Processo nº 5007107-27.2025.4.04.7003
ID: 280842772
Tribunal: TRF4
Órgão: 2ª Vara Federal de Maringá
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5007107-27.2025.4.04.7003
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ AUGUSTO DOS SANTOS JUVENCIO
OAB/PR XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5007107-27.2025.4.04.7003/PR
IMPETRANTE
: WESLEI PAPPA
ADVOGADO(A)
: LUIZ AUGUSTO DOS SANTOS JUVENCIO (OAB PR113976)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de mandado de segurança impetra…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5007107-27.2025.4.04.7003/PR
IMPETRANTE
: WESLEI PAPPA
ADVOGADO(A)
: LUIZ AUGUSTO DOS SANTOS JUVENCIO (OAB PR113976)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por
WESLEI PAPPA
em função de ato imputado ao DIRETOR DO SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS (SFPC), no qual pretende a concessão de liminar, e sua confirmação em sentença, para que para que seja resguardado o direito líquido e certo do Impetrante, determinando-se a manutenção da validade de seu Certificado de Registro (CR) e dos Certificados de Registro de Arma de Fogo (CRAF’s), conforme os prazos estabelecidos nos documentos emitidos sob a égide do Decreto n. 9.847/2019 preservando-se, assim, os efeitos do ato jurídico perfeito.
Relata e alega o impetrante, em suma, que:
(i)
é detentor CR (Certificado de Registro) de número 000.191.313-13 com validade até 2031 e dos seguintes Certificado DE Registro de Arma de Fogo - CRAF: 1. Revólver – marca: FORJAS TAURUS, n° de série LX492727 e n° SIGMA 1035893, com validade até 2032, e 2. Pistola – marca: FORJAS TAURUS – n° de série AAL002817 e n° SIGMA 1092476, com validade até 2032;
(ii)
ambas constam a validade de 10 anos, mas o art. 24 Decreto 11.615/2023 e o art. 16 da COLOG 166 promoveram mudanças nesse tempo de validade das CRAF, passando a ter validade de 3 anos;
(iii)
é titular de direito adquirido, consubstanciado em ato jurídico perfeito, uma vez que suas armas de fogo e seu Certificado de Registro (CR) encontram-se devidamente válidos, com prazo de vigência de 10 (dez) anos a contar da respectiva renovação; (iv) estão presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência, sendo o
periculum in mora
na "...
possibilidade concreta de o Impetrante ser surpreendido em operação policial, vindo a ser submetido às sanções previstas no art. 26 do Decreto nº 11.615/2023".
Junta documentos.
Decido
.
1.
Liminar
De acordo com o art. 1º da Lei n.º 12.016/2009, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por
habeas corpus
ou
habeas data
, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
A mesma Lei autoriza decisão liminar quando for relevante o fundamento (relevância) e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida (urgência), caso seja deferida ao final do processamento (art. 7º, III, Lei n.º 12.016/2009).
Sustenta o impetrante ter o direito líquido e certo de renovar seu(s) certificado(s) de registro e seu(s) certificado(s) de registro de arma de fogo nos termos da legislação da época em que foram expedidos, pois configurado o "ato jurídico perfeito".
Quanto ao Certificado de Registro de Arma de Fogo e ao registro de colecionadores, atiradores e caçadores, a Lei n.º 10.826/2003 dispõe:
Art. 3
o
É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.
Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei.
Art. 4
o
Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;
(Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
(...)
Art. 5
o
O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.
(Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004)
§ 1
o
O certificado de registro de arma de fogo será expedido pela Polícia Federal e será precedido de autorização do Sinarm.
§ 2
o
Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4
o
deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo
.
(...)
Art. 9
o
Compete
ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e,
ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores
e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional. (g.n.).
Como se nota, a lei estabelece que, para renovação do CRAF, o preenchimento dos requisitos deverá ser comprovado periodicamente,
em prazo não inferior a 3 (três) anos
, conforme
estabelecido em regulamento
. Estabelece, ainda, competir ao Comando do Exército,
nos termos do regulamento
, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores.
O Certificado de Registro - CR e o(s) Certificado(s) de Registro(s) de Arma de Fogo - CRAF's do(s) impetrante(s) foi (ram) emitido(s) com validade de 10 anos, com base no § 2º do art. 1º do Decreto n.º 9.846/2019, que regulamentava a Lei n.º 10.826/2003.
O Decreto n.º 11.366/2023 revogou o Decreto n.º 9.846/2019 e suspendeu a emissão de novos CRs até nova regulamentação à Lei n.º 10.826/2003, o que veio a ocorrer com a edição do Decreto n.° 11.615, de 21 de julho de 2023.
O Decreto n.° 11.615/2023 estabelece o prazo de validade de 3 (três) anos para o CRAF concedido a colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, bem como que referido prazo, no caso de CRAF concedido anteriormente, será contado da data da publicação do Decreto. Estabelece, ainda, que os caçadores excepcionais, os atiradores desportivos e os colecionadores constituem grupos específicos, regulados nos termos do Decreto e das normas complementares editadas pelo Comando do Exército:
Art. 24.
O CRAF terá o seguinte prazo de validade
:
I -
três anos para CRAF concedido a colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional
;
(...)
§ 2º Ressalvado o disposto no inciso I do caput,
a validade do CRAF das armas cadastradas e exclusivamente vinculadas ao Sigma será regulamentada pelo Comando do Exército, observado o prazo mínimo de três anos para a sua renovação prevista no
§ 2º do art. 5º da Lei nº 10.826, de 2003
.
Art. 30. O
s caçadores excepcionais, os atiradores desportivos e os colecionadores constituem grupos específicos
, diferenciados em função da finalidade para a qual necessitam do acesso à arma de fogo,
regulados nos termos deste Decreto e das normas complementares editadas pelo Comando do Exército
.
Art. 31.
A prática das atividades de caça excepcional, de tiro desportivo e de colecionamento de armas de fogo dependerá da concessão prévia de CR pelo Comando do Exército
, vinculado à finalidade pretendida pelo interessado.
(...)
Art. 80. O prazo de validade estabelecido nos incisos II e III do caput do art. 24 aplica-se a todos os CRAF vigentes se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido menos da metade do tempo estabelecido no ato da concessão ou da renovação.
Parágrafo único.
Na hipótese de CRAF anteriormente concedido para colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, incidirá o prazo de validade estabelecido no inciso I do caput do art. 24, contado da data de publicação deste Decreto
. (g.n.).
No uso das atribuições previstas do Decreto n.º 11.615/2023, o Comando Logístico do Exército expediu a Portaria n.º 166 - COLOG/C Ex, de 22/12/2023, a qual prevê o prazo de validade de 3 (três) anos do CR do colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional e do CRAF, nos seguintes termos:
Art. 16. O prazo de validade do registro para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional é de três anos, contados a partir da data de sua concessão ou de sua última revalidação.
Parágrafo único. Para os CR concedidos ou revalidados em data anterior à vigência do Decreto nº 11.615/2023, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto.
(...)
Art. 92. O CRAF das armas dos acervos de coleção, tiro desportivo e caça excepcional terá validade de três anos (inciso I do art. 24 do Decreto nº 11.615/2023).
Parágrafo único. Na hipótese de CRAF anteriormente concedido para colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto nº 11.615/2023 (parágrafo único do art. 80 do Decreto nº 11.615/2023).
Convém observar que os atos de concessão/renovação de Certificado de Registro - CR para atuação como Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) e de Certificado de Registro de Arma de Fogo - CRAF, no âmbito do Direito Administrativo, têm natureza jurídica de autorização e, por consequência, são atos unilaterais do Poder Público, de caráter discricionário e precário, revogáveis ou modificáveis a qualquer tempo no interesse da administração/interesse público, sem que emane para o autorizado direito adquirido.
Da mesma forma, considerando a característica da precariedade dos atos, não se cogita, em relação à novel legislação reguladora das referidas autorizações, lesão a ato jurídico perfeito e à segurança jurídica.
Nesse sentido,
mutatis mutandis
, convém citar excerto de decisão proferida pela Desembargadora do TRF da 4ª Região Vivian Josete Pantaleão Caminha no Agravo de Instrumento n.º 5032821-22.2020.4.04.0000 (juntado aos autos em 22/07/2020):
(...)
Como já salientado pelo juízo a quo,
o porte não é, segundo a Lei n. 10.826/03, direito subjetivo do cidadão. Trata-se de mera autorização, ato administrativo sujeito ao preenchimento de requisitos legais e ao juízo favorável de conveniência e oportunidade da Administração Pública. (...) tendo sido revogados os Decretos que consideravam como atividade profissional de risco o instrutor de tiro ou armeiro credenciado pela Polícia Federal e/ou o advogado,
não há falar em preenchimento dos requisitos e invocar direito adquirido ou o princípio do tempus regis actum pois, ainda que houvesse sido concedida, a autorização poderia ser revogada a qualquer tempo a critério da administração com base na nova legislação em vigor
.
(g.n.).
Também não há ofensa ao princípio da legalidade.
Conforme art. 84, IV, da Constituição Federal, compete privativamente ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
A Lei n.º 10.826/2003, por sua vez, expressamente habilitou o regulamento a tratar da comprovação periódica,
em prazo não inferior a 3 (três) anos
, dos requisitos para a renovação do CRAF (art. 5º, § 2º), bem como a tratar da concessão do registro para colecionadores, atiradores e caçadores pelo Comando do Exército (art. 9º).
Diante disso, o Decreto n.º 11.615/2023, ao reduzir para 3 (três) anos o prazo de validade do CRAF, não inovou o ordenamento jurídico, pois se ateve ao limite estabelecido na lei regulamentada.
Outrossim, a Portaria n.º 166 - COLOG/C Ex, de 22/12/2023, habilitada pelo Decreto n.º 11.615/2023 (art. 24, §2º, e art. 30) a tratar dos prazos de validade do CRAF e do CR, não desbordou da legislação de regência.
Enfim, como o Poder Executivo, valendo-se de seu poder discricionário, entendeu ser conveniente e oportuno regular o assunto novamente, reduzindo o prazo de validade do CR e do CRAF de 10 (dez) para 3 (três) anos sem desbordar dos limites impostos pelo legislador, não se cogita violação ao ato jurídico perfeito, à segurança jurídica ou à legalidade.
Deve(m) o(s) impetrante(s), portanto, adequar-se aos novos prazos de validade de CR e CRAF.
A seguir, decisões recentes proferidas no âmbito de 3 (três) Turmas das 4 (quatro) componentes da 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - com competência administrativa, civil, comercial e residual) (
https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=1&seq=1%7C327
) - , inclusive da 12ª Turma que, nos autos de Apelação Cível nº 5009693-11.2023.4.04.7002/PR, proferiu o acórdão citado pelos impetrantes:
DECISÃO: Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por PATRICK MICHEL CHADELIER em face de decisão que indeferiu a liminar nos autos do MS nº 50578889620244047000, atinente ao pedido de reconhecimento de ilegalidade da redução do prazo de validade do CR como atirador desportivo e do seus CRs de Arma de Fogo. Em suas razões recursais, alegou que a) o juízo de origem suspendeu o processo sob o fundamento de que houve determinação neste sentido na ADC 85 MC/DF; b) não obstante a decisão recorrida foi contraditória, porque os pedidos feitos na inicial não contemplam reconhecimento de inconstitucionalidade/ilegalidade; c) pontou que o julgador deixou de considerar que o agravante teve seu CR emitido em 23.07.2019, com validade até 23.07.2029; d) disse que o Decreto 11.366/23 passou a diferenciar CR e CRAF, reduzindo o prazo de validade do último de 10 para 3 anos, mas nada referindo quanto à validade do primeiro; e) aduziu que O que pretende o impetrante é que o órgão administrativo respeite e garanta seu direito adquirido com documento legal e válido até 2029. Pediu a antecipação dos efeitos da tutela (evento 1, INIC1). Passo a decidir. 1. Assim deliberou o juízo originário (processo 5057888-96.2024.4.04.7000/PR, evento 4, DESPADEC1): (...) Sob este prisma, a redução no prazo de validade do CR e do CRAF, operada pelo Decreto nº 11.615/23 e pela Portaria nº 2166-COLOG/2023, se insere dentro de uma questão de política pública, não havendo como olvidar que a circulação de armas de fogo deve ocorrer de modo excepcional nos termos previstos em lei. Logo, cabe à Administração Pública dentro de seu critério de discricionariedade avaliar os riscos da autorização do porte de armas de fogo, o que inclui o estabelecimento de prazo de validade dessa autorização. Ante o exposto, indefiro o pedido liminar. 2. Na ADC 85 MC/DF o Relator, o Ministro Gilmar Mendes, em despacho proferido em 15.02.2023, determinou a suspensão de todos os processos em que se discutem a constitucionalidade, legalidade ou eficácia do Decreto n. 11.366, de 1º de janeiro de 2023, do Presidente da República e a suspensão da eficácia de quaisquer decisões judiciais afastando a aplicação do referido Decreto: DECISÃO: Ante o exposto, defiro o pedido formulado e determino, desde já, ad referendum do Pleno (art. 5º, §1º, da Lei 9.882 c/c art. 21 da Lei 9.868):(i) a suspensão do julgamento de todos os processos em curso cujo objeto ou a causa de pedir digam com a constitucionalidade, legalidade ou eficácia do Decreto n. 11.366, de 1º de janeiro de 2023, do Presidente da República e;(ii) a suspensão da eficácia de quaisquer decisões judiciais que eventualmente tenham, de forma expressa ou tácita, afastado a aplicação do Decreto n. 11.366 de 1º de janeiro de 2023, do Presidente da República. Assim, como o impetrante busca o afastamento de disposição que reduziu o prazo de validade do Certificado de Registro como atirador desportivo, ainda que operada pelo Decreto posterior (Decreto nº 11.615/2023) a pretensão está alcançada pelo âmbito de incidência da ordem de suspensão oriunda do Supremo Tribunal Federal. A decisão foi integrada a partir de embargos de declaração interpostos pelo agravante (evento 9, DESPADEC1). (...) No caso em tela, não assiste razão ao embargante. Embora não tenha questionado, de forma direta, constitucionalidade, legalidade ou eficácia do Decreto nº 11.615/23, a Portaria nº 166-COLOG/2023, que fundamenta o ato tido por coator, foi expedida à guisa de regulamentação do referido ato legislativo. Portanto, a discussão acerca da legalidade ou não do ato coator é indissociável da análise dos mencionados documentos legais. Além disso, a decisão proferida no evento 4 deixou bem claro que não há direito adquirido ao prazo de validade do registro, nem se trata de ato jurídico perfeito em razão de sua natureza precária, pois a autorização se insere no Poder Discricionário da Administração: (...) Ademais, a Portaria 166-COLOG/2023 também alcança o prazo de validade dos CRs concedidos ou revalidados em data anterior à vigência do Decreto nº 11.615/2023, estabelecendo em 3 anos, a partir da data de publicação do Decreto: (...) Portanto, ainda que o impetrante não tenha questionado de forma literal a constitucionalidade, legalidade ou eficácia do Decreto, é certo que ao defender que houve lesão a direito adquirido ou a ato jurídico perfeito está a questionar sua constitucionalidade (Art. 5º, inciso XXXVI da CF) e sua eficácia, por entender que o Decreto não opera efeitos sobre os certificados de registro emitidos antes de sua edição. Diante de todo o exposto, conheço dos embargos de declaração opostos pelo impetrante no evento 7, EMBDECL1, mas nego-lhes provimento. Pois bem. 2. Colhe-se que foram expedidos os seguintes documentos (vide E1): Certificado de Registro com validade até 23.07.2029; Registro de Pistola, Marca Taurus, Calibre 9MM, Série nº AAN 195697, com validade até 05.05.2030; Registro de Pistola, Marca Taurus, Calibre 9MM, Série nº KNH 13197, com validade até 17.03.2031; Registro de Espingarda, Calibre 12GA, Série nº G100938-21, com validade até 15.12.2031. Ocorre que o Decreto 11.615/2023 e a COLOG 166 reduziram o prazo de validade, antes de 10 anos, para 03 anos. DECRETO 11.615/23 Art. 24. O CRAF terá o seguinte prazo de validade: I - três anos para CRAF concedido a colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional; COLOG 166 Art. 16. O prazo de validade do registro para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional é de três anos, contados a partir da data de sua concessão ou de sua última revalidação. Parágrafo único. Para os CR concedidos ou revalidados em data anterior à vigência do Decreto nº 11.615/2023, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto. O principal argumento apresentado pelo recorrente é o de que teria direito adquirido, não estando sujeito às alterações supracitadas. Não obstante, andou bem o juízo originário ao destacar que os atos administrativos em questão condizem com autorização do poder público, e, como tal, são de natureza precária, de modo que não se pode acolher a tese de direito adquirido. Com efeito, diante da característica supracitada, é perfeitamente viável a modificação e alteração do prazo de validade, tal como ocorrido, sem que se possa alegar direito à manutenção dos registros anteriormente concedidos. Neste sentido: EMENTA: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CERTIFICADO DE REGISTRO DOS CAÇADORES, ATIRADORES E COLECIONADORES. CERTIFICADO DE REGISTRO DE ARMA DE FOGO - CRAF. MANUTENÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE DE 10 ANOS. DECRETO 11.615/23. PORTARIA Nº 166/2023 - COLOG/C EX. IMPOSSIBILIDADE. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. 1. O Certificado de Registro (CR) para a atuação como Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) e o Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) são atos administrativos negociais unilaterais, discricionários e precários, podendo ser revogados (ou revisados) a qualquer tempo, no interesse da administração/interesse público, não havendo falar em direito adquirido, ato jurídico perfeito e, tampouco em violação ao princípio de irretroatividade das leis. 2. Manutenção da sentença. (TRF4, AC 5000242-35.2024.4.04.7128, 4ª Turma, Relator para Acórdão SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, julgado em 18/12/2024)[grifei] É exatamente disso que trata o caso em análise. Nessa linha, ainda que validamente deferidos os registros, está o agravante imediatamente sujeito às novas normas. No mais, não prospera o mencionado de que não teria sido estipulado novo prazo de validade para o CR, eis que é facilmente perceptível, do exame das normas acima colacionadas, que tanto CR como CRAF passaram a valer por apenas 03 anos. Mais que isso, releva destacar mais uma vez o disposto no parágrafo único, do art. 16, da Portaria 166-COLOG/2023: Parágrafo único. Para os CR concedidos ou revalidados em data anterior à vigência do Decreto nº 11.615/2023, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto.[grifei] Logo, em se tratando de CR e CRAFs emitidos anteriormente ao aludido decreto, incide o prazo de validade de 03 anos, contados da vigência do mesmo (21 de julho de 2023). 3. De outra parte, entendo que a discussão não envolve a constitucionalidade, legalidade ou eficácia do Decreto 11.366/2023, estando em análise, na realidade, as alterações promovidas pelo Decreto 11.615/2023. Repisa-se que foi este último que estabeleceu o novo prazo de 03 anos, em relação ao qual se opôs o agravante. Neste ponto, portanto, comporta alteração a decisão objurgada, eis que descabida a suspensão da ação originária, tal qual determinado, devendo a mesma ter prosseguimento. Ante o exposto, defiro parcialmente a antecipação da tutela recursal, apenas para determinar o prosseguimento da ação de origem. Intimem-se, sendo que a parte agravada e os interessados, se houver, para contrarrazões, nos termos do art. 1.019, II do CPC. Caso a(s) parte(s) agravada(s) tenha(m) sido devidamente intimada(s) em primeiro grau e não tenha(m) constituído advogado, dispenso a intimação para apresentação de contrarrazões. (TRF4, AG 5043470-07.2024.4.04.0000, 12ª Turma, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, julgado em 10/01/2025)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CERTIFICADO DE REGISTRO DOS CAÇADORES, ATIRADORES E COLECIONADORES. CERTIFICADO DE REGISTRO DE ARMA DE FOGO - CRAF. MANUTENÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE DE 10 ANOS. DECRETO 11.615/23. PORTARIA Nº 166/2023 - COLOG/C EX. IMPOSSIBILIDADE. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. 1. O Certificado de Registro (CR) para a atuação como Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) e o Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) são atos administrativos negociais unilaterais, discricionários e precários, podendo ser revogados (ou revisados) a qualquer tempo, no interesse da administração/interesse público, não havendo falar em direito adquirido, ato jurídico perfeito e, tampouco em violação ao princípio de irretroatividade das leis. 2. Manutenção da sentença. (TRF4, AC 5000242-35.2024.4.04.7128, 4ª Turma, Relator para Acórdão SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, julgado em 18/12/2024)
DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a seguinte decisão (4.1): Trata-se de ação ordinária proposta por F. D. C. A. contra a UNIÃO com o objetivo de objetivo de, em sede de tutela antecipada, garantir o direito à manutenção de seu Certificado de Registro (CR) e seus Certificados de Registro de Arma de Fogo (CRAFs) com validade de 10 anos, conforme os documentos anteriormente expedidos. Afirmou que atua como atleta do tiro desportivo, autorizado pelo Exército Brasileiro por meio do CR -Certificado de Registro n.º 0003.387.173-98, na condição de CAC - Caçador, Atirador e Colecionador de Armas de Fogo, emitido em 19/02/2020, com validade de 10 anos nos termos do §2º do artigo 1º do Decreto nº 9.846 de 25 de junho de 2.019, diploma que regulamentava a matéria ao tempo da concessão da referida autorização. Disse que O Decreto n. 11.366/23 de 01/01/2023 revogou o Decreto n. 9.846/19 e suspendeu a emissão de novos CR - Certificados de Registro, até a edição de nova regulamentação com a vigência do Decreto n. 11.615/23 de 21/07/2023. Afirmou que: O novo diploma apresenta diversas lacunas quanto a temas que até então eram regulamentados pelo diploma revogado, além disso, reduziu o prazo de validade dos novos CRAF's para 3 (três) anos, nos termos do artigo 24, I do supracitado dispositivo. E ainda: Tendo em vistas os diversos temas com lacunas deixados pela legislação e visando a criação de normas para a gestão de produtos controlados pelo Exército nas atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça excepcional, o Ministério da Defesa por meio do Comando do Exército, publicou em 27.12.2023, no DOU a Portaria nº 166 COLOG/C EX, de 22 de dezembro de 2.023, a qual trouxe em seu artigo 16 o novo período de validade do CR- Certificado de Registro para CAC- Caçador Atirador e Colecionador. Ademais, o prazo de validade dos CRAF´s Certificado de Registro de Arma de Fogo está fundamentado no artigo 80 do mesmo dispositivo legal. Entretanto, verifica-se que os novos diplomas simplesmente violam o princípio da segurança jurídica, do direito adquirido e do ato jurídico de 10 (dez) para 03 (três) anos dos CR´s e CRAF´s emitidos anteriormente ao novo diploma, gerando instabilidade jurídica aos atletas do tiro esportivo, não restando outra opção ao Autor que não a propositura da presente ação para ver declarado seu direito de gozar do prazo de 10 (dez) anos de seu documento. Decido. Direito adquirido e ato jurídico perfeito A aplicação da norma estabelecida de forma abstrata ocorre por meio do fenômeno da incidência. Por incidência da norma jurídica se tem entendido seu efeito de transformar em fato jurídico o suporte fático que o Direito considerou relevante para ingressar no mundo jurídico (COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica - critica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 40). A incidência, ou seja, a transformação do suporte fático em fato jurídico, ocorreria independentemente da vontade humana: a norma jurídica, nesse sentido, não é 'incindida'; ela incide pela causalidade normativa (COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica - critica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 54). ADRIANO SOARES DA COSTA enfatiza: [...] incidência - sempre afirmou Pontes de Miranda - ocorre no mundo do pensamento. Nem decorre dos fatos mesmos, posto que os fatos, enquanto fatos, não estão do lado de dentro do mundo jurídico; nem decorre da vontade de alguém, do aplicador da norma. Não decorre a incidência da facticidade, porque a norma não é objeto real; também da vontade de alguém, porque não é ela objeto mental, dependente da psique de um sujeito determinado. A norma incide no terceiro mundo, o mundo do pensamento, onde se encontram situados, epistemologicamente, os objetos culturais (a linguagem, inclusive). (COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica - critica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 150). Dos possíveis efeitos da norma que incidiu, destaca-se a atribuição de uma vantagem em favor de alguém cuja realização é dependente do comportamento de outrem. Também pode atribuir uma vantagem em favor de alguém independentemente do comportamento de outrem. No primeiro caso, tem-se o chamado direito subjetivo, no segundo, o direito potestativo. A esse ponto cabe dize que o instituto do direito subjetivo não se confunde com o do direito adquirido, nem com o do ato jurídico perfeito. O direito subjetivo constitui o direito que se incorporou ao patrimônio jurídico do indivíduo como efeito da incidência da norma jurídica abstrata sobre um suporte fático. A verificação da existência de direito subjetivo, portanto, demanda a avaliação da efetiva ocorrência do suporte fático de uma norma jurídica. Caracterizada a incidência, com geração do direito subjetivo, seu titular passa a dispor de uma vantagem frente a outrem que passa a ter um dever para com o titular do direito subjetivo. Essa vantagem (=direito subjetivo) tem como fundamento de validade a norma jurídica abstrata de onde decorreu. Pode ocorrer que, após a constituição do direito subjetivo, mas antes do exercício do direito por parte do titular, lei nova venha e altere a norma jurídica que era o fundamento de validade (fonte) do direito subjetivo (v.g. individuo que havia preenchido os requisitos para aposentadoria, mas não requereu a aposentadoria antes da mudança da lei). Nessa configuração de circunstâncias é que tem sentido o instituto do direito adquirido. Portanto, direito subjetivo diz respeito ao preenchimento dos requisitos para o acesso ao direito. O direito adquirido pressupõe o direito subjetivo e diz respeito aos requisitos para a manutenção desse direito após a lei nova que não mais o garante. De outro lado, se o direito subjetivo já foi exercido antes da lei nova, não há mais que se falar em direito subjetivo ou direito adquirido e sim em ato jurídico perfeito. O ato jurídico perfeito constitui o direito subjetivo exercitado antes da lei nova (v.g. indivíduo requereu e obteve sua aposentadoria antes da lei nova). Prossigo. Constituição Federal de 1988 possui norma expressa regulando a retroatividade e a irretroatividade das leis: Art. 5º. [...] XXXVI -- a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; Pelo dispositivo tem-se que, em regra, a lei é retroativa, e somente não retroagirá no caso de direito adquirido, de ato jurídico perfeito e da coisa julgada. O direito adquirido é o resultado da existência do direito subjetivo mais a superveniência de lei nova. Para que haja direito adquirido é necessário que todos os elementos de formação do direito subjetivo tenham se operado no mundo dos fatos em data anterior ao da vigência da nova lei. O preenchimento de apenas parte da hipótese de incidência prevista abstratamente não é suficiente à formação do direito subjetivo e se ele vem a se completar após a vigência da lei nova, não há formação do direito adquirido. Havia uma expectativa de que, um dia, haveria a formação do direito subjetivo. Salvo previsão legal expressa a expectativa de direito subjetivo não tem proteção jurídica. Todavia, ocorrido integralmente o suporte fático da norma jurídica abstrata em momento anterior ao advento da nova lei, a Constituição Federal põe a salvo o direito subjetivo não exercitado, autorizando seu exercício mesmo depois do advento da lei nova, com a qualidade de direito adquirido. O indivíduo tem assegurada, pois, a prerrogativa de exercer o direito na forma e limites estabelecidos pela legislação revogada. Da mesma forma em relação ao ato jurídico perfeito. Uma vez exercitado o direito subjetivo, o avento da lei nova não pode, segundo a regra constitucional, desconstituir ou modificar o ato já realizado. A dificuldade aparece em relação aos atos jurídicos perfeitos que geram efeitos no tempo. O Supremo Tribunal Federal, a respeito desse ponto, ao interpretar o disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal firmou entendimento no sentido de que, concretizado integralmente o ato jurídico sob determinado regime jurídico, apresenta-se inconstitucional a incidência da lei nova, seja para atingir o ato desde o início (retroatividade máxima), seja para atingir seus efeitos, ainda que a partir de sua vigência (retroatividade mínima). Nesse sentido, transcrevo os fundamentos apresentados pelo Ministro MOREIRA ALVES no voto que proferiu na ADI n.º 493/DF: Quanto à graduação por intensidade, as espécies de retroatividade são três: a máxima, a média e a mínima. MATOS PEIXOTO, em notável artigo - Limite temporal da Lei - publicado na Revista Jurídica da antiga Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (vol. IX, págs. 9 a 47), assim as caracteriza: Dá-se a retroatividade máxima (também chamada restitutória, porque em geral restitue as partes ao 'statu quo ante'), quando a lei nova ataca a coisa julgada e os fatos consumados (transação, pagamento, prescrição). Tal é a decretal de Alexandre III que, em ódio à usura, mandou os credores restituírem os juros recebidos . À mesma categoria pertence a célebre lei francesa de 2 de novembro de 1793 (12 brumário do ano II), na parte em que anulou e mandou refazer partilhas já julgadas, para os filhos naturais serem admitidos à herança dos pais, desde 14 de julho de 1789. A carta de 10 de novembro de 1937, artigo 95, parágrafo único, previa a aplicação da retroatividade máxima, porquanto dava ao Parlamento a atribuição de rever decisões judiciais, sem excetuar as passadas em julgado, que declarassem inconstitucional uma lei. A retroatividade é média quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico verificados antes dela, exemplo: uma lei que limitasse a taxa de juros e não aplicasse aos vencidos e não pagos. Enfim a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que ela entra em vigor. Tal é, no direito romano, a lei de Justiniano (C. 4, 32, 'de usuris', 26, 2 e 27 pr), que, corroborando disposições legislativas anteriores, reduziu a taxa dos juros vencidos após a data da sua obrigatoriedade. Outro exemplo: o Decreto-Lei n.º 22.626, de 7 de abril de 1933, que reduziu a taxa de juros e se aplicou, a partir da sua data, aos contratos existentes, inclusive aos ajuizados (art. 3º) (págs. 22/33). Nas duas primeiras espécies, não há dúvida alguma de que a lei age para trás, e, portanto, retroage, uma vez que, inequívocamente, alcança o que já ocorreu no passado. Quanto à terceira espécie - a da retroatividade mínima -, há autores que sustentam que, nesse caso, não se verifica, propriamente, a retroatividade, ocorrendo, aí, tão somente a aplicação imediata da lei. Assim, por exemplo, PLANIOL (Traité Élémentaire de Droit Civil, vol. I, 4ª ed., nº 243, pág. 95, Libraire Générale de Droit & de Jurisprudence, Paris, 1906) , que salienta: ... a lei é retroativa quando ela se volta para o passado, seja para apreciar as 'condições de legalidade de um ato', seja para modificar ou suprimir os 'efeitos de um direito já realizados'. Fora daí, não há retroatividade, e a lei pode modificar os 'efeitos futuros' de fatos anteriores, sem ser retroativa [...] Também ROUBIER (Lê Droit Transitoire - Conflits dês Lois dans le Temps, 2ª ed., nº 38, pág. 177, Éditione Dalloz et Sirey, Paris, 1960), depois de dizer que é simples a distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei, pois ocorre quando a lei se aplica ao passado, enquanto este se dá quando a lei se aplica ao presente, assim desenvolve essa premissa: Também ROUBIER (Lê Droit Transitoire - Conflits dês Lois dans le Temps, 2ª ed., nº 38, pág. 177, Éditione Dalloz et Sirey, Paris, 1960), depois de dizer que é simples a distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei, pois ocorre quando a lei se aplica ao passado, enquanto este se dá quando a lei se aplica ao presente, assim desenvolve essa premissa: Na sequência, o Ministro MOREIRA ALVES rebate os posicionamentos de Planiol e Roubier para sustentar que, se a lei nova modificar os efeitos de ato ou fato consumado no passado, há retroatividade por atingir a causa de tais efeitos: Essas colocações são manifestamente equivocadas, pois dúvida não há de que, se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. Nesse caso, a aplicação imediata se faz, mas com efeito retroativo. Por isso mesmo, o próprio ROUBIER (ob. cit., nº 82, pág. 415) não pôde deixar de reconhecer que, se a lei nova infirmar cláusula estipulada no contrato, ela terá efeito retroativo, porquanto ainda que os efeitos produzidos anteriormente à lei nova não fossem atingidos, a retroatividade seria temperada no seu efeito, não deixando, porém, de ser uma verdadeira retroatividade. [...] (ADI n.º 493/DF) Nessa mesma linha, a advertência feita por Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, tomo V, p. 69) a respeito da retroatividade: A lei nova não pode ir ao passado, tornando deficiente o suporte fático que não o era ao tempo em que se deu a incidência da lei velha (Tempus regit factum). Essa fórmula, aliás, já era enunciada em 1913 pela Suprema Corte americana, ao decidir que há retroatividade quando a lei nova dá uma qualidade ou efeito a atos e condutas que não os possuíam ou não os contemplavam no tempo de sua realização (Union Pacific R. Co. v. Laramie Stock Yards, 231 US 190, 1999 - apud SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito adquirido e expectativa de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 84). Portanto, segundo o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a Constituição Federal, não tolera a retroatividade máxima, de modo a atingir o ato jurídico que se realizou integralmente sob a vigência de lei anterior, nem admite a retroatividade mínima para atingir os efeitos futuros de ato jurídico que se completou sob a vigência da lei antiga. Caso concreto Pois bem, a petição inicial informa que o autor é proprietário de quatro armas de fogo, apresentando o seguinte quadro: Ao auto foi deferido certificado de registro com validade de 10 anos, como demonstram os documentos relativos às armas Ruger (evento 1, ANEXO5), CBC, Glock e Taurus (evento 1, ANEXO6). O prazo de 10 anos do certificado está baseado no § 2º do art. 1º do art. do Decreto n. 9.846/19, visto que expedidos em 31-8-2020, 29-10-2020, 11-3-2021 e 04-8-2022. A norma possuía a seguinte redação: Art. 1º [...] § 2º O Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador expedido pelo Comando do Exército, terá validade de dez anos. Com edição do do Decreto n. 11.615/2023, o prazo de validade para novos registros registros foi reduzido para três anos, tendo o decreto fixado norma de transição, dizendo que em relação aos registros em vigor o prazo trienal contaria da publicação do decreto: Art. 92. O CRAF das armas dos acervos de coleção, tiro desportivo e caça excepcional terá validade de três anos, nos termos do inciso I do art. 24 deste Decreto. Parágrafo único. Na hipótese de CRAF anteriormente concedido para colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação deste Decreto. Como se vê a norma nova pretendeu atingir e restringir os efeitos futuros de ato jurídico perfeito, consistente no Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador já deferidos para lhe tolher parte do prazo de validade fixado com base na norma revogada. Na prática a norma de transição reduziu o prazo de validade dos certificados titulados pelo autor. Tal efeito apresenta-se, claramente em descompasso com a garantida da proteção do ato jurídico perfeito, visto que a redução do tempo de validade do certificado deferido ao autor resulta em correspondente redução dos efeitos futuros do direito a ele concedido com base na norma revogada. Ante o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência para reconhecer o direito do autor à manutenção do prazo de validade dos CRAF já deferidos com base no prazo da norma revogada. Intimem-se as parte acerca da presente decisão. Cite-se a ré para contestar. Apresentada a contestação, intime-se a autora para réplica. Segundo a parte agravante (1.1), (i) a aquisição e registro de arma de fogo têm natureza jurídica de autorização e, portanto, consubstancim ato administrativo unilateral, discricionário e precário, o que obsta afirmar que há um ato jurídico perfeito ou direito adquirido à aquisição de arma de fogo e (ii) a redução de prazo, conforme o Decreto nº 11.615/2023, permite à administração realizar análises mais assertivas acerca da capacidade técnica e da aptidão psicológica do requerente. É o relatório. Sobre o tema, já se pronunciou esta Corte: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIFICADO DE REGISTRO DE COLECIONADOR, ATIRADOR DESPORTIVO E CAÇADOR. LEI Nº 10.826/2003. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I- É pacífico nesta Corte o entendimento de que o ato administrativo que concede o porte de arma de fogo é excepcional e discricionário, subordinado ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. De fato, inexiste direito subjetivo ao registro, à aquisição/porte de arma de fogo pelo cidadão, evidenciando-se que a Lei nº 10.826/2003 pretendeu um maior controle estatal sobre o armamento. II- O controle judicial limita-se à verificação de ilegalidade ou arbitrariedade do ato, o que não se evidencia na espécie. (TRF4 5070640-71.2022.4.04.7000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 07/12/2023) Grifei. ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO/RENOVAÇÃO DE REGISTRO E PORTE DE ARMAS DE FOGO. REQUISITOS LEGAIS. NÃO COMPROVAÇÃO. ATO DISCRICIONÁRIO. 1. É firme na jurisprudência o entendimento no sentido de que a expedição/renovação de certificado de registro e autorização de porte de arma de fogo estão condicionadas à comprovação de não estar o interessado respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, e, na análise do implemento dos requisitos legais, há margem para a atuação discricionária da Polícia Federal. 2. Ao Poder Judiciário cabe somente a apreciação de irregularidades no âmbito do procedimento administrativo de autorização de registro de armas de fogo, à luz dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Não se admite, portanto, que o Poder Judiciário adentre no mérito administrativo, não lhe competindo a análise do ato quando este apresentar-se dentro dos limites legais e no exercício discricionário de atuação da Administração Pública. (TRF4, AC 5009405-64.2022.4.04.7110, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 08/12/2023) Grifei. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA. ARMA DE FOGO. CONCESSÃO DE CERTIFICADO DE REGISTRO PESSOA FÍSICA - COLECIONADOR, ATIRADOR DESPORTIVO E CAÇADOR (CAC). IDONEIDADE MORAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO. 1. A aquisição, registro ou posse de arma de fogo dependerá de autorização prévia da Polícia Federal, e, não havendo evidências de que o ato administrativo de indeferimento impugnado contenha vício apto a afastar a presunção de legitimidade da atuação administrativa, não há como se substituí-lo pela atividade jurisdicional. 2. Conforme o entendimento do STJ há que se considerar que a Lei nº 9.099/95, ao introduzir um novo sistema processual penal, fez por substituir o inquérito policial pelo Termo Circunstanciado, constituindo-se este como procedimento indispensável à realização da justiça especial criminal nas infrações penais de menor potencial ofensivo. Nessas condições, embora a lei não faça referência especificamente ao Termo Circunstanciado, este possui natureza jurídica similar ao inquérito policial, no que tange às infrações penais de menor potencial ofensivo (Resp 1528269). (TRF4 5000101-22.2023.4.04.7105, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 07/02/2024) Grifei. Depreende-se, do exposto, que (i) o porte de arma de fogo é ato administrativo discricionário; (ii) o Poder Judiciário limita a sua análise a eventuais irregularidades no âmbito do processo administrativo de autorização de registro de armas de fogo e, por fim, (iii) a negativa de autorização para posse e registro de armas de fogo goza de presunção de legitimidade. Considerando, como dito, que se trata de ato discricionário da Administração Pública, o porte de arma de fogo não se revela como um direito adquirido: MANDADO DE SEGURANÇA. PORTE DE ARMA DE FOGO. OFICIAL DE JUSTIÇA. RESTRIÇÕES CONCERNENTES À DELIMITAÇÃO TERRITORIAL E TEMPORAL. LEGALIDADE. 1. A circunstância de o impetrante ter protocolado requerimento administrativo na vigência do Decreto n.º 9.785, de 07/05/2019, revogado pelo Decreto n.º 9.847, de 25/06/2019, não respalda o direito alegado, na medida em que um ato normativo infralegal não pode inovar o ordenamento jurídico, conferindo direitos à revelia da própria lei que visa a regulamentar. 2. Em favor do postulante jamais pendeu o instituto do direito adquirido, nem mesmo no momento do protocolo, em que havia mera expectativa de direito, que veio a ser desfeita com a sucessão legislativa. Isso porque a concessão do porte de arma de fogo está sujeita ao preenchimento de requisitos legais e ao juízo discricionário da Administração Pública. 3. A limitação territorial e temporal do porte de arma de fogo se mostra lícita por expressa previsão legal, de modo que o invocado regulamento atualmente revogado não poderia se sobrepor à lei, inexistindo direito adquirido no caso concreto. (TRF4 5001304-24.2020.4.04.7202, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 12/05/2021) Grifei. Não antevejo, portanto, ilegalidade na mudança do prazo de validade para posse e registro de armas de fogo. A decisão recorrida, contudo, em sentido contrário ao rumo adotado por esta Corte, entendeu que a norma nova pretendeu atingir e restringir os efeitos futuros de ato jurídico perfeito, consistente no Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador já deferidos para lhe tolher parte do prazo de validade fixado com base na norma revogada (4.1). A natureza jurídica do próprio ato administrativo, discricionário em sua formatação, impede - precisamente por isso - a incorporação de qualquer direito subjetivo ao patrimônio jurídico do indivíduo. Logo, não há direito subjetivo ao registro de arma de fogo ou ao prazo inicialmente fixado para a sua fruição, assim como não há, para quaisquer outros atos discricionários, direito subjetivo que lhes assegure perpetuidade. Será a discricionariedade do ato administrativo o permissivo necessário para que, sendo o caso, a Administração Pública, sopesados critérios de oportunidade e conveniência e observados os respectivos parâmetros técnicos, estabeleça as condições - e também o prazo - para que o direito seja exercitado. Há, além disso, inequívoca razoabilidade no prazo fixado pelo Decreto nº 11.615/2023, pois a redução para 03 anos (em substituição aos 10 anos anteriormente fixados) possibilitará à Administração Pública verificar tais questões com uma frequência maior e, assim, realizar uma análise mais assertiva (1.1, p. 6), o que inequivocamente repercute na preservação da segurança da sociedade. Suficiente será, em casos como o que é versado nos autos, que a parte interessada novamente requisite perante a autoridade administrativa os correspondentes registros após o vencimento do prazo assinalado, assim como faria diante do prazo anterior de 10 (dez) anos, inexistindo, nos limites de uma apreciação preambular, inerente a provimentos liminares, fundamentos jurídicos que apontem a nulidade das disposições do Decreto nº 11.615/2023. Não há, portanto, direito à manutenção do prazo de validade dos CRAF com base no interregno fixado na norma revogada. Ante o exposto, sem prejuízo de posterior reapreciação da matéria, DEFIRO o pedido de concessão de efeito suspensivo, nos termos da fundamentação. Intimem-se, inclusive a parte agravada para contrarrazões. (TRF4, AG 5035883-31.2024.4.04.0000, 11ª Turma, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, julgado em 13/10/2024).
Ante o exposto,
indefiro a liminar requerida.
Intimem-se o impetrante acerca desta decisão.
2.
Concomitante ao item 1, notifique(m)-se a(s) autoridade(s) impetrada(s) para prestar(em) informações, no prazo de 10 (dez) dias.
Expeça-se o que for necessário.
3.
Considerando o disposto no inciso II do artigo 7º da Lei 12.016/2009, intime-se a União - AGU, na pessoa de seu representante legal, para que, querendo, ingresse no feito, devendo, caso tenha interesse em integrar a lide, apresentar manifestação (defesa) no prazo de 10 (dez) dias.
Expeça-se o que for necessário.
4.
Ato conjunto aos itens anteriores, considerando que o MPF tem deixado de manifestar sobre o mérito em questões que envolvem particulares, sem repercussão em sua esfera de atribuições, intime-se desde logo o órgão para dizer sobre o interesse no feito, e, conforme seja, apresente o seu parecer.
5.
Ao final, registre-se para sentença.
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