Processo nº 1001160-04.2021.4.01.3505
ID: 307039906
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001160-04.2021.4.01.3505
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WENDDELL MATIAS DE MENDONCA
OAB/GO XXXXXX
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MATEUS FERNANDO ORIPES
OAB/GO XXXXXX
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JOAO ANTONIO COSTA DE FREITAS ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1001160-04.2021.4.01.3505 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001160-04.2021.4.01.3505 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MUNICIPIO DE MUTUNOP…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1001160-04.2021.4.01.3505 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001160-04.2021.4.01.3505 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MUNICIPIO DE MUTUNOPOLIS e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JOAO ANTONIO COSTA DE FREITAS ALMEIDA - MG147789-A, MATEUS FERNANDO ORIPES - GO47249-A, WENDDELL MATIAS DE MENDONCA - GO27853-A e CRISTIANE SOARES DE SOUZA - GO36314-A POLO PASSIVO:JONAS LUIZ GUIMARAES JUNIOR e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MATEUS FERNANDO ORIPES - GO47249-A, WENDDELL MATIAS DE MENDONCA - GO27853-A, CRISTIANE SOARES DE SOUZA - GO36314-A e JOAO ANTONIO COSTA DE FREITAS ALMEIDA - MG147789-A RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 1001160-04.2021.4.01.3505 R E L A T Ó R I O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Tratam-se recursos de apelação interpostos pelo MUNICÍPIO DE MUTUNÓPOLIS/GO (ID 302238924) e por JONAS LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR (ID 302238944) em face da sentença proferida sob a vigência da Lei 14.230/2021 pelo Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Uruaçu/GO que, nos autos da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa ajuizada pelo Município, em litisconsórcio com o Ministério Público Federal e com a Caixa Econômica Federal, e em face de Jonas Luiz Guimarães Júnior, Artemis Construtora Eireli e Lucas Ricardo Teixeira Santos, rejeitou a inicial em que se pedia a condenação por atos de improbidade previstos no art. 10, caput e inciso XI, ambos da Lei 8.429/1992 (ID 302238903). Jonas Luiz Guimarães Júnior (ID 302238918) e Artemis Construtora Eireli e Lucas Ricardo Teixeira Santos (ID 302238919) opuseram embargos de declaração, alegando a ocorrência de omissões na sentença e requerendo a condenação do Município autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé e honorários advocatícios. Em sentença integrativa, o Juízo de origem rejeitou os embargos de declaração opostos (ID 302238939). O MPF peticionou nos autos, requerendo sua retirada da demanda como litisconsorte ativo, diante da “nulidade da norma que tornou o MPF autor na presente demanda, bem como por não mais haver interesse federal que justifique a atuação do MPF” (ID 302238931). A Caixa Econômica Federal também peticionou, reiterando sua exclusão da lide, diante de ausência de interesse da empresa pública em acompanhar o feito (ID 302238933). Em razões recursais, o Município de Mutunópolis/GO alega que a obra executada pelos demandados estava paralisada e em péssimas condições. Afirma que a empresa foi notificada para sanar as pendências na obra, mas ela se manteve inerte. Sustenta que a obra se encontra em estado tal que não será aprovada pelo órgão convenente, nem servirá para os fins aos quais se destina, ensejando a sanção do Município pelo mau uso das verbas públicas. Requer, assim, a condenação dos apelados por atos de improbidade previstos no art. 10, caput e inciso XI, da LIA, com aplicação das sanções devidas, incluindo o ressarcimento ao erário (ID 257548024). Jonas Luiz Guimarães Júnior também apelou, alegando que não foi analisado pelo Juízo de origem os atos de cunho político praticados pelo Município de Mutunópolis/GO na presente demanda, que além de alterar a realidade fática, juntou fotos que não são do local do Projeto. Requer, assim, a condenação do Município na multa e nas penas da litigância de má-fé previstas nos artigos 79 e 81 do CPC. Pede, ainda, a condenação do ente municipal em honorários de sucumbência previstos no §2º do art. 23-B da Lei 8.429/1992, já que nítida a presença de má-fé. Pugna, por fim, pela concessão da gratuidade de justiça (ID 302238924). Jonas Luiz Guimarães Júnior apresentou contrarrazões ao apelo do Município, requerendo o não provimento do recurso (ID 302238946). O Município não apresentou contrarrazões ao recurso de Jonas Luiz. Em Parecer, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifestou pelo não provimento dos recursos de apelação (ID 303263056). Diante da ampliação do quadro de Desembargadores Federais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o feito foi redistribuído em 13/05/2023 para este Gabinete 31. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 1001160-04.2021.4.01.3505 V O T O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Ressalvada a opinião pessoal desta julgadora que, inclusive, motivou a instauração de conflito negativo de competência nestes autos, curvo-me ao posicionamento majoritário que se formou na sessão de julgamento presencial de 23/04/2025 da 2ª Seção deste Tribunal, ocasião em que, por maioria, vencidos no Conflito de Jurisdição 1029201-15.2024.4.01.0000 os Juízes Marcelo Elias Vieira, em substituição ao Desembargador Leão Alves, e José Magno Linhares Moraes, em minha substituição; No Conflito de Jurisdição 1027509-78.2024.4.01.0000 vencido o Juiz Federal José Magno Linhares, em minha substituição; e no Conflito de Competência 1023852-31.2024.4.01.0000 vencidos os Desembargadores Federais Leão Alves e José Magno Linhares, a 2ª Seção declarou a competência desta Desembargadora Federal suscitada, sob a compreensão de que a redistribuição - para os novos Gabinetes em razão da criação de novos cargos de desembargador - é válida mesmo quando houver relator da 3ª ou 4ª Turma originariamente preventos. Firmada a competência desta julgadora para a relatoria, prossigo. Requisitos de admissibilidade recursal i) Gratuidade de Justiça Verifico que o apelante Jonas Luiz Guimarães Júnior fez pedido de concessão do benefício da justiça gratuita (ID 302238944 - Pág. 2 c/c Pág. 12). Ainda nesse ponto, importante consignar que o apelante não juntou aos autos declaração de hipossuficiência ou procuração com poderes específicos para assinar declaração de hipossuficiência econômica e assim requerer a gratuidade da justiça (ID 302238825 - Pág. 1). Também não houve concessão da gratuidade de justiça pelo Juízo de origem. Sob tal contexto, poder-se-ia cogitar a intimação para comprovação de hipossuficiência para fins de concessão do benefício requerido. Assim, e diante da necessidade de pronto julgamento dos apelos em razão da iminente prescrição intercorrente trazida no art. 23, §§ 4º e 5º da LIA pela Lei 14.230/2021, indefere-se, por ora, o pedido de gratuidade da justiça, sem prejuízo de nova e futura análise, caso novamente pleiteado pela parte interessada. De outro lado, ressalta-se que, mesmo que indeferido o benefício da gratuidade de justiça, o recurso sob julgamento, interposto contra sentença já proferida e publicada quando da vigência da Lei 14.230/2021, não será considerado deserto e por isso não deixará de ser conhecido, porque a Lei 14.230/2021 alterou a Lei 8.429/1992 no que toca à necessidade do preparo, determinando que “não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas” (art. 23-B, caput) e estabelece que, caso a sentença seja de procedência, “as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final” (art. 23-B, § 1º). Avançando, constata-se que os recursos são tempestivos, não há hipótese de deserção por ausência ou insuficiência de preparo e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Sem questões preliminares ou prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador. Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/1992, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir) retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão (ARE 843.989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, preveem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa. A Lei 14.230/2021 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[1] e 7043, o STF proferiu decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação. Já nos autos da ADI 7236/DF[2], ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/1992. E mais recentemente, o Plenário do STF julgou o mérito do RE 656.558/SP/Tema 309 da repercussão geral, reafirmando sua jurisprudência no sentido de que o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992, em sua redação originária. Confira-se: Decisão: O Tribunal, (...) Por maioria, apreciando o tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE nº 656.558/SP, a fim de se restabelecer a decisão em que se julgou improcedente a ação, e fixou a seguinte tese: "a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores." Tudo nos termos do voto ora aditado do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, André Mendonça e Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2024 a 25.10.2024. Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/1992 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II, da Lei 8.429/1992 trazidas pela Lei 14.230/2021 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É nesse prisma que serão analisadas as condutas da parte ré/apelante que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo, o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Do caso concreto. A ação foi ajuizada pelo Município de Mutunópolis/GO, em litisconsórcio com o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal, e em desfavor de Jonas Luiz Guimarães Júnior, ex-Prefeito do referido Município, e da empresa Artemis Construtora Eireli e seu representante Lucas Ricardo Teixeira, em razão de irregularidades e inexecução parcial de obra contratada com recursos do Contrato de Repasse 846956/2017 celebrado com a Caixa Econômica Federal, no importe de R$ 1.015.473,21 (um milhão quinze mil quatrocentos e setenta e três reais e vinte e um centavos), que ocasionaram lesão ao erário, o que configurariam atos de improbidade administrativa descritos no art. 10, caput e inciso XI, da Lei 8.429/1992. O Juízo de origem, em sentença, rejeitou a inicial, sob o fundamento de que o contrato foi concluído e foi atestada sua regularidade, de modo que não há justa causa para a demanda. No caso concreto, antes mesmo da prolação da sentença, entrou em vigor a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/92 e que foram e devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022. Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal. Nessa linha, as questões de natureza material introduzidas na LIA pela Lei 14.230/2021, particularmente nas hipóteses benéficas ao réu, têm aplicação imediata aos processos em curso, em relação aos quais ainda não houve trânsito em julgado. Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg. TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos. Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos) Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/1992, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Já o § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/1992, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[3] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/1992[4], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Na hipótese, o Município de Mutunópolis/GO alega que a obra executada pelos demandados estava paralisada e em péssimas condições. Afirma que a empresa foi notificada para sanar as pendências na obra, mas ela se manteve inerte. Sustenta que a obra se encontra em estado tal que não será aprovada pelo órgão convenente, nem servirá para os fins aos quais se destina, ensejando a sanção do Município pelo mau uso das verbas públicas. Narra a inicial que o Município de Mutunópolis/GO realizou Convênio com o Ministério do Turismo, no ano de 2017, por meio de Contrato de Repasse com a CEF, para a construção do Parque de Mutuns, sob a gestão do demandado Jonas Luiz Guimarães Júnior. Afirma o Município que a empresa Artemis Construtora Eireli se sagrou vencedora no processo licitatório instaurado para a execução das obras. Sustenta o Município que a gestão que assumiu o Poder Executivo Municipal em 2021 constatou que a obra se encontrava paralisada e em péssimas condições, vindo a solicitar à Caixa a realização de fiscalização e o levantamento geral da obra. Assevera o ente municipal que após a realização de vistoria pela CEF, a empresa foi notificada a corrigir as irregularidades e pendências apontadas, porém não o fez, quedando inerte. Verifica-se que a Caixa Econômica Federal, ao requerer sua exclusão do feito em razão de ausência de interesse (ID 302238879), trouxe aos autos a informação que o Contrato de Repasse 846956/2017, objeto dos autos, foi concluído, com aplicação do conceito de “fruição viável” (geração de benefício ou de utilização pela população, mesmo que com funcionalidade parcial, respeitadas as necessidades locais e a finalidade principal do objeto pactuado no instrumento, ainda que atendendo parcialmente as condições estabelecidas no programa do concedente)[5], conforme Parecer de Encerramento de Fruição de ID 302238881, tendo sua prestação de contas final sido aprovada (ID 302238886). Afirmou a Caixa que, embora a execução de 100% de meta prevista não tenha sido atingida, “os apontamentos acerca da necessidade de realização de reparos em alguns elementos do empreendimento foram atendidos pelo município e atestados em vistoria técnica ao local” (ID 302238879). O Parecer pela aprovação da prestação de contas final do Convênio informou o que segue (ID 302238886): 1. Diante do Relatório de Acompanhamento de Engenharia emitido por Engenheiro Civil/Arquiteto da Caixa, onde atesta a conclusão e funcionalidade do objeto contratual (recapeamento asfáltico) e após análise da documentação apresentada, somos favoráveis ao registro da aprovação final. 2. Os saldos remanescentes foram devolvidos para União em 15/02/2022 no valor de R$ 208.875,58 e para a Prefeitura no valor de R$ 8.670,63. 3. O presente empreendimento foi encerrado com o conceito de fruição, este posicionamento baseia-se na declaração apresentada pelo Convenente de que o objeto apresenta funcionalidade parcial. 3.1. Apesar de não atender plenamente as condições estabelecidas no manual do programa, é possível corroborar as informações de que o objeto executado gerou benefício para a população, está em utilização pela população, possui funcionalidade mesmo que parcial, respeita as necessidades locais e respeita a finalidade principal do objeto pactuado. A CEF destacou que a vistoria final para o ateste de funcionalidade da obra não ensejou pagamento à empresa, visto que os reparos solicitados pela empresa pública foram realizados às expensas do Município, conforme informado no Ofício GAB/PREF 0006/2022 (ID 302238880), com a finalidade de encerrar o contrato. Diante deste contexto, se a própria Caixa Econômica Federal, gestora do Contrato de Repasse 846956/2017 para construção da obra denominada Parque dos Mutuns, atestou que o contrato foi concluído com aprovação de prestação de contas, não se vislumbra justa causa na tramitação desta demanda de improbidade. Apesar de a obra ter sido concluída sem a execução de 100% da meta prevista, o empreendimento apresentou funcionalidade e já está sendo utilizado pela população, cumprindo a finalidade principal do objeto pactuado. Ademais, após vistorias técnicas, a CEF aceitou a obra da forma como foi concluída, e devolveu os saldos remanescentes à União, não havendo que se falar em malversação de verbas públicas, ou dano ao erário federal que justifique aplicação da Lei de Improbidade ao caso em comento. Nota-se, assim, que o valor repassado ao Município foi efetivamente aplicado nas obras em questão, já que a execução física das obras estava em percentual condizente com os valores repassados ao ente municipal, além de haver provas de que a empresa contratada sanou algumas irregularidades apontadas, tendo a obra sido concluída a pedido do Município no estado em que se encontrava, de modo que não houve dolo de empresa na inexecução parcial do objeto do Convênio. Além disso, não consta nenhum documento nos autos atestando o desvio das verbas públicas em proveito próprio dos demandados. A sentença rejeitou a inicial da ação de improbidade, sob os fundamentos a seguir expostos (ID 302238903): (...) Analisando o processo, observa-se que a petição inicial desta demanda, deve ser rejeitada. Conforme se observa, a Caixa Econômica Federal informou que o Contrato de Repasse nº 846956/2017 foi concluído com a aplicação do conceito de “fruição” e teve sua prestação de contas final aprovada no SIAFI em 23/02/2022. Após apresentação de Prestação de Contas e de Relatório de Acompanhamento de Engenharia emitido por Engenheiro Civil/Arquiteto da Empresa Pública, concluiu-se que, apesar de a obra não atender plenamente as condições estabelecidas no manual do programa, é possível corroborar as informações de que o objeto executado gerou benefício para a população, está em utilização, possui funcionalidade parcial, respeita as necessidades locais, bem como a finalidade principal do objeto pactuado. Ademais, os saldos remanescentes foram devolvidos para a União em 15/02/2022 no valor de R$ 208.875,58 (duzentos e oito mil, oitocentos e setenta e cinco reais e cinquenta e oito centavos), e para a Prefeitura no valor de R$ 8.670,63 (oito mil, seiscentos e setenta reais e sessenta e três centavos), inexistindo pagamento por serviços não executados e desvio da finalidade das verbas públicas federais. Por fim, a empresa pública federal esclareceu que o município foi comunicado sobre finalização do contrato com aplicação do conceito de fruição, mediante análise técnica considerando o empreendimento viável com 82,06% de execução financeira, perfazendo o valor de R$ 833.272,77 (oitocentos e trinta e três mil, duzentos e setenta e dois reais e setenta e sete centavos); e requereu sua exclusão do polo ativo da lide, tendo em vista a conclusão do contrato e a sua regularidade. Assim, se a própria Caixa Econômica Federal, na qualidade de gestora do contrato n. 846956/2017 para construção da obra denominada Parque dos Mutuns, atestou que o contrato foi concluído com APROVAÇÃO de Prestação de Contas, não há fundamento para que a presente ação civil pública prossiga, visto que não se vislumbra a ocorrência de ato de improbidade administrativa. (destacou-se) O r. Parecer do DD. Órgão do Parquet Federal (PRR1), atuante nesta Eg. Corte Regional Federal na condição de fiscal da ordem jurídica[6], opinou pelo não provimento do recurso do Município, em razão da aprovação das contas pela CEF (ID 303263056): (...) 10. Não obstante os indícios iniciais, no curso da instrução processual, a Caixa Econômica Federal - CEF informou nos autos informou que o contrato foi concluído mediante a aplicação do conceito de "fruição", com a aprovação da prestação de contas no SIAFI em 23/2/2022. Assim foi a manifestação da CEF: (...) 11. Assim, diversamente do que narrou o Município na inicial, a instrução processual foi segura em apontar, nos moldes anunciados pela CEF, que a obra pública foi satisfatoriamente concluída e já se encontra a disposição da população para utilização. 12. De igual modo, não restou comprovada a existência de pagamento a maior à empresa contratada. Conforme análise técnica, apurou-se o montante de 82,06% de execução financeira, o que totalizou o valor de R$ 833.272,77. Entretanto, foi desbloqueado à empresa somente o valor de R$ 809.171,72, promovendo-se a devolução do saldo à União. (...) 15. Na hipótese, como bem reconhecido pela sentença, não restou comprovada a prática de ato ímprobo pelos requeridos, nem a existência de enriquecimento sem causa da empresa contratada. Veja-se, a propósito, o parecer do Ministério Público Federal lançado no Primeiro Grau: (destacou-se) Diante de tal cenário, deve aqui incidir o art. 17, § 6º, inciso II, da LIA, segundo o qual “A petição inicial (...) será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas”. E, ainda, nos termos do § 6º-B do art. 17, “A petição inicial será rejeitada (...) quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado”. A petição inicial, portanto, foi rejeitada em razão de não ter o ente municipal trazido indícios suficientes do dolo imputado aos demandados, com o fim de imputar-lhes os atos de improbidade previstos no art. 10, caput e inciso XI, da LIA. Não há qualquer conduta dos demandados que demonstre a intenção em praticar ato ímprobo. Nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei 8.429/1992: “Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais”. Logo, não há nada nos autos a sugerir a existência de prática de atos de improbidade pelos apelados, já que ausente o dolo específico de “obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade” (§ 1º do art. 11 da LIA) nas condutas a eles imputadas, assim como não comprovado o efetivo dano ao erário para imputar a eles o art. 10, caput e inciso XI, da Lei 8.429/1992, a ensejar a rejeição da inicial, nos termos do art. 17, § 6º-B, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, diante de ausência de indícios de dolo e de prática de atos de improbidade pelos demandados. E também não havendo nos autos provas que demonstrem a ocorrência de dano ao erário, nem o desvio de verbas públicas, ou qualquer irregularidade na execução das obras, não é cabível a imputação dos atos de improbidade do artigo 10 aos apelados. Desta forma, não é possível afirmar que houve efetivo e comprovado dano aos cofres públicos da União, já que não há elementos de prova nos autos de que as verbas públicas utilizadas deixaram de atender a uma finalidade pública, nem que foram desviadas em proveito próprio ou de terceiros. Assim, não sendo o caso de condenação dos réus/apelados pela prática dos atos de improbidade administrativa descritos no artigo 10, caput e inciso XI, da Lei 8.429/1992, a sentença que rejeitou a inicial deve ser mantida. Litigância de má-fé Jonas Luiz Guimarães Júnior também apelou, alegando que não foi analisado pelo Juízo de origem os atos de cunho político praticados pelo Município de Mutunópolis/GO na presente demanda, além de alterar a realidade fática e juntar fotos que não são do local do Projeto. Requer, assim, a condenação do município na multa e nas penas da litigância de má-fé previstas nos artigos 79 e 81 do CPC. Pede, ainda, a condenação do ente municipal em honorários de sucumbência previstos no §2º do art. 23-B da Lei 8.429/1992, já que nítida a presença de má-fé. Não lhe assiste razão. A evidente improcedência dos pedidos contidos na demanda não importa no automático reconhecimento do abuso do direito de litigar. Na verdade, em atenção às informações contidas na inicial, havia à época elementos suficientes a reconhecer o cabimento / procedibilidade da ação, tanto que deferido o pedido liminar de indisponibilidade de bens. Assim, é através da instrução processual que as partes terão assegurados seus direitos à ampla produção de provas para a formação do convencimento motivado do órgão julgador. Se após regular instrução restar demonstrado o descabimento da pretensão inicial, tal circunstância não enseja automaticamente a condenação do autor em litigância de má-fé, sob pena de violação do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A condenação em litigância de má-fé pressupõe a efetiva demonstração da utilização do processo para finalidade diversa, com clara intenção de prejudicar ou de abusar do direito de ação, o que não ficou demonstrado no presente caso. Além disso, a alegação de que as fotos trazidas pelo Município não fazem parte do objeto da obra não foi comprovada pelo demandado/apelante. Assim, também não prospera a alegação de condenação em honorários sucumbenciais, já que não verificada a má-fé no ajuizamento da ação, nos termos do art. 23-B, §2º, da LIA. Ante o exposto, nego provimento às apelações. Descabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, posto que não verificada má-fé (inteligência do §2º do artigo 23-B da Lei 8.429/1992, com a redação incluída pela Lei 14.230/2021)[7]. É o voto. Com amparo no art. 29, XII, RI-TRF1, determino a correção da autuação da seguinte forma: (i) Nos casos de litisconsórcio facultativo, a exclusão de um litisconsorte ativo geralmente não depende da concordância dos demais, desde que não prejudique o processo. Assim, diante dos pedidos do MPF e da CEF para serem excluídos da demanda na condição de litisconsortes ativos, determino a correção para excluir o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal dos autos como APELANTES e APELADOS, mantendo a Procuradoria Regional da República da 1ª Região como custus legis e a CEF como TERCEIRO INTERESSADO. (ii) Exclua-se a empresa Artemis Construtora Ltda e Lucas Ricardo Teixeira Santos como APELANTES, tendo em vista que não interpuseram recurso de apelação, mantendo-os como APELADOS. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora [1]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [2]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [3] No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [4]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [5] Segundo a Portaria 558/2019, que alterou a Portaria 424/2016. [6] Acerca das formas de atuação do MPF em processos, ele pode ser agente (I) processual – na condição de fiscal da ordem jurídica ou como parte em demandas cíveis, criminais ou eleitorais – e (II) extraprocessual / extrajudicial, de forma preventiva, por exemplo com a expedição de recomendações, realização de audiências públicas e celebração de acordos e Termos de Ajustamento de Conduta (TAC). [7]Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 1001160-04.2021.4.01.3505 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001160-04.2021.4.01.3505 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MUNICIPIO DE MUTUNOPOLIS e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: JOAO ANTONIO COSTA DE FREITAS ALMEIDA - MG147789-A, MATEUS FERNANDO ORIPES - GO47249-A, WENDDELL MATIAS DE MENDONCA - GO27853-A e CRISTIANE SOARES DE SOUZA - GO36314-A POLO PASSIVO: JONAS LUIZ GUIMARAES JUNIOR e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: MATEUS FERNANDO ORIPES - GO47249-A, WENDDELL MATIAS DE MENDONCA - GO27853-A, CRISTIANE SOARES DE SOUZA - GO36314-A e JOAO ANTONIO COSTA DE FREITAS ALMEIDA - MG147789-A E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL. OBRAS PÚBLICAS. AUSÊNCIA DOLO E DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. LEI 14.230/2021. APLICABILIDADE IMEDIATA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA. RECURSOS DE APELAÇÃO DO MUNICÍPIO AUTOR E DO EX-GESTOR NÃO PROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelações interpostas pelo Município de Mutunópolis/GO e por J. L. G. J. contra sentença proferida pelo Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Uruaçu/GO, que rejeitou a inicial da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa movida pelo Município, em litisconsórcio com o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal. A ação visava à responsabilização de J. L. G. J., ex-prefeito do Município, da empresa Artemis Construtora Eireli e de seu representante, Lucas Ricardo Teixeira Santos, por supostas irregularidades na execução de obra pública financiada com recursos federais. O Município alegou que a obra estava paralisada e em péssimas condições, sem ser concluída conforme o pactuado, e que isso causaria prejuízos ao erário. Por sua vez, J. L. G. J., ao interpor recurso, alegou que a inicial do Município deveria ser rejeitada, apontando supostos atos de cunho político praticados pelo Município, e requerendo a condenação deste em litigância de má-fé. A Caixa Econômica Federal, gestora do Contrato de Repasse, solicitou sua exclusão da lide, alegando a conclusão da obra e a aprovação das contas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão central do recurso refere-se à análise da existência de atos de improbidade administrativa. O Município de Mutunópolis/GO argumentou que a obra executada pelos demandados não foi concluída conforme o contrato, configurando, assim, ato ímprobo, especialmente em relação ao mau uso de verbas públicas. O recurso do apelante J. L. G. J. alega omissão na decisão que rejeitou a inicial, argumentando que houve litigância de má-fé por parte do Município, requerendo a sua condenação com base nos artigos 79 e 81 do Código de Processo Civil. 3. Uma questão adicional envolve a aplicação das modificações introduzidas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992, especificamente em relação à exigência de dolo para a configuração do ato de improbidade e à aplicabilidade retroativa dessas alterações. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O Juízo de origem rejeitou a inicial da Ação Civil Pública por improbidade administrativa, considerando que a obra, embora não tenha sido concluída em sua totalidade conforme o estipulado no contrato, foi considerada funcional e em uso pela população, o que implicaria na inexistência de dolo ou de desvio de recursos públicos. A Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão do Contrato de Repasse, atestou a conclusão parcial da obra, a entrega de benefícios à população e a aprovação das contas, não identificando malversação de recursos públicos. A sentença observou ainda que, de acordo com a nova redação da Lei 8.429/1992, estabelecida pela Lei 14.230/2021, a prática de improbidade administrativa requer a comprovação de dolo específico, o que não ficou evidenciado no caso. 5. Ademais, após vistorias técnicas, a CEF aceitou a obra da forma como foi concluída, e devolveu os saldos remanescentes à União, não havendo que se falar em malversação de verbas públicas, ou dano ao erário federal que justifique aplicação da Lei de Improbidade ao caso em comento. 6. Em relação à alegação de litigância de má-fé, a sentença também foi mantida, pois a improcedência dos pedidos não configura, por si só, abuso do direito de litigar. A decisão destacou que o Município, embora não tenha logrado êxito na pretensão condenatória, não há no autos elementos suficientes que configurem má-fé ou intenção de prejudicar a parte adversa. A alegação de que o Município alterou fatos ou apresentou provas falsas, como fotos que não corresponderiam ao local da obra, não foi comprovada, afastando a condenação por litigância de má-fé. 7. Em síntese, não se constatou a prática de ato ímprobo, uma vez que não foi comprovado dolo ou desvio de verbas públicas, e não houve o efetivo dano ao erário que justificasse a aplicação da Lei 8.429/1992. Também não foi reconhecida a litigância de má-fé por parte do Município. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recursos interposto pelo Município de Mutunópolis/GO e por J. L. G. J. não providos, mantendo-se a sentença que rejeitou a inicial da Ação Civil Pública. Tese de julgamento: “1. A configuração de ato de improbidade administrativa exige a comprovação de dolo, não sendo suficiente a mera falha na execução de contrato, notadamente quando aceita a obra em face da sua utilidade e funcionalidade e devolvidos os recursos públicos remanescentes; 2. A aplicação retroativa da Lei 14.230/2021 é válida para os processos em curso, desde que ainda não tenha ocorrido a coisa julgada, especialmente no que tange à exigência de dolo para a tipificação dos atos de improbidade administrativa; 3. A alegação de litigância de má-fé não se sustenta quando não há elementos que demonstrem abuso do direito de litigar.” Legislação relevante citada: Lei 8.429/1992, art. 10, caput e inciso XI; Lei 14.230/2021, art. 1º, § 1º e § 2º; Código de Processo Civil, art. 1.009. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989 (Tema 1.199/RG), Tribunal Pleno. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO às apelações interpostas pelo Município de Mutunópolis/GO e por J. L. G. J., nos termos do voto da Relatora. Brasília, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
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