Ministério Público Do Estado Do Paraná x Claudionei De Souza
ID: 292615344
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Realeza
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO SUMáRIO
Nº Processo: 0000007-45.2024.8.16.0061
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDREIA SIMINKOSKI TONETTO
OAB/PR XXXXXX
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Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
Unidade Judiciária de origem: Vara Criminal da Comarca
de Realeza
Autos nº: 0000007-45.2024.8.16.0061
Autor: Ministério Público do Estado d…
Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
Unidade Judiciária de origem: Vara Criminal da Comarca
de Realeza
Autos nº: 0000007-45.2024.8.16.0061
Autor: Ministério Público do Estado do Paraná
Réu: Claudionei De Souza
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ , por meio de seu presentante, ajuizou esta ação penal, na qual
figura como acusado CLAUDIONEI DE SOUZA, brasileiro, nascido em
06/06/1988, inscrito no registro geral sob o nº 13.363.960-8, filho de
Margarida de Souza e Fiorindo de Souza, residente e domiciliado no
endereço a Rua Paraná, nº 2499, casa dos fundos, João Paulo II, no
Município e Comarca de Realeza/PR, imputando-lhe a prática do seguinte
fato, que, em tese, viola a norma penal incriminadora inscrita no art. 24-A
da Lei nº 11.340/2006 do Código Penal:
FATO I:
“No dia 28 de dezembro de 2023, por volta das
14hra48min, na residência localizada na Rua Luiz
dos Santos, nº 1026, centro, no município e
comarca de Realeza/PR, o denunciado
CLAUDIONEI DE SOUZA, agindo com consciência
e vontade, descumpriu decisão judicial
proferida pelo juízo da Vara Criminal de
Realeza/PR nos autos n° 0002523-
26.2023.8.16.0141, que deferiu medidas
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protetivas de urgência previstas na Lei nº
11.340/2006 em benefício da vítima Andrea Mohr
de Lima, das quais ficou ciente em 18 de
outubro de 2023, medidas essas que se
encontravam plena vigência, ao aproximar-se da
vítima e com ela manter contato, não respeitando
as restrições impostas"
A denúncia foi recebida em 03.1.2024 e
determinou-se a citação do réu (mov. 6).
O acusado CLAUDIONEI DE SOUZA foi citado
(mov. 23). Por meio de defensor constituído, apresentou resposta à
acusação, na qual não arguiu questões preliminares (mov. 43).
Não verificada a hipótese de absolvição sumária,
determinou-se a realização de audiência de instrução e julgamento (mov.
55).
Realizada a audiência de instrução e julgamento,
colheu-se o depoimento da ofendida (mov. 72.2) e interrogou-se o acusado
(mov. 72.3).
Em alegações finais deduzidas de forma oral na
audiência de instrução e julgamento, o Ministério Público pleiteou a
procedência da pretensão acusatória e a fixação de valor mínimo para
reparação dos danos suportados pela ofendida (mov. 72.1).
A defesa, em alegações finais deduzidas por
memoriais, pleiteou a absolvição do acusado pela atipicidade da conduta
(mov. 77.1).
Quanto ao mérito, alegou, em síntese, que:
2Corregedoria-Geral da Justiça
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a) o acusado não agiu com dolo de descumprir as
medidas protetivas e ofender a integridade da ofendida, visto que a
ofendida consentia com a aproximação do acusado, convivendo juntos na
mesma residência e mantendo relacionamento amoroso e familiar durante o
período de vigência das medidas;
b) a ofendida mentiu ao dizer que não residiam
juntos. A convivência marital demonstra a ausência de qualquer risco para a
ofendida, tornando as medidas inócuas;
c) a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná demonstra que o consentimento da ofendida com a aproximação
do acusado exclui o dolo, afastando-se a hipótese do crime de
descumprimento de medida protetiva.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – DAS CONDUTAS E DE SUA
(ANTI)JURIDICIDADE
II.1.1 – ART. 24-A, Lei nº 11.340/2006 CP
(FATO 1)
Dispõe a Lei nº 11.340/2006:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere
medidas protetivas de urgência previstas nesta
Lei: (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
(Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 1º A configuração do crime independe da
competência civil ou criminal do juiz que deferiu
as medidas. (Incluído pela Lei nº 13.641, de
2018)
3Corregedoria-Geral da Justiça
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§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a
autoridade judicial poderá conceder fiança.
(Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação
de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº
13.641, de 2018)
Em virtude de fatos que teriam ocorrido no dia
21.9.2023, concederam-se medidas protetivas em favor da ofendida, nos
autos nº 0002523-26.2023.8.16.0141, quais sejam, “a) proibição de que o
ofensor faça qualquer contato com a vítima, seus familiares ou
testemunhas, por qualquer meio de comunicação; b) determinação de que o
ofensor mantenha distância de no mínimo 200 metros da vítima, seus
familiares e testemunhas. As medidas ora deferidas, que não atingem os
filhos do casal, têm validade por 180 (cento e oitenta) dias, duração que,
nos termos do art. 5º da Lei nº 14.022/2020, podendo ser prorrogada” (mov.
12.1, autos nº 0002523-26.2023.8.16.0141).
O acusado foi citado pessoalmente e intimado das
medidas na data de 17.10.2023 (idem, mov. 28.1)
Importante consignar, a respeito das medidas
protetivas de urgência, que possuem natureza satisfativa, de caráter
inibitório, cuja eficácia não é temporalmente definida, vinculando-se,
exclusivamente, à persistência do “risco à integridade física, psicológica,
sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes” (art. 19,
§ 6º, Lei nº 11.340/2006; REsp n. 2.036.072/MG, relatora Ministra Laurita
Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 30/8/2023).
É por essa razão que "a revogação de medidas
protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para
avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua
integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial" (AgRg no REsp
4Corregedoria-Geral da Justiça
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n. 1.775.341/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção,
julgado em 12/4/2023, DJe de 14/4/2023.).
Portanto, as medidas protetivas estavam
plenamente vigentes em 28.12.2023, data em que a ofendida acionou a
polícia militar, indicando que o acusado invadiu sua residência e tentou
pegar seu celular, conforme constou no boletim de ocorrência nº
2023/1483147 (mov. 33.1, autos nº 0002523-26.2023.8.16.0141):
A ofendida foi ouvida em juízo a respeito dos fatos,
oportunidade em que somente o Ministério Público fez perguntas (mov.
72.3):
[promotor]: Obrigado. Boa tarde, Sra. Andreia.
[vítima]: Boa tarde.
[promotor]: Sra. Andreia, a senhora tá aqui para
ser ouvida como vítima em razão desse
descumprimento de uma medida protetiva. E
sobre essa situação que aconteceu em 28 de
dezembro do ano de 2023, eu gostaria que a
senhora relatasse pra gente como é que ele
entrou em contato com a senhora, o que que ele
fez?
5Corregedoria-Geral da Justiça
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[vítima]: Ah... Olha, como faz tempo, eu mais ou
menos me lembro que acho que ele começou a
mandar mensagem, alguma coisa, e depois ele foi
lá em casa. Até ele estava de bicicleta. Mas eh,
foi em dezembro de 2023, né? Faz mais de um
ano.
[vítima]: Vinícius...
[promotor]: Perfeito.
[vítima]: Só um pouquinho que eu tô com o
nenê..Pode falar.
[promotor]: A senhora se recorda dele tentar
pegar seu celular para te intimidar?
[vítima]: É, na verdade, naquele dia lá acho que
ele estava com ciúme, daí começou a tocar meu
celular, alguma coisa assim. Eu acho que ele ficou
com ciúme e tentou pegar meu celular para
alguma coisa assim, se eu não me engano.
[promotor]: Certo. E a senhora não morava na
mesma casa que ele, nessa época?
[vítima]: Sim. Aham.
[promotor]: Moravam juntos ainda?
[vítima]: Fazia pouco, pouco tempo que a
gente tinha se separado.
[promotor]: Certo, mas continuavam juntos no
mesmo espaço?
[vítima]: Não, ele tinha ido pra casa da mãe
dele .
[promotor]: Certo. Tô satisfeito então, obrigado.
O acusado foi interrogado em juízo, oportunidade
em que se manifestou nos seguintes termos (mov. 72.2):
[juiz] Então tá. O senhor prefere ficar em silêncio
ou prefere responder?
6Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
[acusado] Eu vou argumentar sim.
[juiz] Tá. O que aconteceu aí nesse dia, por
favor?
[acusado] Tá. Eh, na verdade, assim, a gente
tinha, sim, discutido e tal. E a gente, eu tinha,
eu tava trabalhando, né? Tava trabalhando fora na
época até com um, com as duas testemunhas que
era pra tá ali. E num dia antes, meio-dia, ela
tinha me pedido dinheiro. E eu não, não tinha
como dar o dinheiro porque era na quinta-feira,
se eu não me engano. Aí ela foi lá e fez uma
medida protetiva, que foi na, no dia que eu não
dei o dinheiro. Que se eu não me engano foi na
sexta-feira que a PM foi até a casa da mãe e tal e
me pegou. Porque a gente estava convivendo
junto, entende? Então eu não tinha, não estava
ciente dessa medida protetiva aí. Porque ela me
mandou mensagem pedindo dinheiro, eu falei:
"Cara, eu só consigo arrumar dinheiro na sexta-
feira". Que não sei, não era para as criança, não
sei para que que era. Essa, esse foi o que
aconteceu . E até pro fim de ano ali eu estava
trabalhando, eu estava trabalhando no dia.
Entende?
[juiz] Tá, eu, eu não sei se eu entendi o que que o
senhor falou. Eh, o senhor falou que o senhor
estava morando junto com ela?
[acusado] A gente convivia, a gente convivia.
Eu não estava ciente dessa medida protetiva
aí, porque não tinha chegado nada até mim.
Entende? E era todo dia, porque eu chegava do
trabalho, eu ia ver as crianças, todo dia. Todo dia
eu chegava do trabalho, ou o Adelar mesmo me
deixava às vezes quando eu vinha, eu estava
7Corregedoria-Geral da Justiça
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trabalhando em Ampére, ele me deixava no
sobrado lá na casa, eu ficava com as crianças um
pouco e depois descia pra casa. Todo dia a gente
convivia. Entende? A gente saía, a gente ia pro
Celante, sempre junto.
[juiz] O senhor não sabia que tinha uma
medida protetiva?
[acusado] Não, não tinha chegado a medida pro...
a o oficial de justiça não tinha chegado até mim
com essa assinatura aí.
[juiz] Chegou depois?
[acusado] Depois.
[juiz] Tá. Aqui no processo existe uma, uma
informação de que o senhor recebeu aí a... a
intimação da medida protetiva, assinou e tal,
no dia 17 de outubro. Eh, o senhor não lembra
de ter feito isso?
[acusado] Mas a gente estava morando junto,
como eu falei pro senhor. Entende?
[juiz] Não, mas não foi isso que eu perguntei. Eu
não perguntei se o senhor estava morando com
ela. Eu perguntei se o senhor...
[acusado] Sim, sim senhor. Eh, dessa de 17 de
de outubro, se eu não me engano, sim, eu
assinei . E depois ela veio de novo. A mesma, o
mesmo papel veio pra mim assinar novamente. Aí
a gente voltou, a gente estava junto, tudo
tranquilo com as crianças. Aí começou a
discutir , como eu já conhecia a pessoa, cada vez
que ela discutia, eu virava as costas e saía, e saí.
No dia ela discutiu, acho que foi na quarta-feira,
na terça ou na quarta-feira, eu saí, fui pra casa da
mãe, que era o que eu sempre faço. E daí já na, na
quarta-feira de... na quinta-feira ela já me chamou.
8Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
Aí eu fui até ela, falei: "Ó, cara, eu não consigo tá
levando dinheiro". Mas todo dia eu estava
convivendo com ela à tarde. E ela ficou brava
por causa do dinheiro que eu não arrumei,
porque eu não sabia para que que era. O
senhor me entende? Mas a gente convivia junto, a
gente até tinha prova disso.
[juiz] Entendi. Tem mais alguma coisa que o
senhor queira contar que eu não perguntei?
[acusado] Hum, não senhor.
[juiz] Então tá. Doutor Luiz, tem alguma pergunta?
[promotor] Sim, Excelência, obrigado. Eh, boa
tarde, Sr. Claudionei. Queria saber do senhor, a, a,
o senhor deve ter ouvido a declaração que a
Andreia prestou. E ela falou que quando o senhor
se separaram, o senhor mudou de casa, que o
senhor foi lá depois de mandar algumas
mensagens. Eh, essa versão dela procede?
[acusado] Não, na verdade assim, não mudei de
casa, eu fui pra casa da mãe, porque não teria,
não tem como ficar com ela quando ela surta,
porque ela é violenta. Entende? Então não era a
primeira vez, nem a segunda, então eu aprendi,
toda vez que ela dava uma uma pirada, eu saía, ia
pra casa da mãe. Mas eu chegava na casa da mãe,
ela sempre mandava mensagem. Então, na
verdade, a gente estava trocando mensagem
sim . E, mas o que levou ela a fazer isso foi uma
questão do dinheiro que ela pediu para mim, eu
não tinha da onde dar e não ia arrumar porque eu
não sabia para que que era. Na época ali tinha
um...
[promotor] Pois não? O senhor chegou a pegar o
celular da mão dela?
9Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
[acusado] Não. Na verdade, ela nunca soube
celular, o celular que ela tem sempre fui eu que
dei para ela. Mas nunca peguei celular, não.
[promotor] Eh, o senhor, eh, recebeu a intimação
dessas medidas protetivas no dia 17/10, né? Eh, o
senhor não sabia que não podia manter
contato com ela?
[acusado] Tava, tava até, estava ciente, mas
ela incomodava, ela, ela me ameaçava de
certa forma assim, por causa das crianças. E
as crianças também choravam muito. Ela levava
as crianças na casa da mãe, aí pedia para mim
levar à noite. A gente estava convivendo normal.
[promotor] Ela tinha me falado que tinha... Mesmo
sabendo que não podia, o senhor continuava
entrando em contato com ela, respondendo ela?
[acusado] Não tinha outra alternativa. Ela me,
me ameaçava de certa forma por causa das
crianças .
[promotor] Ela te ameaçava como?
[acusado] Ah, ela surta, né, cara? É difícil de, de
explicar pro senhor assim, sabe? Agora ela tá, tá,
fazendo o tratamento, mudou bastante, mas ela
tem um distúrbio... tinha... tem. Então, o que
acontece? Ela, ela usava as crianças, aí chegava,
chegava, não deixava ver as crianças, as crianças
choravam, queriam ir pra, pra casa da mãe. Às
vezes ela ia lá e levava as crianças e ficava lá.
Então, sempre foi meio que assim essa rotina aí.
[promotor] Certo. E o senhor já chegou a registrar
essa situação de ameaça em algum boletim de
ocorrência ou em algum processo?
[acusado] Se eu cheguei a citar?
10Corregedoria-Geral da Justiça
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[promotor] É, se o senhor chegou a registrar
algum boletim de ocorrência, se o senhor chegou
a mover algum processo contra ela para reaver a
guarda de criança?
[acusado] Não, processo não, mas eu deixei
registrado sim num boletim na, na civil, de uma
vez que ela clonou meu celular e estava
ameaçando e tal. Isso eu deixei registrado lá.
[promotor] Tô satisfeito então, obrigado.
[juiz] Obrigado, Dr. Luiz. Dra. Andreia, tem alguma
pergunta?
[advogada] Sim, Excelência, só um esclarecimento
por parte do Claudionei. Claudionei, então depois
que você, mesmo ciente da medida protetiva,
você continuou tendo esse relacionamento
amoroso com a Andreia?
[acusado] Sim.
[advogada] Quando você fala que quando vocês
discutiam, tu ia pra casa da tua mãe, é só pra tu
se afastar naquele momento e voltava pra casa da
tua mãe, mas vocês se acertavam, tu voltava pra
casa de novo? Era mais ou menos assim que
funcionava?
[acusado] É, até, até uns seis meses atrás ainda
continuou sendo assim. Agora, depois que ela
começou a, a ir psicólogo e coisa e tal, então tudo
melhorou, já está mais tranquilo. A gente se
mudou de cidade. Mas sempre, nosso
relacionamento inteiro de quatro anos sempre, ela
surtava, eu ia pra casa da mãe, ela se acalmava,
eu voltava.
[advogada] Então tá bom. A defesa tá satisfeita,
Excelência. Obrigada.
11Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
cristalizou o entendimento de que “Nos delitos perpetrados contra a
mulher, em contexto de violência doméstica e familiar ou por
menosprezo ou discriminação da condição feminina, a palavra da vítima
recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por
outros elementos probatórios. Isso porque em tais casos os delitos são
praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas
vezes sem deixar rastros materiais” (AgRg no HC n. 842.971/SC, relator
Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de
18/4/2024.).
Analisando o valor probatório da palavra da
ofendida no processo penal, Aury Lopes Jr. pondera que é necessário “um
acolhimento (material e processual) da vítima, mas sem que isso conduza a
flexibilização da presunção de inocência. Ademais, é preciso sempre fazer
recusa aos dois extremos: não se deve demonizar a palavra da vítima (erro
da injustiça epistêmica do testemunho), mas tampouco podemos incorrer no
erro do outro extremo, (...) da crença cega, de toma-la sem um
tensionamento das hipóteses que negam ou confirmam. Portanto, é preciso
(...) verificar se a palavra da vítima encontra suporte fático e probatório que
a sustente”
1
.
Volvendo ao caso em apreço, o descumprimento
da decisão que concedeu as medidas protetivas restou suficientemente
comprovado.
O acusado não negou a aproximação com a
ofendida no dia 28.12.2023. Perguntado sobre o que aconteceu nesse dia,
apresentou alegações confusas e contraditórias. Reconheceu que discutiu
com a ofendida, pois ela havia lhe pedido dinheiro. Narrou que não tinha
ciência das medidas protetivas, depois se retratou, aduzindo que sabia
delas, mas que estava convivendo normalmente com a ofendida.
1
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022,
pg. 528.
12Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
admite que “o consentimento da vítima para a aproximação do réu pode,
em tese, afastar a tipicidade do crime de descumprimento de medida
protetiva , por excluir a ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado, conforme
jurisprudência desta Corte” (AgRg no AREsp n. 2.330.912/DF, rel. Min.
Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 28/8/2023). Entretanto, a convivência
na mesma residência, a manutenção do relacionamento amoroso e,
portanto, o consentimento da ofendida em relação às aproximações do
acusado, não foram comprovados nos autos.
Ouvida em juízo, a ofendida não fez qualquer
menção de que reatou o relacionamento amoroso com o ofendido ou que
consentiu com sua aproximação no dia 28.12.2023. Sobre residirem na
mesma casa, disse que tinham terminado o relacionamento há poucos dias,
mas que o acusado havia se retirado para a casa de sua genitora.
A ofendida, ademais, não deduziu quaisquer
informações adicionais sobre seu desejo de retirada das medidas protetivas
de urgência, comunicado em 23.1.2024 (mov. 77.3). Os vídeos anexados
pela defesa nas alegações finais envolvem diálogo entre o acusado e sua
irmã, portanto, não guardam relação com a ofendida. As imagens dos filhos
em comum e da própria ofendida não fazem prova de que ambos conviviam
na mesma residência ou que mantinham relacionamento amoroso (mov.
77.6 a 77.10).
Desse modo, há prova suficiente de que o acusado,
com vontade livre e dirigida ao fim de se aproximar e intimidar a ofendida,
sua ex-companheira, portanto, dolosamente, praticou a conduta de
descumprir decisão que deferiu medidas protetivas de urgência, ato que se
amolda tipicamente à norma penal incriminadora inscrita no art. 24-A da Lei
11.340/2006.
Nesse sentido:
13Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIMES DE
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE
URGÊNCIA, AMEAÇA E DISPARO DE ARMA DE
FOGO, NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONTRA A MULHER (ART. 24-A DA LEI Nº
11.340/06, ART. 147 DO CÓDIGO PENAL E ART. 15
DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO) – SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA – RECURSO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO
ACUSADO EM RELAÇÃO AO CRIME DE
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA
DE URGÊNCIA – SENTENÇA FUNDAMENTADA
NO SUPOSTO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA
COM O DESCUMPRIMENTO EM RAZÃO DA
COABITAÇÃO COM O AGRESSOR –
IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO, QUE
SEQUER ESTÁ ATESTADO NOS AUTOS –
TIPICIDADE MATERIAL CONFIGURADA –
ACUSADO QUE, CIENTE DAS MEDIDAS
PROTETIVAS IMPOSTAS CONTRA ELE,
VOLTOU A CASA QUE A VÍTIMA MORAVA EM
EVIDENTE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM
JUDICIAL – AUTORIA E DOLO EVIDENCIADOS –
REFORMA DA SENTENÇA PARA CONDENAÇÃO DO
ACUSADO PELA PRÁTICA DO DELITO DO ART. 24-A
DA LEI MARIA DA PENHA – PEDIDO DE
CONDENAÇÃO DO ACUSADO PELA PRÁTICA DOS
CRIMES DE AMEAÇA E DISPARO DE ARMA DE FOGO
– INVIABILIDADE – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA –
STANDARD PROBATÓRIO MÍNIMO NÃO ATINGIDO –
MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO – RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 2ª
Câmara Criminal - 0005786-34.2018.8.16.0079 -
Dois Vizinhos - Rel.: DESEMBARGADOR
14Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA - J. 06.03.2023)
(grifei
Sendo plenamente imputável – ou seja, maior de
18 anos e não apresentando qualquer inaptidão de compreensão do dever
jurídico ou de atuar conforme esse dever em virtude de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto – agindo dolosamente e sem o amparo
de qualquer causa excludente da antijuridicidade, o acusado CLAUDIONEI
DE SOUZA violou a norma penal incriminadora inserta no art. 24-A da Lei
11.340/2006.
II.2.2 - DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL
2
A violação à norma penal incriminadora é
pressuposto para a incidência da sanção-pena de natureza criminal.
Segundo o art. 5º, XLV, da Constituição Federal, a sanção-pena de natureza
criminal terá como responsável o infrator da norma penal incriminadora,
não podendo se estender a outrem. Por conseguinte, violando o acusado
referida norma, deve ele arcar com os gravames decorrentes da sanção,
cuja extensão deve ser delimitada por meio da dosimetria da pena.
A pena tem como finalidade a prevenção geral
positiva e a prevenção especial subsidiária. Nada obstante a redação
dada ao art. 59 do Código Penal, a pena não tem finalidade retributiva.
O Estado de Direito não tem como objetivo fazer mal a alguém como
simples retribuição pelo mal cometido. As consequências negativas da pena
têm unicamente finalidade pedagógica. São um mecanismo que visa à
prevenção geral positiva e à prevenção especial subsidiária. Como leciona
GÜNTHER JAKOBS: a função da pena é a preservação da norma enquanto
2
Conceito essencialmente ligado com o conceito de dever jurídico, mas que dele
deve ser distinguido, é o conceito de responsabilidade. Um indivíduo é
juridicamente obrigado a uma determinada conduta quando uma conduta sua
oposta é tornada pressuposto de um acto coercitivo (como sanção). (...). O
indivíduo contra quem é dirigida a consequência do ilícito responde pelo ilícito, é
juridicamente responsável por ele. (fl. 139)
15Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
modelo de orientação para contatos sociais. O conteúdo da norma é uma
oposição à custa do infrator contra a desautorização da norma (fl. 27).
E, mais adiante, prossegue:
...essa teoria [da prevenção geral positiva] não se
estende a cada setor punitivo em sua totalidade,
deixando alguns nichos sem configuração, os
quais podem ser preenchidos por outras teorias de
forma subsidiária, considerando-se como teoria
subsidiária apenas a prevenção especial, pois a
teoria da retribuição, a teoria da expiação e a
teoria da prevenção geral negativa devem ser
totalmente rejeitadas (fl. 53).
Assim, atendendo o disposto no art. 68 do Código
Penal, tomando em perspectiva necessidade e suficiência da medida a
fim de atingir a prevenção geral positiva e a prevenção especial
subsidiária , passo à dosimetria da pena.
II.2.2.1 – DA EXTENSÃO DA CULPABILIDADE
(DOSIMETRIA DA PENA)
II.2.2.1.1 – Art. 24-A, Lei nº 11.340/2006
(FATO 1)
1) Pena-base:
Atendendo às circunstâncias judiciais elencadas no
art. 59 do Código Penal, passo à fixação da pena-base, partindo da pena
mínima.
16Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
a) Quanto à culpabilidade
3
, o delito apresenta
reprovabilidade normal em relação àquela
inerente ao tipo, conforme se dessume das
seguintes circunstâncias.
b) O acusado não ostenta condenações criminais
anteriores transitadas em julgado. Portanto,
não merece aumento sua pena, pelos
antecedentes criminais;
c) A personalidade do agente e seu
comportamento social dependem de perícia
efetivada por profissional competente (área de
psiquiatria ou psicologia), não possuindo o
magistrado conhecimento técnico que
possibilite a avaliação dessas circunstâncias,
razão pela qual não poderá ser ponderada em
prejuízo ao réu;
d) O motivo do crime não destoa daquele
normalmente verificado na prática usual do
delito, não demonstrando, portanto, maior
reprovabilidade da conduta;
e) As circunstâncias do crime não revelam
questão que demonstra maior desvalor do
ilícito.
f) O ato ilícito não apresentou consequências
além das inerentes à própria prática;
3
Volvendo a entendimento já esposado por este magistrado, a culpabilidade não
pode ser tomada como uma circunstância autônoma na análise da extensão da
responsabilidade penal. A culpabilidade em direito penal tem ao menos duas
acepções distintas. Na primeira delas, traduz a capacidade de o agente ser
responsabilizado pelo ato ilícito praticado. Já na segunda refere-se a extensão da
reprovação pelo ato praticado. E é esta a acepção a ser observada quando da
análise das circunstâncias judiciais. Mas a extensão da reprovação não é juízo
abstrato; deve ser procedido sob a análise de peculiaridades do fato e também do
autor do delito. Não deve ser feita com base em expressões vazias, sem qualquer
fundamentação concreta. Não é suficiente afirmar que é a culpabilidade ‘normal ao
tipo’. É necessário que se indique o porquê, quais as circunstâncias que levam a
essa conclusão. E essa conclusão depende da análise das demais circunstâncias
elencadas em referido artigo, para que se possa, então, formular um juízo acerca da
extensão da reprovabilidade do fato.
17Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
g) O comportamento da vítima não interferiu
na conduta delitiva, não apresentando
relevância para o caso em apreço.
Dessarte, pela análise das circunstâncias acima
referidas, fixo a pena-base em 03 meses de detenção.
2) Pena provisória:
a) Atenuantes: não incidem na espécie.
b) Agravantes: incide, na espécie, a agravante
prevista pelo art. 61, II, f, porquanto cometido o delito com abuso de
autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica
4
.
Portanto, compensando-se as circunstâncias
agravantes e atenuantes, mantenho a pena provisória no patamar de 03
meses e 15 dias de detenção.
4
A não ocorrência de bis in idem ao se calcular a pena considerando tanto a
agravante prevista pelo art. 61, II, f, quanto a causa especial de aumento prevista
no art. 129, §9º, ambos do Código Penal, nos casos de lesão corporal cometida
contra cônjuge ou companheira, em ambiente doméstico, é admitida pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante se dessume da seguinte
ementa, representativa do posicionamento desse Tribunal: AGRAVO REGIMENTAL
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL.
PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. SÚMULA 211/STJ. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PROLATADA
SENTENÇA CONDENATÓRIA. MATÉRIA PREJUDICADA. AGRAVANTE DO ART. 61, II,
"F", DO CÓDIGO PENAL. RITO DA LEI MARIA DA PENHA. BIS IN IDEM. NÃO
OCORRÊNCIA.
SUSPENSÃO CONDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE. DELITO PRATICADO EM CONTEXTO
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. RECURSO DESPROVIDO. ... 3. Nos termos da
jurisprudência desta Corte Superior, a aplicação da agravante prevista no art. 61, II,
f, do Código Penal, de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006
não acarreta bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento
dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher (ut, AgRg no HC n.
463.520/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe 10/10/2018).
(...) (AgRg no AREsp 1363157/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 17/12/2019).
18Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
3) Pena definitiva:
a) Causa geral de aumento: Não há.
b) Causa especial de aumento: Não há.
c) Causa geral de diminuição: Não há.
d) Causa especial de diminuição: Não há.
Assim, fixo a 03 meses e 15 dias de detenção.
III.2.2.3 – Do regime inicial de cumprimento
da pena
O apenado foi condenado a pena inferior a 04
anos. Não é reincidente. Assim, nos termos do art. 33, §2º, 'c', do Código
Penal o regime inicial de cumprimento deverá ser o aberto, observadas as
seguintes condições:
a.1) Comprovar estar trabalhando ou a possibilidade de
fazê-lo imediatamente;
a.2) Recolher-se em sua residência no período
compreendido entre 20:00 horas e 06:00 horas nos dias
úteis e durante todo o dia nos finais de semanas e
feriados;
a.3) Não se ausentar da cidade em que reside por período
superior a 07 dias, sem autorização judicial;
a.4) Comparecer mensalmente em juízo para informar e
justificar as suas atividades.
III.2.2.3 – Da substituição de pena
19Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
As penas aplicadas não foram superiores a quatro
anos e os delitos não foram cometidos com grave ameaça. O réu não é
reincidente. As circunstâncias judiciais são favoráveis. Desse modo, nos
termos do art. 44 e seus incisos do Código Penal, a substituição da pena
privativa de liberdade se mostra cabível e suficiente para a reprovação do
delito.
Tendo em vista que as penas aplicadas não são
superiores a 01 ano, substituo as penas privativas de liberdade por uma
restritiva de direito (art. 44, §2º, CP), qual seja: a prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas (art. 46, CP), a ser realizado à
razão de 01 hora de tarefa por dia de condenação (art. 46, §3º, CP), sendo
possível o seu cumprimento em tempo inferior, não inferior à metade do
tempo de pena privativa de liberdade fixada (art. 46, §4º, CP);
II.3 – DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Um ilícito penal, em vista do caráter subsidiário do
direito penal, não raro representa também um ilícito civil.
No caso, houve requerimento, na inicial
acusatória, para a fixação de valores mínimos para reparação dos eventuais
danos de natureza civil. Logo, nos termos do art. 387, IV, do Código de
Processo Penal, passo a sua quantificação.
A orientação firmada pelo Superior Tribunal de
Justiça, sedimentada através do julgamento de recursos submetidos ao rito
dos repetitivos, indica a existência de danos morais in re ipsa nos casos de
violência doméstica, impondo, em razão disso, a devida reparação. Nesse
sentido o STJ, in verbis (sem destaques no original):
RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO
RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O
20Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS.
INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP.
PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA
ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA.
FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO
JUÍZO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) 4. Entre
diversas outras inovações introduzidas no Código
de Processo Penal com a reforma de 2008,
nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008,
destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que,
consoante pacífica jurisprudência desta Corte
Superior, contempla a viabilidade de indenização
para as duas espécies de dano - o material e o
moral -, desde que tenha havido a dedução de seu
pedido na denúncia ou na queixa. (...) 9. O que se
há de exigir como prova, mediante o respeito ao
devido processo penal, de que são expressão o
contraditório e a ampla defesa, é a própria
imputação criminosa - sob a regra, derivada da
presunção de inocência, de que o onus probandi é
integralmente do órgão de acusação -, porque,
uma vez demonstrada a agressão à mulher, os
danos psíquicos dela derivados são evidentes e
nem têm mesmo como ser demonstrados. 10.
Recurso especial provido para restabelecer a
indenização mínima fixada em favor pelo Juízo de
primeiro grau, a título de danos morais à vítima da
violência doméstica. TESE: Nos casos de violência
contra a mulher praticados no âmbito doméstico e
familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que
haja pedido expresso da acusação ou da parte
ofendida, ainda que não especificada a quantia, e
21Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
independentemente de instrução probatória. (REsp
1675874/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018,
DJe 08/03/2018)
O atual paradigma do direito prega que sempre
que possível a recomposição do dano deve se dar in natura. Remetem-se à
tutela pelo equivalente monetário apenas os casos em que é impossível o
restabelecimento do estado inicial das coisas. Ocorre que no caso do dano
moral dificilmente é possível essa recomposição direta. Portanto, impõe-se a
tutela do direito por meio do pagamento de indenização em pecúnia.
A forma de quantificação da indenização por
danos morais é questão bastante discutida na doutrina e jurisprudência. Da
análise do ordenamento jurídico, bem como das diversas posições trazidas a
respeito do tema, filio-me ao posicionamento de MARIA CELINA BODIN DE
MORAES, que consigna que a definição do valor deve tomar por base as
consequências, materiais ou imateriais, na pessoa da vítima, e em toda a
sua extensão, não importando se a conduta ofensiva foi mais grave ou
menos grave.
Aprofundando o tema, prossegue a autora:
A mudança de perspectiva em direção à adoção
do conceito de dignidade humana como
fundamento do dano moral influencia ainda o
critério da reparação integral, em razão do peso
atribuído às próprias condições pessoais da vítima.
Se foi sua dignidade lesionada, tornar-se-ão mais
objetivamente apreciáveis os fatores individuais a
serem levados em consideração pelo juízo de
reparação. Sob esta ótica, ficam desde logo
excluídos quaisquer critérios que tenham como
parâmetro as condições econômicas ou o nível
22Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
social da vítima, não se coadunando com a noção
de dignidade, extrapatrimonial na sua essência,
quaisquer fatores patrimoniais para o juízo de
reparação.
No entanto, e por outro lado, as condições
pessoais da vítima, desde que se revelem
aspectos de seu patrimônio moral, deverão ser
cuidadosamente sopesadas, para que a reparação
possa alcançar, sob a égide do princípio da
isonomia substancial, a singularidade de quem
sofreu o dano
5
.
Assim, a definição do quantum indenizatório
deverá tomar por base a extensão do dano, que é variável a depender das
características peculiares de cada pessoa, não se vinculando, no entanto, ao
grau de culpa do causador do dano, ou às condições financeiras do
ofendido, ressalvado o caso em que há clara desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano (art. 944, par. u., CC).
Na situação em tela, em razão da dor
experimentada pela vítima, decorrente do descumprimento das medidas
protetivas deferidas em seu favor, entendo suficiente para reparação do
dano à honra subjetiva sofrido a fixação de indenização em pecúnia, que
arbitro no importe de R$ 700,00
6
, incidindo juros de mora no percentual de
5
Ibidem, p. 306/307.
6
Consoante parâmetro extraído de julgados proferidos pelo E. Tribunal de Justiça do
Paraná, conforme se dessume das seguintes ementas:
APELAÇÃO CRIME – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – CONDENAÇÃO -
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA – ARTIGO 24-A, DA LEI N. 11.340/06 –
INSURGÊNCIA DA DEFESA. 1) PRETENSÃO PELOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA
– NÃO CONHECIMENTO – MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DE EXECUÇÃO. 2) PEDIDO DE
ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA, POR
AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO, TENDO EM VISTA A REVOGAÇÃO TÁCITA DAS
CAUTELARES – DESPROVIMENTO - AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS –
PALAVRA DA VÍTIMA QUE POSSUI RELEVANTE VALOR PROBATÓRIO – VALIDADE –
MEIO IDÔNEO DE PROVA – RÉU CIENTE DAS MEDIDAS PROTETIVAS APLICADAS EM
SEU DESFAVOR, QUE FEZ CONTATO COM A VÍTIMA – CONSENTIMENTO OU
CONCORRÊNCIA DA VÍTIMA PARA O DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA NÃO
23Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
1% ao mês, a contar da citação, passando a incidir conjuntamente
atualização monetária a partir do arbitramento, exclusivamente pela taxa
SELIC.
III - DISPOSITIVO
Em face do exposto, julgo procedente a pretensão
punitiva deduzida na denúncia, CONDENANDO o acusado CLAUDIONEI DE
SOUZA , já qualificado, como incurso nas sanções do Art. 24-A da Lei nº
DEMONSTRADO - OS BENS JURÍDICOS TUTELADOS NO CRIME DE DESCUMPRIMENTO
DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA SÃO A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E A
INCOLUMIDADE DA VÍTIMA – CONDENAÇÃO MANTIDA. 3) PEDIDO DE AFASTAMENTO
OU REDUÇÃO DO VALOR MÍNIMO FIXADO PARA REPARAÇÃO DE DANOS –
DESPROVIMENTO – PEDIDO DE FIXAÇÃO DE VALOR A TÍTULO DE REPARAÇÃO PELOS
DANOS MORAIS EXPRESSAMENTE FORMULADO EM INICIAL ACUSATÓRIA - DANO
MORAL PRESUMIDO, IN RE IPSA - ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO (TEMA 983) – QUANTIA
REPARATÓRIA QUE POSSUI FUNÇÃO DE REPARAÇÃO À VÍTIMA E SANÇÃO AO
OFENSOR – VALOR ARBITRADO EM PRIMEIRO GRAU DE R$ 700,00 (SETECENTOS
REAIS) QUE OBSERVOU OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE
– CONDENAÇÃO MANTIDA.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA
EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0002849-
56.2021.8.16.0011 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO
GRAU MAURO BLEY PEREIRA JUNIOR - J. 22.03.2025)
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO
POR AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO ACOLHIMENTO. RÉU QUE TINHA CIÊNCIA DAS
MEDIDAS PROTETIVAS E AS DESCUMPRIU. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
PEDIDO EXPRESSO NA DENÚNCIA. REDUÇÃO DO VALOR, DE ACORDO COM O CASO
CONCRETO E AS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO RÉU. RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame1. Apelação criminal interposta contra
sentença condenatória que julgou procedente denúncia do Ministério Público,
condenando o réu pela prática do crime de descumprimento de medida protetiva,
com pena de 04 meses e 20 dias de detenção em regime semiaberto. O apelante
sustentou a ausência de dolo, alegando que foi à residência da vítima apenas para
buscar suas roupas, e requereu a absolvição ou, alternativamente, a redução do
valor da indenização por danos morais fixada na sentença.II. Questão em
discussão2. A questão em discussão consiste em saber se é cabível a absolvição do
réu por ausência de dolo no descumprimento de medida protetiva e se o valor da
indenização por danos morais deve ser mantido ou reduzido.III. Razões de decidir3.
O apelante descumpriu medidas protetivas de forma voluntária e espontânea, das
quais ele tinha ciência desde o dia anterior.4. A ausência de violência não implica
na atipicidade da conduta, pois o bem jurídico tutelado é a administração da
Justiça.5. O pedido de indenização por danos morais foi devidamente fundamentado
na denúncia, permitindo a fixação do valor mínimo.6. O valor indenizatório foi
reduzido, considerando a gravidade do crime e a condição financeira do réu.IV.
Dispositivo e tese7. Apelação conhecida e parcialmente provida para reduzir o valor
da indenização por danos morais.Tese de julgamento: O descumprimento de
medidas protetivas de urgência, conforme previsto no artigo 24-A da Lei nº
11.340/2006, caracteriza crime, independentemente da presença de violência,
24Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
11.340/2006, que, após a devida individualização, resulta na pena privativa
de liberdade de 03 meses e 15 dias de detenção, a ser cumprida
inicialmente em regime aberto, substituída por uma pena restritiva de
direito, qual seja, prestação de serviços à comunidade.
Condeno-o, ainda, ao pagamento do valor de R$
700,00, a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros de
mora de 1% ao mês a contar da citação até a data do arbitramento,
momento em que incidirão juros e correção monetária exclusivamente pela
SELIC.
IV – DISPOSIÇÕES FINAIS
IV.1 – ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO
Do direito de recorrer em liberdade
Despicienda a decretação da prisão preventiva do
acusado ou a adoção de medida cautelar diversa (art. 387, par. u., CPP).
Não se vislumbra dos autos elementos que indiquem risco de reiteração da
conduta, portanto, de lesão à ordem pública. Também não há indícios que
autorizem a conclusão de que o acusado se mantido em liberdade se furtará
a aplicação da lei penal.
Das custas processuais
sendo suficiente a ciência do réu sobre as medidas para a configuração do
delito.Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.340/2006, art. 24-A; Código de
Processo Penal, art. 387, IV.Jurisprudência relevante citada: TJPR, 1ª Câmara
Criminal, 0000730-94.2023.8.16.0127, Rel. Substituto Evandro Portugal, j.
08.06.2024; TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0001357-07.2021.8.16.0083, Rel. Juiz de
Direito Substituto em Segundo Grau Mauro Bley Pereira Junior, j. 11.05.2024; TJPR,
1ª Câmara Criminal, 0011198-29.2018.8.16.0019, Rel. Desembargador Adalberto
Jorge Xisto Pereira, j. 02.12.2023; TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0002560-
69.2021.8.16.0126, Rel. Desembargadora Lidia Matiko Maejima, j. 15.07.2023;
Súmula nº 362/STJ; Súmula nº 54/STJ. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0001012-
98.2024.8.16.0127 - Paraíso do Norte - Rel.: SUBSTITUTA JAQUELINE ALLIEVI - J.
22.03.2025).
25Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
Condeno o réu ao pagamento das custas do
processo, nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal.
IV.2 – DEPOIS DO TRÂNSITO EM JULGADO
I – Remetam-se os autos ao Contador para cálculo
das custas processuais;
II – Empregue-se eventual importância recolhida a
título de fiança para pagamento das custas, indenização do dano, prestação
pecuniária e da multa (art. 366, CPP).
III – Não prestada fiança ou caso o seu valor não
quite integralmente as despesas referidas, intime-se o réu para que proceda
ao pagamento;
IV – Oficie-se a Justiça Eleitoral sobre a suspensão
dos direitos políticos do acusado, nos termos do art. 15, III, da CF;
V – Expeça-se Guia de Recolhimento Definitiva
para a execução da pena.
VI – Façam-se as necessárias anotações e demais
comunicações, cumprindo-se as disposições do Código de Normas da
Corregedoria Geral de Justiça;
VII – Feitas as comunicações previstas no CNCGJ-PR
e certificado nos autos o levantamento de valores e a destinação dos
objetos, no caso de existência de fiança e apreensões, venham os autos
conclusos.
Sentença publicada e registrada com a inserção e
assinatura do documento eletrônico no sistema
7
.
7
Revogadas a previsão de manutenção de livro físico de registro de sentença
(Provimento nº 216/2011) e a disciplina do “sistema Publique-se” (Provimento nº
26Corregedoria-Geral da Justiça
EQUIPE ESPECIAL DE APOIO
Intimem-se.
De Curitiba para Realeza, data gerada pelo
sistema.
MÁRIO DITTRICH BILIERI
Juiz de Direito Substituto
282/2018), descabido o registro da sentença em livro próprio, armazenado o
arquivo eletrônico na forma disciplinada pelo art. 12 da Lei Federal nº 11.419/2006.
27
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