurso da parte autora. O agravante alegou impossibilidade de julgamento monocrático, aplicação do instituto da supressio, validade da contratação, que a repetição do indébito deve ser feita na forma simples, inexistência de dano moral e que a taxa SELIC deve ser aplicada durante todo o período.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há sete questões em discussão: (i) definir se a decisão monocrática poderia ser proferida com fundamento no art. 932 do CPC; (ii) analisar a aplicação do instituto da supressio; (iii) estabelecer a responsabilidade da instituição financeira pela contratação indevida de empréstimo consignado mediante fraude; (iv) verificar se a restituição dos valores deve ser feita na forma simples; (v) analisar se os valores recebidos pela autora devem ser compensados da condenação; (vi) determinar a existência de dano moral indenizável; (vii) avaliar a aplicação da taxa Selic sem condicionantes temporais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O julgamento monocrático é cabível quando houver entendimento dominante sobre o tema. Eventual nulidade é suprida com o julgamento do Agravo Interno pelo órgão colegiado.
4. A prova da ocorrência da supressio é insuficiente, uma vez que se observa apenas uma demora da parte autora a perceber os descontos, situação que não é suficiente para fundamentar sua derrogação com base na boa-fé objetiva.
5. Cabe à instituição financeira o ônus de comprovar a regularidade da contratação e a autorização expressa do consumidor, o que não ocorreu no caso concreto.
6. A ausência de prova inequívoca da anuência do consumidor torna nulo o contrato e configura prática abusiva nos termos do art. 39, VI, do CDC.
7. A responsabilidade objetiva das instituições financeiras está consolidada na Súmula 479 do STJ, que dispõe sobre danos gerados por fraudes em operações bancárias.
8. A devolução em dobro dos valores indevidos é prevista pelo CDC, não sendo necessária a comprovação de má-fé.
9. O pedido de compensação foi determinado na sentença, não havendo interesse recursal neste ponto.
10. Adota-se como razões de decidir excerto do voto divergente lançado pelo Desembargador Edir Josias Silveira Beck nos autos da Apelação Cível n. 5053917-51.2021.8.24.0038, no que diz respeito ao afastamento da condenação por dano moral. Na hipótese, a par de o percentual de desconto da renda da autora não comprometer a sua subsistência, tem-se que a situação não passa de mero dissabor capaz de justificar o pleito compensatório.
11. Com a entrada em vigor da Lei 14.905/2024, as atualizações monetárias e juros de mora devem observar o seguinte marco temporal: (i) até 29/08/2024, correção monetária pelo INPC e juros de 1% ao mês; e (ii) a partir de 30/08/2024, correção monetária pelo IPCA e juros de mora unificados pela Taxa Selic, deduzido o IPCA, conforme previsto nos arts. 389 e 406 do Código Civil.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, parcialmente provido, a fim de conhecer em parte e, nesta extensão, negar provimento ao recurso interposto pela parte autora. Distribuem-se as custas processuais em 25% para a parte autora e 75% para a parte ré. Arbitram-se os honorários advocatícios em 10% sobre o proveito econômico de cada um, sendo 7,5% em favor do procurador da parte autora, que deverá ser calculado sobre o valor da condenação, e 2,5% em favor do procurador da parte ré, calculado sobre o proveito econômico obtido (parte que a autora decaiu do pedido), com fulcro no art. 85, § 2º, c/c art. 86, caput, do CPC. Fixados os honorários recursais de 1% em favor do réu.
Tese de julgamento: 1. O relator pode proferir decisão monocrática com fundamento no art. 932, IV e V, "c", do CPC, quando houver entendimento dominante sobre o tema, sem que isso configure nulidade. 2. A demora da parte autora para perceber os descontos não é suficiente para fundamentar sua derrogação com base na boa-fé objetiva.
3. É ônus da instituição financeira comprovar a regularidade da contratação e a autorização expressa do consumidor. 4. Segundo a tese firmada no Tema Repetitivo nº 1.061 do STJ: "Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)". 5. A instituição financeira não demonstrou interesse em realizar a produção de prova pericial, mesmo considerando o estabelecido no art. 429, II, do CPC e o entendimento consolidado no tema 1061 do STJ. Assim, não se isentou da responsabilidade de comprovar a autenticidade do contrato.
6. A restituição em dobro independe da comprovação de má-fé, sendo suficiente a demonstração da irregularidade da contratação, nos moldes do art. 42, parágrafo único, do CDC. 7. A caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. Situação que, apesar de desagradável, não é capaz de gerar abalo moral in re ipsa. 8. Com a entrada em vigor da Lei 14.905/2024, até 29/08/2024, a correção monetária será pelo INPC e juros de 1% ao mês; a partir de 30/08/2024, será pelo IPCA e juros pela Taxa Selic, deduzido o IPCA.
Dispositivos Relevantes: CPC, arts. 373, II, 428, I, 429, II e 1.021. [...]
(TJSC, Apelação n. 5002158-48.2023.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-06-2025).
Logo, correta a sentença que declarou a nulidade do contrato em debate.
Dos pontos em comum dos recursos
Repetição de Indébito em Dobro
A parte ré insurge-se contra a condenação à repetição do indébito em dobro, sob o argumento de que não restou comprovada a má-fé da instituição financeira. Por sua vez, a parte autora pleiteia que ocorra a devolução em dobro durante todo o período.
O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a devolução em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor,
independe da demonstração de dolo ou culpa
, sendo suficiente a constatação de cobrança indevida em violação à boa-fé objetiva.
Nesse sentido, nos Embargos de Divergência no REsp n. 676.608/RS, de relatoria do Ministro Og Fernandes, o STJ fixou a seguinte tese:
“A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.”
Tal entendimento vem sendo reiteradamente aplicado em casos de
descontos indevidos em benefícios previdenciários
, especialmente quando não há comprovação de contratação válida ou autorização do consumidor. Como exemplo, destaca-se:
“A promoção de descontos em benefício previdenciário, a título de prestações de mútuo e sem a autorização do consumidor, viola a boa-fé objetiva e, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC, enseja a repetição do indébito em dobro.”
(STJ, AgInt no AREsp n. 1.907.091/PB, rel. Min. Raul Araújo, j. 20/03/2023)
Quanto à modulação dos efeitos estabelecida no EAREsp n. 676.608/RS, cumpre destacar que a Primeira Câmara de Direito Civil desta Corte tem adotado entendimento uniforme no sentido de que é cabível a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, independentemente do marco temporal da cobrança, desde que ausente prova de erro justificável por parte do fornecedor, em consonância com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. RECURSO DO BANCO. INSISTÊNCIA COM A IDONEIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. ASSINATURA IMPUGNADA PELA PARTE AUTORA. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA IMPRESCINDÍVEL PARA SOLUÇÃO DA LIDE. DISPENSA DA PROVA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (STJ, TEMA 1.061) QUE CONDUZ AO RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. SENTENÇA CONFIRMADA NO PONTO. 2.
PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES SOB O ARGUMENTO DE QUE NÃO HOUVE MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CASA BANCÁRIA. FORTUITO INTERNO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO (CDC, ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO).
3. PRETENSÃO AO AFASTAMENTO DO DANO MORAL. ACOLHIMENTO. TESE FIRMADA EM IRDR NO TJSC, TEMA N.º 25: NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO. DESCONTOS MENSAIS DE APROXIMADAMENTE 1,87% DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. DEPENDENTE NÃO IDOSO. AUSÊNCIA DE RESTITUIÇÃO DO CRÉDITO INDEVIDAMENTE DEPOSITADO NA CONTA. MANUTENÇÃO DA POSSE DE QUANTIA SUPERIOR AOS DESCONTOS. POTENCIAL PREJUIZO À SUBSISTÊNCIA INEXISTENTE. SILÊNCIO QUANTO A PREJUÍZO ESPECÍFICO. ABALO ANÍMICO NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SEM HONORÁRIOS RECURSAIS.
(TJSC, Apelação n. 5019901-57.2023.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gustavo Henrique Aracheski, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 08-05-2025).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AOS RECURSOS INTERPOSTOS PELAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E DEU PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO B. PAN S.A. EXAME DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. PLEITO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. PROVIDÊNCIA CONCEDIDA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. TESE DE OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL APLICÁVEL À HIPÓTESE. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. PRECEDENTES DESTA CORTE. MÉRITO. DEFENDIDA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. AUTENTICIDADE DA SUPOSTA ASSINATURA DO AUTOR NO DOCUMENTO DE AUTORIZAÇÃO DO EMPRÉSTIMO QUE NÃO FOI COMPROVADA, NOS TERMOS EXIGIDOS PELO ARTIGO 429, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA.
DEFENDIDA A INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. ADOÇÃO, NA HIPÓTESE, DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELOS DEMAIS MEMBROS DA CÂMARA E PELO VOTO DIVERGENTE PARA O AFASTAMENTO DO DANO MORAL. IRDR. TEMA 25. APLICABILIDADE. NADA OBSTANTE TRATAR-SE DE PESSOA IDOSA (74 ANOS À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO) E PARCELAS MENSAIS DESCONTADAS QUE CORRESPONDEM A 1,99% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR, TEM-SE QUE O VALOR NÃO IMPORTOU EM PREJUÍZO À SUA SUBSISTÊNCIA, TAMPOUCO COMPROMETEU A SUA ESFERA PATRIMONIAL OU OFENDEU OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE. MERO DISSABOR. DANO MORAL AFASTADO TÃO SOMENTE EM RELAÇÃO AO B. PAN S.A, PORQUANTO INEXISTENTE INSURGÊNCIA RECURSAL POR PARTE DO DA OUTRA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA (B. B. S.A.). PRECLUSÃO CONSUMATIVA. DECISÃO UNIPESSOAL MANTIDA EM RELAÇÃO AO B. B. S.A. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM DANO MORAL IMPOSTA AO AGRAVANTE.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno interposto por B. PAN S.A. contra decisão monocrática que conheceu e negou provimento aos recursos interpostos pelas instituições bancárias e deu provimento ao recurso do autor, a fim de condenar os réus à restituição em dobro dos valores descontados do benefício previdenciário, os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desconto indevido, por constituírem micro lesões decorrentes do evento danoso e fixar os danos morais, para cada um dos réus, em R$ 10.000,00. A parte agravante, aventou, em preliminar, a ocorrência da prescrição da pretensão autoral. No mérito, defendeu a regularidade contratual e que a repetição de indébito em dobro seria incabível, diante da ausência de má-fé. Argumentou, também, que não haveria fundamento para a condenação por dano moral, ante a ausência de prejuízo concreto e de que tal dano não pode ser presumido. Subsidiariamente, postulou pela redução do quantum indenizatório, caso a condenação seja mantida. Por fim, requereu a compensação dos valores.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há sete questões em discussão: (i) verificar a ocorrência de prescrição; (ii) analisar a regularidade do contrato; (iii) estabelecer se a repetição do indébito em dobro exige a comprovação de má-fé do fornecedor do serviço; (iv) determinar a existência de dano moral indenizável; (v) avaliar a adequação do quantum indenizatório; (vi) analisar o cabimento da compensação de valores.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. As pretensões de declaração de inexistência de negócio jurídico, de restituição em dobro de valores e de reparação por danos morais, fundadas em descontos indevidos sobre os proventos do autor, não estão sujeitas à decadência prevista no art. 178, da Lei Substantiva Civil, mas à prescrição delineada no art. 27, do Código de Defesa do Consumidor (típica relação de consumo), cujo termo inicial corresponde à data da última retenção questionada.
4. A instituição financeira responde objetivamente pelos danos decorrentes de fraude em empréstimo consignado, conforme a Súmula 479 do STJ, cabendo-lhe o ônus de comprovar a regularidade da contratação e a autorização expressa do consumidor, o que não ocorreu no caso concreto.
6. A repetição do indébito em dobro não exige a comprovação de má-fé subjetiva, bastando que a cobrança indevida configure violação à boa-fé objetiva, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC e da jurisprudência do STJ.
7. Afasta-se o dano moral, adotando-se, in casu, os critérios utilizados pelos demais membros da Câmara e pelo voto divergente lançado pelo Desembargador Flavio Andre Paz de Brum. Na hipótese, a par de o percentual de desconto da renda do autor não comprometer a sua subsistência, tem-se que a situação não passa de mero dissabor capaz de justificar o pleito compensatório.
8. O julgamento baseou-se na tese firmada no IRDR n. 25 do Grupo de Câmaras de Direito Civil do TJSC, que afasta a presunção de dano moral em casos de desconto indevido decorrente de contrato inexistente, mas não impede sua configuração caso demonstrado o abalo ao consumidor.
9. Relativamente aos contratos nsº 802769364 e 802769475 firmados com o B. B. S.A., tem-se que não se pode afastar o dano moral reconhecido na decisão unipessoal, porquanto não houve insurgência recursal por parte do B. B. S.A, de modo que o decisum combatido em relação ao B. B. S.A. foi atingido pela preclusão consumativa.
IV. DISPOSITIVO E TESE
11. Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, parcialmente provido para afastar a condenação em danos morais imposta tão somente em relação ao agravante.
Tese de julgamento: 1. A prescrição quinquenal expressa no art. 27 do CDC, tem como termo inicial de contagem, por se tratar de relação jurídica de trato sucessivo, a data do desconto da última parcela questionada. 2.
Instituições financeiras respondem objetivamente por fraudes em empréstimos consignados, caracterizando fortuito interno, nos termos da Súmula 479 do STJ. 3. A repetição do indébito em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, não exige a comprovação de má-fé subjetiva do fornecedor, bastando a violação à boa-fé objetiva.
4. A caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. Situação que, apesar de desagradável, não é capaz de gerar abalo moral in re ipsa. [...]
(TJSC, Apelação n. 5000136-65.2024.8.24.0085, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 10-04-2025).
Portanto, considerando o entendimento da contratação mediante fraude e ausente a prova do engano justificável, passível a condenação de restituir em dobro os valores descontados do benefício previdenciário, corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desconto indevido, por constituírem microlesões do evento danoso, aplicável até 29/8/2024, e a partir de 30/8/2024
, a correção monetária pelo IPCA e os juros de mora com base na taxa legal, que corresponde à taxa referencial Selic, deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único e art. 406, § 1º, do CC).
Compensação/devolução de valores
Sabe-se que, com a declaração de inexistência da relação jurídica e irregularidade na contratação,
os valores recebidos pelo consumidor devem ser restituídos ao réu, sob pena de enriquecimento ilícito
, vedado em nosso ordenamento jurídico.
Contudo,
não há provas dos depósitos efetuados
pela parte ré, de modo que descabe determinação de compensação em tais casos.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PROVA PERICIAL. NEGATIVA DE AUTENTICIDADE DE ASSINATURA. CONTRATAÇÃO INEXISTENTE.
PRETENSÃO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. PORTABILIDADE DE CRÉDITO. DOCUMENTO UNILATERAL DE REMESSA DE QUANTIA. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS. INDEFERIMENTO.
O deferimento da compensação entre coobrigações comuns às partes exige a demonstração da sua existência, nada impedindo a posterior discussão nas vias ordinárias. Art. 368 do CPC/2015.
(TJSC, Apelação n. 5012183-29.2021.8.24.0036, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vania Petermann, Terceira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 25-06-2024).
Assim, ausente prova do pagamento, descabe determinação de compensação de valores, pelo que razão assiste à parte autora nesse ponto.
Do recurso da parte autora
Do dano moral
A controvérsia acerca da configuração do dano moral em casos de descontos indevidos em benefício previdenciário foi dirimida pelo Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Tribunal, no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n. 5011469-46.2022.8.24.0000 (Tema 25), de relatoria do Des. Marcos Fey Probst. Na ocasião, foi fixada a seguinte tese jurídica:
“Não é presumido o dano moral quando o desconto indevido em benefício previdenciário decorrer de contrato de empréstimo consignado declarado inexistente pelo Poder Judiciário.”
Do voto condutor, extrai-se que, para o acolhimento da pretensão indenizatória, é imprescindível a demonstração de afetação concreta à dignidade da pessoa humana ou a algum dos elementos da personalidade. Exemplos disso incluem o comprometimento significativo da renda, a negativação indevida, ou o atingimento expressivo da margem consignável, desde que decorrentes de fraude manifesta e comprovada. Trata-se, portanto, de análise que deve ser realizada caso a caso, a critério do magistrado, com base nas circunstâncias específicas do processo.
Em consonância com esse entendimento, a Primeira Câmara de Direito Civil tem adotado a orientação de que o dano moral deve ser analisado
in concreto
, avaliando-se os elementos fáticos e probatórios de cada demanda, em respeito à tese firmada no Tema 25.
O dano moral, por sua natureza extrapatrimonial, exige demonstração de abalo relevante à esfera íntima da parte, como lesão à honra, imagem, liberdade, intimidade, paz interior ou integridade física e psíquica. Nos termos do artigo 186 do Código Civil,
“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
No caso concreto, embora a parte autora perceba benefício previdenciário no valor de R$ 1.045,00 (à época da contratação indevida), os descontos decorrentes da contratação posteriormente anulada corresponderam a apenas 5% de seus proventos, o que representa a quantia de R$ 52,98. Trata-se de valor reduzido, que, embora indevidamente debitado,
não comprometeu de forma significativa sua subsistência
.
Ademais, a petição inicial não apresentou elementos fáticos concretos que justificassem a compensação por danos morais. Não houve alegação ou comprovação de prejuízos efetivos à esfera íntima da parte, como negativação, constrangimento, exposição indevida ou qualquer outro abalo relevante à sua dignidade.
Assim, embora se reconheça o desconforto e os transtornos decorrentes da situação, tais circunstâncias não são, por si sós, suficientes para ensejar reparação pecuniária, por não configurarem violação grave à esfera moral da parte autora.
Corroborando esse entendimento, destacam-se precedentes da Primeira Câmara de Direito Civil, em casos análogos, nos quais se afastou a indenização por danos morais diante da ausência de comprovação de prejuízo concreto:
APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/CANCELAMENTO DE CONTRATO BANCÁRIO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS". SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DAS PARTES.
RECURSO DO RÉU. PRESCRIÇÃO. PRETENSÕES REPARATÓRIAS SUJEITAS A PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL PREVISTO NO ARTIGO 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TERMO INICIAL NA DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. PRAZO NÃO TRANSCORRIDO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA PRIMEIRA CÂMARA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. REALIZAÇÃO DA PROVA TÉCNICA. AUTENTICIDADE DA ASSINATURA AFASTADA. IRREALIDADE DE CONTRATAÇÃO A AFASTAR A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DEVIDA NA FORMA SIMPLES. MAIORIA, PORÉM, QUE COMPREENDE INCIDENTE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARTIGO 42 DA LEI CONSUMERISTA QUE NÃO PREVÊ COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ COMO CONDIÇÃO À DEVOLUÇÃO DOBRADA. CIRCUNSTÂNCIA SUBJETIVA QUE, ADEMAIS, SERIA DE QUASE IMPOSSÍVEL COMPROVAÇÃO. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AFETADO PARA JULGAMENTO DE FORÇA REPETITIVA NO TEMA 929. DOBRA MANTIDA.
APELO AUTORAL. INEXISTÊNCIA DE COMPROVADO LASTRO CONTRATUAL. PARCELAS LIMITADAS A DESCONTOS MENSAIS. DEDUÇÃO DE QUANTIA QUE, AUSENTE AFIRMAÇÃO E CONCLUSÃO EM SENTIDO INVERSO, MOSTRA-SE INCAPAZ DE CARACTERIZAR ABALO ANÍMICO PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA. PREJUÍZO AO "MÍNIMO EXISTENCIAL" QUE NÃO PODE SER PRESUMIDO, MENOS AINDA QUANDO SEQUER ASSEVERADO E DEPOSITADA QUANTIA SEMELHANTE EM CONTA. "NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO" (TEMA 25 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL). INDENIZAÇÃO DESCABIDA.
RECURSOS DESPROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 5000339-31.2024.8.24.0019, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 10-07-2025).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C CANCELAMENTO DE CONTRATO BANCÁRIO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. (ART. 932, IV E V, DO CPC C/C ART. 132, XV E XVI, DO R.I.T.J.SC). IRDR TEMA 25 DO T.J.SC. TESE DE NULIDADE DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO. DEVOLUÇÃO DA MATÉRIA AO COLEGIADO. EVENTUAL NULIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA É SUPRIDA COM O JULGAMENTO COLEGIADO DO AGRAVO INTERNO. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. MÉRITO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. JUROS DE MORA INCIDENTES DESDE O EVENTO DANOSO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. SÚMULA 54 DO STJ.
TESE DE INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. RECENTE MUDANÇA DE ENTENDIMENTO NA CÂMARA. ADOÇÃO DOS PARÂMETROS DEFINIDOS PELOS MEMBROS DO COLEGIADO. TEMA 25 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DO TJSC. APLICABILIDADE. DANO MORAL NÃO PRESUMIDO. PARCELAS MENSAIS DESCONTADAS QUE CORRESPONDEM A 1,19% DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA (72 ANOS NA ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO). TOTAL DE 30 PARCELAS DESCONTADAS. VALOR QUE NÃO IMPORTOU EM PREJUÍZO À SUA SUBSISTÊNCIA, TAMPOUCO COMPROMETEU A SUA ESFERA PATRIMONIAL OU OFENDEU OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE. VALORES DEPOSITADOS EM MONTANTE SUPERIOR AO DAS PARCELAS EFETIVAMENTE DESCONTADAS. AUSÊNCIA DE DECRÉSCIMO FINANCEIRO. MERO DISSABOR. AFASTAMENTO DO DANO MORAL.
REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Agravo Interno interposto por instituição financeira contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso da autora, a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. O agravante alegou a impossibilidade de julgamento monocrático. No mérito, sustenta a ausência de má-fé para afastar a repetição de indébito em dobro e a inexistência de dano moral. Requereu, subsidiariamente, a redução do valor. quantum compensatório e a adequação dos juros de mora a partir da data que o fixar.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há quatro questões em discussão: (i) definir se a decisão monocrática poderia ser proferida com fundamento no art. 932 do CPC; (ii) estabelecer se a repetição do indébito em dobro exige a comprovação de má-fé do fornecedor do serviço; (iii) determinar a existência de dano moral indenizável; (iv) avaliar a adequação do quantum indenizatório e do termo inicial dos juros de mora.
III. RAZÕES DE DECIDIR
1. O relator pode proferir decisão monocrática nos termos do art. 932, IV e V, "c", do CPC, quando houver entendimento consolidado em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), sem que isso configure nulidade, especialmente quando a matéria for devolvida ao órgão colegiado por meio de agravo interno.
2. A repetição do indébito em dobro não exige a comprovação de má-fé subjetiva, bastando que a cobrança indevida configure violação à boa-fé objetiva, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC e da jurisprudência do STJ.
3. A ausência de prova concreta de sofrimento psíquico, humilhação ou abalo à dignidade da parte autora afasta a configuração de dano moral, nos termos da tese firmada no IRDR n. 25 do TJSC, sendo insuficiente, para tanto, o mero desconforto decorrente de descontos em benefício previdenciário que não comprometam a subsistência do consumidor.
4. Os juros de mora, em casos de responsabilidade extracontratual, incidem desde o evento danoso, conforme entendimento consolidado pelo STJ (Súmula 54).
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Recurso conhecido e parcialmente provido, a fim de conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela autora. Distribuem-se as custas processuais em 25% para a parte autora e 75% para a parte ré. Arbitram-se os honorários advocatícios em 10% sobre o proveito econômico de cada um, sendo 7,5% em favor do procurador da parte autora, que deverá ser calculado sobre o valor da condenação, e 2,5% em favor do procurador da parte ré, calculado sobre o proveito econômico obtido (parte que a autora decaiu do pedido), com fulcro no art. 85, § 2º, c/c art. 86, caput, do CPC. Inviável o arbitramento dos honorários recursais em razão do provimento parcial do recurso.
Tese de julgamento: 1. O relator pode proferir decisão monocrática com fundamento no art. 932, IV e V, "c", do CPC, quando houver entendimento consolidado em IRDR, sem que isso configure nulidade. 2. A repetição do indébito em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, não exige a comprovação de má-fé subjetiva do fornecedor, bastando a violação à boa-fé objetiva. 3. A caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. Situação que, apesar de desagradável, não é capaz de gerar abalo moral in re ipsa. 4. Os juros de mora em indenizações decorrentes de responsabilidade extracontratual incidem desde o evento danoso, conforme a Súmula 54 do STJ.
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 932, IV e V, "c"; 942; 1.021, § 4º. CDC, arts. 14 e 42, parágrafo único.
Jurisprudência relevante: (STJ - AgRg no HC n. 769.787/TO, rel. Min. João Batista Moreira, Quinta Turma, j. 21/11/2023, DJe de 5/12/2023); (STJ - AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.419.549/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 17/4/2024);(TJSC, Apelação n. 5000309-82.2020.8.24.0068, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 03-08-2023); (TJSC, Apelação n. 5000568-89.2022.8.24.0009, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 06-09-2023); (TJSC, Apelação n. 5000862-09.2022.8.24.0053, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 31-08-2023); (TJSC, Apelação n. 5003264-62.2020.8.24.0076, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 02-05-2024); e (TJSC, Apelação n. 5007485-46.2022.8.24.0035, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 13-02-2025).
(TJSC, Apelação n. 5001171-51.2022.8.24.0046, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 10-07-2025).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS C/C DANOS MATERIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. RÉU QUE NÃO SE DESICUMBIU DO ÔNUS PROBATÓRIO PORQUE NÃO APRESENTOU A TEMPO A VIA FÍSICA DO CONTRATO. "NA HIPÓTESE EM QUE O CONSUMIDOR/AUTOR IMPUGNAR A AUTENTICIDADE DA ASSINATURA CONSTANTE EM CONTRATO BANCÁRIO JUNTADO AO PROCESSO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, CABERÁ A ESTA O ÔNUS DE PROVAR A SUA AUTENTICIDADE (CPC, ARTS. 6º, 368 E 429, II)" (RESP 1846649/MA, REL. MIN. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, J. 24-11-2021). IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO RECONHECIDA.
RECURSO DO AUTOR. NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO. (TESE Nº 25 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL). ABATIMENTOS NO VALOR DE R$ 61,25 (SESSENTA E UM REAIS E VINTE E CINCO CENTAVOS) E QUE OCORREM DESDE JUNHO DE 2021. DANO QUE NÃO É PRESUMIDO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVEM QUE OS DÉBITOS CAUSARAM EFETIVOS PREJUÍZOS À AUTORA. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS EXTRAORDINÁRIAS CAPAZES DE EVIDENCIAR QUE A SITUAÇÃO EXTRAPOLOU O EVENTUAL ABORRECIMENTO.
NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO ANTERIORMENTE ADOTADO. PRECEDENTES. DEVOLUÇÃO DOBRADA DOS VALORES SUBTRAÍDOS MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 5014975-26.2021.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 03-04-2025).
Dessa forma, a sentença recorrida não merece reparo neste ponto.
Consectários
Legais
A parte autora pugnou pela adequação dos juros de mora, requerendo que o termo inicial seja do evento danoso.
No ponto, lhe assiste razão.
Quanto ao início dos juros de mora sobre a restituição dos valores à autora, entende-se que devem incidir a partir da data de cada evento danoso, conforme a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça. Isso ocorre porque o contrato em questão foi declarado inexistente, resultando na responsabilidade extracontratual da instituição financeira.
Ademais, o art. 398 do Código Civil dispõe que
"nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou"
e, no caso, desde cada desconto indevido efetuado no benefício previdenciário.
Colhe-se da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO LIMINAR, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE DANOS IN RE IPSA. TESE FIRMADA PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DESTA CORTE NO JULGAMENTO DO IRDR N. 5011469-46.2022.8.24.0000. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE FATOS EXTRAORDINÁRIOS CAPAZES DE AFETAR A DIGNIDADE DA PARTE AUTORA. ABALO ANÍMICO NÃO COMPROVADO. REJEIÇÃO.
MODIFICAÇÃO DO TERMO INICIAL DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS INCIDENTES SOBRE OS VALORES DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ACOLHIMENTO. JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS A CONTAR DE CADA EVENTO DANOSO, ANTE A DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO. EXEGESE DO ART. 398 DO CÓDIGO CIVIL. ORIENTAÇÃO DA SÚMULA 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5028715-64.2023.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Antonio Augusto Baggio e Ubaldo, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 07-05-2025).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DE AMBAS AS PARTES. [...]
CONSECTÁRIOS LEGAIS. PRETENDIDA MODIFICAÇÃO DO MARCO INICIAL DE APLICAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS EM RELAÇÃO À RESTITUIÇÃO DE VALORES PARA A PARTIR DO ARBITRAMENTO. REJEIÇÃO. INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS DE 1% A.M. (UM POR CENTO AO MÊS) A CONTAR DO EVENTO DANOSO. INCIDÊNCIA DO ART. 398 DO CC E DA SÚMULA 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DE CADA DESEMBOLSO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 43 DO STJ. PRECEDENTES DESTA CORTE.
RECURSO DA PARTE AUTORA. DANO MORAL. INVIABILIDADE. ABALO NÃO PRESUMIDO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DESTA CORTE NO JULGAMENTO DA CAUSA-PILOTO NO IRDR N. 5011469-46.2022.8.24.0000. DESCONTOS QUE, NO CASO CONCRETO, NÃO CAUSARAM EFETIVOS PREJUÍZOS À PARTE DEMANDANTE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE A SITUAÇÃO EXPERIMENTADA PELA PARTE AUTORA ATINGIU SUA ESFERA PSÍQUICA E MORAL. CONTEXTO DOS AUTOS QUE NÃO CONFIGURA DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA REFORMADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DA PARTE AUTORA VIABILIDADE. REQUISITOS CUMULATIVOS PREENCHIDOS. MAJORAÇÃO. RECURSO DA PARTE RÉ. INVIABILIDADE. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA PARTE RÉ PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (TJSC, Apelação n. 5000476-98.2023.8.24.0002, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Eliza Maria Strapazzon, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 26-03-2025).
Desse modo, a sentença deverá ser adequada nesse ponto, a fim de modificar o termo inicial dos consectários da repetição de indébito (correção monetária e juros de mora),
os quais deverão incidir a contar
de cada desconto indevido,
por constituírem microlesões decorrentes do evento danoso. Ainda, a atualização deverá se dar com a correção monetária pelo INPC/IBGE e os juros de mora de 1% ao mês até 29/8/2024 e, após essa data, sejam atualizados
a correção monetária pelo IPCA e os juros de mora com base na taxa legal, que corresponde à taxa referencial Selic, deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único e art. 406, § 1º, do CC).
Da distribuição dos ônus sucumbenciais
Por fim, requer a parte autora a condenação integral da parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
No entanto, tal pretensão não merece acolhimento. No presente caso, a parte autora formulou três pedidos principais: (i) a declaração de inexistência do contrato, (ii) a restituição em dobro dos valores pagos e (iii) a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais. Desses, apenas o terceiro foi julgado improcedente, tendo os demais sido acolhidos pelo juízo.
Dessa forma, verifica-se que houve sucumbência recíproca, uma vez que ambas as partes obtiveram êxito parcial na demanda. A distribuição proporcional dos ônus sucumbenciais, conforme determinada na sentença, encontra respaldo no artigo 85, § 2º, combinado com o artigo 86, caput, do Código de Processo Civil, que preveem expressamente a possibilidade de repartição dos encargos processuais quando houver parcial procedência dos pedidos.
Ademais, não se pode falar em sucumbência mínima por parte da autora, pois o pedido de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00, representava parcela significativa da demanda, tanto do ponto de vista econômico quanto jurídico. A improcedência desse pedido, portanto, não pode ser considerada de pouca relevância a ponto de justificar a inversão integral dos ônus sucumbenciais.
Honorários Recursais
Por fim, passa-se à análise da incidência, ou não, da fixação da verba honorária recursal estatuída no art. 85, §§ 1º e 11, do CPC.
De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido nos autos do Recurso Especial n. 1.573.573, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, definiu-se os requisitos para o arbitramento da verba honorária prevista no § 11 do art. 85 do CPC:
(...)
2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente;
3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;
(...)
Tendo por norte tais premissas, portanto, autorizado o arbitramento dos honorários recursais em favor do procurador da parte autora, porque configurados os supramencionados pressupostos autorizadores, devendo a verba honorária ser majorada em 2% (dois por cento).
Prequestionamento: requisito satisfeito
Na baliza do entendimento sedimentado pelo STJ, conforme Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1258645, rel. Min. Marco Buzzi, j. 18-5-2017, é desnecessária a referência numérica de dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido debatida e decidida pelo Tribunal, para que se considere questionadas as matérias objeto do acórdão para fins de prequestionamento, dispensando-se os aclaratórios para tal finalidade.
Ademais:
O que é certo é que se, para a
Súmula n° 211 do Superior Tribunal de Justiça,
prequestionamento parece ser o
conteúdo
da decisão da qual se recorre, para a Súmula n° 356 do Supremo Tribunal Federal, prequestionamento pretende ser mais material impugnado (ou questionado) pelo recorrente (daí a referência aos embargos de declaração) do que, propriamente, o que foi efetivamente decidido pela decisão recorrida. Para o enunciado do Superior Tribunal de Justiça é indiferente a iniciativa do recorrente quanto à tentativa de fazer com que a instância a quo decida sobre uma questão por ele levantada. Indispensável, para ele, não a iniciativa da parte, mas o que efetivamente foi decidido e, nestas condições, está apto para ser contrastado pela Corte Superior. Se assim é, ao contrário do que usualmente se verifica no foro,
nem sempre os embargos de declaração são necessários para acesso ao Superior Tribunal de Justiça. Suficiente, para tanto, a análise do conteúdo da decisão da qual se recorre, dado objetivo e que afasta qualquer outra preocupação relativa à configuração do prequestionamento
(BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo de prequestionamento?. Revista dialética de direito processual, vol. 1. São Paulo: Dialética, 2003, p. 28-29).
Registra-se que efetuado unicamente com o fito de evidenciar a desnecessidade de oposição de embargos de declaração com fins meramente prequestionatórios, situação que caracteriza, em tese, a natureza procrastinatória dos embargos.
Parte dispositiva
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, inciso VIII, do CPC c/c art. 132, inciso XV, do RITJSC:
(i) conhece-se do recurso da parte autora e
dá-se-lhe parcial provimento
, a fim de
(a) condenar o réu a restituir em dobro os valores descontados do benefício previdenciário durante todo o período
, corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desconto indevido, por constituírem microlesões do evento danoso, aplicável até 29/8/2024, e a partir de 30/8/2024
,
a correção monetária pelo IPCA e os juros de mora com base na taxa legal, que corresponde à taxa referencial Selic, deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único e art. 406, § 1º, do CC);
(b) afastar a compensação de valores atualizada na origem; e (ii) conhece-se do recurso do réu e nega-se-lhe provimento,
majorando-se os honorários sucumbenciais em 2% sobre o valor da causa a título de honorários recursais, a teor do art. 85, § 11, do CPC, nos termos da fundamentação.
Intimem-se.
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