Processo nº 1002581-56.2023.8.11.0042
ID: 341865944
Tribunal: TJMT
Órgão: 1ª VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1002581-56.2023.8.11.0042
Data de Disponibilização:
04/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RONALDO MEIRELLES COELHO JUNIOR
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1002581-56.2023.8.11.0042 Réu: MANOEL MATILDES DA SILVA NETO Vistos,…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1002581-56.2023.8.11.0042 Réu: MANOEL MATILDES DA SILVA NETO Vistos, etc. Trata-se de Denúncia ofertada pelo Ministério Público Estadual em face de MANOEL MATILDES DA SILVA NETO pela prática, em tese, do delito previsto no art. 21 do Decreto Lei n° 3.688/41 c/c 61, II, f, e 69, todos do Código Penal, com as implicações na Lei nº 11.340/06, com as implicações da Lei nº 11.340/2006, contra a vítima T. C. S. N. [1] Narra a denúncia que no dia 05/02/2023, por volta das 23:00 horas, na Avenida Presidente Getúlio Vargas, Bairro Quilombo, Cuiabá/MT, em frente ao “Choppão”, MANOEL MATILDES DA SILVA NETO praticou vias de fato contra T. C. S. N, sua convivente, em situação de violência doméstica e familiar. Descreve a denúncia que a vítima e denunciado conviveram maritalmente por 03 (três) anos e 06 (seis) meses. Expõe que no dia e hora informados, a vítima e o denunciado haviam almoçado em uma churrascaria e, após, foram encontrar amigos, ocasião em que ingeriram bebidas alcoólicas, porém, MANOEL estava muito nervoso e, por esse motivo, a vítima o levou de volta para casa. Conta que mais tarde, a vítima foi buscar o denunciado em casa para irem até a residência de um amigo. Na ocasião, MANOEL, continuava agressivo, chamando a vítima de “lixo” e de “vagabunda”. Não bastasse, puxou seu cabelo várias vezes, enquanto estavam dentro do veículo. Informa que as agressões cessaram somente após a vítima avistar uma viatura policial e buzinar. A denúncia foi recebida em 13 de março de 2024 e o acusado devidamente citado (Id 155129507). O acusado apresentou resposta à acusação no Id 163079002. Diante da ausência de arguição de preliminares, bem como inexistente nos autos qualquer hipótese para absolvição sumária do acusado, foi ratificada a decisão de recebimento da denúncia, dando-se prosseguimento à instrução processual (Id 169413998). Audiência de Instrução realizada em 25/03/2025 (Id 188367715). Na oportunidade, foi decretada a revelia do réu tendo em vista que devidamente intimado, não compareceu ao ato. Igualmente, a vítima devidamente intimada, não compareceu, de modo que foi requerida a desistência de sua oitiva pelo Ministério Público, o que foi homologado pelo juízo. No mesmo ato, foram inquiridas as testemunhas arroladas, conforme gravação audiovisual anexada aos autos (Id 188367003). Em alegações finais apresentadas na forma de memoriais escritos (Id 1 190441342), o Ministério Público pugnou pela PROCEDÊNCIA da denúncia com a condenação do acusado como incurso nas sanções do artigo 21, do Decreto Lei nº 3.688/41, c/c com art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, com as implicações da Lei nº 11.340/2006, bem como ao pagamento de valor a ser fixado pelos danos emocionais causados à vítima. No mais, pugnou pela remessa de cópias do depoimento extrajudicial da vítima, bem como das imagens e vídeos encartados aos autos, a Autoridade Policial para apuração do crime de lesão corporal ocorrido em data pretérita. A defesa, por sua vez, em suma, pugnou pela ABSOLVIÇÃO do acusado nos termos do art. 386, III e VII, argumentando para tanto, a fragilidade das provas constantes dos autos (Id 193660193). Vieram-me conclusos para sentença. É o breve relato. Fundamento. Decido. O acusado responde perante este Juízo pela prática, em tese, do delito previsto no art. 21 do Decreto Lei n° 3.688/41 c/c 61, II, f, e 69, todos do Código Penal, com as implicações na Lei nº 11.340/06, com as implicações da Lei nº 11.340/2006, contra a vítima T. C. S. N. Os autos tramitaram regularmente, não havendo nenhuma irregularidade ou nulidade que impeça a prolação da sentença. Após a regular instrução processual, sem delongas, verifica-se que a denúncia se mostra PROCEDENTE, diante do conjunto probatório constante dos autos, conforme será exposto a seguir. Julgamento com perspectiva de gênero Inicialmente, é importante registrar que, conforme se extrai do conjunto probatório, o crime foi praticado no âmbito da violência doméstica contra a mulher, baseada no gênero. Saliento que recentemente o Brasil foi condenado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Márcia Barbosa de Souza a qual foi vítima de feminicídio em 1988. Na sentença, o Brasil foi condenado em razão da utilização de estereótipos negativos em relação à vítima, por não investigar e julgar a partir da perspectiva de gênero, pela aplicação indevida de imunidade parlamentar e pela discriminação no acesso à Justiça, sendo esta uma das recomendações emitidas pelo Comitê sobre a Eliminação da discriminação contra as Mulheres da CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Fonte de inspiração para a Lei 11.340/06, a CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”, em seu art. 1º prevê que será entendida por violência doméstica contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. A discriminação é um elemento sempre presente quando se trata de violência de gênero. Assim, deve ser assegurado pelo Poder Judiciário especial proteção à vítima observando a Constituição da República e a Lei nº 11.340/2006. Por fim, registra-se que o Conselho Nacional de Justiça instituiu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, no qual avança na interpretação do direito sob a lente de gênero, e com isso reforça-se que, no contexto doméstico, existem comportamentos que perpetuam a violência de gênero e que devem ser interrompidos por meio de decisão judicial, como nos autos. DO DELITO DE VIAS DE FATO Após a análise das provas colhidas durante a instrução processual em relação à contravenção penal de vias de fato, verifica-se que a materialidade e autoria delitiva, se apresentam incontestes e suficientemente consubstanciadas pelo boletim de ocorrência n. 2023.33667 (Id 110123324), bem como pelas declarações da vítima na fase inquisitorial (Id 110123329), corroboradas pelos depoimentos das testemunhas inquiridas em juízo. Em sede policial, a ofendida relatou que em uma discussão dentro do carro, o acusado teria proferido diversas palavras de baixo calão, bem como puxado o seu cabelo várias vezes, tendo a vítima buzinado para a viatura da polícia que passava no momento, para lhe socorrer, senão vejamos: (...) “Perguntado à declarante qual o grau de parentesco ou afinidade com o envolvido e, sendo convivente, qual o período de convivência de 03 anos e meio, bem como, se possui filhos com o suspeito, respondeu QUE NÃO: QUE o autor dos fatos é seu convivente MANOEL MATILDES DA SILVA NETO; QUE: Os novos fatos ocorreram na data de hoje (05/02/2023), por volta de 23:00:horas; Perguntado sobre os detalhes do ocorrido, respondeu QUE: a vítima relata que na data de ontem foram almoçar em uma churrascaria e após foram a outro local com amigos e ambos fizeram uso de bebidas alcoólicas; QUE a vítima que MANOEL estava muito nervoso devido estar embriagado e por este motivo a vítima o levou de volta para sua casa; QUE ao busca-lo mais tarde para irem até a casa de um amigo, onde o mesmo continuou agressivo onde lhe ofendia com palavra de baixo calão (lixo, vagabunda) enquanto estavam dentro de veículo, MANOEL puxou seu cabelo várias vezes; QUE a vítima buzinou assim que viu uma viatura da polícia passando pela rua para socorre-la; QUE a vítima relata que está com vários hematomas pelo corpo devido as agressões físicas que sofreu semana passada; QUE relata que desde o inicio da relação MANOEL é um homem agressivo onde já lhe agrediu fisicamente por diversas vezes; QUE a vítima relata que nunca o denunciou ou fez boletim de ocorrência; QUE MANOEL já responde por violência doméstica na cidade de ARACAJU-SE onde estavam de férias e ocorreu uma discussão entre os dois, o funcionário do hotel em que estavam chamaram a polícia; QUE MANOEL a agrediu fisicamente neste dia também” (...) (Declarações da vítima, em sede policial – Id 110123329). Convém salientar que, em casos de violência contra a mulher, a palavra da vítima é de fundamental importância para a devida elucidação dos fatos, constituindo elemento hábil a fundamentar um veredito condenatório, quando firme e coerente, máxime quando corroborada pelos demais elementos de provas encontrados nos autos. Nesse sentido é o entendimento do STJ: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. OFENSA AO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1 Não se vislumbra ofensa ao art. 619 do CPP, pois o Tribunal de origem se pronunciou sobre todos os aspectos relevantes para a definição da causa. Ressalte-se que o julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos das partes, bastando que resolva a situação que lhe é apresentada sem se omitir sobre os fatores capazes de influir no resultado do julgamento. 2. As instâncias ordinárias demonstraram a coesão e harmonia das provas dos autos para atestar a materialidade e autoria do delito, em especial a intenção de lesionar, seja por meio da palavra da vítima, prova testemunhal e pericial, mensagem de whatsapp e provas indiciárias, consoante arcabouço probatório do corpo de delito. Desse modo, evidente que o afastamento dessas conclusões demandaria o revolvimento fático-probatório, providência inviável em sede de recurso especial, conforme dispõe a Súmula 7/STJ 3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual, nos delitos de violência doméstica em âmbito familiar, a palavra da vítima recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por outros elementos probatórios. 4. O Tribunal a quo manteve os fundamentos utilizados pelo juízo singular para aplicar a causa de diminuição e fixar a fração mínima de redução, tendo levado em consideração, respectivamente, a gravidade dos xingamentos proferidos em desfavor da genitora do recorrente e a agressividade e desproporcionalidade da conduta do réu para com sua companheira, não merecendo reparo o acórdão recorrido. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.202.116/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/12/2022, DJe de 15/12/2022). Na hipótese dos autos, embora a vítima não tenha sido ouvida perante o juízo, suas declarações, em sede policial, encontram respaldo em outros elementos coligidos sob o crivo do contraditório. A testemunha Anilton Sérgio da Silva, policial militar que atendeu a ocorrência, em seu depoimento em juízo declarou, de maneira firme, que se recorda de ter atendido a ocorrência durante patrulhamento. Relatou que, enquanto realizavam o patrulhamento, foram abordados pela vítima que passou de carro, buzinando e gritando, o que os levou a parar a viatura para verificar a situação. Informou que a vítima relatou que seu companheiro, momentos antes, teria puxado seu cabelo, gritado com ela e demonstrado comportamento agressivo. Além disso, a vítima mencionou possuir vídeos que mostrariam agressões anteriores, ocorridas na semana anterior. A testemunha também informou que o acusado, no momento da abordagem, não fez nenhum comentário e não apresentou resistência. Ressaltou que, embora as agressões relatadas já haviam cessado quando chegaram ao local, a vítima apresentava-se bastante “chorosa” no momento do atendimento. Assim, em que pese a referida testemunha não tenha presenciado as agressões, a dinâmica dos fatos por ele retratada está em consonância com o depoimento da vítima em sede policial. Já a testemunha Wanderlan Sidney Gonçalves Barbosa, também policial militar que integrava a guarnição que atendeu a ocorrência, quando inquirido em juízo, igualmente relatou que se recorda de ter atendido a ocorrência em questão. Informou que a vítima estacionou o veículo no meio da pista e acionou a viatura da polícia que passava pelo local. Contudo, devido ao tempo decorrido, não consegue se recordar com precisão de todos os detalhes dos fatos. Por fim, ressaltou que o acusado foi preso em flagrante na ocasião. Vê-se, portanto, que o depoimento da vítima em sede policial, narrado de forma coerente, encontra respaldo na prova produzida sob o crivo do contraditório. E, como se sabe, os elementos informativos, malgrado não se prestem, por si sós, para embasar a condenação (art. 155, caput, do Código de Processo Penal), quando concatenados com as provas coligidas em juízo, como no caso, contribuem para a formação do juízo de certeza. Nesse sentido é o entendimento do STJ: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. AMEAÇA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOCORRÊNCIA. DEPOIMENTO DA VÍTIMA PRESTADO NO INQUÉRITO POLICIAL CORROBORADO POR ELEMENTOS COLHIDOS NA FASE JUDICIAL. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PARA LASTREAR A CONDENAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. PRECEDENTES. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. AMPLO REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I - No presente caso, o depoimento da vítima prestado na fase inquisitiva foi corroborado por outros elementos colhidos na fase do contraditório judicial, como pelos depoimentos prestados em juízo pelo irmão da vítima e pelos policiais militares que atenderam a ocorrência, os quais, embora não tenham presenciado e nem ouvido as ameaças proferidas pelo agravante, narraram os fatos da mesma forma apresentada pela vítima no inquérito policial, reforçando suas declarações. II - A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que é possível a utilização das provas colhidas durante a fase inquisitiva para lastrear o édito condenatório, desde que corroboradas por outras provas colhidas em juízo, como ocorreu na espécie, inexistindo a alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal. III - A análise do pleito absolutório por insuficiência probatória demandaria, necessariamente, amplo revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do habeas corpus. Precedentes. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 385358 SC 2017/0006469-9, Relator.: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 10/10/2017, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2017). Na mesma linha já se manifestou, inclusive, o egrégio Tribunal de Justiça do nosso estado, em caso análogo: APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE LESÃO CORPORAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI MARIA DA PENHA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – DECLARAÇÕES DAS TESTEMUNHAS E DO POLICIAL MILITAR RESPONSÁVEL PELO FLAGRANTE – SUFICIÊNCIA PARA COMPROVAR A AUTORIA DELITIVA – VÍTIMA NÃO OUVIDA EM JUÍZO – IRRELEVÂNCIA – JULGADO DO TJMT – RESPONSABILIDADE PENAL MANTIDA – ROBUSTO CONJUNTO PROBATÓRIO A ALICERÇAR A CONDENAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO. 1) As declarações da vítima, embora não ratificadas em juízo, roboradas por outros elementos probatórios como o auto de exame de corpo de delito e as declarações das testemunhas, inclusive do policial militar responsável pela prisão em flagrante, são considerados meio idôneo a fundamentar a condenação pelo crime de lesão corporal, sendo incabível a absolvição. 2) Recurso Desprovido. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 0001179-52.2015 .8.11.0004, Relator.: JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 20/05/2020, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/05/2020). Além disso, o acusado, em sede policial, não nega ter discutido com a vítima na data dos fatos, confirmando inclusive, que puxou o cabelo da vítima na ocasião: (...) ”QUE o interrogando relata que tem várias discussões entre ele a vítima e sempre pelo mesmo motivo de ciúmes; QUE nas discussões anteriores já entraram em vias de fato (ambos), mas que na data de hoje somente discutiram; QUE estavam na casa de amigos e fizeram uso de bebidas alcoólicas, e que na volta para casa discutiram por motivos de ciúmes, onde a vítima chamou a polícia que passava pela rua; QUE confirma que puxou o cabelo da vítima, pois a mesma queria pegar seu celular a força; QUE perguntado ao interrogando sobre ter agredido a vítima fisicamente em uma viagem de férias ao estado de SERGIPE o mesmo confirmou que SIM, onde responde por violência doméstica; (Interrogatório do acusado em sede policial – Id 110123333). Assim, em seu interrogatório perante a autoridade policial, o acusado confessa, a prática de vias de fato (puxão de cabelo) contra a vítima. Desse modo, ao analisar o conjunto probatório dos autos, verifica-se a presença de provas suficientes quanto à materialidade e à autoria delitiva atribuídas ao acusado pela prática da contravenção penal descrita na denúncia. As agressões físicas perpetradas pelo acusado, consistentes em puxões de cabelo, enquadram-se no disposto no artigo 21 da Lei das Contravenções Penais, por configurarem infração que atenta contra a incolumidade física, caracterizada por atos de ataque ou violência contra a pessoa, sem, contudo, configurar lesões corporais. Assim, a alegação da defesa acerca da ausência de laudo pericial não procede, uma vez que os fatos narrados – os puxões de cabelo – se adequam ao conceito de vias de fato previsto no artigo 21 da referida legislação. Diante do contexto probatório dos autos, restam devidamente comprovadas a materialidade e a autoria, fundamentando o decreto condenatório, que se apresenta como medida necessária. Ademais, a apuração e o juízo de culpabilidade nos presentes autos restringem-se exclusivamente aos fatos ocorridos em 05/02/2023, conforme delimitado na denúncia. DA AGRAVANTE Outrossim, reconheço a incidência da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal, tendo em vista que o crime foi praticado se prevalecendo o réu das relações domésticas de coabitação. Nesse sentido, o STF e o STJ: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, "F", DO CP. BIS IN IDEM NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. As circunstâncias que embasam a agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal não se encontram normatizadas no tipo penal sancionador dos artigos 129, §9º, e 147 do CP, de modo a se poder imputar uma maior reprovação sobre o fato. Pelo contrário, em tal infração, não há previsão normativa específica de majoração da sanção, à vista de condutas cometidas no âmbito das relações domésticas e familiares, sendo mesmo imprescindível a aplicação conjunta do Código Penal. 2. A jurisprudência pacificada desta Corte Superior é no sentido de que a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, f, do CP, de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não acarreta bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher (AgRg no AREsp n. 1.079.004/SE, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 28/6/2017). 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STJ - AgRg no AREsp 1808261/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2021). “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, "F", DO CÓDIGO PENAL. DISPOSIÇÕES DA LEI N. 11.340/2006. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. "Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, f, do Código Penal, de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não acarreta bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher." (AgRg no HC n. 463.520/SC, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 25/9/2018, DJe 10/10/2018.) 2. Agravo regimental desprovido”. (STJ - AgRg no REsp 1911818/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/08/2021). “Ademais, este Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, de modo conjunto com outras disposições da Lei 11.340/2006 não acarreta bis in idem. Nesse sentido são as seguintes decisões desta Suprema Corte: RHC 168.694, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 29/3/2019; RHC 170.541, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 22/8/2019”. (HC 178358 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/04/2020). DA ATENUANTE DA CONFISSÃO A atenuante da confissão espontânea, disposta no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, ainda que extrajudicial, deve ser reconhecida, se utilizada como fundamento da condenação, conforme preconiza a súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, entendo pela sua aplicação. DOS DANOS MORAIS Segundo a alteração realizada no art. 387, inciso IV, do CPP pela Lei 11.719/08, ao proferir sentença condenatória, o magistrado deverá fixar um valor mínimo referente à reparação de eventuais danos sofridos pela ofendida. Sobre o assunto, o STJ: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA. PRESCINDIBILIDADE. DANO IN RE IPSA. RECURSO PROVIDO. 1. Para a fixação da reparação dos danos causados pela infração deve-se realizar pedido expresso. 2. A produção de prova específica quanto à ocorrência e extensão do dano e a indicação do valor pretendido a título de reparação, contudo, são dispensáveis, conforme entendimento firmado por esta Corte no julgamento do Recurso Especial n. 1.675.874/MS, no qual firmou-se a tese de que "nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória". 3. Agravo regimental provido para restabelecer a condenação por danos morais nos moldes arbitrados na sentença condenatória”. (STJ, AgRg no REsp n. 1.673.181/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 17/8/2018.) O Ministério Público requereu expressamente a fixação de indenização em favor da vítima. É sabido que, para a fixação da indenização por danos morais deve ser considerado além da natureza compensatória para a vítima, a função pedagógica ou de desestímulo em face do próprio réu, devendo-se observar a razoabilidade e a proporcionalidade para a fixação do seu valor. Especificamente nos casos de crimes praticados no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, como no caso, cumpre destacar que em julgamento realizado sob o rito de recursos repetitivos (Tema 983), o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é possível a fixação de indenização por danos morais, se houver pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não tenha sido especificada a quantia, independentemente da instrução probatória. Vejamos: “(...) Apreciando o Tema 983 sob a sistemática dos recursos repetitivos, o colendo STJ sedimentou o entendimento de que, nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório por danos morais, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória para esse fim. Ademais, sendo o direito penal a ultima ratio, toda e qualquer infração penal também é um ilícito civil, que causa, in re ipsa, ao menos dano moral, de modo que a fixação de valor mínimo sob esse título não macula o processo penal. No caso concreto, verifico que a ofendida suportou malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher, transtornos e aborrecimentos que lhe causaram sofrimento, fato que causa lesão à dignidade subjetiva da vítima, configurando danos morais. Assim, a condenação em danos morais se impõe”. (STJ, Acórdão 1282740, 00058745220188070005, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 10/9/2020). Feita essas considerações, FIXO 01 (um) salário mínimo, a título de DANOS MORAIS a ser pago pelo réu em favor da vítima, o qual entendo adequado e coerente, atendendo às singularidades do caso concreto, observando-se, via de consequência, a necessária individualização do dano moral, devendo incidir sobre tal valor juros moratórios de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula 54, STJ) e correção monetária a partir do arbitramento da indenização, de acordo com a súmula n. 362 do STJ. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o réu MANOEL MATILDES DA SILVA NETO, brasileiro, convivente, comerciante, RG nº 14071592 SSP/MT, inscrito no CPF nº 034.344.211-65, nascido no município de Cuiabá/MT em 29/10/1988, filho de Elisa Leonina da Silva, domiciliado na Rua Jose de Lacerda Cintra, n° 0 – Edifício Caravelas, Apto 302, bairro Bosque da Saúde nas sanções do artigo 21, do Decreto Lei nº 3.688/41, c/c com art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, com as implicações da Lei nº 11.340/2006. Ainda, CONDENO-O ao pagamento do valor de 01 (um) salário mínimo, a título de DANOS MORAIS em favor da vítima, devendo incidir sobre tal valor juros moratórios de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula 54, STJ) e correção monetária a partir do arbitramento da indenização, de acordo com a súmula n. 362 do STJ. Passo a individualização da pena a ser aplicada, em observância ao disposto no artigo 68, caput, do mesmo Códex. A pena prevista para o delito de vias de fato previsto no artigo 21 do Decreto Lei n. 3.688/1941 é de quinze dias a três meses de prisão simples, ou multa, se o fato não constitui crime. Atento às circunstancias judiciais do artigo 59 do Código Penal, tenho que: I. A culpabilidade do acusado, entendida como o grau de reprovabilidade da conduta, considerando que o acusado praticou o crime se prevalecendo das relações doméstica de coabitação, na forma da lei específica, se traduz num maior grau de reprovação, contudo, referida peculiaridade será considerada como circunstância agravante na segunda fase da dosimetria; II. Não possui antecedentes criminais, assim entendidas condenações anteriores transitadas em julgado; III. A conduta social, sem elementos suficientes para aferição; IV. Personalidade do acusado, sem elementos suficientes para aferição; V. O motivo se mostra normal à espécie VI. As circunstâncias do crime não interferiram na ação delituosa; VII. As consequências do delito são próprias do tipo; VIII. O comportamento da vítima não contribuiu na prática da conduta. Considerando tais circunstâncias do delito de vias de fato, fixo a pena-base no mínimo legal, em 15 (quinze) dias de prisão simples. Circunstâncias Atenuantes e Agravantes. Na segunda fase, RECONHEÇO a circunstância agravante contida no artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal, tendo em vista que o réu praticou o crime se prevalecendo das relações domésticas de coabitação, e, exaspero a pena no quantum 1/6 (um sexto), todavia, ainda na segunda fase, RECONHEÇO a circunstância atenuante da pena, prevista no art. 65, III, “d” do Código Penal, tendo em vista a confissão do réu. Diante da ocorrência de atenuante e agravante faço a devida compensação, motivo pelo qual mantenho a pena em 15 (quinze) dias de prisão simples. Causas de Aumento e Diminuição de Pena Não há causas de aumento ou de diminuição de pena a serem consideradas, razão pela qual torno DEFINITIVA a pena de 15 (quinze) dias de prisão simples, por entender justa e necessária a reprovação do crime. O regime de cumprimento de pena será o aberto, tendo em vista o disposto no art. 33, § 2º, “c” do Código Penal. Deixo de aplicar a hipótese do artigo 44 do Código Penal, uma vez que o delito fora praticado no âmbito da Lei 11.340/2006, conforme ADI 4424 e Súmula 588 do STJ. ISENTO o réu do pagamento das custas processuais por ser pobre na forma da lei. CIÊNCIA ao Ministério Público. INTIMEM-SE o acusado, através de seu advogado e/ou defensor, nos termos do art. 392, II, do CPP, bem como art. 369, § 2º, inc. I, da CNGC. Transitada em julgado, oficie-se à Justiça Eleitoral (art. 15, III da CF/88), forme-se o PEP, escrevendo-se o nome do réu no rol dos culpados. Expeça-se o necessário. Sem prejuízo, determino a remessa de cópias do depoimento extrajudicial da vítima, bem como das imagens e vídeos encartados aos autos, à Autoridade Policial para apuração do crime de lesão corporal ocorrido em data pretérita, conforme requerido pelo Ministério Público. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, data registrada no sistema. Assinado digitalmente GISELE ALVES SILVA Juíza de Direito [1] Em cumprimento a Lei n. 14.857/2024, o nome da ofendida ficará sob sigilo.
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