Gilmar Oliveira Moraes x Aymoré Crédito, Financiamento E Investimento S.A.
ID: 322307508
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE RIO BRANCO
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1001018-60.2024.8.11.0052
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO HENRIQUE GONCALVES
OAB/SP XXXXXX
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DIEGO GOMES DIAS
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE RIO BRANCO VARA ÚNICA PROCESSO N. 1001018-60.2024.8.11.0052 REQUERENTE: GILMAR OLIVEIRA MORAES REQUERIDO: AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENT…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE RIO BRANCO VARA ÚNICA PROCESSO N. 1001018-60.2024.8.11.0052 REQUERENTE: GILMAR OLIVEIRA MORAES REQUERIDO: AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de Ação Revisional de Contrato Bancário proposta por Gilmar Oliveira Moraes em face de Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A.. A parte autora narra que, em 15/12/2020, celebrou com a parte ré um contrato de financiamento para aquisição de veículo automotor, especificamente um Toyota Corolla, nas seguintes condições: contrato nº 482649968, valor financiado de R$ 37.865,40 (trinta e sete mil, oitocentos e sessenta e cinco reais e quarenta centavos), com taxa de juros remuneratórios de 1,20% a.m. e 15,38% a.a., CET de 1,45% a.m. e 19,27% a.a., a serem pagos em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais no valor de R$ 1.042,43 (mil e quarenta e dois reais e quarenta e três centavos). Afirma o autor que, após análise criteriosa do contrato, constatou-se a existência de cláusulas abusivas, representadas por cobranças indevidas que oneram excessivamente o consumidor. Aponta especificamente a abusividade na cobrança dos seguintes encargos acessórios: a) Seguro prestamista no valor de R$ 660,40 (seiscentos e sessenta reais e quarenta centavos), alegando venda casada por ausência de opção ao consumidor na contratação do seguro; b) Registro de contrato no valor de R$ 316,00 (trezentos e dezesseis reais), argumentando falta de comprovação da efetiva realização do serviço e transferência indevida de encargo administrativo ao consumidor; c) Tarifa de cadastro no valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), apontando ausência de transparência quanto à efetiva prestação do serviço, sendo o valor cobrado exorbitante; d) Tarifa de avaliação do bem no valor de R$ 239,00 (duzentos e trinta e nove reais), sustentando também ausência de comprovação do serviço efetivamente prestado. Além disso, destaca que, embora contratada a taxa de juros remuneratórios em 1,20% ao mês, o valor das parcelas fixado no contrato está acima do devido, resultando na parcela correta de R$ 985,57 (novecentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos), o que gera um excesso mensal de R$ 56,86 (cinquenta e seis reais e oitenta e seis centavos) e um montante indevidamente cobrado no total de R$ 2.729,28 (dois mil, setecentos e vinte e nove reais e vinte e oito centavos). Pede a inversão do ônus da prova com base na vulnerabilidade econômica, técnica e jurídica do consumidor, em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor. Postula a concessão da tutela antecipada para limitar imediatamente o valor da parcela a R$ 985,57 (novecentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos), autorizar depósito judicial das parcelas incontroversas, proibir a inclusão de seu nome em cadastros de inadimplentes e garantir a manutenção do veículo em sua posse. Ao final, requer a revisão do contrato para exclusão dos encargos considerados abusivos, devolução em dobro do montante cobrado indevidamente, no valor total de R$ 5.458,56 (cinco mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos), além da condenação da parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. Com a inicial vieram documentos. Em decisão de ID 177875376, a inicial foi devidamente recebida, oportunidade em que foi indeferido o pedido de tutela de urgência formulado na inicial. Devidamente citada, a requerida apresentou contestação no ID 182854974, na qual, inicialmente, arguiu as seguintes preliminares: Prescrição trienal, com fundamento no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil, considerando que o contrato foi firmado em 15/12/2020 e a ação foi proposta apenas em 04/11/2024; Falta de interesse processual, diante da ausência de tentativa prévia de solução administrativa do conflito, conforme orientação firmada em IRDR pelo TJMG (Tema 91) e precedentes do TJSP, defendendo a necessidade de comprovação de tentativa extrajudicial para o regular exercício do direito de ação; Impugnação à gratuidade de justiça, sustentando ausência de demonstração de hipossuficiência pelo autor, mencionando como indicativos de capacidade econômica o valor do bem financiado (R$ 65.800,00), o valor da entrada (R$ 30.000,00) e das parcelas mensais (R$ 1.042,43), além da inexistência de comprovação documental de despesas fixas essenciais; Ausência de comprovação de residência na comarca competente, apontando que o documento juntado está em nome de terceiro, encontra-se desatualizado e sem declaração de residência. No mérito, a instituição financeira sustenta a regularidade do contrato celebrado, rebatendo todos os pontos atacados pelo autor. Em síntese: Tarifas bancárias (avaliação do bem, cadastro e registro de contrato): defende a legalidade das cobranças com base em normativos do Banco Central, Resoluções do CMN, Lei nº 11.882/08 e precedentes do STJ (REsp 1.578.553/SP, Tema 958), além de demonstrar que os valores estavam abaixo da média do mercado para o segmento de sociedades de crédito, financiamento e investimento (CFI); Seguro prestamista: alega contratação facultativa, com adesão formalizada em proposta específica e apartada, sem qualquer vício de consentimento, sendo inaplicável a alegação de venda casada (Tema 972, STJ); Juros remuneratórios: sustenta a inaplicabilidade da Lei de Usura às instituições financeiras (Súmula 596 do STF), a legalidade da taxa pactuada e ausência de abusividade, tendo como parâmetro a tolerância jurisprudencial de até 1,5 vez a taxa média de mercado (REsp 1.061.530/RS); Repetição de indébito: refuta a devolução em dobro, por inexistência de cobrança indevida e de má-fé; Impugnação ao laudo pericial unilateral apresentado pela parte autora, por ausência de contraditório e credibilidade técnica imparcial; Acusação de litigância de má-fé, por postulação em desconformidade com jurisprudência consolidada, com pedido de aplicação de multa de 20% sobre o valor da causa, além da responsabilização do patrono do autor, requerendo expedição de ofício à OAB e apuração de conduta nos termos do art. 32 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) e dos arts. 77 e 79 do CPC; Menciona ainda recomendações do CNJ (Ato Normativo nº 0000092-36.2022.2.00.0000) contra a litigância predatória, sugerindo medidas preventivas e repressivas a serem adotadas pelo Judiciário, inclusive comunicação ao NUMOPEDE e outros órgãos competentes. Ao final, requer a improcedência total dos pedidos iniciais, a revogação da gratuidade de justiça, a condenação da parte autora ao pagamento de custas, honorários e multa por litigância de má-fé, e a adoção de medidas disciplinares e judiciais cabíveis quanto à atuação do advogado da parte autora. Com a contestação vieram documentos. Impugnação à contestação apresentada no ID 185371841. Instadas as partes à especificação de provas, somente a parte requerente apresentou manifestação no ID 188892996, pugnando pelo julgamento antecipado da lide. Vieram os autos conclusos. É o breve relato do essencial. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO Cuida-se de Ação Revisional de Contrato Bancário cumulada com pedido de Tutela Antecipada proposta por Gilmar Oliveira Moraes em face de Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A.. Antes de analisar o mérito da presente demanda, convém apreciar as questões preliminares suscitadas pela parte requerida. II.I – Da Alegação de Prescrição Trienal (art. 206, § 3º, IV, CC) Não prospera a prejudicial de mérito relativa à prescrição trienal. O réu sustenta que as pretensões do autor estariam fulminadas pelo prazo de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, IV, do CC/2002. Todavia, tal prazo não se aplica às ações revisionais de contrato bancário. É entendimento pacífico tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto nos Tribunais estaduais que as ações revisionais de contrato de financiamento (de natureza pessoal) sujeitam-se ao prazo prescricional geral decenal previsto no art. 205 do Código Civil, e não ao prazo trienal do art. 206. Nesse sentido: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRESCRIÇÃO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PARCIAL PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória que, em ação revisional de contrato de cartão de crédito consignado, concedeu justiça gratuita, inverteu o ônus da prova, afastou as preliminares de prescrição e decadência e reconheceu a existência de vício sanável na procuração. 2. O agravante sustenta a ocorrência de prescrição trienal e decadência quadrienal, com base nos arts. 206, § 3º, IV e V, e 178, II, ambos do CC, uma vez que a contratação ocorreu em 20.09.2013 e a ação foi proposta apenas em 24.06.2024. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se incide o prazo prescricional trienal ou decadencial nas ações que visam a revisão de contrato de cartão de crédito consignado firmado em 2013, e se as prestações anteriores a 24.06.2014 estão prescritas. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A jurisprudência da Corte aplica o prazo decenal, previsto no art. 205 do CC, às ações que visam a revisão de cláusulas de contrato de trato sucessivo, com início da contagem a partir de cada pagamento. 5. Sendo a contratação datada de 20.09.2013 e a primeira parcela vencida em 01.10.2013, a ação ajuizada em 24.06.2024 está alcançada pela prescrição apenas quanto às parcelas anteriores a 24.06.2014. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso parcialmente provido para reconhecer a prescrição das parcelas descontadas antes de 24.06.2014. Tese de julgamento: “1. Nas ações que visam à revisão de cláusulas de contrato de cartão de crédito consignado, aplica-se o prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do CC. 2. A prescrição atinge apenas as parcelas vencidas há mais de dez anos do ajuizamento da ação.” Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 178, II, 205 e 206, § 3º, IV e V. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Cível nº 1047022-33.2020.8.11.0041, Rel. Desa. Serly Marcondes Alves, j. 05.05.2021. (N.U 1005770-03.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 01/05/2025, Publicado no DJE 01/05/2025) Com efeito, as demandas revisionais têm por objeto a revisão de cláusulas contratuais e eventual repetição de valores indevidamente cobrados, estando fundadas em direito pessoal do consumidor. Nesse sentido, as ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2002. No caso dos autos, o contrato sob revisão foi firmado em data não superior a dez anos do ajuizamento da ação (ID 174457064), de modo que a pretensão revisional do autor foi exercida dentro do prazo decenal aplicável. Portanto, REJEITO a preliminar de prescrição, por inexistir prazo trienal consumado que impeça a análise de mérito do pedido. II.II – Da Suposta Falta de Interesse de Agir por Ausência de Tentativa Extrajudicial Prévia A parte ré alega carência de ação, sob o argumento de que o autor não comprovou ter buscado uma solução extrajudicial antes de ajuizar a presente demanda, invocando tese fixada no IRDR n. 2922197-81.2022.8.13.0000 do TJMG. Tal preliminar não merece acolhimento. De início, ressalte-se que o mencionado IRDR, oriundo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não possui eficácia vinculante nesta jurisdição, limitando-se ao âmbito daquele Tribunal. Além disso, mesmo no campo doutrinário e jurisprudencial, tal entendimento (exigência de prévia composição) é objeto de controvérsia, havendo expressiva corrente em sentido oposto. No ordenamento processual vigente, não há previsão legal que condicione o interesse de agir à tentativa extrajudicial prévia. Ao contrário, vigora o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Isso significa que o acesso à Justiça independe do esgotamento da via administrativa. A pretensão resistida – requisito do interesse processual – consuma-se com a existência de uma lesão ou ameaça de lesão ao direito do autor não satisfeita voluntariamente, situação que já se configura quando este decide buscar o Judiciário. Em outras palavras, a falta de tentativa de conciliação extrajudicial não impede o exercício regular do direito de ação. Cumpre notar que o próprio Código de Processo Civil já contém instrumentos de incentivo à conciliação, como a audiência prévia de mediação (art. 334, CPC), não havendo necessidade de imposição de etapa extrajudicial adicional. Exigir do consumidor a prova de iniciativa extrajudicial poderia, inclusive, contrariar o princípio do amplo acesso à Justiça e retardar a tutela de direitos. Assim, reconhece-se presente o interesse de agir do autor, por demonstrar necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pleiteado (diante da controvérsia sobre cláusulas contratuais). Isto posto, REJEITO a preliminar de falta de interesse de agir. II.III – Da Impugnação ao Benefício da Justiça Gratuita O réu impugna a gratuidade de justiça deferida ao autor, alegando haver indícios de que este possui capacidade financeira para arcar com as custas. Tal impugnação, contudo, não se sustenta diante da legislação processual e da prova carreada. Nos termos do art. 98 do CPC, a assistência judiciária gratuita é direito de toda pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas e despesas processuais. O art. 99, § 3º, do CPC estabelece que “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”. Trata-se de presunção relativa de veracidade, a qual só pode ser elidida por prova inequívoca em sentido contrário. Com efeito, o juiz somente deve indeferir (ou revogar) o benefício da justiça gratuita se houver nos autos elementos seguros que evidenciem a capacidade econômica da parte beneficiária, e mesmo assim após oportunizar à parte a comprovação de sua hipossuficiência. No caso em exame, a declaração de pobreza firmada pelo autor goza da presunção legal mencionada. Cabe ao impugnante o ônus de demonstrar a capacidade financeira do beneficiário, o que não foi efetivamente cumprido. Inexistindo provas concretas nos autos de que o demandante dispõe de recursos suficientes para custear o processo sem prejuízo de seu sustento ou de sua família, deve ser mantida a justiça gratuita em seu favor. Diante disso, REJEITO a preliminar de impugnação à justiça gratuita, mantendo-se o benefício deferido, por não restar comprovada nenhuma alteração fática capaz de infirmar a condição de hipossuficiência do autor. II.IV – Da Alegada Ausência de Comprovação de Residência na Comarca A parte requerida sustenta que o comprovante de residência apresentado pelo autor estaria em nome de terceiro e desatualizado, o que violaria o disposto no art. 319, II, do Código de Processo Civil e ensejaria o indeferimento da petição inicial. Não procede a alegação. Nos termos do art. 319, II, do CPC, a petição inicial deve conter a indicação do domicílio e da residência do autor, não sendo exigida, como condição de procedibilidade, a apresentação de comprovante de residência em nome próprio ou emitido por concessionária de serviço público. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a declaração de residência feita na petição inicial, acompanhada de documento que indique o endereço alegado, ainda que em nome de terceiro, é apta a atender aos requisitos legais, salvo demonstração de má-fé ou falsidade, o que não se verifica no caso concreto. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA EM NOME PRÓPRIO. EXCESSO DE FORMALISMO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por Claudia Macedo do Nascimento Ferreira contra sentença que, nos autos da ação de cobrança de indenização securitária proposta em face de Generali Brasil Seguros S.A., indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito sem resolução de mérito, com fundamento nos arts. 321, parágrafo único, e 485, I, do CPC. A extinção teve por base a não apresentação de comprovante de residência em nome da autora. Sustenta a apelante ter atendido ao comando judicial mediante apresentação de declaração de residência e comprovante em nome de terceiro com quem reside, pleiteando a anulação da sentença para regular prosseguimento do feito. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se a ausência de comprovante de residência em nome da autora justifica a extinção do processo sem resolução de mérito, mesmo diante da apresentação de declaração de residência e de documento em nome de terceiro que corrobora o endereço informado. III. RAZÕES DE DECIDIR O art. 319 do CPC exige apenas a indicação do endereço do autor na petição inicial, não impondo a necessidade de sua comprovação documental. A apresentação de declaração de residência, acompanhada de comprovante em nome de terceiro, constitui meio idôneo para demonstrar o endereço informado, especialmente na ausência de controvérsia quanto ao domicílio da parte. A extinção do processo com fundamento na ausência de comprovante de residência em nome próprio revela formalismo excessivo e viola o princípio do acesso à justiça. Precedentes jurisprudenciais confirmam o entendimento de que a exigência de comprovante de endereço nominal é desarrazoada e não encontra respaldo legal. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: A ausência de comprovante de residência em nome próprio não justifica, por si só, a extinção do processo sem resolução de mérito, quando a parte apresenta declaração de residência acompanhada de documentos que confirmam o endereço informado. A exigência de comprovação documental do endereço na petição inicial configura formalismo excessivo, à luz do disposto no art. 319 do CPC. O princípio do acesso à justiça deve prevalecer sobre exigências formais não previstas expressamente em lei. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 319, II; 321, parágrafo único; 485, I. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Cível nº 1005566-74.2021.8.11.0007, Rel. Des. Dirceu dos Santos, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 13.07.2022, publ. 18.07.2022. (N.U 1009350-07.2024.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/04/2025, Publicado no DJE 18/04/2025) Dessa forma, REJEITO a preliminar de ausência ou irregularidade no comprovante de residência. II.V – Do mérito Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, inexistindo outras questões preliminares a serem apreciadas, bem como nulidades a serem reconhecidas de ofício, passo a análise do mérito da presente demanda. No mérito, analisando os argumentos expostos pelas partes e os documentos juntados aos autos, verifico que o pedido inicial é parcialmente procedente. Conforme se depreende da análise do contrato de concessão de crédito de ID 174457064, firmado com a instituição Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A., a parte autora contratou financiamento no valor total de R$ 37.865,40 (trinta e sete mil, oitocentos e sessenta e cinco reais e quarenta centavos), a ser pago em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais de R$ 1.042,43 (mil e quarenta e dois reais e quarenta e três centavos), com taxa de juros remuneratórios pactuada de 1,20% ao mês (equivalente a 15,38% ao ano), e Custo Efetivo Total (CET) de 1,45% ao mês e 19,27% ao ano. O valor total ao final do contrato, considerando todas as parcelas e encargos, é de R$ 80.036,64 (oitenta mil, trinta e seis reais e sessenta e quatro centavos). No tocante aos juros abusivos alegados pela autora, é cediço que as instituições financeiras não estão submetidas aos limites impostos pela Lei de Usura na fixação dos juros, de modo que tem liberdade para pactuar livremente suas taxas, ainda que acima dos patamares estabelecidos pelo Decreto n.º 22.626/33. O próprio C. Supremo Tribunal Federal unificou entendimento no sentido de que o limite de juros fixado pela Lei de Usura não se aplica às instituições financeiras, de forma que não cabe mais questionar a constitucionalidade da Medida Provisória n.º 2.170-36/01, aplicando-se ao caso a Lei n.º 4.595/64, que rege as instituições financeiras. Nesse sentido, foi editada a Súmula n.º 596, do C. Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integramo sistema financeiro nacional”. Assim, inaplicável ao caso a Súmula 121 do C. Supremo Tribunal Federal. Aliás, a Súmula Vinculante n.º 7 da Suprema Corte já havia estabelecido que a limitação dos juros do art.192, §3º, da Constituição Federal dependia, para sua aplicação, de Lei Complementar. E, ainda neste ponto, se manifestou o C. Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. CONTRATO ANTERIOR. m JUNTADA. DESNECESSIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. PACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. (...). 3. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, firmou posicionamento do sentido de que: a) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº22.626/1933) - Súmula nº 596/STF; b) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não indica abusividade; c) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591, c/c o art. 406 do Código Civil de 2002; d) é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor) fique cabalmente demonstrada, haja vista as peculiaridades do julgamento em concreto. 4. No julgamento do REsp nº 973.827/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, restou decidido que, nos contratos firmados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, admite-se a capitalização dos juros em periodicidade inferior a 1 (um) ano, desde que pactuada de forma clara e expressa, assim considerada quando prevista a taxa de juros anual em percentual pelo menos 12 (doze) vezes maior do que a mensal. 5. A ausência de impugnação de todos os fundamentos do acórdão recorrido atrai a incidência da Súmula nº 283/STF. 6. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1539213/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe24/11/2020).” Salienta-se, ainda, que, quanto à revisão dos juros pactuados em contratos bancários, assim se firmou a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça: “É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (Tese julgada sob o rito do art.543-C do CPC- Tema 27).” Não se olvide que “nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.” (Súmula 530/STJ). No entanto, no caso em tela, não há o que se falar em abusividade das taxas de juros contratadas frente às médias de mercado para os mesmos períodos de contratação. Isso porque, em consulta ao site do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/historicoestatisticas), é possível constatar que, para o período da contratação havida entre as partes, qual seja, dezembro de 2020, foram cobradas taxas médias mensais de 1,47%, ou seja, em valores inferiores aos cobrados no contrato objeto dos autos. E de acordo com o entendimento prevalecente na jurisprudência, notadamente no E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, a cobrança de taxa de juros superior ao limite de uma vez e meia a média de mercado configura abusividade. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO – PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL – REJEITADA – CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – TARIFAS DE AVALIAÇÃO DO BEM E REGISTRO DE CONTRATO – COMPROVAÇÃO DA EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – LEGALIDADE DA COBRANÇA – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE – TABELA PRICE – SISTEMA FRANCÊS DE AMORTIZAÇÃO – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – AUSÊNCIA DE ANATOCISMO – TARIFA DE CADASTRO – LEGITIMIDADE DA COBRANÇA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. O princípio da dialeticidade consubstancia-se na exigência de que o recorrente apresente os fundamentos da sua insatisfação com a decisão atacada e o motivo do pedido de prolação de outra. Estando presentes tais requisitos, a preliminar de ausência de pressuposto de admissibilidade do recurso do consumidor deve ser rejeitada. Tratando-se de revisão de juros, em que a parte autora pretende a declaração de abusividade de cláusulas, é desnecessária a perícia contábil já que a matéria é essencialmente de direito. O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, definiu a validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato (Tema 958 - Resp. 1.578.553/SP) e, apesar de ressalvar hipótese de abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado, tal exceção somente tem aplicação quando houver controvérsia a respeito. No tocante aos juros remuneratórios, a mera fixação de taxa superior a 12% ao ano não implica abusividade, nos termos da Súmula 596/STF. A revisão judicial somente se justifica em caso de demonstração cabal da onerosidade excessiva, evidenciada por taxa superior ao limite de uma vez e meia a média de mercado, conforme estabelecido no REsp 1.061.530/RS. A utilização da Tabela PRICE não caracteriza, por si só, a prática de anatocismo, pois apenas prevê a amortização dos juros antes do principal. Não restando prevista a adoção do referido método, resta prejudicado, no particular, o pleito da autora no sentido do seu afastamento e da sua substituição pelo Método GAUSS para a apuração do saldo devedor. (N.U 1008689-87.2024.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/05/2025, Publicado no DJE 31/05/2025) Assim, considerando que no caso em tela as taxas de juros cobradas pelo réu estão abaixo das taxas médias cobradas no mesmo período por outras instituições financeiras, em contratos similares, não deve ser reconhecida a cobrança de taxas de juros abusivas por parte da instituição, pois não coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Por outro lado, em relação à capitalização de juros pelas instituições financeiras, a prática é lícita, conforme entendimento sedimentado no C. Supremo Tribunal Federal (REsp 592.377). Inclusive, a Medida Provisória n.º 2.170, de 23/08/2001 passou a admitir expressamente a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano a partir de 31/3/2000, data de sua edição, sendo suficiente a previsão no contrato de taxa anual superior ao duodécuplo da mensal para a cobrança da taxa efetiva anual contratada (STJ. Incidente de Recurso Repetitivo no REsp n.º973.827 - RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Dje. 24/09/2012). Nesse sentido, o entendimento sumulado pelo STJ: “Súmula 539: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. Segunda Seção, aprovada em 10/6/2015, DJe 15/6/2015.” “Súmula 541: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Segunda Seção, aprovada em 10/6/2015, DJe 15/6/2015.” E no caso em tela, é prevista a cobrança de taxa de juros mensal de 1,20% correspondente a 15,38% ao ano (ID 174457064), de modo que, estando evidente a previsão da capitalização no contrato firmado entre as partes, já que a taxa anual supera 12 (doze) vezes o valor da taxa mensal, não há qualquer ilegalidade a ser sanada. Da mesma forma, é legal e permitido que as partes convencionem no contrato o pagamento, pelo adquirente do bem, do IOF decorrente do negócio jurídico, tal como no contrato em exame. Sobre a matéria, destaco entendimento consolidado pelo C. Superior Tribunal de Justiça que se posicionou no julgamento do REsp n.º 1.251.331/RS, ocorrido em 28/08/2013, cuja relatoria coube à Ministra Maria Isabel Gallotti e estabeleceu, dentre outras, a seguinte tese para efeitos do art. 543- C, do CPC: “1- (Omissis). (...) 3- Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.” Com efeito, havendo previsão contratual expressa quanto à incidência do IOF, fica mantida sua cobrança, na forma do repetitivo acima mencionado, vez que ocorreu o fato gerador previsto em lei, qual seja, a realização de operação de crédito por instituição financeira, nos termos do art. 2º, inciso I, alínea “a” do Decreto n.º 6.306/2007: “Art. 2º. O IOF incide sobre: I -operações de crédito realizadas: a) por instituições financeiras (…)” Por outro lado, procede a irresignação da parte autora com relação ao seguro prestamista. Isso porque, no julgamento do Recurso Repetitivo n.º 1.639.320/SP, relativo ao Tema 972, da Segunda Seção do C. Superior Tribunal de Justiça fixou as teses que devem orientar as instâncias ordinárias no que se refere às cobranças desses seguros: “Recurso especial repetitivo. Tema 972/STJ. Direito bancário. Despesa de pré-gravame. Validade nos contratos celebrados até 25.2.2011. Seguro de proteção financeira. Venda casada. Restrição à escolha da seguradora. Analogia com o entendimento da Súmula 473/STJ. Descaracterização da mora. Não ocorrência. Encargos acessórios. 1. Delimitação da controvérsia: contratos bancários celebrados a partir de 30.4.2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. Teses fixadas para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: 2.1 – Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25.2.2011, data de entrada em vigor da Res. CMN3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. 2.3- A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. (...).4. Recurso especial desprovido” (REsp nº 1.639.320-SP, registro nº 2016/0307286-9, 2ª Seção,v.u., Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, j. em 12.12.2018, DJe de 17.12.2018).Elucidativo é o seguinte trecho do voto condutor: “No caso da presente afetação, os contratos celebrados nos dois recursos representativos encaminhados a esta Corte Superior dispõem sobre o seguro de proteção financeira como uma cláusula optativa [REsp nº 1.639.320-SP e REsp nº1.639.259-SP]. Transcreve-se, a propósito, a cláusula quinta do contrato juntado aos presentes autos: '5. Seguro de Proteção Financeira na Itaú Seguros S.A. [x]. Sim [ ]. Não'. Como se verifica, a contratação ou não do seguro era opção do consumidor, tendo sido observado, desse modo, a liberdade de contratar ou não o seguro. Apesar dessa liberdade de contratar, inicialmente assegurada, a referida cláusula contratual não assegura liberdade na escolha do outro contratante (a seguradora). Ou seja, uma vez optando o consumidor pela contratação do seguro, a cláusula contratual já condiciona a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor.” No contrato em análise (ID 174457064), observa-se que não há qualquer evidência de que tenha sido permitido a autora optar pela seguradora de sua preferência e tampouco que ela estava ciente que junto com o financiamento, tinha um seguro adicional. Ressalto que não há que se falar em ilegitimidade do réu para responder por tais contratações, pois o contrato de financiamento objeto da lide foi ajustado entre a autora e a financeira, que inclusive é o responsável pelo recebimento dos valores pagos a título de seguro, ainda que os produtos sejam de titularidade de empresas parceiras, de modo a tornar evidente sua responsabilidade pela devolução desses valores. Assim, o valor cobrado a título de seguro deve ser afastado do contrato, em razão da ocorrência de venda casada, devendo ser recalculado o valor de cada parcela ou tal valor deverá ser descontado do saldo devedor. No que tange à tarifa de cadastro, pacificou-se o questionamento com a edição do enunciado da Súmula 566 do C. STJ, que traz a seguinte redação: “Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n.3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira”. Assim, porque no caso em tela a tarifa de cadastro foi cobrada uma única vez no valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais) e está descrita no contrato (ID 174457064), com valor condizente com o cobrado por outras instituições financeiras em contrato similares, não há que se falar em ilegalidade. Relativamente ao registro de contrato (R$ 316,00) e avaliação do bem (R$ 239,00), o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.578.553/SP, consolidou a seguinte tese: "3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 3.1.abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto.". Sendo assim, nos termos do que restou decidido por aquela Corte, tem-se que deve ser tidas como válida a referida tarifa, haja vista que a respectiva cobrança vem expressamente prevista na avença firmada entre as partes litigantes, sem comprovação de que o serviço não foi prestado, mesmo porque a operação para aquisição do veículo foi concluída, sendo necessária sua regularização perante o órgão administrativo competente para gravação da garantia contratada. Ademais, o laudo de avaliação constante do ID 182854979, bem como o comprovante de registro de gravame de ID 182854978, demonstram que os serviços foram efetivamente prestados, não se verificando abusividade na cobrança das respectivas tarifas. A repetição do indébito prescinde da demonstração de erro ou coação porquanto decorre da cobrança de valores indevidos, sendo inaplicável ao caso concreto o disposto no art. 877 do Código Civil consoante entendimento esposado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo, onde mitigou a necessidade de erro para configurar o direito de repetição dos valores cobrados indevidamente: “(...) 13. Fixação das seguintes teses. Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (...).” CE – CORTE ESPECIAL do STJ no EAREsp 676.608/RS, da relatoria do Min. Og Fernandes, julgado em 21.10.2020. Dessa forma, a partir da aludida tese firmada tem-se a prescindibilidade de comprovação da má-fé do agente e o entendimento de que a conduta em si é contrária à boa-fé objetiva e independe da natureza do elemento volitivo. Posteriormente, os efeitos de tal tese foram modulados pelo STJ (art. 927, § 3º, do CPC), estipulando-se: “Impõe-se modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão”. Assim, a restituição será efetuada em dobro apenas para os descontos comprovadamente realizados após 30/03/2021. Por conseguinte, considerando que os descontos se deram em período anterior a 30/03/2021, nos termos do Tema nº 929 do c. STJ (EAREsp 676.608/RS), entendo viável a repetição simples do indébito referente ao valor indevidamente cobrado da parte autora a título de seguro, a ser atualizado monetariamente pela Tabela Prática do TJMT a contar da data em que efetivado cada desconto, e juros moratórios de 1% ao mês a contar do evento danoso, qual seja, a data da cobrança considerando se tratar de responsabilidade extracontratual, consoante verbete nº 54 do STJ, ambos calculados até 29/08/2024. A partir de 30/08/2024, em consonância com as alterações do Código Civil (art. 389, parágrafo único, e art. 406, § 1º) promovidas pela Lei n. 14.905/24, a correção monetária se dará pelo IPCA, e os juros moratórios de acordo com a taxa legal (diferença entre taxa SELIC e IPCA, calculada mensalmente pelo Banco Central conforme Resolução CMN n.5.171/2024), tudo a ser apurado por meros cálculos aritméticos. Assim, pelo que tudo dos autos consta, a procedência parcial do pedido formulado na inicial, é a medida que se impõe. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial e extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil para, RECONHECER como ilegal, porque abusiva, a contratação do seguro prestamista no valor de R$ 660,40 (seiscentos e sessenta reais e quarenta centavos), o qual deverá ser restituído a autora, de forma simples, com correção monetária desde a contratação e juros de mora desde a citação, devendo tal valor ser expurgado do contrato, por meio de restituição integral ou abatimento do saldo devedor. Até a entrada em vigor da Lei n.º 14.905/24, a correção monetária será pela tabela prática do E. TJMT e os juros de mora serão de 1% (um por cento) ao mês, e, dali em diante, a correção será pelo IPCA-E (art. 389, parágrafo único, do Código Civil) e os juros de mora serão pela taxa legal (art. 406 do Código Civil), que corresponderá à diferença entre a taxa SELIC e o IPCA, calculada mensalmente pelo Banco Central, conforme Resolução CMN n.º 5.171/2024), consignando-se que, caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência (art. 406, §3º, do Código Civil). Por força da sucumbência recíproca, as custas e despesas processuais deverão ser rateadas entre as partes, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada uma. Ainda por força da sucumbência, condeno o réu ao pagamento dos honorários do advogado da autora, que fixo, por equidade, em R$ 1.000,00 (um mil reais), ante o valor módico da condenação e condeno a autora ao pagamento dos honorários da parte adversa, que fixo, também por equidade, em R$1.000,00 (um mil reais), observada a gratuidade concedida. Por fim, de modo a evitar a interposição de embargos de declaração desnecessários, registre-se que ficam preteridas todas as demais alegações das partes, por incompatíveis com a linha de raciocínio ora adotada, observando que os pedidos foram apreciados e rejeitados nos limites em que formulados. Assim, ficam as partes, de logo, cientes de que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com caráter meramente infringente acarretará a imposição da multa prevista no artigo 1.206, § 2º, do CPC. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (art. 1010 do CPC), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária, por meio de ato ordinatório, caso possua advogado, para oferecer resposta, no prazo de 15 (quinze) dias. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos à Egrégia Superior Instância, para apreciação de recurso de apelação. Transitada em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Rio Branco/MT, datado e assinado digitalmente. LUCIANA SITTINIERI LEON Juíza de Direito Substituta
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