Estado Do Ceara e outros x Maria Nascimento Dos Santos
ID: 307910787
Tribunal: TJCE
Órgão: 5º Gabinete da 1ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 3002296-88.2023.8.06.0035
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADOR JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA Processo nº: 3002296-88.2023.8.06.0035 Apelante: Município de Aracati Apelado(a): Maria …
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADOR JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA Processo nº: 3002296-88.2023.8.06.0035 Apelante: Município de Aracati Apelado(a): Maria Nascimento dos Santos DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de apelação cível interposta pelo Município de Aracati, contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracati, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela Provisória de Urgência, proposta por Maria Nascimento dos Santos, ora apelada, em desfavor do recorrente e do Estado do Ceará, pela qual julgou procedente o pleito autoral (ID 20835880). Nas razões recursais (ID 20835884), o apelante, após breve relato do processado, argumenta que a Constituição, ao tratar da saúde, fez uma clara opção pela perspectiva coletiva desse direito, e não pela perspectiva individualista. Aduz que a autora pretende, ao requerer o benefício pleiteado, ter um tratamento privilegiado, ofensivo à Constituição Federal, à custa de recursos públicos que deveriam ser direcionados para uma política de saúde igualitária e preventiva, pois não caberia ao Estado a tarefa de custear dispendiosos tratamentos individualizados, como o do caso concreto. Alega que o atendimento do pleito autoral, em verdade, malferiria o princípio da igualdade, constante do artigo 5° da Constituição Federal e a própria essência de seu artigo 196. Sustenta a ausência de provas da impossibilidade econômica da parte autora, a observância da responsabilidade solidária dos entes públicos para promoção da saúde, bem como de repartição de competências, e, ainda, a limitação de orçamento e de recursos materiais no âmbito do Município. Defende a possibilidade do fornecimento do tratamento requestado se dar por outro ente federativo que possui melhores condições de cumprimento, acrescentando que eventual competência do Município não prescinde da cooperação técnica e financeira da União e do Estado, devendo recair sobre este último, até mesmo direta e exclusivamente, a execução do serviço, ante a existência de previsão legal, maior disponibilidade de recursos e a limitação de orçamento e de recursos materiais no âmbito do Município. Por fim, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para, reformando a sentença recorrida, julgar totalmente improcedente o pedido autoral. Subsidiariamente, caso se decida pela procedência do pedido da parte autora, pugna pela fixação de medidas de cautela a serem adotadas, para que não se corra o risco de que a dieta e insumos continuem sendo fornecidos sem necessidade, bem como requer que sejam afastados ou minorados os honorários em favor da Defensoria Pública. Em sede de contrarrazões (ID 20835890), a parte recorrida rebate os argumentos da Municipalidade, requerendo, ao final, a confirmação da sentença prolatada pelo juízo a quo em sua integralidade, inclusive no que concerne à condenação em honorários advocatícios. Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação, mantendo-se inalterada a decisão de primeiro grau (ID 22890320). É o relatório, no essencial. Passo a decidir. Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso apelatório. E, pelo que se depreende dos autos, o cerne da questão devolvida à apreciação desta instância superior, versa sobre a obrigação imputada ao Município de Aracati (apelante), de fornecer, em solidariedade com o Estado do Ceará, à parte autora/apelada, "dieta enteral, insumos diversos e equipamentos", conforme indicação médica e nutricional. Pois bem. Inicialmente, importa consignar, que apesar da submissão dos feitos ao colegiado ser a regra de julgamento nos Tribunais, em observância aos princípios da celeridade e economia processual, é facultado ao relator proferir decisões monocraticamente, quando a matéria versada for objeto de reiterados julgamentos na Corte de Justiça, conforme exegese do art. 926 do CPC c/c a Súmula 568 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõem, respectivamente: Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Súmula 568: O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. Nesse sentido, considerando que a questão de fundo já foi objeto de reiterados julgamentos deste egrégio Tribunal de Justiça, inclusive objeto a Súmula nº 45, é de rigor a manutenção da decisão de primeiro grau, quanto ao mérito, por seus próprios fundamentos, pelas razões que, em seguida, passo a demonstrar. Como é de conhecimento, o direito à saúde é um dos bens jurídicos mais importantes protegidos pelo ordenamento jurídico vigente, porquanto não há interesse maior no Estado Democrático de Direito do que a vida de seus cidadãos, estando acima de qualquer outro interesse público. Nesse sentido, a Constituição Federal garante o direito fundamental à saúde e à vida, como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, sendo dever do ente público, nas três esferas, assegurar o acesso ao tratamento médico que se fizer necessário ao restabelecimento e promoção desses direitos. Confira-se: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito. Como visto, trata-se o direito fundamental à saúde (art. 196) de uma norma programática, sendo garantia a sua aplicação imediata (art. 5º, § 1º), de forma que qualquer dos entes públicos (União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) devem conferir a máxima efetividade desse direito (art. 23, inc. II). Tratando da matéria, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 855178 - RG/SE, em sede de repercussão geral, firmou o entendimento no sentido de que tratamentos médicos adequados aos necessitados se inserem no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados, podendo o polo passivo de ações pleiteando prestações à satisfação do direito à saúde ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. Veja-se: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (STF - RE 855178 RG, Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) (grifei) Desse modo, não basta que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito, é essencial que, para além da simples declaração constitucional, seja ele integralmente respeitado e garantido. No caso sob análise, conforme alegado na inicial e documentação anexada aos autos (ID 20835844), a parte autora possui diagnóstico de sequela de acidente vascular cerebral (CID10:I25.9), encontrava-se acamada, restrita ao leito, internada no Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara, aguardando dieta e insumos domiciliares para a desospitalização, e, em decorrência de sua enfermidade, carece de terceiros para cuidados básicos de higiene, alimentação e vida cível, alimentando-se por via enteral fórmula, precisando, por conta disso, em caráter de urgência, de terapia nutricional específica, sob risco de desnutrição, bem como de óbito, além de equipamentos específicos para seus cuidados. Por outro lado, a hipossuficiência da paciente/autora é presumível pelos elementos que constam dos autos, tanto que é assistido pela Defensoria Pública, conforme declaração de hipossuficiência anexada aos autos (ID 20835843), sendo certo que não possui condições financeiras para custear a aquisição da "dieta enteral, insumos diversos e equipamentos" de que necessita. Nesse contexto, diante da comprovação da necessidade de "dieta enteral, insumos diversos e equipamentos", indispensáveis à manutenção da saúde da paciente/autora, diante do quadro da doença grave que a acomete, incumbe tal providência à Municipalidade e ao Estado do Ceará, como integrantes do Sistema Único de Saúde e, nesta condição, têm o dever de prover, àqueles que necessitam, todo o suporte necessário para o tratamento médico. Esse entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência deste TJCE, inclusive nas três Câmaras de Direito Público, conforme se extrai dos julgados a seguir transcritos, quanto do exame de casos análogos: EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À VIDA E A SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA DOS ARTS. 5º, 6°, 23, 196 E 197 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PACIENTE COM NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO MÉDICO ESPECIALIZADO, MATERIAIS PARA CUIDADOS DOMICILIARES E SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO DE HIDROLÂNDIA. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1.A Constituição Federal, em seus arts. 5º, 6°, 23, 196 e 197, garante o direito fundamental à saúde e à vida, como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º), sendo dever do ente público, nas três esferas, assegurar o acesso ao tratamento médico que se fizer necessário ao restabelecimento e promoção desses direitos. 2.Na hipótese, comprovada a necessidade de acompanhamento médico especializado para a criança, além de materiais para cuidados domiciliares e suplementação alimentar, é dever e responsabilidade do Município de Hidrolândia providencia-los, conforme recomendação médica, considerando a importância da proteção à vida e à saúde. 3.Reexame necessário conhecido e desprovido. Sentença ratificada. (TJCE - Remessa Necessária Cível - 0004252-84.2016.8.06.0085, Rel. Desembargador(a) JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA, 1ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 16/05/2022, data da publicação: 16/05/2022) (grifei) EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE MUNICIPAL. REJEIÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. TEMA 793 DO STF. NO MÉRITO, FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO DISPONIBILIZADO PELO SUS. TEMA REPETITIVO 106 DO STJ. ATENDIMENTO DAS CONDIÇÕES CUMULATIVAS. REMESSA OBRIGATÓRIA E APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDAS E DESPROVIDAS. SENTENÇA PRESERVADA. 1. Trata-se de reexame necessário e de recurso apelatório, este interposto contra sentença que julgou procedente o pleito autoral, determinado ao Estado do Ceará e ao Município de Limoeiro do Norte que forneçam ao autor o medicamento Rivaroxabana (Xarelto) pelo tempo necessário ao seu tratamento de saúde, desde que apresente renovação semestral da sua prescrição médica. 2. DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. 2.2. A Constituição Federal atribuiu a competência comum dos Entes Federativos para a promoção e efetivação do direito à saúde (artigo 23, inciso II). Precedente do STF. (Tema 793). 2.3. Preliminar rejeitada. 3. DO MÉRITO. 3.1. O Superior Tribunal de Justiça fixou requisitos necessários à concessão de medicamentos não incorporado ao SUS (Tema 106), os quais, conforme se infere dos autos, foram devidamente comprovados pela parte autora: i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito e iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 4. Assim, observa-se que a decisão sub examine prestigiou a ordem constitucional, tendo conferido a devida tutela ao direito fundamental à saúde e à dignidade da pessoa humana. 5. Remessa Necessária e Apelação Cível conhecidas e desprovidas. Sentença Preservada. (TJCE - Apelação / Remessa Necessária - 0021000-96.2019.8.06.0115, Rel. Desembargador(a) LUIZ EVALDO GONÇALVES LEITE, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 09/03/2022, data da publicação: 09/03/2022) (grifei) CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INSUMOS (FRALDAS). LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. DEVER DO PODER PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 6º E 196 DA CF/88. RESPONSABILIDADE ESTRUTURADA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - ART. 18 DA LEI N° 8.080/90. DIREITO A SAÚDE. TEMAS 793 E 1.234 STF. APLICAÇÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL AFASTADA. VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO DA ISONOMIA. NÃO OCORRÊNCIA. FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS DE MARCA ESPECÍFICA. IMPOSSIBILIDADE DE ESPECIFICAÇÃO DE MARCA COMERCIAL DO PRODUTO A SER ADQUIRIDO. IMPRESCINDIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA. PRECEDENTES DESTA CORTE. REFORMA EX OFFICIO - NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO RELATÓRIO E PRESCRIÇÃO DOS PROFISSIONAIS QUE ASSISTEM O REPRESENTADO. ENUNCIADO Nº 02 DO CNJ. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do apelo para dar-lhe parcial provimento e, ex oficio, retificar a sentença quanto a necessidade da renovação periódica da prescrição dos profissionais que assistem o menor representado, nos termos do voto do relator. (TJCE - Apelação Cível - 0203126-84.2023.8.06.0112, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO LUCIANO LIMA RODRIGUES, 3ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 29/07/2024, data da publicação: 29/07/2024) (grifei) Ainda sobre o tema, esta e. Corte de Justiça editou, inclusive, a Súmula nº 45, consolidando o entendimento jurisprudencial, a qual assim dispõe: Súmula nº 45/TJCE: "Ao Poder Público compete fornecer a pacientes tratamento ou medicamento registrado no órgão de vigilância sanitária competente, não disponibilizado no sistema de saúde." Oportuno ressaltar, ademais, que a concessão da "dieta enteral, insumos diversos e equipamentos", no caso, tem por objetivo o atendimento à situação peculiar e urgente, não havendo que se falar em violação ao princípio da isonomia, por se tratar de garantia do direito básico e fundamental à saúde e proteção à dignidade humana, fazendo-se cumprir o mandamento constitucional. Desse modo, sendo a saúde um direito fundamental, com assento constitucional e detém absoluta prioridade, consoante dispõe o art. 196, cabe ao Poder Judiciário efetivá-la caso o "Estado", interpretado em sentido amplo, não tenha sido capaz de providenciar sua aplicação de maneira adequada e em tempo hábil, afinal "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, inc. XXXV, CF/88), razão pela qual não há que se falar em insuficiência financeira e/ou ausência de previsão orçamentária e, nem tampouco, violação ao princípio da separação de poderes. Nesse sentido: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO CEARÁ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTE QUÍMICO. OBRIGAÇÃO DO ENTE PÚBLICO. DIREITO À SAÚDE E À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto contra a decisão do Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Aracati/CE que, nos autos da Ação de Internação Compulsória com pedido de tutela provisória de urgência de natureza antecipada (proc. nº 0800027-31.2022.8.06.0035), deferiu a tutela de urgência para determinar ao Estado do Ceará, ora agravante, a internação compulsória de Antônio Francisco Torres da Silva em unidade hospitalar adequada ao seu quadro clínico, observando-se as exigências da Lei n° 10.216/2001, no prazo máximo de 05 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais), limitada inicialmente ao montante de R$ 9.000,00 (nove mil reais). 2. Inicialmente, não deve prosperar a alegação preliminar de ilegitimidade passiva do Estado do Ceará, posto que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, de maneira que quaisquer dessas entidades possuem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo em demandas que objetivem a garantia do acesso a tratamento médico para pessoas carentes de recursos financeiros. Assim, em feitos deste jaez, a parte interessada pode ingressar com ação em desfavor da União, Estado, Município, conjuntamente, ou contra um ente isoladamente, porquanto a saúde pública é de responsabilidade solidária dos entes federados, conforme estabelecem os artigos 23, II, e 196 da Constituição Federal. 3. Em análise dos documentos contidos nos autos, observa-se que o órgão ministerial comprovou, através da Notícia de Fato n° 02.2022.00041451-0 e seus documentos (fls. 08/60), a necessidade da internação compulsória de Antônio Francisco Torres da Silva. Isso porque resta evidenciado que o requerido, atualmente com 49 (quarenta e nove) anos de idade, é usuário de drogas, com episódios de agressividade e constantes surtos psicóticos (CID 10 F10, F12), não fazendo uso das medicações prescritas, sem prosseguimento às diversas tentativas de tratamento no CAPS AD, pondo em risco a si e ao seu núcleo familiar, haja vista o quadro clínico de alcoolismo e dependência química. Ademais, os Relatórios de fls. 11/12 e 46/47, o Laudo Médico às fls. 57/58 e o despacho de fl. 59, evidenciam o exaurimento das medidas pertinentes no âmbito extrajudicial, sendo necessária a judicialização para internação compulsória do paciente. Por sua vez, o Laudo Médico acima mencionado (fls. 57/58), demonstra que o paciente se encontra inquieto, agitado, agressivo, com pensamentos perturbados e desorganizados, além da má adesão aos medicamentos, evidenciado o risco para si e para terceiros, consignando, ao final, a necessidade de internação. 4. O Estado, ao se negar a proteger a realizar a internação compulsória nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, vulnera a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e atenta à dignidade humana e à vida. 5. O acesso à saúde é direito fundamental e as políticas públicas que o concretizam devem gerar proteção suficiente ao direito garantido, sendo passíveis de revisão judicial, sem que isso implique ofensa aos princípios da reserva do possível e da separação dos poderes. 6. A necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas públicas é regra dirigida essencialmente ao Estado-administrador, não ao Estado-juiz, que pode deixar de observar o preceito para concretizar uma outra norma constitucional, através da ponderação de valores, não ocorrendo qualquer violação ao princípio da separação de poderes. 7. A manutenção da tutela concedida em primeiro grau é medida que se impõe, por estar evidenciada a probabilidade do direito e o perigo de dano que a demora do processo pode acarretar ao estado de saúde de Antônio Francisco Torres da Silva, porquanto seria temerário ao Judiciário retardar a prestação jurisdicional quando dele se exige prudência necessária para dar efetividade à sua função. 8. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. (TJCE - Agravo de Instrumento - 0624123-68.2023.8.06.0000, Rel. Desembargador(a) MARIA IRANEIDE MOURA SILVA, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 18/10/2023, data da publicação: 18/10/2023) (grifei) EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À SAÚDE (ART. 6º DA CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E INSUMOS REGISTRADOS NA ANVISA, MAS NÃO DISPONIBILIZADOS NO ÂMBITO DO SUS. PACIENTE HIPOSSUFICIENTE E PORTADOR DE DIABETES TIPO 1 (CID E10). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. RE Nº 855.178/SE (TEMA 793). INCLUSÃO DA UNIÃO E DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DOS AUTOS NA JURISDIÇÃO ESTADUAL. ENTENDIMENTO DO STJ NO IAC Nº 14. LIMINAR DA SUPREMA CORTE NO RE Nº 1.366.243/SC (TEMA 1.234). INOCORRÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INAPLICABILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. REEXAME OFICIAL E RECURSO CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 855.178/SE (Tema nº 793 da Repercussão Geral), ratificou o entendimento acerca da solidariedade dos entes públicos nas obrigações de saúde e firmou a seguinte tese: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro" (Tribunal Pleno, Rel. Min Luiz Fux, Redator do acórdão Min. Edson Fachin, Dje 16.4.2020). 2. Ademais, cumpre observar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento definitivo do IAC nº 14, publicado em 18/04/2023, firmou entendimento no sentido de que nas ações consistentes na dispensação de medicamentos não inseridos nas políticas públicas de saúde, mas registrados na ANVISA, deve prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar, devendo as regras de repartição de competências administrativas do SUS serem invocadas pelos magistrados tão somente para fins de redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente. 3. Além disso, no âmbito do RE nº 1.366.243/SC (Tema nº 1.234 da Repercussão Geral), foi proferida decisão liminar, referendada pelo Plenário do STF, na Sessão Virtual Extraordinária de 18/04/2023, determinando que as demandas relativas a concessão de medicamentos não incorporados no âmbito do SUS devem ser processadas e julgadas pelo Juízo (estadual ou federal) ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo. 4. Acerca da afronta a separação dos poderes, sabe-se que dentre as funções institucionais do Poder Judiciário, não se inclui a atribuição de formular e de implementar políticas públicas. No entanto, as sobreditas incumbências, em situações excepcionais, poderão ser submetidas ao referido Poder, desde que os entes públicos competentes, por sua conduta omissiva, vierem a comprometer a eficácia dos direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal. Outrossim, o fornecimento de medicamentos/insumos alimentares prescritos por especialistas, não colide com os princípios da impessoalidade e da isonomia, por não se trata aqui de privilégio individual em detrimento da coletividade. 5. Não se olvida a prevalência da teoria da reserva do possível, sob a ótica da razoável pretensão do autor, que não se está exigindo qualquer prestação descabida do ente político, mas tão somente o custeio do seu tratamento de saúde, pessoa que é desprovida de recursos financeiros para tanto, com vista a garantia de direito mínimo e inarredável da Constituição. 6. Outrossim, não há violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que a referida lei não proíbe o fornecimento de medicamentos às pessoas carentes, sendo certo que o Estado, ao cumprir decisão judicial, não violará qualquer de seus mandamentos, mormente porque o interesse individual de proteção à vida e a dignidade da pessoa humana é que se mostra público, indisponível, e não pode ser embargado por qualquer norma material ou formal. 7. Reexame Necessário e Recurso de Apelação conhecidos e desprovidos. Sentença mantida. (TJCE - Apelação / Remessa Necessária - 0011350-58.2015.8.06.0117, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO GLADYSON PONTES, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 01/11/2023, data da publicação: 01/11/2023) (grifei) EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TUTELA DO DIREITO À SAÚDE. RECURSO APELATÓRIO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PACIENTE PORTADOR DE NEUROBLASTOMA CID-10 C47.9. PEDIDO DE FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO NUTRICIONAL ESPECÍFICA. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO ACOLHIMENTO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERADOS. MÉRITO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA DE FERIMENTO. TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. INAPLICABILIDADE AO CASO. REMESSA NÃO CONHECIDA POR FORÇA DO ART. 496 DO CPC/2015. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de reexame necessário, bem como de apelação cível interposta pelo Município de Caucaia em face da sentença que, nos autos da ação civil pública, julgou procedente o pleito autoral. 2. REEXAME NECESSÁRIO 2.1.Impõe-se o não conhecimento da Remessa Necessária determinada na sentença, em virtude da interposição do recurso apelatório pelo Município de Caucaia, eis que dispensado o reexame oficial quando houver inconformismo agitado pela Fazenda Pública, conforme dispõe o art. 496, §1º do CPC/2015. 3. DO RECURSO DE APELAÇÃO 3.1. DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA 3.1.1. Aduz o recorrente que o fornecimento dos fármacos pleiteados deve ser realizado de acordo com a estrutura hierarquizada do SUS, devendo o município ser responsabilizado apenas pela assistência de atenção básica à saúde. Entende, assim, que não é parte legítima para compor o polo passivo da lide. 3.1.2. No entanto, a Constituição Federal, em seu art. 23, inciso II, estabelece a competência concorrente da União, Estados e Municípios quanto à saúde e assistência pública, razão pela qual a responsabilidade, entre os integrantes do sistema, é solidária. Dessa forma, poderá a parte buscar assistência em qualquer dos entes, sendo dever de cada um deles suprir eventual impossibilidade de fornecimento do outro, uma vez que se trata de dever constitucional, conjunto e solidário. 3.1.3. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, reconheceu como solidária a responsabilidade dos Entes da Federação no que concerne ao fornecimento de tratamento médico adequado aos necessitados (Tema nº 793). 3.1.4. Preliminar rejeitada. 4. DO MÉRITO 4.1. Compulsando os autos, verifica-se que o favorecido desta ação civil pública é portador de neuroblastoma CID-10 C47.9, necessitando utilizar 3 (três) latas de Fortini Complete de 400g/mês, a fim de evitar risco nutricional, conforme laudo médico acostado aos autos. 4.2. Frise-se que somente deve ser acolhida tal argumentação se o Poder Público demonstrar, categoricamente, que a decisão causará mais danos do que vantagens à efetivação dos direitos fundamentais, o que, em última análise, implica uma ponderação, com base na proporcionalidade, dos interesses em tela. Ocorre que, na espécie, não houve demonstração do hipotético dano. Cumpre assentar, em mais, que o postulado da reserva do possível não pode se sobrepor aos direitos fundamentais, de forma que o conflito de interesses deve ser solucionado pela ponderação dos bens jurídicos em disputa, optando-se pela providência que mais se amolda ao caso 4.3. Ademais, não há o que se falar em violação ao princípio da Separação dos Poderes, uma vez que a preservação da vida e saúde do demandante justifica a situação excepcional de atuação do Poder Judiciário para garantir a proteção à dignidade humana, fazendo cumprir o mandamento constitucional. 5. Remessa necessária não conhecida. Apelação conhecida e desprovida. (TJCE - Apelação Cível - 0800082-89.2022.8.06.0064, Rel. Desembargador(a) LUIZ EVALDO GONÇALVES LEITE, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 18/10/2023, data da publicação: 18/10/2023) (grifei) No mais, a efetivação do direito à saúde como consectário natural do direito à vida, privilegia a Dignidade Humana (art. 1º, inc. III, CF/88), bem fundamental maior protegido pela Constituição Federal, o qual se sobrepõe, inclusive, ao princípio da Reserva do Possível, e, ainda, por tratar-se de situação especial e urgente, como ocorre na hipótese, não há que se falar em violação ao Princípio da Isonomia, nem tampouco da não interferência do Poder Judiciário na atuação da Administração Pública. Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO SEM LACTOSE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO PODER PÚBLICO. CF/88 ART. 1º, III; ARTS. 5º, 6º, 196. ECA ARTS. 4º E 11. RESERVA DO POSSÍVEL. SÚMULA Nº 45 TJ-CE. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, de maneira que quaisquer dessas entidades possuem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetive a garantia do acesso a medicamentos ou ao fornecimento de alimentação especial para pessoas desprovidas de recursos financeiros, razão pela qual cabe ao credor impetrante escolher contra qual ente público deseja litigar. 2. A teor do art. 23, II, da Carta Magna é competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Município zelar pela saúde pública e, consequentemente, pelo fornecimento de alimentação especial e medicamentos necessários, sendo solidária a responsabilidade entre os entes da federação. 3. O direito à saúde tem assento constitucional no direito à vida e na dignidade da pessoa humana, detendo absoluta prioridade e ostentando categoria de direito fundamental, devendo os entes da federação instituir políticas públicas para a promoção, proteção e recuperação da saúde da pessoa natural, incumbindo ao Judiciário determinar o cumprimento das prestações contidas nas políticas públicas que garantam acesso universal e igualitário aos serviços criados para atender ao dever do Estado. CF/88 art. 1º, III; arts. 5º, 6º, 196. 4. O Poder Público costumeiramente ampara-se na tese da necessidade de previsão orçamentária como um limite à atuação do Estado para a efetivação de direitos sociais, a chamada reserva do possível. Ocorre em demandas desse jaez, aparente colisão/antinomia de princípios/direitos, quais sejam, o direito à vida dos pacientes de um lado e, do outro, a separação de poderes e a reserva do possível no aspecto limitação orçamentária do Poder Público, devendo o Judicante ponderar sua hermenêutica, assegurando o direito fundamental à vida. 5. São prioritários os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, conforme os arts. 227 da CF e 4º do ECA, devendo o direito à efetiva saúde sobrepor-se a eventual embaraço orçamentário apregoado pelo Estado, sob pena de afronta à ordem constitucional. 6. A responsabilidade do Poder Público em fornecer medicamentos ou tratamentos médicos necessários, não disponíveis na rede pública, para assegurar o direito à saúde, foi firmada neste e. Tribunal de Justiça pela recente súmula nº 45. 7. No tocante a alegação do ente público municipal quanto a medicação pleiteada não constar na lista básica do SUS, esta não merece prosperar. Haja vista que a Suprema Corte e esta Egrégia Corte de Justiça entendem que a entrega de medicamentos, insumos/alimentação não constantes na lista básica do SUS não ocasiona a rejeição do pedido, tendo em vista que a escolha do fármaco e do melhor tratamento cabe ao médico da paciente. 8. Diante do exposto, CONHEÇO da Apelação, mas para lhe NEGAR PROVIMENTO. (TJCE - Apelação Cível - 0009331-83.2016.8.06.0169, Rel. Desembargador(a) MARIA IRANEIDE MOURA SILVA, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 15/03/2023, data da publicação: 15/03/2023) (grifei) EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL. CIRURGIA. MALFORMAÇÃO CONGÊNITA DA GENITÁLIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. COMPROVAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO PODER PÚBLICO. RESERVA DO POSSÍVEL. DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. LIMINAR RATIFICADA. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Na espécie, o impetrante, menor impúbere (8 anos), necessita obter tratamento médico cirúrgico, qual seja: é portador de HIPOSPADIA, que é a principal malformação congênita da genitália, caracterizando-se pela presença de uma uretra que não chega até a glande ou cabeça do pênis, sendo mais curta e se abrindo na parte de baixo do mesmo, encontrando-se o orifício da uretra no escroto, considerada pela literatura médica a mais grave; e a CRIPTORQUIDIA, acontece quando a bolsa dos testículos não desce para o escroto, sendo a do impetrante unilateral, situada do lado direito, e caso não seja corrigida tal anomalia por meio de cirurgia, ocasionará diminuição da fertilidade, além de surgir ortite, espécie de infecção do testículo; 2. Destarte, sabe-se que, o direito à saúde, como consectário natural do direito à vida, tem assento constitucional e detém absoluta prioridade, consoante dispõe o art. 196, ostentando categoria de direito fundamental, assistindo-o a todas as pessoas, conforme estabelece o art. 6º da Magna Carta, representando consequência constitucional da dignidade da pessoa humada, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, art. 1º, III, da CF, de maneira que, quando da concessão da segurança em demandas desse jaez, inexiste malferição aos princípios da separação de poderes, isonomia e da reserva do possível, garantindo o Judiciário, a bem da verdade, a proteção inviolável do direito à vida e à saúde; 3. Precedentes do STF, do STJ e desta Corte; 4. Liminar ratificada. Segurança concedida. (TJCE, MS 0628503-18.2015.8.06.0000, Relator(a): MARIA IRANEIDE MOURA SILVA, Segunda Câmara Cível, DJe: 25/02/2016) (grifei) Oportuno consignar, outrossim, que o ente Municipal que suportou o ônus financeiro decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde ao paciente/autor, poderá pleitear, por vias próprias, o ressarcimento perante o ente público que julgue deter a atribuição do fornecimento do insumo objeto da demanda. O artigo 35, inc. VII, da Lei nº 8.080/90, inclusive prevê a compensação de gastos entre os gestores do SUS. Relativamente aos honorários de sucumbência, verifica-se que nenhum reparo merece a decisão de primeiro grau, porquanto fixados por apreciação equitativa em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 85, § 8º, do CPC, haja vista tratar-se de causa de valor que não se pode estimar, envolvendo direito à vida e/ou à saúde, constitucionalmente garantido e inserido no conceito de mínimo existencial, bem como atender à razoabilidade, proporcionalidade e os incisos do art. 85, §2°, do CPC, e, ainda, está em conformidade com os precedentes desta Corte Estadual em casos análogos. Por fim, verifico a necessidade de acréscimo pontual no julgado a quo, porquanto não observado o teor do Enunciado n° 2 da "I Jornada de Direito da Saúde do CNJ", pelas razões demonstradas a seguir. Como é de conhecimento, o Conselho Nacional de Justiça, com o intuito de prevenir o uso inadequado de recursos públicos e assegurar que os insumos sejam providenciados para atender às demandas da população, determinou, por meio do Enunciado nº 02 da "I Jornada de Direito da Saúde" do CNJ, a apresentação de um "relatório e prescrição médicos", dentro de um prazo considerado razoável, esclarecendo a necessidade desse fornecimento, nos seguintes termos: Enunciado nº 02 do CNJ - Concedidas medidas judiciais de prestação continuativa, em tutela provisória ou definitiva, é necessária a renovação periódica do relatório e prescrição médicos a serem apresentados preferencialmente ao executor da medida, no prazo legal ou naquele fixado pelo julgador como razoável, considerada a natureza da enfermidade, de acordo com a legislação sanitária, sob pena de perda de eficácia da medida. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde 18.03.2019). (grifei) Nesse mesmo sentido, dispõe a recente Recomendação nº 146/2023, também do Conselho Nacional de Justiça, que trata acerca de estratégias para o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública, a qual, em seus arts. 6º e 7º, § 1º, dispõe sobre a apresentação periódica de receita médica nos casos em que a prestação se traduza no fornecimento de medicamentos, insumos ou tratamento, a seguir: Art. 6º Nas ações que tenham por objeto o fornecimento de medicamentos, insumos e tratamentos de saúde, será privilegiada a tutela específica, consistente no cumprimento in natura da prestação, mediante fornecimento administrativo ou entrega intermediada pelo juízo. Art. 7º A forma de aquisição, o local e o procedimento de entrega dos produtos e medicamentos serão definidos pelo ente público responsável pelo cumprimento. § 1º Nas dispensações contínuas, recomenda-se que a decisão determine à parte autora do processo que apresente periodicamente receita médica atualizada, indicando a necessidade e a indispensabilidade do tratamento, diretamente ao ente responsável pelo cumprimento ou ao ente responsável pela dispensação. (grifei) Na hipótese, o Município de Aracati e o Estado do Ceará, foram condenados ao fornecimento de "dieta enteral, insumos diversos e equipamentos", conforme indicação médica e nutricional anexados aos autos, para tratamento contínuo e por tempo indeterminado, não havendo qualquer menção, na sentença, quanto à atualização da prescrição médica e parecer nutricional para a continuidade do cumprimento da obrigação. Desse modo, para fins de adequação ao Enunciado nº 02 do CNJ, considerando a idade da autora e a natureza de suas enfermidades, mostra-se indispensável a apresentação de prescrição médica e do parecer nutricional, semestralmente, para a continuidade de fornecimento dos insumos por parte dos entes públicos, devendo, portanto, a sentença apelada ser reformada nessa parte. Corroborando com esse entendimento, transcrevo julgados oriundos da jurisprudência desta e. Corte de Justiça, inclusive das três Câmaras de Direito Público, quando da análise de casos similares: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS E DIETA/INSUMOS PARA PACIENTE IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO LAUDO MÉDICO E NUTRICIONAL. POSSIBILIDADE. ENUNCIADO Nº 2 DA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE. VALOR DA MULTA EM CONSONÂNCIA COM A RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. SENTENÇA QUE FIXA A VERBA HONORÁRIA COM BASE NO VALOR DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. TEMA Nº 1076 DO STJ. EQUIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA DE OFÍCIO. 1 - O cerne da controvérsia recursal cinge-se em apreciar a necessidade de reforma da sentença, para determinar a apresentação de Laudo Médico e de Parecer Nutricional semestralmente e, ainda, a exorbitância do valor da multa aplicada. 2 - A sentença merece ser reformada em parte, uma vez que foi imposta obrigação por tempo indeterminado, a depender das necessidades autorais, sem condicionar o fornecimento das fraldas geriátricas e insumos à apresentação de laudo médico periódico comprobatório da persistência da necessidade de disponibilização, o que pode gerar um desperdício de verbas públicas com a aquisição de materiais desnecessários. […]. (TJCE - APELAÇÃO CÍVEL - 30013308320238060049, Relator(a): INACIO DE ALENCAR CORTEZ NETO, 1ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 13/11/2024) (grifei) EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE INSUMOS. RENOVAÇÃO PERIÓDICA DA PRESCRIÇÃO MÉDICA. NECESSIDADE. ENUNCIADO Nº 02 E RECOMENDAÇÃO Nº 146/2023 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. MINORAÇÃO DAS ASTREINTES. ADEQUAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Trata-se de Apelação Cível (ID nº 7972149) interposta pelo Município de Beberibe em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Beberibe, a qual julgou procedentes os pedidos da demanda, confirmando a liminar anteriormente deferida (ID 7971886), nos seguintes termos, in verbis: "Ante o exposto, DEFIRO a liminar pretendida e, via de consequência, determino ao Município de Beberibe que providencie, gratuitamente, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da intimação da presente decisão, LUVAS - 3 caixas; GAZE - 2 pacotes; CATETER URETRAL Nº 8 - 180 und; XILOCAÍNA 2% - 3 tubos; OXIBUTININA 5MG (medicação para os rins) - 45 cápsulas e FRALDAS DESCARTÁVEIS (XXG) - 150 und, por mês, para tratamento contínuo ininterrupto e por tempo indeterminado. " 2. O cerne da controvérsia cinge-se em analisar necessidade de atualização do laudo médico para a continuidade do cumprimento por parte do Município recorrente da obrigação estabelecida na sentença recorrida. 3. É sabido que, com o intuito de prevenir o uso inadequado de recursos públicos e assegurar que os insumos sejam providenciados para atender às demandas da população, o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Enunciado nº 02, determinou a apresentação de um relatório dentro de um prazo considerado razoável, elucidando a necessidade desse fornecimento, assim como, por meio da Recomendação n.º 146/2023, reafirmou a a importância da apresentação periódica de receita médica nos casos de em que a prestação se traduza no fornecimento de medicamentos, insumos ou tratamento. 4. In casu, o Município de Beberibe foi condenado ao fornecimento de medicamentos especificados na decisão para tratamento contínuo e por tempo indeterminado, não havendo qualquer menção, no entanto, à atualização da prescrição médica para a continuidade do cumprimento da obrigação. 5. Portanto, para adequação ao enunciado do CNJ acima transcrito, entendo ser indispensável a apresentação de parecer médico semestralmente para a continuidade de fornecimento dos insumos descritos por parte do ente municipal. […]. (TJCE - APELAÇÃO CÍVEL - 02010329520228060049, Relator(a): MARIA NAILDE PINHEIRO NOGUEIRA, 2ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 15/02/2024) (grifei) EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA AVOCADA. SENTENÇA ILÍQUIDA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIR O PROVEITO ECONÔMICO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS. SAÚDE. DEVER DO PODER PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 6º E 196 DA CF/88. HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADA. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DA PRESCRIÇÃO MÉDICA. […]. APELAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CAUCAIA CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. […]. 9. Há de ser realizado, ainda, acréscimo pontual à decisão objeto de recurso de ofício, pois, tendo sido concedida medida judicial de prestação continuativa, é imprescindível que o jurisdicionado promova a renovação periódica da prescrição médica, a fim de comprovar a permanência da necessidade da prestação determinada, conforme Enunciado n° 2 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ. […]. (TJCE - APELAÇÃO CÍVEL - 02046994420228060064, Relator(a): JORIZA MAGALHAES PINHEIRO, 3ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 29/05/2023) (grifei) DIANTE DO EXPOSTO, conheço da apelação interposta para dar-lhe parcial provimento, reformando a decisão de primeiro grau consoante antes demonstrado, mantendo a sentença impugnada nos demais capítulos. Publique-se e intimem-se. Expedientes necessários. Decorrido o prazo recursal, sem manifestação, proceda-se a devida baixa no acervo processual deste gabinete. Fortaleza, 24 de junho de 2025. DES. JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA Relator 19
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