Processo nº 1004248-08.2024.4.01.3000
ID: 296186726
Tribunal: TRF1
Órgão: 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1004248-08.2024.4.01.3000
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Advogados:
BRUNO SENA E SILVA
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Acre 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1004248-08.2024.4.01.3000 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIV…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Acre 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1004248-08.2024.4.01.3000 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: JULIANA LIMA RODRIGUES POLO PASSIVO:INSTITUTO FEDERAL DE EDUCACAO, CIENCIA E TECNOLOGIA DO ACRE e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: BRUNO SENA E SILVA - CE30649 SENTENÇA I JULIANA LIMA RODRIGUES ajuizou ação pelo procedimento comum em face do INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO ACRE – IFAC e do INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, CULTURAL E ASSISTENCIAL NACIONAL – IDECAN objetivando em sede de tutela de urgência, a inclusão do seu nome na lista de ampla concorrência e na lista de candidatos autodeclarados negros (pretos ou pardos) referentes ao concurso público regido pelo Edital n. 02/2023-IFAC de 27 de novembro de 2023. No mérito, requer a confirmação da tutela de urgência e a declaração de nulidade da decisão da banca examinadora que autodeclaração como candidata negra. Requer, ainda, os benefícios da assistência judiciária gratuita. Narra que prestou o concurso público regido pelo Edital IFAC n. 02/2023, concorrendo ao cargo de Técnico-Administrativo em Educação nas vagas reservadas às pessoas negras. Relata que após passar por procedimento de heteroidentificação, o qual visava aferir a veracidade da sua autodeclaração como pessoa negra, foi desclassificada do concurso, sem que a banca examinadora apresentasse qualquer justificativa, apenas publicando o resultado com a descrição “autodeclaração recusada”. Afirma que recorreu da referida decisão, todavia seu recurso sequer foi analisado e, até a propositura da ação, ainda constava como “aguardando deferimento”. Ressalta que a despeito da referida situação, foi publicado o resultado final do concurso, do qual seu nome foi excluído não apenas da lista de candidatos negros como também da lista de ampla concorrência. Quanto ao teor de sua autodeclaração, argumenta que a decisão da banca foi equivocada e que sempre se reconheceu como pessoa parda, já que possui características fenotípicas desse grupo racial, ressaltando a cor/tom da sua pele, assim como os lábios, cor dos olhos e do cabelo. Também sustenta que foi bolsista do Prouni e FIES na condição de estudante negra e, havendo dúvidas acerca da identidade étnico-racial do candidato, deve ser dada prevalência ao critério da autodeclaração. Juntou documentos. Foi proferida decisão (ID n. 2128967914) indeferindo o pedido de tutela de urgência e deferindo o pedido de assistência judiciária gratuita. A parte autora requereu a reconsideração da decisão (ID n. 2131053612) a fim de que fosse determinada a suspensão do seu ato de eliminação e sua consequente classificação na lista de ampla concorrência. Juntou novos documentos. Em nova decisão (ID n. 2132222249) foi mantido o indeferimento da tutela de urgência e determinou-se às partes requeridas que esclarecessem o motivo da exclusão da parte autora da lista de candidatos classificáveis do certame. O IDECAN apresentou contestação (ID 2134457100), arguindo a impossibilidade jurídica de intervenção do Poder Judiciário no mérito administrativo e defendendo a vinculação das partes ao edital, bem como a legalidade do procedimento de heteroidentificação. Também sustentou que a atuação da banca foi objetiva e que a pretensão da autora seria uma dilatação da via recursal. O IFAC apresentou contestação (ID n. 2138081304) reiterando os argumentos do IDECAN. Ademais, enfatizou que o edital prevê a presunção relativa de veracidade da autodeclaração e que a não confirmação da heteroidentificação implica a eliminação do candidato, independentemente de sua nota na ampla concorrência. A parte autora apresentou réplica (ID n. 2149167946) argumentando que não há interferência indevida no mérito administrativo no presente caso, pois a atuação do Judiciário se restringe ao controle de legalidade e constitucionalidade, especialmente quando há violação de direitos fundamentais. Insistiu na subjetividade do procedimento de heteroidentificação e na ausência de motivação adequada para sua desclassificação, o que configuraria vício no ato administrativo. Reiterou todos os pedidos formulados na inicial. As partes não requereram a produção de provas. É o relatório. Decido. II Inicialmente, verifica-se que a parte autora formulou dois pedidos distintos na presente demanda: a) a reinclusão na lista de candidatos autodeclarados negros, com o reconhecimento da validade de sua autodeclaração para fins de reserva de vagas para o cargo de Técnico-Administrativo em Educação (Assistente em Administração) do concurso público regido pelo Edital nº 02/2023-IFAC; e b) a inclusão de seu nome na lista de classificação da ampla concorrência para o mesmo cargo. Quanto ao pedido de reinclusão na lista de candidatos autodeclarados negros, seguem os fundamentos da decisão de ID n. 2128967914: “No julgamento da ADC 41/DF, o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, decidiu, além da constitucionalidade das cotas destinadas aos negros em concursos públicos, pela legitimidade do uso de critérios de heteroidentificação além da autodeclaração. No entanto, enfatizou a necessidade de respeitar os princípios da dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa (STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017). Em outros termos, apesar da disposição do art. 2° da Lei n. 12.990/2014, segundo o qual poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (critério da autodeclaração), é legítimo e não há óbice que a Administração Pública adote um controle sobre a veracidade da autodeclaração dos candidatos, utilizando-se, por exemplo, de entrevistas pessoais, vídeos ou outros documentos comprobatórios. No caso, o procedimento estava previsto nos seguintes itens do edital: 1.3. Este concurso público compreenderá as seguintes etapas: (…) c) procedimento de heteroidentificação aplicado aos candidatos que se autodeclararam negros e optaram por concorrer às vagas reservadas às pessoas negras, no ato de inscrição no concurso 4.2.2 Para concorrer às vagas reservadas, o candidato deverá, no ato da inscrição, optar por concorrer às vagas reservadas às pessoas negras e autodeclarar-se negro, conforme quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 4.2.2.1. A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade e terá validade somente para este concurso público. 4.2.2.2. A autodeclaração do candidato será confirmada mediante procedimento de heteroidentificação. 4.3. DO PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO 4.3.1. Os candidatos que tiverem se autodeclarado negros e optado por concorrer às vagas reservadas, se não eliminados no concurso, serão submetidos ao procedimento de heteroidentificação da condição declarada para concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros, em cumprimento à Instrução Normativa MGI nº 23, de 25 de julho de 2023. 4.3.5. O edital de convocação definirá se o procedimento de heteroidentificação será promovido sob a forma presencial ou, excepcionalmente e por decisão motivada, telepresencial, mediante utilização de recursos de tecnologia de comunicação. 4.3.6. Os candidatos que optarem, no ato de inscrição, por concorrer às vagas reservadas às pessoas negras, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência, e satisfizerem as condições de habilitação estabelecidas neste edital, deverão se submeter ao procedimento de heteroidentificação. 4.3.7. O IDECAN constituirá uma comissão de heteroidentificação para aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa negra com requisitos habilitantes, conforme determinado pela IN MGI nº 23/2023, que será responsável pela emissão de um parecer conclusivo favorável ou não favorável à declaração do candidato. 4.3.8. A comissão de heteroidentificação será composta por cinco membros e seus suplentes e deverá garantir a diversidade das pessoas que a integram quanto ao gênero, à cor e, sempre que possível, à origem regional. 4.3.9. A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso. 4.3.9.1. Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo de realização do procedimento de heteroidentificação. 4.3.9.2. Não serão considerados quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes à confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em certames públicos federais, estaduais, distritais e municipais. 4.3.9.3. Não será admitida, em nenhuma hipótese, a prova baseada em ancestralidade. 4.3.10. O procedimento de heteroidentificação será filmado e sua gravação será utilizada na análise de eventuais recursos interpostos contra a decisão da comissão. 4.3.10.1. O candidato que recusar a realização da filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, nos termos do subitem 4.3.10 deste edital, será eliminado do certame, dispensada a convocação suplementar de candidatos não habilitados. 4.3.11. A comissão de heteroidentificação deliberará pela maioria dos seus membros, em parecer motivado. 4.3.11.1. As deliberações da comissão de heteroidentificação terão validade apenas para este concurso, para o qual foi designada, não servindo para outras finalidades. 4.3.11.3. O teor do parecer motivado será de acesso restrito, nos termos do art. 31 da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. 4.3.12. A avaliação da comissão de heteroidentificação quanto à condição de pessoa negra considerará os seguintes aspectos: a) declaração no ato da inscrição quanto à condição de pessoa negra e a opção de concorrer às vagas reservadas; e b) fenótipo apresentado pelo candidato no momento do procedimento de heteroidentificação. 4.3.13. Na hipótese de indeferimento da autodeclaração no procedimento de heteroidentificação, o candidato poderá participar do certame concorrendo às vagas de ampla concorrência, desde que possua, em cada fase anterior do certame, nota ou pontuação suficiente para prosseguir nas demais fases. 4.3.14.1. Das decisões preliminares da comissão de heteroidentificação, o candidato prejudicado pela não confirmação de sua autodeclaração poderá interpor recurso dirigido à comissão recursal. 4.3.15.3. Em suas decisões, a comissão recursal deverá considerar a filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, o parecer emitido pela comissão e o conteúdo do recurso elaborado pelo candidato prejudicado Da leitura dos itens supratranscritos, verifica-se que o procedimento de heteroidentificação descrito no edital é proporcional e razoável, com previsão de avaliação de critérios fenotípicos presencialmente, por meio de banca composta por cinco membros com garantia de diversidade de gênero, cor e, quando possível, origem regional. Também está prevista a gravação do procedimento de heteroidentificação e a deliberação, a deliberação por maioria, dentre outras medidas que garantem a lisura do procedimento. Os argumentos apresentados pela parte autora para justificar a sua identidade étnico-racial e contestar a decisão da comissão de heteroidentificação fundamentam-se em fotografias e no fato de ter se utilizado de bolsas do FIES e do PROUNI na condição de estudante negra anteriormente. Quanto às bolsas e financiamentos de curso superior no âmbito do FIES e PROUNI, sabe-se que, diferente de concursos públicos, embora também existam ações afirmativas voltadas aos estudantes negros, a política distributiva é realizada por meio do critério da autodeclaração, não havendo, a princípio, o uso de comissões de heteroidentificação, mesmo nas normas mais recentes. A título de exemplo, dispõe assim o art. 36-A da recente Portaria n° 167, de 1° de março de 2024: Será aplicada à reserva de vagas de que trata o parágrafo único do art. 36 desta Portaria e às vagas destinadas à plena concorrência o preenchimento por estudantes autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, de acordo com a proporção na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Portanto, trata-se de cenários distintos, já que, no último caso, o benefício foi concedido por meio da autoidentificação. Quanto às fotografias apresentadas pela Requerente, verifica-se que os documentos apresentados, por si só, são insuficientes para justificar uma manifesta ilegalidade ou desproporcionalidade na decisão da comissão especializada de heteroidentificação que a avaliou presencialmente. Sabe-se que definição e a classificação da cor da pele na sociedade brasileira são tarefas complexas, pois não existem bases objetivas e totalmente seguras para essas afirmações devido à grande miscigenação presente no país. Não cabe ao Poder Judiciário adentrar o mérito administrativo e substituir os critérios técnicos da comissão de heteroidentificação apenas por meio da análise fria de documentos fotográficos, cuja confiabilidade é drasticamente inferior em relação a uma entrevista pessoal realizada por meio de um colegiado. Sobre o tema, destaco o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS ÉTNICO- RACIAIS. PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. ADPF 186/STF. CANDIDATA ELIMINADA. AUSÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS FENOTÍPICAS PRÓPRIAS DOS ESTUDANTES DESTINATÁRIOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA. AFERIÇÃO POR BANCA EXAMINADORA. VALIDADE. SENTENÇA MANTIDA 1. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao declarar a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, legitimou a utilização do critério da heteroidentificação como medida complementar à autodeclaração realizada pelo candidato no ato da inscrição de concurso, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa (ADC 41, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado Em 08/06/2017, Processo Eletrônico Dje-180 Divulg 16-08-2017 Public 17-08-2017). 2. Em que pese a autodeclaração possuir presunção de veracidade, ela, por si só, não é suficiente para que o candidato seja considerado pessoa negra, inexistindo ilegalidade na adoção de Comissão Avaliadora para atestar as características fenotípicas dos candidatos em certames públicos, conforme previsto no edital do processo seletivo e com o fim precípuo de se evitar o desvirtuamento da aludida política de ação afirmativa. 3. Verificada por entrevista pessoal, junto a Comissão Avaliadora composta por 10 membros, e declarada que a apelante é inapta para concorrer ao sistema de cotas para negros/pardos, tendo em vista não ostentar as características fenotípicas (critério de avaliação estabelecido no edital), bem como observada que houve oportunidade para a interposição de recurso, garantindo o contraditório e ampla defesa, deve ser mantida a decisão administrativa que lhe negou matrícula a uma das vagas na condição de cotista, não cabendo ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, substituindo os critérios técnicos utilizados pela Comissão avaliadora. 4. Apelação a que se nega provimento (AMS 1005337-67.2019.4.01.3800, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 13/10/2020 PAG.)” (grifo nosso) No que concerne às alegações de ausência de motivação da banca examinadora e ausência de resposta ao recurso administrativo interposto, embora de fato seja um dever da banca examinadora analisar os recursos interpostos e expor as motivações das suas decisões de indeferimento – ainda que de forma sucinta -, mostra-se prudente a oitiva dos requeridos para que esclareçam se essas respostas de fato não foram disponibilizadas. (...) Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de tutela de urgência requerido.” Nesse ponto, observa-se que, instados a se manifestar sobre a ausência de motivação da decisão administrativa e a falta de resposta ao recurso interposto pela autora, os réus limitaram-se a apresentar defesas genéricas. Em suas contestações, tanto o IDECAN quanto o IFAC restringiram-se a argumentos abstratos sobre a legalidade do procedimento de heteroidentificação e a impossibilidade de intervenção judicial no mérito administrativo, sem trazer aos autos qualquer elemento concreto acerca do caso da autora. Não foi juntado aos autos o parecer da comissão de heteroidentificação, tampouco cópia da decisão administrativa que recusou a autodeclaração da autora. Também não há comprovação de que a candidata tenha tido acesso ao teor do parecer motivado, conforme exige o edital (item 4.3.11), ou de que tenha recebido resposta fundamentada ao recurso administrativo apresentado. A ausência de documentação específica do procedimento de heteroidentificação impede o controle judicial da legalidade do ato administrativo. O contraditório e a ampla defesa, princípios constitucionais basilares (art. 5º, inciso LV da CF), exigem que o candidato tenha ciência dos fundamentos que ensejaram sua exclusão, para que possa exercer plenamente seu direito de defesa. No caso concreto, a autora alega que foi surpreendida com a simples publicação do resultado “autodeclaração recusada”, sem qualquer justificativa individualizada e, apesar de ter interposto recurso administrativo, não recebeu resposta, permanecendo sua situação indefinida até a publicação do resultado final, quando já havia sido excluída das listas de cotistas e de ampla concorrência. Diante da inércia dos requeridos e da ausência de elementos que infirmem as alegações da autora, aplica-se ao caso o disposto no art. 344 do Código de Processo Civil, segundo o qual presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados especificamente. Assim, tem-se por verdadeiro que a autora não recebeu o parecer motivado nem resposta ao recurso, e que a motivação do ato administrativo limitou-se à expressão genérica “autodeclaração recusada”. Nada obstante, não cabe ao Judiciário substituir a comissão de heteroidentificação na análise fenotípica da candidata, sob pena de invasão do mérito administrativo. O que se impõe, diante do vício formal identificado, é a anulação do ato de desclassificação e a determinação para que a banca proceda à reavaliação da autora em novo procedimento de heteroidentificação, assegurando-lhe o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, com a devida motivação da decisão, nos termos do edital e da legislação aplicável. Passo a análise do próximo pedido pleiteado (item b - inclusão do nome da parte autora na lista de classificação da ampla concorrência para o mesmo cargo). O pedido de inclusão na lista de candidatos da ampla concorrência foi inicialmente julgado prejudicado e posteriormente analisado na decisão de ID n. 2132222249, conforme fundamentos que seguem: “Colhe-se da petição de ID n. 2131053612 que a parte autora apenas pugna pela reconsideração da decisão quanto ao pedido de inclusão do seu nome na lista de candidatos classificados na ampla concorrência. Portanto, mostra-se dispensável a reanálise dos argumentos relacionados aos critérios da comissão de heteroidentificação e à sua exclusão da lista de candidatos. Especificamente quanto ao ponto de irresignação da parte autora, segue a transcrição do trecho pertinente, da decisão de ID n. 2128967914: Por fim, quanto à exclusão da autora da lista de ampla concorrência, julgo o pedido prejudicado ante a falta de prova documental quanto a esse ponto em específico. Embora os candidatos autodeclarados negros também concorram concomitantemente às vagas da ampla concorrência (item 4.2.3 do edital), não foram juntados aos autos documentos que comprovem que a candidata de fato tenha se classificado na ampla concorrência e que tenha sido posteriormente excluída por não ter sido aprovada pela comissão de heteroidentificação. Da leitura dos novos documentos juntados, observa-se que: a) a parte autora foi declarada como inapta no procedimento de heteroidentificação e excluída da lista de candidatos autodeclarados negros (ID n. 2131053614); b) a parte autora também constava como classificada na lista de ampla concorrência, na 54ª posição para o cargo de Assistente em Administração, conforme resultado definitivo de ID n. 2131053616, p. 13 e ID n. 2131053617; e c) a parte autora foi excluída em nova listagem da ampla concorrência, conforme documento de ID n. 2131053618, p. 12/13. Cumpre ressaltar que o próprio edital do certame, em seu item 4.3.13, prevê que “Na hipótese de indeferimento da autodeclaração no procedimento de heteroidentificação, o candidato poderá participar do certame concorrendo às vagas de ampla concorrência, desde que possua, em cada fase anterior do certame, nota ou pontuação suficiente para prosseguir nas demais fases”. Embora os documentos não esclareçam qual foi o motivo da exclusão, é certo que a candidata já estava classificada na lista de resultado definitivo divulgado pela banca examinadora e o edital em questão não prevê hipóteses de exclusão da lista de classificação após essa fase (ID n. 2127705747, p. 16/44). Inclusive, observa-se que outros candidatos com notas e posições inferiores à parte autora permaneceram como classificados na nova lista divulgada (ID n. 2131053618, p. 12/13). Apesar do – aparente - descumprimento da norma do edital por parte da banca examinadora após a análise dos novos documentos juntados, não se verificar a urgência que justifique o deferimento da tutela de urgência pretendida. Como relatado anteriormente, a parte autora foi classificada para o cargo de Técnico-Administrativo em Educação (Assistente em Administração) na 54ª posição, que previa um total de 9 vagas disponibilizadas, sendo 6 para a ampla concorrência, conforme quadro de vagas de ID n. 2127705747, p. 18. Conforme item 8.2 do edital, havia um limite máximo de candidatos passíveis de convocação, de acordo com o número de vagas disponibilizadas para cada tipo de concorrência: 8.2. A homologação da relação de candidatos aprovados e classificados no certame por cargo, passíveis de convocação, respeitará a ordem de classificação e o quantitativo máximo indicado no Anexo II do Decreto nº 9.739, de 28 de março de 2019, conforme indicado na tabela abaixo: QUANTIDADE DE VAGAS PREVISTAS POR CARGO E POR TIPO DE CONCORRÊNCIA QUANTIDADE MÁXIMA DE CANDIDATOS APROVADOS 1 5 2 9 3 14 4 18 5 22 6 25 7 29 8 32 9 35 Da leitura da homologação do resultado (https://www.in.gov.br/web/dou/-/edital-n-2/2023-ifac-de-27-de-novembro-de-2023-563293468), verifica-se que, para o cargo no qual a autora concorreu (Assistente em Administração), foi homologada a lista de candidatos do classificados até o 35° lugar. Portanto, ainda que fosse efetuada nova retificação do resultado final, a posição atingida pela autora (54° lugar) não estaria dentre os candidatos passíveis de convocação, o que afasta a urgência alegada. Diante do exposto, mantenho o indeferimento da tutela de urgência pelos seus próprios fundamentos, complementados pelas razões acima expostas. Por outro lado, atentando-se à boa-fé objetiva, determino aos Requeridos que esclareçam o motivo da exclusão da parte autora da lista de candidatos classificáveis do certame (ID n. 2131053618, p. 12/13).” No tocante ao pedido de inclusão do nome da autora na lista de classificação da ampla concorrência, verifica-se que, mais uma vez, os requeridos não trouxeram aos autos qualquer esclarecimento específico ou documentação que justificasse a exclusão da candidata. Apesar de expressamente intimados a se manifestar sobre o ponto, limitaram-se a apresentar defesas genéricas, sem enfrentar o mérito da situação concreta. Diante da inércia da parte requerida e da ausência de impugnação específica, aplica-se ao caso o disposto no art. 344 do Código de Processo Civil, presumindo-se verdadeiras as alegações da parte autora quanto à sua classificação inicial e posterior exclusão injustificada da lista de ampla concorrência. Para além disso, extrai-se da contestação apresentada pelo IFAC que o próprio ente público equivocou-se na interpretação do edital (ID n. 2138081304, item 14). O IFAC sustentou que a não confirmação da autodeclaração de candidato negro “importa na eliminação do candidato do concurso, independentemente de ter nota suficiente para aprovação na ampla concorrência”. Tal entendimento contraria o item 4.3.13 do edital, que assegura ao candidato não reconhecido como negro o direito de permanecer concorrendo às vagas de ampla concorrência, desde que tenha obtido pontuação suficiente nas fases anteriores. Os documentos juntados comprovam que a autora figurava na 54ª posição da lista de ampla concorrência, conforme resultado definitivo (ID n. 2131053616, p. 13), e que foi posteriormente excluída dessa lista sem qualquer justificativa plausível ou previsão editalícia para tal medida. Ressalte-se que o edital não prevê hipótese de exclusão da lista de classificados após a homologação do resultado, salvo por motivo devidamente fundamentado, o que não ocorreu. É certo que a autora se encontra fora do limite de cadastro de reserva estabelecido pelo edital para o cargo em questão, não havendo, portanto, expectativa de convocação ou nomeação, conforme destacado nos fundamentos da decisão supratranscrita. Contudo, a manutenção do nome da candidata na lista de classificados, ainda que fora do cadastro de reserva, é medida que preserva a regularidade do certame, a transparência dos atos administrativos e pode ter reflexos em outras seleções, progressões funcionais ou mesmo para fins curriculares. Além disso, a exclusão da autora da lista de classificados, sem motivação individualizada e em desacordo com as regras editalícias, configura violação ao princípio da vinculação ao edital e à segurança jurídica. Como é consabido, a Administração Pública está obrigada a observar fielmente as regras do edital, inclusive quanto à manutenção da classificação dos candidatos que, embora não estejam entre os convocáveis, lograram êxito nas etapas do certame. III Ante 0 exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, com resolução do mérito, na forma do art. 487, I do CPC, para acolher os pedidos formulados por JULIANA LIMA RODRIGUES em face do INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO ACRE – IFAC e do INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, CULTURAL E ASSISTENCIAL NACIONAL – IDECAN a fim de a) declarar a nulidade do ato administrativo que desclassificou a autora do procedimento de heteroidentificação, por ausência de motivação individualizada; b) determinar aos requeridos que realizem novo procedimento de heteroidentificação, com decisão devidamente motivada, nos termos do edital e da legislação aplicável, no prazo de 30 dias, a contar da intimação desta sentença; e c) determinar que os requeridos promovam a retificação da lista de candidatos classificáveis da ampla concorrência para o cargo de Técnico-Administrativo em Educação (Assistente em Administração), restabelecendo o nome da autora em sua posição original, para todos os efeitos legais, ressalvando-se que tal inclusão não gera expectativa de convocação ou nomeação, diante do limite do cadastro de reserva fixado pelo edital. Tendo em vista que a realização de novo procedimento de heteroidentificação poderá, eventualmente, resultar na aprovação da parte autora, antecipo os efeitos da tutela em relação ao item b do dispositivo. Sem custas, em face da isenção da parte requerida. Condeno os requeridos ao pagamento honorários de sucumbência, fixados nos percentuais mínimos previstos no art. 85, §3° do CPC e aplicados sobre o valor atualizado da causa. Havendo recurso, intime-se a parte contrária para que apresente contrarrazões e remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Intimem-se. LUZIA FARIAS DA SILVA MENDONÇA Juíza Federal Titular Documento assinado eletronicamente
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