Processo nº 1005678-67.2023.8.11.0041
ID: 336947130
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1005678-67.2023.8.11.0041
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELENE CRISTINA MARTINS DE ALMEIDA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1005678-67.2023.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Da…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1005678-67.2023.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Tratamento médico-hospitalar, Planos de saúde] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), VINICIUS KENJI TANAKA - CPF: 398.159.268-96 (ADVOGADO), JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO - CPF: 713.876.681-53 (ADVOGADO), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), PEDRO PAULO DE ALMEIDA JUNIOR - CPF: 036.713.261-31 (APELADO), ELENE CRISTINA MARTINS DE ALMEIDA - CPF: 029.749.741-39 (ADVOGADO), C. M. D. A. - CPF: 099.299.311-39 (APELADO), PEDRO PAULO DE ALMEIDA JUNIOR - CPF: 036.713.261-31 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE MORAIS E REEMBOLSO DE VALORES – PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA – REJEITADA – MÉRITO – NEGATIVA DE CUSTEIO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – INDICAÇÃO FEITA POR PROFISSIONAL ESPECIALISTA – TERAPIAS COM MÉTODO BOBATH, PSICOPEDAGOGIA E CONSULTA COM NEUROPEDIATRA – ROL DA ANS – CARÁTER EXEMPLIFICATIVO – ABUSIVIDADE CONFIGURADA – DANO MORAL EVIDENCIADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL – SENTENÇA ESCORREITA – CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Afasta-se a preliminar de litispendência quando ausente a tríplice identidade entre as ações confrontadas, notadamente em relação ao pedido e à causa de pedir, sendo distintas as terapias, os métodos aplicados, os profissionais envolvidos e os valores pleiteados em reembolso. A Agência Nacional de Saúde – ANS, por meio da Resolução Normativa nº 539/2022, acrescentou o §4º no artigo 6º da Resolução Normativa nº 465/2021, a fim de tornar obrigatória a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento dos beneficiários portadores de transtornos globais de desenvolvimento, de modo que a operadora de saúde deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença do paciente. Havendo a previsão no contrato firmado de cobertura para determinada doença, deve a seguradora de saúde garantir todos os meios de tratamento na busca da cura do segurado, quando este cumpre com suas obrigações contratuais, por mais moderna e inédita que seja a técnica, caso se mostre mais eficiente, sendo irrelevante o fato de não constar no rol da ANS. Compete ao médico de confiança do paciente, profissional habilitado e civilmente responsável por sua conduta e escolhas, a indicação do melhor tratamento para reabilitação do enfermo, não podendo a operadora de planos de saúde escolher qual tratamento médico dará efetiva cobertura. A negativa indevida de cobertura de tratamento essencial, amparado por prescrição médica e não substituído por opção credenciada equivalente, configura ato ilícito e enseja indenização por dano moral. Deve ser mantido o valor fixado a título de danos morais quando proporcional ao abalo sofrido e adequado aos critérios da razoabilidade, da função compensatória e pedagógica da reparação. Inexistindo impugnação específica nas razões recursais quanto à condenação ao reembolso de despesas médicas, opera-se a preclusão consumativa, mantendo-se a sentença nesse ponto. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO visando modificar a sentença proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Materiais e Morais nº 1005678-67.2023.8.11.0041, movida por C. M. D. A., representada por PEDRO PAULO DE ALMEIDA JUNIOR, julgou parcialmente procedentes a pretensão inaugural, nos seguintes termos: “Isto posto, com fulcro no art. 487, inciso I, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais formulados na presente Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Materiais e Morais ajuizada por Cecília Martins de Almeida representada por Pedro Paulo de Almeida Júnior em desfavor de UNIMED Cuiabá – Cooperativa de Trabalho Médico para: a. Tornar definitiva a tutela de urgência parcialmente concedida no id 110605410; b. Condenar a parte requerida ao pagamento do valor de R$10.000,00 (dez mil reais) à parte autora, a título de indenização por danos morais, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, e correção monetária pelo índice INPC, a partir da data desta sentença; c. Condenar a parte requerida ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$31.775,00 (trinta e um mil setecentos e setenta e cinco reais), corrigidos monetariamente pelo INPC a partir do desembolso e acrescidos de juros de 1% ao mês a partir da citação; d. Condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil.” (Id. 277710928). Em suas razões, de Id. 277710935, a parte recorrente alega, em síntese, preliminar de litispendência, sustentando a existência de demanda idêntica anteriormente proposta, com as mesmas partes e objeto, a fim de caracterizar a duplicidade processual. No mérito, aponta que os tratamentos solicitados - FISIOTERAPIA e FONOTERAPIA com conceito BOBATH, Fisioterapia Intensiva THERASUIT, EQUOTERAPIA E MUSICOTERAPIA, não estariam abrangidos pelo contrato, por não constarem do rol da ANS, o qual sustentou possuir natureza taxativa, e que a negativa de cobertura decorreu do exercício regular de direito contratual. Assegura, em seguida, a inexistência de obrigação de ressarcir despesas realizadas de forma unilateral pela autora, por ausência de solicitação formal, urgência, ou demonstração de ineficácia da rede credenciada Afirma que a sentença incorreu em equívoco ao reconhecer conduta ilícita, já que a negativa de cobertura se deu com base em cláusula contratual expressa e respaldada em norma técnica da ANS, razão pela qual não se pode falar em dano moral. Acresce, ainda, que o tratamento jamais foi negado pela apelante, inclusive a solicitação está autorizada no sistema do plano de saúde, dentro dos limites contratuais. Afirma que a condenação imposta resultou de uma interpretação desfavorável da boa-fé objetiva. Requer, ao final, o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial por litispendência. No mérito, protesta pelo provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente totalmente os pedidos iniciais. De forma sucessiva, requer a redução do quantum indenizatório fixado a título de danos morais. As contrarrazões foram ofertadas, ao Id. 277710939, pelo desprovimento do recurso. O Ministério Público Estadual, por meio do parecer de lavra do Ilmo. Procurador de Justiça, Dr. JOSÉ ZUQUETI, opina pela rejeição da preliminar suscitada, e no mérito, pelo desprovimento do recurso, ao Id. 293729869. É o relatório. Peço dia para julgamento. Des. DIRCEU DOS SANTOS Relator V O T O R E L A T O R Colenda Câmara. Cuida-se de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Indenização por Danos Morais e Pedido de Reembolso, ajuizada por C.M.D.A., representada por seu genitor, em face da Unimed Cuiabá – Cooperativa de Trabalho Médico, com o objetivo de compelir a operadora à autorização e custeio de tratamentos multidisciplinares essenciais à sua recuperação neurológica, indicados por médica especialista, sem coparticipação e com os profissionais que já atendem a criança, diante da construção de vínculo terapêutico consolidado. Requereu ainda, o reembolso das despesas já realizadas com fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e neuropediatra, além da indenização por danos morais. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, determinando à operadora o custeio das terapias prescritas, inclusive fora da rede credenciada, caso inexistente profissional habilitado, e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, reconhecendo a abusividade da negativa de cobertura diante da patologia e das diretrizes da ANS aplicáveis à espécie. Irresignada, a operadora interpôs apelação cível, requerendo a reforma integral da sentença. Em síntese: (i) sustentou a preliminar de litispendência, em virtude da existência de outra demanda anterior supostamente idêntica, (ii) alegou a inaplicabilidade do CDC, (iii) defendeu a taxatividade do rol da ANS, (iv) pugnou pela inexistência de obrigação quanto a terapias como equoterapia, musicoterapia, protocolo Therasuit e Bobath, e (v) pleiteou a inexigibilidade de indenização por danos morais ou, subsidiariamente, sua redução. Passo à análise. DA PRELIMINAR – LITISPENDÊNCIA. Afasto, de plano, a preliminar de litispendência suscitada pela apelante. Sustenta a ré, ora apelante, que a presente demanda repete os pedidos formulados na Ação nº 1025822-53.2021.8.11.0002, ajuizada anteriormente perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT, o que, segundo alega, violaria o disposto no art. 337, §1º, do Código de Processo Civil, ensejando a extinção do feito sem resolução do mérito. Nos termos do artigo 337, §1º do Código de Processo Civil, há litispendência quando se repete ação anteriormente ajuizada, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. No caso sub judice, embora haja referência a processo anterior, verifica-se, pela comparação dos autos, que as demandas têm objetos distintos: a presente ação trata de tratamentos específicos, com metodologia Bobath, psicopedagogia e consultas neuropediátricas com profissional determinado, bem como o reembolso de valores já pagos com essas terapias e consultas, não coincidentes com os objetos da ação anterior (que envolvia equoterapia, musicoterapia e fisioterapia intensiva pelo protocolo Therasuit). Ademais, o lapso temporal entre os ajuizamentos e a evolução clínica da paciente, que demanda a continuidade do acompanhamento terapêutico com novos profissionais e novos enfoques multidisciplinares, também evidencia que os fundamentos fáticos se renovam, inviabilizando a configuração da repetição processual. Logo, não se verifica identidade objetiva entre os feitos, razão pela qual inexiste litispendência. DO MÉRITO Quanto ao mérito, a matéria posta à baila deve seguir a orientação dada pelo art. 196, caput, da C. Federal, in verbis: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Com efeito, embora seja dever constitucional do Estado garantir acesso à assistência médica e à saúde, na medida em que se permite que essa assistência seja prestada pela iniciativa privada, o particular assume os mesmos deveres do Estado, devendo fornecer assistência médica de modo abrangente e integral para os aderentes dos seus serviços. Além disso, em se tratando de relação cuja defesa encontra-se prevista nos arts. 5º, inc. XXXII e 170, inc. V, da C. Federal, a espécie atrai para si a força dos arts. 47 e 51, da Lei n. 8.078/90, que dispõem que as cláusulas relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor são nulas de pleno direito e que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor. Tem-se que a relação jurídica travada entre as partes, a toda evidência, sujeita-se às regras dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois há a figura do consumidor e do fornecedor denominados pelos artigos 2º e 3º da Lei Consumerista. Tem-se, ainda, o teor da Súmula nº 469 do STJ a qual aduz que “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.”. Por sua vez o artigo 35-G da Lei nº 9.656/98, prevê que “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990.”. Incontroverso nos autos que a parte autora se viu obrigada a buscar o Judiciário para receber o tratamento médico que detém o direito por contrato válido mantido entre as partes, exclusivamente aos seguintes procedimentos: Fonoaudiologia pelo método Bobath (2h semanais); Terapia Ocupacional pelo método Bobath (2h semanais); Psicopedagogia (3h semanais); Consulta com a médica neuropediatra Dra. Viviane Cabral e Reembolso dos valores já pagos com tais serviços. Quanto ao reembolso de valores, importa registrar que não houve impugnação específica nas razões recursais. Assim, operou-se a preclusão consumativa (art. 1.009, §1º do CPC), impondo-se a manutenção da condenação nesse aspecto, inclusive nos limites fixados na sentença. Em relação aos tratamentos, a apelante sustenta que não está obrigada a custeá-los, por não constarem do rol de procedimentos obrigatórios da ANS, o qual entende possuir natureza taxativa. Sobre a matéria, não se desconhece o recente entendimento da Corte Superior que ao julgar os REsp nº. 1.886.929 e 1.889.704, sob a sistemática dos repetitivos, por maioria de votos dos Ministros, firmou-se no sentido de que o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS), via de regra, é taxativo. Entretanto, a par dos argumentos trazidos pela parte apelante, tem-se que em 01/07/2021 houve a edição pela ANS da Resolução nº. 469/2021, em que consta a cobertura de assistência médica suplementar dos tratamentos dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, alterando, assim, as diretrizes de utilização desses procedimentos: “Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.”. Outrossim, há previsão na referida resolução de tratamento com fonoaudiólogo, cobertura “obrigatória em número ilimitado de sessões para pacientes com transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem e transtornos globais do desenvolvimento”, e, de igual modo, em relação ao psicólogo e terapeuta ocupacional, “cobertura obrigatória em número ilimitado de sessões para pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos globais do desenvolvimento (CID F84)” – Anexo II da Resolução nº. 469, de 09/07/2021. Confira-se: "RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS Nº 539, DE 23 DE JUNHO DE 2022 (...) Art. 1º A presente Resolução altera a Resolução Normativa – RN nº 465, de 24 de novembro de 2021, que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no âmbito da saúde suplementar, para alterar a diretriz de utilização dos procedimentos sessão com fonoaudiólogo, para o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e transtornos globais do desenvolvimento. Art. 2º O item SESSÃO COM FONOAUDIÓLOGO, do Anexo II da Resolução Normativa - RN nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, passam a vigorar conforme o disposto no Anexo I desta Resolução. Art. 3º O art. 6º, da RN nº 465, de 2021, passa a vigorar acrescido do § 4º, com a seguinte redação: "Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente." Art. 4º Esta RN, bem como seu Anexo estará disponível para consulta e cópia no sítio institucional da ANS na Internet (www.gov.br/ans). Art. 5º Esta Resolução entra em vigor no dia 1º de julho de 2022." Ressalte-se., no ponto, que o Ministério Público, em parecer técnico elaborado com acurada fundamentação jurídica, reconheceu que a recusa da operadora em custear os tratamentos indicados pelo médico responsável pela infante representa comportamento ilícito, pois colide frontalmente com os deveres contratuais e com a função social dos contratos, especialmente em se tratando de relação tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor. Conforme salientado pelo douto Procurador de Justiça Dr. José Zuqueti, a conduta da operadora violou preceitos fundamentais de proteção à saúde da criança, sobretudo diante da inequívoca existência de prescrição médica formal e da demonstração de que os tratamentos são essenciais e contínuos, exigindo atuação efetiva e especializada — ainda que não expressamente nominados no rol da ANS. O Parquet acentuou, com acerto, que a negativa de cobertura, quando oposta a tratamento indispensável à preservação da saúde e da dignidade da pessoa humana, é manifesta expressão de abuso de direito, e deve ser repelida com o reconhecimento do dever de indenizar, à luz do art. 186 do Código Civil e dos arts. 6º, I, e 14 do CDC. Dessarte, a operadora deixou de cumprir com seu dever contratual e legal de fornecer cobertura assistencial compatível com a condição clínica da usuária, submetendo a paciente - menor, com diagnóstico neurológico grave - à angústia, instabilidade e sacrifício financeiro desproporcional, elementos que, em conjunto, evidenciam o dano moral indenizável, na forma consolidada pela jurisprudência do STJ. Portanto, tendo em vista a recomendação do médico especialista que acompanha o paciente ao prescrever o tratamento, “é descabida a negativa de cobertura de procedimento indicado pelo médico como necessário para preservar a saúde e a vida do usuário do plano de saúde. O fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo” (AgInt no AREsp 1.442.296/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 25/03/2020). Neste sentido: “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – MICROSSOMIA E TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – TRATAMENTO MÉDICO MULTIDISCIPLINAR – PROCEDIMENTO QUE ENVOLVE RISCO À SAÚDE DO PACIENTE – PERIGO DA DEMORA INVERSO – INCIDÊNCIA DO CDC – SÚMULA 469 DO STJ – DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE E URGÊNCIA – ASSISTÊNCIA MÉDICA CONTRATADA QUE DEVE CUSTEAR TODOS OS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E NECESSÁRIOS AO RESTABELECIMENTO DA SAÚDE DO PACIENTE – PRECEDENTES DO STJ – TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DEFERIDA – CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura. (STJ - AgRg no Ag 1355252/MG).(TJMT, RAI 1011082-33.2020.8.11.0000, 3ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Dirceu Dos Santos, j. 11.11.2020)” “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM DANO MORAL E DANOS MATERIAIS – TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO (TEA) ASPERGER (CID10: F84.5) – MOTRICIDADE, MUSICOTERAPIA, FONOAUDIOLOGIA, TERAPIA COMPORTAMENTAL (ABA) – ROL DA ANS – EXEMPLIFICATIVO – INDICAÇÃO MÉDICA – PLANO QUE NÃO PODE LIMITAR TRATAMENTOS – JULGADOS DESTA CÂMARA EM CASOS ANÁLOGOS – RECURSO DESPROVIDO. 1- “1- Os contratos de plano de saúde estão submetidos às normas do Código de Defesa do Consumidor, na forma da Súmula 469, do STJ, devendo ser interpretados de maneira mais favorável à parte mais fraca nesta relação. Além do mais, deve ser priorizado o direito à saúde e à vida em relação ao direito contratual. Incidência dos arts. 47 e 51, IV, § 1°, II, do CDC. 2- Os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente. (...)”. ((Ap 79925/2017, Relatora: DESA. NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 27/02/2018, Publicado no DJE 02/03/2018).” (N.U 1008149-87.2020.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 21/07/2020, Publicado no DJE 27/07/2020). 3- “A falta de previsão de material solicitado por médico, ou mesmo procedimento, no rol da ANS, não representa a exclusão tácita da cobertura contratual. 3. Em que pese a existência de precedente da eg. Quarta Turma de que seria legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS, esta eg. Terceira Turma, no julgamento do AgInt no REsp nº 1.829.583/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgado aos 22/ 6/2020, reafirmou sua jurisprudência no sentido do caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos.” (AgInt no REsp 1876786/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 22/10/2020). (TJMS, RAI 1015801-58.2020.8.11.0000, 1ª Câm. Direito Privado, Rel. Desa. Nilza Maria Possas de Carvalho, j. 03.11.2020)”. Assim, por ser hierarquicamente inferior à Lei n. 9.656/98, não pode se contrapor à norma superior, nem estabelecer restrições quando não há autorização legal para tanto, quanto mais diante do princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal. Desse modo, antes que se alegue em eventual discussão futura, não há afronta aos arts. 5º, II e 196, ambos da CF, pois, conforme analisado alhures, é com respaldo na lei que a recorrente deve cobrir a realização do tratamento indicado ao autor/apelado. Assim, não resta dúvida que as obrigações impostas em primeiro grau são legítimas, pois fundadas nas novas resoluções emitidas pela autoridade de saúde suplementar, de modo que a sentença não carece de qualquer reparo quanto ao reconhecimento da abusividade da recusa e à consequente fixação do dever de indenizar. Há nexo de causalidade entre a conduta da requerida em recusar a cobertura e o resultado suportado pela parte autora, com transtorno, angústia, abalo psicológico de monta. Não se trata de mero dissabor suportado pela parte autora em face da negativa da requerida em arcar com as despesas do procedimento. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, vejamos: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO. DOENÇA ABRANGIDA PELO CONTRATO. LIMITAÇÕES DOS TRATAMENTOS. CONDUTA ABUSIVA. INDEVIDA NEGATIVA DE COBERTURA. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a recusa indevida/injustificada, pela operadora de plano de saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada, enseja reparação a título de dano moral, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário. 2. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 3. Agravo interno desprovido.”(AgInt no REsp 1884640/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.11.2020) Restando desta forma o dever de indenizar, passa-se ao arbitramento do quantum indenizatório, que deve atender aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, a extensão do dano causado, de modo a atender sua dupla finalidade, qual seja, amenizar a dor da vítima e punir a conduta ilícita do ofensor. Sobre o tema, ensina José Raffaelli Santini: “Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. [...] O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz.” (Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática, Agá Júris, 2000, p.45) O princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito a vítima, ao mesmo tempo o valor deve ser significativo para que não passe despercebido coibindo a conduta negligente do agente. Não é demais ressaltar, que o valor indenizatório devido no dano moral tem dupla função: compensatória em relação ao dano sofrido e penalizadora pela conduta negligente do agente causador. Considerando o grau de responsabilidade da apelante frente ao dano causado e o abalo moral sofrido pela parte apelada, tenho que o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) se mostra razoável ao caso concreto. Dispositivo. Com estas considerações, em consonância com o parecer ministerial, conheço do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO. Em observância ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários em sede recursal 20% sobre o valor da condenação É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/07/2025
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