Processo nº 1026801-16.2024.8.11.0000
ID: 317503259
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1026801-16.2024.8.11.0000
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIELLE DOS SANTOS CRUZ
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1026801-16.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Esbulho / Turbação / Ameaça, Honorários…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1026801-16.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Esbulho / Turbação / Ameaça, Honorários Periciais] Relator: Des(a). MARCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [BRUNA REGINA DE BARROS FOGACA RAMIRES DOS SANTOS - CPF: 319.198.848-31 (ADVOGADO), JOAQUIM MARTINS NETO - CPF: 371.359.888-68 (AGRAVANTE), MARIZE PICHIONI MARTINS - CPF: 841.416.461-72 (AGRAVANTE), IRINEU MARTINS - CPF: 316.163.058-00 (AGRAVANTE), MARIA DA GRACA PEPINELLI MARTINS - CPF: 841.382.461-34 (AGRAVANTE), AUGUSTO RODRIGUES DO NASCIMENTO - CPF: 171.609.361-91 (AGRAVADO), DANIELLE DOS SANTOS CRUZ - CPF: 988.855.881-15 (ADVOGADO), FORENSE LAB PERICIAS E CONSULTORIA LTDA - CNPJ: 30.359.101/0001-14 (TERCEIRO INTERESSADO), THYAGO JORGE MACHADO - CPF: 709.605.931-87 (PROCURADOR)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito processual civil. Agravo de instrumento. Prova pericial. Laudo complementar insuficiente. Ausência de esclarecimento de pontos essenciais. Necessidade de nova perícia. Destituição do perito. I. Caso em exame 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que manteve laudo pericial complementar e designou audiência de instrução e julgamento, em ação de interdito proibitório, sob o fundamento de que o laudo remanescia íntegro e que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários era da parte requerente. Os agravantes pleiteiam a suspensão do processo e do levantamento dos honorários, bem como a realização de nova perícia, alegando que o laudo complementar não sanou as deficiências apontadas em agravo anterior. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) a necessidade de reforma das decisões agravadas para determinar a destituição do perito e a realização de nova perícia, sob o argumento de que o laudo complementar é imprestável à finalidade da ação, não respondendo aos quesitos formulados, especialmente no tocante à delimitação da posse e à localização do leito original do Rio Aricá-Açu; e (ii) a suspensão do levantamento dos valores destinados ao perito e do andamento processual até a realização de nova perícia. III. Razões de decidir 3. O laudo pericial complementar, apesar de sua denominação, não cumpriu integralmente a determinação de aprofundamento e esclarecimento dos pontos controvertidos, conforme já apontado em agravo anterior. 4. As respostas aos quesitos apresentadas pelo perito são evasivas, genéricas e ambíguas, não enfrentando a questão central da perícia, qual seja, a localização exata do leito natural do Rio Aricá-Açu. 5. O próprio perito, em suas conclusões, admite a necessidade de documentos adicionais (mapas de alta resolução) que não foram providenciados, evidenciando que o laudo não entregou o resultado esperado e deixou a questão central em aberto. 6. A insuficiência da prova pericial acarreta cerceamento de defesa e impede a prolação de uma sentença justa e fundamentada, justificando a realização de nova perícia por profissional tecnicamente capacitado. 7. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a insuficiência da prova pericial impõe sua complementação ou, em casos de manifesta inaptidão, a realização de nova perícia, com a destituição do perito anterior. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso provido. Tese de julgamento: "1. A insuficiência e imprecisão do laudo pericial, que não esclarece pontos cruciais da controvérsia, configura cerceamento de defesa, impondo-se a destituição do perito e a realização de nova perícia. 2. Em ação de interdito proibitório, a não delimitação da posse e a ausência de indicação precisa do leito original de rio em litígio tornam o laudo pericial imprestável, justificando sua anulação e a determinação de novo trabalho técnico." _________ Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 95, caput; 477, § 2º, I e II; 480. Jurisprudência relevante citada: TJ-MG, AC: 10024132175043002, Rel. Valdez Leite Machado, j. 03/12/2020; TJ-SP, AC: 10102317020178260100, Rel. Maria Lúcia Pizzotti, j. 15/09/2022. R E L A T Ó R I O Cuida-se de Recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por JOAQUIM MARTINS NETO, IRINEU MARTINS, MARIZE PICHIONI MARTINS e MARIA DA GRAÇA PEPINELLI MARTINS contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Única Vara da Comarca de Santo Antônio do Leverger/MT, que nos autos da ação de “Interdito Proibitório” (Proc. nº 0000925-58.2017.8.11.0053), ajuizada pelo agravado AUGUSTO RODRIGUES DO NASCIMENTO contra pessoas identificadas apenas como “vulgo Nené, proprietário da Fazenda Chapadão, e outros confrontantes dos fundos da área do autor”, julgou pela manutenção da perícia e de seu laudo, pela necessidade de rateio dos honorários periciais em decisões supervenientes, e por fim designou audiência de instrução e julgamento para o dia 10 de outubro de 2024, às 15h30min, por entender que o laudo pericial remanesce íntegro, que a responsabilidade pelo pagamento do laudo pericial é da parte requerente/agravada, "tendo em vista que os requeridos já efetivaram o pagamento de 50%”, e que as preliminares e o pedido de convolação se confundem com o mérito, relegando a análise para a sentença. As decisões também determinaram a intimação da União Federal para manifestar interesse na demanda. Os agravantes sustentam que “objetivo principal (do recurso) é a suspensão tanto do levantamento dos valores destinados ao perito quanto do andamento processual, inclusive da audiência designada para o dia 10/10/2024, até que seja realizada nova perícia, conduzida por um profissional devidamente qualificado” (Id. 240758155 - Pág. 5). Asseveram que o presente agravo de instrumento retoma a discussão sobre a perícia judicial já tratada em agravo anterior (n. 1011519-06.2022.8.11.0000), o qual, interposto pelos mesmos agravantes, foi provido por este Tribunal, embora as decisões ora impugnadas sejam supervenientes. Explicam que no agravo anterior, os agravantes demonstraram que o laudo pericial era imprestável à finalidade desejada, uma vez que não respondia aos quesitos formulados, especialmente no tocante à delimitação da posse e, crucialmente, à localização do leito original do Rio Aricá. Expõem que este Tribunal, então, reconheceu a deficiência do laudo e determinou a suspensão do levantamento dos valores e do curso processual até que a questão da prestabilidade do laudo fosse solucionada. Afirmam que, após a elaboração segundo laudo pelo perito, apresentaram impugnação, enfatizando que “o laudo complementar não forneceu respostas técnicas adequadas a nenhum dos quesitos e solicitaram a intimação do perito para novos esclarecimentos, sua destituição e a devolução dos valores recebidos”, no entanto “o juízo, ao invés de determinar que o perito se manifestasse sobre a impugnação ao laudo complementar, o que era necessário para resolver as discussões acerca da prestabilidade do laudo pericial, e inclusive foi determinado pelo Tribunal, homologou o laudo pericial complementar e deferiu o levantamento dos honorários do perito”. Sustentam que, nos termos do art. 477 e 480 do CPC, após elaboração do laudo pericial, “o perito tem o dever esclarecer pontos sobre os quais existem dúvidas ou divergência e, se ainda houver necessidade, o juiz determinará a intimação do perito para comparecer à audiência de instrução e julgamento para responder as perguntas, sob a forma de quesitos”, cabendo ao juiz ordenar produção de nova perícia “quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida”, exatamente o que dizem ter ocorrido no caso. Asseveram que não foram esclarecidos os pontos delimitados pelos agravantes, especialmente no que tange à localização exata do leito natural do Rio Aricá-Açu, já que “a identificação do leito natural do rio é um ponto crucial para a resolução da controvérsia”, de modo que a realização de nova perícia é medida imperativa no presente caso. Já em outra frente argumentativa, combatem as alegações do perito de que a ausência da compra de imagens especializada impediu a realização adequada do trabalho pericial, sustentando que “a correta identificação do curso natural do rio Aricá-Açu não está condicionada à aquisição de imagens especializadas, uma vez que os órgãos públicos, particularmente a base cartográfica do Exército/Marinha1, já fornecem informações sobre o traçado do leito natural desse rio”. Pedem, sob esses fundamentos, antecipação da pretensão recursal e, ao final, provimento do recurso para “reformar as decisões recorridas, determinando a realização de uma nova perícia por outro profissional, tecnicamente capacitado”, bem como para “determinar ao perito que devolva os valores recebidos”, ou, subsidiariamente “a suspensão do curso do processo e a intimação do perito para que ele se manifeste sobre a impugnação ao laudo complementar”, e ainda que “o juízo de primeiro grau enfrente, de maneira concreta e fundamentada, os argumentos apresentados pelos agravantes na impugnação ao laudo complementar; e, por fim, que “o perito seja obrigado a responder a todos os quesitos, inclusive o quesito central da perícia, que consiste na localização exata do leito natural do Rio Aricá-Açu. O pedido de tutela antecipada recursal foi deferido, para suspender a “realização da audiência de instrução e julgamento enquanto não adotadas as providências do art. 477, §2º, I e II, do CPC” (Id. 2427531600. No despacho de Id. 265221794, em razão de que “no presente recurso de agravo de instrumento os agravantes pedem a reforma da decisão agravada para, entre outras coisas, “determinar ao perito que devolva os valores recebidos”, ou, subsidiariamente “a suspensão do curso do processo e a intimação do perito para que ele se manifeste sobre a impugnação ao laudo complementar”.” Foi determinada a intimação da empresa Forense Lab, responsável pela elaboração do laudo pericial, para apresentar contrarrazões. A empresa Forense Lab – Perícias e Consultoria Ltda. apresentou contrarrazões (Id. 271069886), afirmando que o laudo pericial, tanto o original quanto o complementar, atendeu a todas as determinações judiciais e quesitos formulados, dentro dos limites técnicos possíveis e das informações disponíveis nos autos. Sustenta que sua conduta como perito foi imparcial, zelosa e em estrita observância aos ditames legais e éticos da profissão. Defende que não há qualquer fundamento legal ou fático para sua destituição, conforme previsto no art. 468 do CPC, uma vez que não agiu com dolo, culpa ou erro grave. Afirma que o levantamento dos honorários periciais é devido, pois o trabalho foi devidamente concluído, com a apresentação do laudo original e do laudo complementar, e homologado pelo juízo de primeiro grau. Ao final, requer o desprovimento do recurso, mantendo-se íntegras as decisões agravadas e, por consequência, a validade do laudo pericial e a regularidade do levantamento dos honorários. É o breve relatório. Cuiabá, data registrada no sistema. MARCIO APARECIDO GUEDES Relator V O T O R E L A T O R Leitura dos autos, mostra que, em 15/09/2021, a empresa nomeada a apresentação laudo, peticionou nos autos para “requisitar a compra de um mapa georreferenciado”, explicando que, após visitar a localidade, “constatou mudanças no trajeto natural do rio, no qual foram realizadas de forma não natural, com tempo suficiente para o crescimento da vegetação nativa”, e dizendo que, “para que o trabalho aponte com exatidão a real posição do curso natural do rio, responsável para sinalizar a localização das terras em litígio, faz-se necessário a compra de mapa georreferenciado de alta resolução dos anos anteriores para demonstrar exatamente qual é o leito do rio, em sua essência” (sic – cf. Ids. nº 65477525 e 65479042 daqueles autos). Os réus manifestaram veemente discordância, dizendo que “não é nova a questão da mudança do leito natural do rio”, e que “não é algo que se descobriu no curso da perícia, o que em tese poderia motivar algum pedido do perito”, já que eles próprios afirmaram expressamente na contestação que “houve a mudança do leito natural do rio”, e inclusive “há quesitos apontando a mudança do leito natural do rio”, sendo, portanto, evidente que, “quando apresentou a sua proposta de honorários, (o perito) tinha ciência da necessidade de apurar e indicar o curso do leito natural do rio Aricá-Açu”, não lhe sendo dado “mudar o valor do orçamento que apresentou” (sic – cf. Ids. nº 67953762 daqueles autos). Segundo eles, “a conduta do perito, de requisitar a compra de imagens em valor superior ao triplo da perícia, viola a boa-fé esperada de todos os participantes do processo e reclama a sua imediata destituição”, inclusive face à total “desnecessidade da compra de imagens, (...) uma vez que os órgãos públicos, em especial a base cartográfica do Exército/Marinha, identificam o traçado do leito natural do rio Aricá-Açu”, o que, além do mais, revela “falta de capacidade técnica (da) empresa nomeada para a realização dos trabalhos periciais” (sic – cf. Ids. nº 67953762 daqueles autos). Em igual sentido manifestou-se o assistente técnico indicado pelos réus/agravantes (cf. Ids. nº 67953763 daqueles autos). Embora o MM. Juiz tenha ordenado sua intimação “para esclarecimentos”, a empresa nomeada apresentou o laudo pericial sem a pretendida “compra de um mapa georreferenciado” (cf. Ids. nº 69667247, 70518299 e 70518305 daqueles autos). Intimados para manifestação, os réus insistiram no pedido de “destituição do perito”, frisando que, mesmo intimada para prestar esclarecimentos acerca da requisição da compra de imagens, a empresa “simplesmente apresentou o seu laudo em juízo, requerendo, inclusive, o levantamento da segunda parte do pagamento”, o que representa “atitude (...) para além de reprovável”, já que “inicialmente pleiteou uma absurda quantia para compra de imagens, depois deixou de responder ao juízo, e para concluir ainda apresentou um laudo ‘sem pé nem cabeça’, (...) apenas como uma tentativa de evitar a destituição e a devolução dos valores recebidos” (cf. Ids. nº 70833801 e 72703264 daqueles autos). Ignorando, a manifestação dos réus, o MM. Juiz homologou o laudo apresentado pelo perito (Id. 75487569 – autos de origem). Irresignados interpuseram o recurso de agravo de instrumento nº 1011519-06.2022.8.11.0000, inicialmente, o pedido de tutela antecipada recursal foi deferido, pelo Relator Des. João Ferreira Filho, para suspender “a realização da audiência de instrução e julgamento enquanto não adotadas as providências do art. 477, §2º, I e II, do CPC, suspendendo-se a ordem de intimação dos réus/agravantes para recolhimento da segunda parcela dos honorários periciais, e impedindo-se provisoriamente o levantamento dos valores pela empresa enquanto não resolvidas as discussões acerca da prestabilidade do laudo pericial e da destituição do perito”. No mérito recursal, a decisão foi anulada por entender que a perícia era insuficiente para esclarecimentos dos pontos controvertidos, e assim determinou a suspensão da audiência de instrução, enquanto não adotadas as providências do art. 477, §2º, I e II, do CPC, suspendendo-se a ordem de intimação dos réus/agravantes para recolhimento da segunda parcela dos honorários periciais, e impedindo-se provisoriamente o levantamento dos valores pela empresa enquanto não resolvidas as discussões acerca da prestabilidade do laudo pericial e da destituição do perito. Destaco a ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO – DECISÃO QUE HOMOLOGOU O LAUDO PERICIAL – AUSÊNCIA DE MÍNIMO PRONUNCIAMENTO SOBRE OS QUESITOS COMPLEMENTARES APRESENTADOS PELOS RÉUS/AGRAVADOS – INOBSERVÂNCIA AS REGRAS DO ART. 477 DO CPC – HONORÁRIOS PERICIAIS – ONUS DA PARTE QUE REQUEREU A PROVA PERICIAL (CPC, ART. 95, CAPUT) – REQUERENTES BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA – DEVER DO ESTADO – PRECEDENTES DO STJ – RECURSO PROVIDO. 1. A precária instrução probatória, evidenciada na ausência de esclarecimentos do perito acerca dos pontos divergentes do laudo pericial, caracteriza ofensa à garantia do contraditório no aspecto relacionada à plena efetividade do direito à prova 2. O art. 95, caput, do CPC estabelece que “cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes”. Tratando-se de produção de prova expressamente requestada pela parte autora o adequado é que ela arque com o ônus financeiro da perícia médica. Sendo a parte requerente da prova pericial beneficiária da assistência judiciária gratuita, transfere-se o ônus do pagamento ao Estado. Destaco trecho do voto: “[...] Verifica-se muito claramente dos autos que o objeto da perícia era “delimitar a área do imóvel onde o autor exerce sua posse, (...) e o leito original do Rio Aricá” e que o laudo pericial apresentado pela empresa nomeada pelo Juízo, a saber, Forense Lab – Perícias & Consultoria, não se prestou a essa finalidade, pois, para além de quatorze fotografias que nada revelam sobre a posse e quatro mapas que apenas mostram a área em litígio, não consta no documento qualquer indicativo sobre a efetiva posse, muito menos sobre qual seria o curso original do rio. Fica evidente, portanto, que o laudo apresentado é falho, não servindo como base para o deslinde da ação, já que os quesitos por eles apresentados não foram minimamente respondidos. Não se discute aqui, a possibilidade de sucesso ou probabilidade do direito vinculada à pretensão dos agravantes, pois, antes de ser realmente oportunizado a estes que façam provas da existência dos fatos constitutivos do direito alegado, o que pode perfeitamente ser realizado através de esclarecimentos complementares, não se pode afirmar com segurança pela improcedência da tese recursal, ou seja, que não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia. Na verdade, mesmo cuidando-se de ação de interdito proibitório, o mérito não se restringe à matéria de direito, podendo, e no mais das vezes envolve também discussão relativa à aspectos fáticos, sendo, portanto, imprescindível garantir às partes todos os meios de prova disponíveis à comprovação de suas alegações. Admito, pois, que sem que o perito tenha prestado os esclarecimentos necessários e pertinentes acerca dos 17 pontos divergentes do laudo pericial, há prejuízo, pois, de fato, a perícia parece insuficiente para esclarecimento dos pontos controvertidos, exigindo-se adoção das providências descritas no art. 477 do CPC. A detida análise do "Laudo Pericial Complementar" (Id. 124863832 – 1253) revela, de fato, que a determinação contida no acórdão anterior deste Tribunal não foi integralmente cumprida pelo perito. Embora a denominação "complementar" sugira um aprofundamento e esclarecimento dos pontos controvertidos, o conteúdo do documento não atende à expectativa de uma prova técnica robusta e conclusiva, especialmente para a finalidade de uma ação de interdito proibitório. A principal questão da ação de interdito proibitório, como bem destacado no voto do Desembargador João Ferreira Filho no agravo anterior, reside na delimitação da posse e na localização do leito original do Rio Aricá. O laudo complementar deveria, portanto, fornecer elementos claros e inequívocos que permitissem ao juízo aferir a extensão da posse do autor, a sua área, e, crucialmente, se há ameaça ou turbação oriunda da alteração do leito do rio, e, consequentemente, se tal alteração invadiria a posse do autor ou se a área em questão seria, de fato, uma ilha fluvial de domínio público. Entretanto, o laudo complementar, ao invés de sanar as omissões e inexatidões apontadas, perpetua as deficiências já verificadas. Uma leitura cuidadosa das respostas aos quesitos, conforme o próprio recurso de agravo de instrumento descreve em detalhes (e que se confirmam na leitura do Laudo Complementar), evidencia que o perito, em diversas ocasiões: - Respostas evasivas e genéricas: Não há precisão nas dimensões da área, nas confrontações, ou na origem vintenária do imóvel. A indicação de coordenadas parece "preencher lacunas" sem, contudo, determinar o leito natural do rio. Exemplos: 1- Qual a localização exata do sítio Santa Ana Coqueiro de propriedade do Sr. Augusto Rodrigues do Nascimento, localizado na Estrada Rural s/n, Coqueiro-Rural, advinda da matricula n. 4098, do Serviço Registral Comarca de Santo Antonio de Leverger/MT, fazendo referência exata do tamanho da área, suas confrontações e origem vintenária, bem como se a referida área encontra-se localizada à margem esquerda do Leito Natural do Rio Aricá e se a mesma faz divisa natural com o Leito Natural do Rio Aricá? Resposta: Vide Figuras 1 a 4. De acordo com o ID Num. 61772976 - Pág. 33, o esboço da partilha contém uma área de 213,4816 ha tendo referência a margem do rio Aricá-açu. Já no memorial descritivo ID Num. 61772983 - Pág. 40, a área é de 374.3256 ha. A mesma faz divisa com o leito do Rio Aricá. 2- Qual a localização exata do leito natural do Rio Aricá? Resposta: O Rio Aricá é um rio afluente que nasce na Serra da Chapada e deságua na Bacia Amazônica. Transpassando o município de Santo Antônio de Leverger, o qual transpassa a área de litigio, iniciando com as coordenadas -15.803931, -55.988411 e terminando -15.852619, -55.982563. Destaca-se que trata das coordenadas abrangentes apenas da área de litígio, conforme Figura 4. 3- Se as matrículas georreferenciadas da Fazenda Chapadão, antiga Fazenda Bahia da Laranja, fazem divisa com a margem direita do leito natural do Rio Aricá? Resposta: Sim, em de acordo com o ID nº 57857932, pág. 144, a Fazenda Bahia da Laranja faz divisa com o Rio Aricá, porém com a visita in loco destes experts fora constatado a presença de uma ilha fluvial, a qual exaustivamente foi demonstrado por estes experts. Todavia, a presente ilha pode ser fluvial ou de maneira artificial, dependendo de mapas em alta resolução já solicitados para validar a realidade dos fatos. 4- Quais as matrículas e a quem são pertencentes às margens direita e a esquerda do leito natural do Rio Aricá na região localizada entre o Sitio Coqueiro e a Fazenda Chapadão? Resposta: Margem direita Fazenda Chapadão e margem esquerda Sitio Coiqueiro, todavia, como mencionado no tópico DOS DOCUMENTOS, o presente caso é pautando na hipótese real de haver uma ilha fluvial na área em litigio, que pode pertencer a União. - Não enfrenta a questão central: A localização do leito natural do Rio Aricá-Açu, ponto primordial da perícia e da controvérsia, permanece sem uma resposta técnica conclusiva. O perito, em diversos momentos, admite a necessidade de documentos adicionais (mapas de alta resolução) que não foram providenciados. Essa pendência, conforme já asseverado no agravo anterior, não pode ser imputada às partes como justificativa para a inconclusão do trabalho, visto que a demanda e sua complexidade eram conhecidas ao tempo da aceitação do encargo e apresentação da proposta de honorários. Exemplo: 5- A carta de anuência n. 001.738-F/2014, expedida pelo INTERMAT, referente ao georreferenciamento do imóvel das matrículas, 3095, 3096, 3097, 3098 e 3099, com certificação no INCRA n. 131309000095-85, protocolado no INTERMAT sob n. 541939/2.014, em nome do Espólio de Luiz José Arruda Viegas, do CRI da Comarca de Santo Antonio de Leverger/MT, condiz com a propriedade georreferenciada de 5904,1658 Há de Joaquim Martins Neto e Outros (Fazenda Chapadão)? Esta propriedade faz divisa com o leito natural do Rio Aricá? Se faz, qual a margem, esquerda ou direita, e qual a propriedade localizada na margem oposta? O sítio Santa Ana Coqueiro se encontra nesta localização? Resposta: Sim. Faz divisa com a margem direita do Rio Aricá-açu e na margem oposta é o sítio Ana Coqueiro. Todavia, como mencionado no tópico DOS DOCUMENTOS, o presente caso é pautando na hipótese real de haver uma ilha fluvial na área em litigio, que pode pertencer a União. [...] 12 - A invasão se deu sobre terra que se encontra devidamente georreferenciada como parte da Fazenda Chapadão? O autor, independentemente da data da invasão/esbulho, ocupa atualmente alguma parte do imóvel dos réus que esteja georreferenciada? Descrever as coordenadas e elaborar um croqui/mapa, especificando o tamanho e demais elementos. Resposta: Conforme a Figura 4 pode-se observar a área de litigio corresponde a aproximadamente 83.75 hectare, porém não há como afirmar que a posse dessa área é da requerida de fato, tendo em vista, a real possibilidade de que a área seja uma ilha fluvial. - Utiliza linguagem ambígua e incompreensível: Há respostas que não oferecem clareza sobre a invasão de propriedades ou a existência de sobreposição, tornando-as imprestáveis para o convencimento judicial. Exemplo: 6 - A posse dos réus (Joaquim Martins e outros) excede a área georreferenciada da Fazenda Chapadão? Resposta: Consoante as informações presente nos autos, bem como os mapas georreferenciados da área de litigio, os requeridos documentalmente detém a posse até a margem direita do Rio Aricá, porém, há possibilidade real de uma ilha fluvial na região objeto da lide, podendo ter sido formada ou interrompida através da ação do homem ou através de leitos temporários como ramificações do rio Aricá, necessitando de mapas com alta resolução para validar as informações obtidas através dos mapas de satélite das Forças Armadas do Brasil. 7 - Os réus (Joaquim Martins e outros) invadiram/ocuparam a propriedade do autor? Resposta: Através das documentações constantes nos autos é possível verificar de os requeridos detinham posse da região que com a visita in loco fora constatada a possibilidade de ter a formação de uma ilha fluvial, consequentemente será uma terra constitucionalmente da União - Confirma a existência de questões não resolvidas: A própria "Conclusão" do Laudo Pericial Complementar reitera que "é de suma necessidade e importância destacar que há possibilidade real de uma ilha fluvial na região objeto da lide, podendo ter sido formada ou interrompida através da ação do homem ou através de leitos temporários como ramificações do rio Aricá, necessitando de mapas com alta resolução para validar as informações obtidas através dos mapas de satélite das Forças Armadas do Brasil" (Id. 124863832 - Pág. 19). Essa afirmação, embora possa ser interpretada como um alerta, na prática, evidencia que o laudo não entrega o resultado esperado, deixando a questão central em aberto e dependente de prova não produzida. Ademais, é digno de nota que as próprias contrarrazões da Forense Lab – Perícias e Consultoria Ltda., embora busquem defender a validade do laudo, admitem implicitamente as limitações ao afirmar que a perícia "atendeu a todas as determinações judiciais e quesitos formulados, dentro dos limites técnicos possíveis e das informações disponíveis nos autos" e que a impossibilidade de determinar com precisão o leito natural do rio sem imagens de alta resolução foi "devidamente apontada". Ora, uma perícia que, em sua conclusão, ainda aponta a "necessidade" de aquisição de novos mapas para "validar as informações" ou para "confirmar se o braço do rio é temporário ou permanente", não pode ser considerada conclusiva e apta a dirimir as dúvidas essenciais da lide. A finalidade da prova pericial em uma ação de interdito proibitório é justamente trazer luz aos fatos controversos, especialmente a delimitação da posse e a existência de ameaça ou turbação em área específica, que neste caso se relaciona diretamente com a localização do leito do rio. Um laudo que não permite ao julgador formar sua convicção sobre esses pontos, por sua falta de clareza, objetividade e, sobretudo, por não responder aos quesitos cruciais, é falho. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a insuficiência da prova pericial impõe a sua complementação ou, em casos de manifesta inaptidão, a realização de nova perícia. A propósito: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - PERÍCIA INCOMPLETA - NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - SENTENÇA CASSADA. - Não tendo a perícia realizada esclarecido satisfatoriamente os fatos, impõe-se o acolhimento de preliminar de cerceamento de defesa, devendo ser realizada nova perícia. Inteligência do art. 480 do CPC. (TJ-MG - AC: 10024132175043002 Belo Horizonte, Relator.: Valdez Leite Machado, Data de Julgamento: 03/12/2020, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/12/2020) APELAÇÃO – AÇÃO CONDENATÓRIA – RECURSO DO AUTOR – SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT – CERCEAMENTO DE DEFESA – CABIMENTO – LAUDO PERICIAL GENÉRICO, INFUNDADO E CONTRÁRIO ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 473 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA – SEGUNDA ANULAÇÃO DA R. SENTENÇA PELO MESMO MOTIVO (CERCEAMENTO DE DEFESA) – RECURSO PROVIDO Não se admite como prova o laudo pericial extremamente vago, genérico, canhestro e obscuro, que sequer se digna a responder aos quesitos elencados pelas partes, mesmo com pedido de esclarecimentos por uma delas. Inobservância do disposto no art . 473 do Código de Processo Civil. Necessidade de nova perícia por outro perito. Cerceamento de defesa reconhecido pela segunda vez neste processo. Violação à celeridade processual e ao direito à ampla defesa . RECURSO DO AUTOR PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10102317020178260100 SP 1010231-70.2017.8 .26.0100, Relator.: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 15/09/2022, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/09/2022) Prosseguir com a instrução processual e, em especial, com a designação de audiência de instrução e julgamento sem a resolução satisfatória da questão pericial, implica em elevado risco de nulidade processual futura, por cerceamento de defesa e pela insuficiência de elementos para a prolação de uma sentença justa e fundamentada. A celeridade processual, embora seja um princípio fundamental, não pode se sobrepor à busca da verdade real e à garantia de uma prestação jurisdicional eficaz. Ante o exposto, com a devida vênia, voto no sentido de conhecer e dar provimento ao presente recurso de agravo de instrumento para: a) Confirmar a tutela antecipada recursal anteriormente deferida, mantendo suspensos o curso do processo na origem, inclusive a realização da audiência de instrução e julgamento designada, e quaisquer levantamentos de valores em favor da perita Forense Lab – Perícias e Consultoria Ltda. b) Reformar as decisões agravadas e, em consequência, determinar a destituição da perita Forense Lab – Perícias e Consultoria Ltda e determinar a nomeação de novo perito judicial, com capacitação técnica comprovada para a complexidade da matéria, a fim de realizar nova perícia que contemple a delimitação da posse do autor, a sua área e, essencialmente, a localização exata do leito natural do Rio Aricá-Açu, bem como responder a todos os quesitos já formulados pelas partes que sejam pertinentes ao objeto da perícia. É o voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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