Processo nº 5014102-16.2025.4.04.0000
ID: 283370963
Tribunal: TRF4
Órgão: SECRETARIA DA 4a. TURMA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5014102-16.2025.4.04.0000
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROSA BEATRIZ LEAL BOEIRA
OAB/RS XXXXXX
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CARLOS MOACIR FERREIRA SILVEIRA
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5014102-16.2025.4.04.0000/RS
AGRAVADO
: NICOLAS MATHEUS DA SILVA DORNELLES
ADVOGADO(A)
: ROSA BEATRIZ LEAL BOEIRA (OAB RS017744)
ADVOGADO(A)
: CARLOS MOACIR FERREIRA SILVEIR…
Agravo de Instrumento Nº 5014102-16.2025.4.04.0000/RS
AGRAVADO
: NICOLAS MATHEUS DA SILVA DORNELLES
ADVOGADO(A)
: ROSA BEATRIZ LEAL BOEIRA (OAB RS017744)
ADVOGADO(A)
: CARLOS MOACIR FERREIRA SILVEIRA (OAB RS061132)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de
agravo
de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 5ª VF de Porto Alegre/RS, em ação de procedimento comum, que deferiu a tutela de urgência requerida na inicial e determinou a reintegração do autor ao Exército, com remuneração, até que prestado todo o atendimento médico necessário para a recuperação da capacidade laborativa civil.
A União, ora agravante, sustenta que não há a probabilidade do direito, pois, alega que no caso em análise "o autor deu sinais de sofrer de problemas psiquiátricos poucas semanas após a incorporação... ao contrário do relato trazido pela petição inicial, a moléstia não foi provocada pelo serviço militar, mas existia desde a adolescência, conforme a documentação médica juntada aos autos. Em outras palavras, a moléstia psiquiátrica era mesmo preexistente à incorporação". Aduziu que "considerando que a doença que acomete o autor preexistia à incorporação, bem como que se trata de incapacidade temporária, não mercer qualquer reparo a decisão administrativa que desincorporou o autor, mantendo-o vinculado ao Exército na condição de encostado, apenas para fins de continuar o tratamento de saúde". Requer seja atribuído efeito suspensivo ao presente agravo e, a final, seja reformada a decisão.
Relatei.
Decido.
As tutelas provisórias podem ser de urgência ou da evidência (art. 294 do CPC), encontrando-se assim definidas no diploma processual:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
Na mesma direção, a atribuição de efeito suspensivo ao
agravo
de instrumento pelo Relator depende de dois requisitos essenciais, quais sejam, relevância da fundamentação e possibilidade da decisão agravada provocar lesão grave e de difícil reparação ao agravante (CPC, art. 995, parágrafo único).
A decisão atacada foi assim proferida,
verbis
:
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de procedimento comum entre as partes supra, com pedido de tutela de urgência, para
[...] que seja determinada a imediata reintegração do Requerente ao serviço militar, na condição de adido, com o restabelecimento de sua remuneração e direitos funcionais, bem como o devido tratamento médico psiquiátrico custeado pela Administração Militar.
Relata o autor que foi incorporado ao Exército em 04/03/2024 para prestar o serviço militar obrigatório, sendo lotado no Quartel General de Administração na cidade de Porto Alegre; e que durante o período em que esteve incorporado sofreu práticas de bullying, assédio moral e agressões psicológicas por parte de colegas e superiores, situação que gerou um quadro de depressão grave.
Assim o relato acerca das agressões que teriam sido sofridas, constante da inicial:
O demandante é “gordinho” e desde o ingresso passou a sofrer bullying por parte dos superiores, fato que lhe incomodava muito.
Nos primeiros dias de caserna um superior hierárquico, perante toda tropa, disse que as “Tetas” do autor eram maiores que a da esposa dele, o que gerou um riso total de todos. Por absoluto medo de represália, o requerente sequer olhou no rosto do agressor.
A partir daí, as agressões verbais passaram a ser constantes, inclusive soldados mais velhos, como o Praça EP Fagundes que lhe chamava constantemente de “porco” perante os colegas de tropra, fazendo que com que se tornasse motivo chacota.
A perseguição era tanta, que em certa oportunidade o Cabo Messias adentrou o local onde o autor estava prestando serviço, lhe chamou para um quarto e jogou uma chave para baixo de uma cama e ordenou que ele a pegasse, após mandou que fizesse flexões como forma de punição por algo que não tinha feito.
No dia 23/04/2024, quando retornava para o alojamento o Soldado EP Fagundes, injustificadamente o abordou perante os colegas de tropa lhe chamou de “Pepa Pig” (porquinha de um desenho animado) e ordenou que ele imitasse um porco.
Afora isso, quando Nicolas encontrava o referido soldado Fagundes nas dependência do quartel, o mesmo imitava um “´porco” como forma de constrangê-lo/intimidá-lo.
Em face da sua compleição física, o demandante tinha dificuldades de acompanhar os exercícios físicos, surgindo outra forma de agressão moral, era achincalhado pelos superiores com o pejorativo “baixaria” (gíria interna dada a pessoa que não tem capacidade atingir o objetivo físico).
O demandante durante sua vida na caserna passou a se isolar dos demais como forma de proteção.
O requerente desenvolveu fobia do quartel. Tinha uma verdadeira aflição de realizar as atividades corriqueiras, por absoluto medo de errar e sofrer execração pública dos superiores.
Em razão disso, desenvolveu quadro depressivo que foi se agravando com tempo.
Refere que: (a) em 26/04/2024 necessitou de atendimento médico durante o expediente, foi medicado e encaminhado para casa, sendo que a medicação ministrada fez com que dormisse praticamente todo o final de semana; (b) em 27/04 tentou suicidar-se em casa, em razão da perseguição sofrida; (c) em 29/04, recebeu novo atendimento no quartel e foi encaminhado para atendimento psiquiátrico junto à Clínica São José, em caráter de urgência; (d) durante o período de afastamento, recebeu mensagens do Capitão Schast, requerendo que fossem identificado os militares que praticavam o "bullynig" para fins de instauração de processo administrativo; (e) em 1º/10/2024 foi-lhe informado o seu encostamento, sem remuneração, com apontamento de que estaria incapacitado para o serviço militar (incapacidade temporária "B1"), conforme Ata de Inspeção de Saúde nº 338/2024.
Conclui que as agressões sofridas lhe ocasionaram severos danos à saúde, pois desenvolveu depressão grave, havendo omissão da Administração em fornecer o suporte psicológico e psiquiátrico necessário.
Diz que atualmente se submete a tratamento psiquiátrico rígido, com uso regular de medicação para estabilizar seu quadro emocional, e em razão da negativa de tratamento médico adequado por parte do Exército, teve que arcar com os custos do tratamento por meio de plano de saúde particular de sua mãe.
Sustenta que o ato administrativo de encostamento foi realizado sem uma avaliação completa de sua situação de saúde, em procedimento que fere as garantias da ampla defesa e do contraditório, resultando em ata de inspeção de saúde não reflete a sua situação de saúde mental. Acresce que a ausência de avaliação cuidadosa e contínua ofende o princípio da razoabilidade e proporcionalidade; e que o afastamento viola o direito à saúde assegurado no art. 196 da CF/1988 e no art. 50, IV, 'e', do Estatuto dos Militares.
Sustenta nulidade do afastamento, pretendendo a sua reintegração como adido, com base no art. 108, VI, da Lei nº 6.880/1980, para que possa continuar o tratamento de saúde forma adequada e com a percepção de remuneração. Argumenta com o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, III, da CF/1988; com o princípio da proteção à saúde, com necessidade de garantir o mínimo existencial ao militar; e com o dever de assistência do Estado.
Pretende, ainda, a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, pois
[...] sofreu danos morais profundos e severos em decorrência da omissão do Estado em prestar o devido tratamento médico durante o período de afastamento, somado ao grave contexto de bullying, assédio moral e agressões sofridas durante o serviço militar. A ausência de assistência adequada por parte da Administração Militar, mesmo diante de um quadro de depressão severa, configurou uma clara violação aos direitos fundamentais do Requerente, culminando em um grave abalo psicológico, inclusive com uma tentativa de suicídio, conforme relatad
Postula a concessão de assistência judiciária gratuita e, ao final, requer:
4. Anulação do ato administrativo de afastamento do Requerente, por violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, com a consequente manutenção da sua reintegração até o julgamento final da presente ação, garantindo-lhe todos os direitos e benefícios a que faz jus, inclusive tratamento médico continuado;
5. Condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado por este juízo, em razão da negligência e omissão do Estado no cumprimento de seu dever de assistência ao Requerente, o que lhe causou grave sofrimento emocional e psíquico, em valor não inferior a R$ 50.000,00;
6. Condenação da União ao pagamento retroativo de todos os vencimentos e demais direitos pecuniários, desde a data do afastamento indevido do Requerente até a sua efetiva reintegração, devidamente corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora, conforme os ditames legais;
7. Ao final, a total procedência da presente ação, com a confirmação da tutela de urgência, assegurando-se a reintegração definitiva do Requerente ou, caso comprovada a incapacidade permanente, sua reforma nos termos do Estatuto dos Militares, em patente superior.
Na decisão do evento 5 foi determinada a livre distribuição do processo, por não haver prevenção com a ação anterior de produção antecipada de provas, distribuída sob nº 50285645220244047100.
O proesso foi novamente distribuído ao Juízo Federal desta 5ª Vara, por livre distribuição, e na decisão do evento 9 foi deferida a gratuidade de justiça e determinada a intimação do autor para manifestação nos seguintes termos:
a) informando o interesse de agir em relação ao pedido de tratamento médico, que foi garantido na desincorporação:
[...]
b) debata o direito à reintegração, à luz do disposto no art. 121 da Lei nº 6.880/1980, na redação dada pela Lei nº 13.954/2019 e das diretrizes fixadas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o ERESP nº 1.123.371:
O autor alegou no evento 12 que
O interesse de agir do Requerente está fundado na ineficiência do suporte médico fornecido durante a desincorporação e na ausência de acompanhamento adequado durante a prestação do serviço militar obrigatório, que o levou a custear o tratamento psiquiátrico por meios próprios e através do plano de saúde de sua mãe.
[...]
Dessa forma, a ausência de suporte adequado justifica a necessidade de reintegração para que o Requerente possa receber tratamento médico completo e apropriado no âmbito militar, incluindo o acompanhamento psiquiátrico custeado pela instituição, conforme previsto na legislação.
Reitera a tese de que tem direito à reintegração, considerando que foi licenciado ex officio, sem avaliação criteriosa da sua condição de saúde,
Na decisão do evento 14 foi determinada a citação da União e a realização de prova pericial, bem como a intimação do autor para emendar a inicial quanto ao valor da causa e para apresentar cópia da íntegra da sua CTPS. Ainda, foi determinada a juntada de consulta ao CNIS acerca de todos os salários de contribuição e benefícios recebidos pelo autor, o que foi cumprido no evento 18.
O autor interpôs o agravo de instgrumento nº 50440746520244040000, no qual indeferida a antecipação da tutela recursal (eventos 21 e 26).
O prazo do autor para apresentar quesitos transcorreu sem manifestação (evento 16), e a União apresentou os seus quesitos no evento 27.
A União apresentou contestação no evento 41, na qual transcreve as informações que lhe foram encaminhadas pelo Comando da 3ª Região Militar acerca da situação do autor, que foi incorporado em 1º/03/2024 e afastado em abril de 2024, não retornando mais às atividades militares por questões de saúde, e desincorporado em 19/08/2024, com encostamento para tratamento de saúde, por ter sido considerado "Incapaz B1", com possibilidade de exercer atividades laborais civis. Acresce que
[...] em razão do disposto nos arts. 109, §§ 1º e 2º, 110, § 1º, e 111, § 1º, da Lei nº 6.880/80,
o militar temporário somente terá direito à reforma nas hipóteses a seguir sintetizadas
:
1. Incapaz definitivamente apenas para o serviço militar, enquadrado nos incisos I e II do
caput
do art. 108 do Estatuto dos Militares (atividade exclusivamente finalística: ferimento ou enfermidade contraídos em campanha ou manutenção da ordem pública); ou
2. Inválido (incapaz para o serviço militar e civil), enquadrado nos incisos III a VI do
caput
do art. 108 do Estatuto dos Militares (acidente ou doença em serviço, doença especificada na Lei e acidente ou doença sem relação de causa e efeito com o serviço);
Significa dizer que,
nem mesmo na hipótese de doença ou acidente com relação de causa e efeito com o serviço há direito à reforma do militar temporário se não for constatada a invalidez, ou seja, não há amparo à pretensão da autor no contexto normativo da superveniente Lei nº 13.954/2019
.
E não se trata de simples omissão, já que o § 3º do art. 109 afirma que “
O militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do
caput
do art. 108 desta Lei,
mas não for considerado inválido
por não estar impossibilitado total e permanentemente para
qualquer atividade laboral
, pública ou privada,
será licenciado ou desincorporado na forma prevista na legislação do serviço militar
.” Em outras palavras, o militar acometido por alguma incapacidade, mas fora das hipóteses acima, que justificam a reforma, deve ser licenciado ou desincorporado por força de expressa previsão legal.
Assim, infere-se pela leitura dos dispositivos legais acima colacionados que o militar temporário,
ainda que o acidente/moléstia seja relacionado à atividade militar
(o que não se verifica no caso concreto), somente fará jus à reforma
se estiver acometido de INVALIDEZ
, ou seja, incapacidade
definitiva
para atividades militares
e civis
.
Acresce que, no caso do autor, não há incapacidade para as atividades laborais civis, conforme apontado nas atas de inspeção de saúde; e que a moléstia não foi provocada pelo serviço militar, pois já estava presente desde a adolescência.
Destaca que o autor foi licenciado com direito a tratamento médico, mediante a sua manutenção em situação de de "encostamento", nos termos do Decreto nº 57.654/1966 e da Lei nº 4.378/1964, na redação dada pela Lei nº 13.954/2019, estando assegurada a assistência médico-hospitalar necessária para restabelecimetno da sua saúde.
Quanto ao pedido de indenização em razão de danos morais, alega que a reforma e o tratamento médico às custas da União são as únicas formas de indenização cabíveis em favor de militares. Ainda que assim não fosse, argumenta que
[...] no âmbito das relações militares, o dano moral deve ser analisado com extrema cautela, não se podendo desconsiderar a própria finalidade constitucional das Forças Armadas, que tem por princípios basilares a hierarquia e a disciplina. Assim, no meio militar, as atividades naturalmente se desenvolvem de forma rigorosa e com tratamento rígido, justificando muitas vezes ordens enérgicas, que não se confundem com assédio moral ou qualquer outra variante de infração dos direitos da personalidade, capazes de comprometer ou abalar o estado psíquico ou a honra de pessoas que estão em constante preparação exatamente para as situações extremas, que podem exigir inclusive o sacrifício da própria vida.
Cada grupo social tem seu estereótipo, formando por um conjunto de peculiaridades, e estas se acomodam no contexto em que estão inseridas, desde que observem os limites impostos pela razoabilidade. Não podem, por isso, ser analisadas isoladamente ou transpostas para uma realidade diversa daquela em que habitualmente se verificam. Nesse ambiente, o dano, para ser indenizado, deverá necessariamente ser anormal, se distanciando daquele que em geral é aceito.
Ainda que se admita a existência de dano moral na relação entre o Estado e seus militares, sua configuração estaria reservada a hipóteses absolutamente excepcionais, nas quais ficasse
demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento abusivo ou ilegal por parte da Administração
.
Conclui que o autor não logrou demonstrar qualquer ilicitude ou procedimento abusivo, nem tampouco situação vexatória ou humilhação a que tenha sido submetido.
Subsidiariamente, requer que, na hipótese de procedência, seja consignado na sentença o direito de retenção dos valores correspondentes aos descontos obrigatórios previstos na MP 2.215-10/01 e na legislação fiscal,
notadamente em relação às contribuições para o plano de saúde, para a pensão militar e o Imposto de Renda Pessoa Física;
e que os honorários advocatícios sejam fixados com incidência somente sobre as parcelas vencidas até o ajuizamento da ação, acrescidas de doze vincendas.
O autor apresentou quesitos no evento 43, e no evento 45 alegou que
[...] é inverídica a informação constante no evento 1, RECEIT6, p. 2 e 7 dos autos, de que possuía quadro depressivo anterior anterior a incorporação do quadros exército brasileiro.
A atestar o acima alegado, se juntará no prazo de 10 dias documento médico do posto de saúde da sua região, o qual comprovará que ele nunca teve qualquer atendimento psiquiátrico.
Causa estranheza constar informação inverídica no laudo oficial, pois o requerente jamais afirmou ter sofrido qualquer moléstia psiquiatrica anterior a ingresso nas fileiras.
Junta documentação médica complementar, para demonstrar
a piora do quadro do demandante.
O laudo pericial foi juntado noe vento 46, com requisição dos honorários respectivos no evento 47.
Decido.
Decreto sigilo nível 1 sobre o processo, considerando a necessidade de debater sobre a questão psíquica do autor, com dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade (art. 189, III, do CPC). Anote-se.
Conforme relatado na inicial, na contestação e nas informações encaminhadas pela autoridade militar, o autor era Soldado do Efetivo Variável e ingressou no Exército Brasileiro para prestar o Serviço Militar Inicial (temporário) em 1º de março de 2024. Em abril de 2024, houve sua primeira dispensa médica; e em 19/08/2024 foi desincorporado e encostado para tratamento de saúde, em razão do parecer de "Incapaz B1" conforme Ata de Inspeção de Saúde nº 338/2024, na qual considerado apto para o exercício de atividades laborativas civis (Ficha 16 do evento 1 e Ficha 3 do evento 41):
O autor sustenta que foi licenciado indevidamente, pois estava incapacitado para as atividades militares e para o labor civil, alegando que desenvolveu
um quadro de depressão severa em decorrência do serviço militar e das agressões sofridas.
Sobre o direito à reforma do militar temporário, dispõe o seguinte os arts. 108, 109, §§ 1º e 2º, 110, § 1º, e 111, § 1º, da Lei nº 6.880/80:
Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:
I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;
II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;
III - acidente em serviço;
IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;
V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e
(Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012)
VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.
§ 1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação.
§2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à regulamentação específica de cada Força Singular.
Art. 109. O militar de carreira julgado incapaz definitivamente para a atividade militar por uma das hipóteses previstas nos incisos I, II, III, IV e V do
caput
do art. 108 desta Lei será reformado com qualquer tempo de serviço.
(Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei.
(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei se, concomitantemente, for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada.
(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 3º O militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do
caput
do art. 108 desta Lei,
mas não for considerado inválido por não estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada
, será licenciado ou desincorporado na forma prevista na legislação do serviço militar.
(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
Art. 110. O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente.
(Redação dada pela Lei nº 7.580, de 1986)
§1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
[...]
Art. 111. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes do item VI do artigo 108 será reformado:
[...]
§ 1º O militar temporário, na hipótese prevista neste artigo, só fará jus à reforma se for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral
, pública ou privada.
(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 2º Será licenciado ou desincorporado, na forma prevista na legislação pertinente, o militar temporário que não for considerado inválido.
(Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
À análise da tutela, adoto as balizas utilizadas pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 19.995.556/PE, julgado em 25/04/2023, fazendo a distinção daquelas adotadas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o EREsp 1123371/RS, em julgado que é anterior à vigência da Lei 13.954/2019:
DIREITO ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE, DOENÇA OU MOLÉSTIA SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO COM A ATIVIDADE CASTRENSE. ART. 108, VI, DA LEI N. 6.880/1980. REINTEGRAÇÃO. ADVENTO DA LEI N. 13.954/2019. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DOS MILITARES. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO SUCESSIVO. CONDIÇÃO REBUS SIC STANTIBUS. INCIDÊNCIA DA NORMA DE DIREITO INTERTEMPORAL. POSSIBILIDADE DE LICENCIAMENTO CONDICIONADO AO ENCOSTAMENTO DO MILITAR .
[...]
IX - Previsto no art. 94 como forma de exclusão do serviço ativo, o licenciamento ex officio do militar temporário ocorre quando há a conclusão do tempo de serviço, conveniência do serviço ou a bem da disciplina (art. 121, § 3º, da Lei n. 6.880/1980), consistindo em ato discricionário da Administração Militar, havendo expressa previsão de que o militar licenciado não tem direito a nenhuma remuneração (art 121, § 4º).
X - De acordo com o que foi firmado pelas instâncias inferiores, a moléstia que acometeu o militar não possui relação de causa e efeito com o serviço castrense, incidindo, portanto, no inciso VI do art. 108. Uma vez que estabelecida essa premissa, parte-se para a análise do art. 111, que trata do militar julgado definitivamente incapaz por uma das razões elencadas no inciso VI. De pronto, afasta-se a possibilidade de reforma do militar, uma vez que a doença acometida não o tornou inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, público ou privado. Assim, aplica-se o disposto no § 2º do art. 111, que determina o licenciamento do militar temporário que não for considerado inválido.
XI -
Logo, é de se constatar que o novel estatuto permite o licenciamento do militar temporário, mesmo que acometido por acidente ou doença sem relação de causalidade com a atividade castrense. Contudo, a legislação não desampara aquele que, inserido na situação descrita, é efetivamente licenciado das Forças Armadas. O militar temporário licenciado classificado como incapaz para o exercício de atividades militares, mas apto para a prática de trabalho privado, deve ser colocado em encostamento, a fim de que receba tratamento médico adequado até a sua integral recuperação.
Ressalta-se, contudo, que a sua condição de encostado não dá ensejo ao recebimento de soldo. E isso se mostra compatível com a função social da norma, tendo em vista que a incapacidade laboral é apenas parcial, restrita às atividades desenvolvidas no âmbito castrense, que se sabe possuir especificidades e exigências próprias, sendo a parte capaz de auferir renda por meio de trabalho exercido na iniciativa privada.
XII - Necessário fazer um distinguishing do que decidido pela Corte Especial no julgamento do EResp n. 1.123.371/RS, relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, tendo em vista que as considerações ali apostas sobre as restrições que haveria para o licenciamento de militar temporário foram tomadas antes das modificações trazidas pela Lei n. 13.945/2019.
XIII - Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (REsp n. 1.997.556/PE, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 27/4/2023.) (grifei)
Conforme documentação anexada com a contestação do evento 41, o autor passou por três inspeções de saúde, e nas duas primeiras, realizadas quando o autor ainda estava vinculado ao Exército, foi indicado parecer de Incapaz B1 e a possibilidade de exercer trabalho civil:
(a) Ficha de Registro de Dados de Inspeção nº 165/2024, datada de
26/07/2024
(Ata 6 e 15 do evento 41), com referência ao seguinte histórico, diagnóstico e parecer:
HDA: Inspecionado vem ao posto médico do QG realizar VCL com período de atraso, devido ao estado de calamidade pelas enchentes no estado. Paciente recebeu dispensa domiciliar de 8 dias no dia 29 de abril de 2024 pois na noite anterior havia tentado tirar a própria vida com cortes de gilette em ambos os braços. Foi encaminhado ao HMAPA no atendimento do dia 29 e posteriormente encaminhado para atendimento psiquiatrico na clínica São José onde teve atendimento com especialista, onde lhe foi prescrito tratamento com Lítio e Quetiapina. Retornou ao posto médico para avaliação no dia 11/06/24 onde foi solicitado a publicação de solicitação de VCL para realização da atual inspeção, bem como encaminhado para avaliação psiquiatrica. Mãe refere que o levou ao psiquiatra do seu plano de saúde onde foi alterado suas medicações para Revoc e Donaren em consulta do dia 17/06/2024 e ainda não teve nenhum laudo pois, segundo a mãe do inspecionado, a psiquiatra solicitou retorno em 1 mês para que se pudesse estabeler um CID. Além disso está realizando acompanhamento com psicóloga 1x por semana, já na sexta sessão. Refere acreditar que está sendo proveitoso e de grande auxílio para seu tratamento. Inspecionado refere que desde a mudança de medicações diminuiu o número de crises de ansiedade, bem como sente maior animo para realizar atividades. Atualmente em quadro relativamente estável, sem novos episódios de tentativas de titrar a própria vida
[...]
DIAGNÓSTICOS:
F43.0-Reação aguda ao "stress" / CID-10.
PARECER:
Incapaz B1.
Necessita de 45 dias de afastamento total do serviço e instrução para realizar seu tratamento, a contar de 21-05-2024.
OBSERVAÇÃO:
1. A incapacidade está enquadrada no inciso VI do Art. 108 da Lei nº 6.880, de 09 Dez 1980.
2. O parecer "Incapaz B1" significa que o(a) inspecionado(a) encontra-se incapaz temporariamente, podendo ser recuperado a curto prazo (até um ano).
3. Parecer exarado de acordo com o previsto no nr 2) do caput do art 52 do Regulamento da Lei do Serviço Militar(RLSM), Decreto-Lei nr 57.654, de 20 de janeiro de 1966.
4. Pode exercer atividades laborativas civis.
(b) Ficha de Registro de Dados de Inspeção nº 338/2024, datada de
02/07/2024
(Ata 5 e 14 do evento 41), com referência ao seguinte histórico, diagnóstico e parecer:
HDA: Inspecionado com 19 anos, praça de 04 MAR 24. Refere história de dispensa desde do dia 29 de abril de 2024, tendo em vista que na noite anterior havia tentado tirar a própria vida com cortes de gilette em ambos os braços. Foi encaminhado ao HMAPA no atendimento do dia 29 e posteriormente encaminhado para atendimento psiquiátrico na clínica São José onde teve atendimento com especialista, onde lhe foi prescrito tratamento com Lítio e Quetiapina. Relata ter sofrido bullyng por soldados e cabo na OM. Refere estar realizando tratamento psicoterápico uma vez por semana e avaliações psiquiátricas mensais. Em uso de Lítio 300 mg, Quetiapina 25 mg, Revoc e Donaren. Inspecionado refere episódio de ideação suicida na semana passada, contornado com avaliação psiquiátrica. Atualmente, sem ideais suicidas, referindo cansaço / anedonia. Traz atestado médico de 29 ABR 24.
[...]
SUMÁRIO DE LAUDOS ESPECIALIZADOS
[...] DATA: 29-04-2024, DESCRIÇÃO: Histórico de ansiedade social iniciado há 1 mês com pior há 2 semanas. Nega ideação suicida, tentativa de suicídio, pensamento de morte ou planejamento. Nega alterações de sensopercepção. Sugiro manter acompanhamento em regime ambulatorial. F43.0" (CLÍNICA SÃO JOSÉ)
[...]
DIAGNÓSTICOS: F43-Reações ao "stress" grave e transtornos de adaptação / CID-10
PARECER:
Incapaz B1.
Necessita de 45 dias de afastamento total do serviço e instrução para realizar seu tratamento, em prorrogação.
OBSERVAÇÃO:
1. A incapacidade está enquadrada no inciso VI do Art. 108 da Lei nº 6.880, de 09 Dez 1980.
2. O parecer "Incapaz B1" significa que o(a) inspecionado(a) encontra-se incapaz temporariamente, podendo ser recuperado a curto prazo (até um ano).
3. Pode exercer atividades laborativas civis.
4. Parecer exarado de acordo com o previsto no nr 2) do caput do art 52 do Regulamento da Lei do Serviço Militar(RLSM), Decreto-Lei nr 57.654, de 20 de janeiro de 1966
(c) Ficha de Registro de Dados de Inspeção nº 353/2024, datada de
27/11/2024
(Ata 4 e 13 do evento 41), posterior ao desligamento do autor, com referência ao seguinte histórico, diagnóstico e parecer:
HDA: Inspecionado vem ao posto médico do QG realizar Tratamento ou Avaliação de Tratamento de Ex-militares. Refere seguir com uso de medicações prescritas pelo psiquiatra (Revoc e Donarem). Refere última consulta com psiquiatra 13/11/24 onde foi adicionado medicação que não soube referir. Atualmente em quadro relativamente estável, tem saído com amigos (recentemente foi a uma festa de 15 anos) e está fazendo lives de jogos, sem novos episódios de tentativas de titrar a própria vida, nega pensamentos de homo ou heteroagressão. Aguarda retorno com psiquiatra marcado para 13/12/24.
[...]
DIAGNÓSTICOS: F43.0-Reação aguda ao "stress" / CID-10:
PARECER: Necessita manter o tratamento por 90 dias.
OBSERVAÇÃO: Observações: necessita manter uso de medicações e retornar com especialista em consulta agendada
Na ficha de entrevista preenchida pelo autor por ocasião do ingresso no serviço militar, datada de 30/01/2024, não consta referência a problemas neurológicos, psíquicos ou mentais prévios, nem tampouco a realização de tratamento psicológico anterior (ficha 7 do evento 41).
Ainda, com a inicial foram apresentados os seguintes documentos médicos:
(a) encaminhamento do autor para avaliação com psiquiatra militar, datado de
29/04/2024
, com indicação de urgência e o seguinte relato acerca do histórico do paciente (receituario 6 do evento 1, fl. 1):
(b) atestado datado de
29/04/2024
, fornecido por médico vinculado à Clínica São José, referindo CID F 43.0 (reação aguda ao estresse) e os seguintes apontamentos (receituário 6 do evento 1, fl. 02):
(d) prescrições de medicações de uso controlado (hemifumarato de quetiapina e carbonato de lítio, maleato de fluvoxamina), datadas de junho e outubro de 2024, e solicitação de encaminhamento para especialidade de psiquiatria, com menção a tratar-se de
paciente com historico de estresse pós traumatico com historia de tentativa de suicídio
(receituário 7 e 8 do evento 1)
;
(e) atestado médico datado de
23/10/2024
(atestado 11 do evento 1), referindo que o autor está em acompanhamento psiquiátrico,
em investigação diagnostica CID10 F43.1 + F41.2, no momento em uso de fluvoxamina 100mg/dia com consultas regulares mensais e no momento sem melhora completa dos sintomas e devido a isso apresenta prejuizo em exercer de maneira satisfatória as atividades.
Por fim, no evento 45 foram acostadas pelo autor receitas médicas e "plano terapêutico" fornecidos por médico psiquiatra do exército, com prescrição de uso de cinco fármacos e data de 11/04/2025 indicada em duas das receitas.
O laudo pericial elaborado nos autos corrobora a alegação do autor de que está impedido de exercer atividades laborais civis, com possibilidade de recuperação "em breve" conforme resposta ao quesito 6, ''b', conforme excertos do laudo a seguir transcritos:
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA SOB O PRISMA PSIQUIÁTRICO
CID 10 – F32.9: Episódio Depressivo não especificado.
VIII- CONCLUSÕES PSIQUIÁTRICO-PERICIAIS
As conclusões foram embasadas segundo metodologia descrita no item I, deste laudo.
A história clínica de advento de sintomatologia da esfera depressiva, caracterizada por humor deprimido, anedonia, adinamia, pensamentos com conteúdo de desesperança e de suicídio, perfazem a hipótese diagnóstica de episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos. Trata-se de moléstia adquirida, causa desconhecida, associado a tendências genético-hereditárias e fatores ambientais estressores, que pode cursar como um episódio único com resolução após algum tempo, ou com períodos de agudização e melhora, caracterizando um curso crônico. Quando sintomático, ocorrem rebaixamento do humor, redução do interesse, prazer, pensamentos de desesperança e ruína, alterações de sono e apetite, podendo haver ideação suicida com ou sem sintomas psicóticos. O tratamento se dá com psicoterapia e psicofármacos. Parte dos pacientes evolui bem havendo controle dos sintomas e retorno à vida normal. Parte dos pacientes evolui com cronicidade, com manutenção de prejuízos psicossociais a médio ou longo prazo.
No caso em tela, no momento, o periciado se encontra significativamente sintomático, o que determina incapacidade laborativa para atividades civis e militares.
QUESITOS DO JUÍZO
a) Qual a CID da enfermidade que acomete o autor? CID 10 F32.9, episódio depressivo não especificado.
b) Se caracterizada a incapacidade, esta se refere somente às atividades militares, ou se estende às demais atividades da vida civil?
No momento, está incapaz para atividades civis e militares.
c) Se parcial a incapacidade, arrole o(a) Sr(a). Perito(a) as atividades laborais que o autor estaria habilitado a exercer. Prejudicado.
d) Há relação de causa e efeito entre o serviço militar e a doença que supostamente acomete o autor?
Segundo a história clínica e demais elementos presentes para análise, o serviço militar colaborou para o desencadeamento da doença.
e) É possível precisar em que momento a alegada incapacidade do autor eclodiu?
Desde 29/04/2024.
f) É possível afirmar que a doença pré-existia à incorporação? Não é possível afirmar que a doença pré-existia à incorporação.
g) A incapacidade do autor pode ser considerada temporária ou permanente?
No momento, a incapacidade laborativa é definitiva para atividades militares e temporária para atividades civis.
h) Há necessidade de tratamento médico para melhora na condição de saúde? Sim.
i) A enfermidade pode ser curada? Em caso positivo, em quanto tempo?
Em psiquiatria não se fala em cura, porém o episódio depressivo atual pode ter melhora e resolução total futuramente, em especial com tratamento psiquiátrico e psicoterápico adequados, podendo estar sujeito a recidivas.
QUESITOS DA PARTE AUTORA
1. Considerando que o Requerente se encontrava apto quando ingressou no serviço militar, informe o Sr. Perito se os incidentes de bullying físico, verbal e psicológico podem ter contribuído como concausa ao desencadeamento de crise de ansiedade?
Segundo a história clínica e demais elementos presentes para análise, o serviço militar colaborou para o desencadeamento da doença.
2. Considerando que o Requerente está em tratamento psicológico e medicamentoso, e sentindo-se bem para retornar às atividades laborais, informe o Sr. Perito quais seriam as limitações para o exercício do serviço militar?
No momento, e em caráter definitivo, o periciado não está apto ao serviço militar.
QUESITOS DA UNIÃO
1. O Autor é portador de alguma enfermidade? Em caso positivo, qual o diagnóstico atual da(s) patologia(s) que o acomete(m) e qual o(s) código(s) internacional(is) da(s) doença(s) (CID)? Descreva, o expert, o quadro clínico da enfermidade (sintomatologia, crises, evolução, estágio atual, etc).
Sim, o periciado é portador de episódio depressivo não especificado, CID 10 F32.9, no estágio atual com sintomas moderados, tendo apresentado preteritamente sintomas que oscilaram ao longo do tempo entre graves, moderados e leves.
[...]
3. Diga o Perito se a(s) patologia(s) declinada(s) encontra(m)-se em fase evolutiva (descompensada) ou estabilizada (residual). Explicar os dois conceitos.
O quadro clínico atual está descompensado (sintomático, com sintomas ativos). No momento, o quadro não está estabilizado (assintomático). 4. É possível estabelecer um diagnóstico preciso no caso do autor com apenas uma única entrevista? Sim.
5. Em casos como do autor, de moléstias psiquiátricas, é possível que haja simulação de doença ou exacerbação do relato dos sintomas por parte do periciado?
Sim.
6. Responda o Sr. Perito se o Autor é incapaz:
a) Para atividades laborais militares? Desde quando? De forma temporária ou definitiva? Por quê?
Sim, desde 29/04/2024, de forma definitiva, uma vez que a história clínica indica vulnerabilidade psíquica para o Serviço Militar, com alto risco de agravamento.
b) Para atividades laborais da vida civil? Desde quando? De forma temporária ou definitiva? Por quê?
Sim, desde 29/04/2024, de forma temporária, uma vez que poderá obter melhora sintomática em breve
, podendo desempenhar atividades laborativas adequadas para seu perfil psicológico.
[...]
Se houve resposta positiva a alguma das questões acima, explique o Sr. Perito no que consiste a incapacidade e o motivo pelo qual ela causa inviabilidade laboral. As respostas às questões acima basearam-se na avaliação médica, documentos ou, tão somente, nas referências do demandante?
Os sintomas de sua moléstia determinam redução significativa das capacidades de iniciativa/proposição/planejamento/perseveração, além da atenção/foco/concentração, da capacidade sustentada de resolução de problemas, além da socialização.
19. Uma vez submetido a tratamento médico adequado o autor estará apto para trabalhar em alguma atividade laborativa? Em caso negativo, por qual motivo que entende que não? Justifique de forma fundamentada.
O periciado mantém boas chances de recuperar, futuramente, a capacidade laborativa para atividades profissionais em âmbito civil. (grifei)
Assim, a situação do autor enquadra-se no inciso VI do art. 108 da Lei nº 6.880/1980, fazendo jus portanto à reintegração, nos termos do art. 109, §2º, da Lei nº 6.880/1980, enquanto perdurar a situação de incapacidade para o labor civil constada no laudo pericial do evento 46.
No sentido do exposto:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. REMESSA OFICIAL. MILITAR. TEMPORÁRIO. REINTEGRAÇÃO. REFORMA. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI 13.954/2019. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARA O LABOR CIVIL. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Ao julgar recentemente o Recurso Especial 1.997.556, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que, independentemente da época em que tenha ocorrido o fato causador da moléstia, ou mesmo o agravamento, para resolução da lide, considera-se as alterações trazidas pela Lei 13.954/19, as quais modificaram a Lei 6.880/80. 2. É de ver-se que o militar temporário somente fará jus à reforma se encontrar-se inválido para qualquer atividade laboral (art. 108, III, c/c art. 111, § 1º, da Lei nº 13.954/2019). 3. A parte autora, ante a existência de incapacidade temporária para as atividades civis, não estando inválida ou definitivamente incapacitada, possui direito à manutenção do vínculo com o Exército na qualidade de encostado. 4. Ausente conduta ilícita ou falta de serviço por parte da administração, incabível a condenação por danos morais. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF4, ApRemNec 5012967-08.2022.4.04.7102, 3ª Turma, Relator para Acórdão RODRIGO KOEHLER RIBEIRO, julgado em 15/04/2025)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. MILITAR TEMPORÁRIO. REINTEGRAÇÃO. ADIDO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LEI 13.954/2019. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR E TEMPORÁRIA PARA ATIVIDADES LABORAIS CIVIS. LICENCIAMENTO INDEVIDO. 1. As alterações na legislação militar promovidas pela Lei nº 13.954/2019 permitem à Administração Militar que promova, discricionariamente, o licenciamento ou desincorporação de militares temporários, ainda que: a) estejam na condição de incapacidade definitiva, exceto se enquadrados nas hipóteses dos incisos I ou II do art. 108 da Lei 6.880/80 ou sejam considerados inválidos (art. 109, § 3º, da Lei 6.880/80); b) estejam na condição de incapacidade temporária, salvo se a incapacidade temporária se originar das hipóteses dos incisos I ou II do art. 108 da Lei 6.880/80 ou se o militar estiver temporariamente impossibilitado de exercer qualquer atividade laboral, pública ou privada (art. 31, §§ 6º, 7º e 8º, da Lei nº 4375/1964). 2. Ou seja, se o militar temporário encontrar-se temporariamente impossibilitado de exercer qualquer atividade laboral, pública ou privada (art. 31, §7º, da Lei nº 4.375/64), deverá ser reintegrado ao serviço militar, na condição de adido à organização militar para todos os efeitos (remuneração, tratamento de saúde etc.), nos termos dos artigos 82 (inciso I), 82-A, 83 e 84, todos da Lei nº 6.880/80, até o restabelecimento de sua capacidade laboral, ainda que parcial. 3. No caso em exame, a perícia judicial apontou que há incapacidade total, sendo definitiva para o labor castrense e temporária para a atividade laboral civil, com previsão de melhora em 24 meses. 4. Nesse contexto, tem-se que quando de seu licenciamento encontrava-se o autor com invalidez total e temporária, de modo que há direito à reintegração na condição de adido, com percepção de soldo e tratamento médico, a contar da data do licenciamento indevido. 5. O pleito de indenização por danos morais não prospera, na medida em que não restou comprovado que houve tratamento humilhante ou degradante em relação ao autor, e tampouco a atuação maliciosa da Administração Militar. O simples fato de ter procedido de forma inadequada, ao excluí-lo das Forças Armadas, não constitui, de per si, suporte fático para a reparação civil pretendida. 6. Apelo e recurso adesivo improvidos. (TRF4, AC 5006111-19.2022.4.04.7105, 4ª Turma, Relator para Acórdão MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, julgado em 09/04/2025)
Ante o exposto,
defiro a tutela de urgência
requerida na inicial e determino a reintegração do autor ao Exército, com remuneração, até que prestado todo o atendimento médico necessário para a recuperação da capacidade laborativa civil.
Intime-se a União, com urgência, devendo comprovar a reinclusão do autor em folha de pagamento, no prazo de dez dias úteis a contar da intimação do presente despacho.
Deverá a União, ainda, manifestar-se, querendo, sobre o laudo pericial, e informar se foi instaurada sindicância na via administrativa, face ao ao mencionado à fl. 06 da inicial:
Dias após o afastamento, o demandante recebeu mensagem pelo aplicativo whatsapp do Capitão Schast (massagem e áudios em anexo), no sentido de que ele identificasse os militares que cometeram o bullying contra ele. E afirmou que seria instaurado procedimento para apurar responsabilidades.
Intime-se o autor para réplica e especificação de provas, e para que:
(a) atenda à determinação de emenda à inicial do evento 14 quanto ao valor da causa e apresentação de cópia da sua CTPS;
(b) apresente o laudo médico datado de 09/12/2024 apresentado ao perito médico por ocasião da realização da entrevista, mencionado no laudo do evento 46;
(c) apresente o atestado de médico vinculado ao posto de saúde, mencionado no evento 45
("o qual comprovará que ele nunca teve qualquer atendimento psiquiátrico")
.
Entendo que a decisão combatida foi extremamente atenta às peculiaridades do caso e fez uma análise minuciosa que deve ser mantida, ao menos até o julgamento deste recurso pelo Colegiado.
Já tendo havido perícia no processo de origem, concluindo o perito que a moléstia que acomete o autor é causa incapacitante para as atividades civis e militares, estas de forma definitiva e aquelas de forma temporária, correta a conclusão da decisão que está embasada em precedentes desta Corte.
Os §§ 6º, 7º e 8º do art. 31 da Lei nº 4375/1964, incluídos pela Lei nº 13.954/2019, dispõem que os militares temporários licenciados ou desincorporados que estejam na condição de incapacidade temporária para o serviço militar deverão ser postos na condição de encostados sem percepção de remuneração,
salvo
se ostentarem a condição de incapazes temporariamente em decorrência das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 108 da Lei 6.880/80, ou que estejam temporariamente impossibilitados de exercer qualquer atividade laboral, pública ou privada.
Ou seja,
se o militar temporário encontrar-se temporariamente impossibilitado de exercer qualquer atividade laboral, pública ou privada (art. 31, §7º, da Lei nº 4.375/64), deverá ser reintegrado ao serviço militar, na condição de adido à organização militar para todos os efeitos (remuneração, tratamento de saúde etc.), nos termos dos artigos 82 (inciso I), 82-A, 83 e 84, todos da Lei nº 6.880/80, até o restabelecimento de sua capacidade laboral, ainda que parcial
.
Assim, em que pese as alegações da União, de que na verdade a incorporação da parte autora deveria ter sido anulada tendo em vista tratar-se de doença preexistente, entendo que, por cautela, deve ser mantido na condição de adido
à
organização militar para todos os efeitos, até a prolação da sentença.
Ante o exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo.
Intimem-se, sendo a parte agravada para contrarrazões.
Após, venham para julgamento pelo Colegiado.
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