Vanderlei José De Campos Junior x Brf S.A.
ID: 332349885
Tribunal: TJPR
Órgão: 20ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 0079307-11.2025.8.16.0000
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDUARDO PORTO VIEIRA JABUR
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
THIAGO JOSÉ ZANATA CAMARA
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
GUSTAVO DE CAMARGO HERMANN
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 20ª CÂMARA CÍVEL Recurso: 0079307-11.2025.8.16.0000 AI Classe Processual: Agravo de Instrumento Assunto Principal: Difamação Agravante(s): Vanderle…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 20ª CÂMARA CÍVEL Recurso: 0079307-11.2025.8.16.0000 AI Classe Processual: Agravo de Instrumento Assunto Principal: Difamação Agravante(s): Vanderlei José de Campos Junior Agravado(s): BRF S.A. 1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Vanderlei José de Campos Júnior contra a r. decisão de mov. 20.1 (processo originário) [1], proferida nos autos de Tutela Cautelar Antecedente Inaudita Altera Pars, movida por BRF Global Foods Company S.A. em face do ora Agravante, que deferiu a tutela antecipada para determinar que o Réu promovesse a exclusão dos conteúdos veiculados em alguns endereços eletrônicos, bem como se abstivesse de mencionar o nome da Autora, pelos seguintes fundamentos: “1. BRF S/A, qualificada nos autos, por intermédio de advogado regularmente constituído, aforou a presente TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE em face de VANDERLEI JOSÉ DE CAMPOS JUNIOR, igualmente qualificado, alegando em síntese: Que o réu é empresário, produtor rural e influenciador digital, se apresentando como expert na produção agrícola, contando com mais de 1 milhão de seguidores em seu perfil na plataforma Instagram. Que a empresa da qual o réu é sócio, CONFIAGRO, firmou contrato com a autora em 07/05/2025 para entrega de 40.000 (quarenta mil) sacas de milho em 20/05/2025, com data máxima em 31/05/2025, o qual deixou de cumprir, segundo o réu, em razão de chuvas, que impossibilitaram a colheita do milho. Assim, foi autorizada a postergação da entrega para 06/06/2025, data na qual o réu também não conseguiu cumprir o contrato supostamente em razão das chuvas, motivo pelo qual, diante do longo relacionamento que mantinham, postergou mais uma vez a data de entrega para 15/06/2025, e nesta também não houve a entrega. Sustenta que dependia da entrega dos grãos para manutenção do funcionamento de sua planta fabril, sendo certo que a ausência de fornecimento poderia acarretar prejuízos milionários, em razão da ociosidade da linha de produção. Que o representante da autora estranhou as reiteradas desculpas vinculadas a supostas chuvas, pois outros produtores da região estavam entregando seus grãos, quando, ao visitar a sede da empresa do réu, constatou que este estava embarcando milho para exportação em favor de outra empresa. Afirma que, com isso, o réu afirmou que entregaria o milho imediatamente, contudo o representante da autora informou que não poderia mais aceitar e que a decisão caberia à gerência, que avaliaria a situação. Posteriormente, teria informado ao réu, que, caso ainda tivesse intenção de entregar o milho à BRF, seria necessário reajustar o valor e firmar novo contrato para cotação do mês de junho, reduzindo o valor do contrato inicial para R$ 57,00 a saca, que era o preço praticado pela BRF na data de 23/05/2025. Que, em razão disso, nos dias 23 e 24/06/2025, o réu publicou vídeos em suas páginas do Instagram e do TikTok, fazendo acusações falsas e desprovidas de fundamento em frente à fábrica da autora em ToledoPR, no intuito de criar ambiente hostil, vez que não se limitou a tratar da sua situação em particular, mas também a instigar outros produtores rurais da região (e todo o Brasil) a se ‘rebelarem’. Requer a concessão da tutela antecedente para determinar que o réu, em até 1 hora após a intimação, exclua os vídeos publicados, sob pena de multa de R$ 10.000,00 por hora de atraso, bem como se abstenha de citar, direta ou indiretamente, por vídeo, foto ou fala, qualquer menção que faça referência à autora, independentemente do meio de mídia ou veiculação utilizado, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 por ato de descumprimento. Juntou documentos. (...) Pois bem. É sabido que, para ser deferida a antecipação dos efeitos da tutela de urgência, devem se fazer presentes, obrigatoriamente, os pressupostos previstos no artigo 300 do CPC, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (...) Trata-se de publicações motivadas pelo descontentamento do réu com a conduta adotada pela autora em face do descumprimento do contrato do mov. 1.2, firmado entre a empresa CONFIAGRO, da qual é sócio, e a BRF S/A. Em seus vídeos, que tiveram um número expressivo de visualizações, o requerido confessa ter descumprido o contrato, mas deixa claro que não aceita que a BRF S/A aplique as penalidades contratualmente previstas, por sustentar que o descumprimento foi motivado pelas chuvas. Apesar da suposta chuva, a autora alega que os outros produtores desta região entregaram os grãos em dia, sendo posteriormente constatado, conforme fotografias acostadas ao mov. 1.6, que o requerido estava entregando milho para outra(s) empresa(s). Desse modo, há indícios suficientes de que a conduta do réu está maculada de má-fé, sobretudo porque fere as normas previstas no “Código de Conduta para Fornecedores” com cujos termos o réu concordou quando firmou contrato em nome de sua empresa CONFIAGRO. Referidos fatos são suficientes a comprovar o requisito da probabilidade do direito da autora e restam corroborados pelos documentos dos mov. 1.2/1.5. O perigo de dano, por sua vez, reside nas graves consequências que a continuidade dessa conduta pode acarretar à autora, como abalo à imagem da empresa vinculada a fatos inverídicos ou convenientemente distorcidos, e do caráter odioso que se atribui à referida prática. Tal assertiva se robustece em face do aspecto sensacionalista do vídeo, de cuja narrativa, inclusive, o requerido se utiliza para divulgação e venda de “cursos”, no claro intuito de lucrar utilizando-se da depreciação da imagem da requerente. Não se pode ignorar, por fim, os impactos que poderão afetar milhares de investidores com eventuais oscilações nas ações listadas pela autora junto à Bolsa de Valores brasileira, o que reforça o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Dessa forma, conclui-se que a conduta lesiva do réu não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário, especialmente diante dos danos que poderão ser experimentados pela autora e por terceiros, caso não haja intervenção célere e eficaz. Verifica-se, portanto, que presentes os requisitos ensejadores da tutela de urgência se encontram suficientemente demonstrados. Impõe-se, assim, o deferimento da tutela no intuito de coibir o réu de se utilizar do nome da autora nos conteúdos divulgados em suas redes sociais e suprimir os vídeos já publicados com esse conteúdo, conforme pleiteado na inicial, situação que deverá perdurar pelo menos até que sejam melhor elucidados os fatos. Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, o que faço com fundamento nos artigos 300, § 2º, e 303 do CPC, para determinar ao réu: a. que promova a exclusão dos conteúdos veiculados aos seguintes endereços eletrônicos ("url"): https://www.instagram.com/reel/DLSuZxXxuH6/?igsh=MXZmcnhrMW, https://www.instagram.com/reel /DLQY7BtRHjx/?igsh=MWttejNsM3Rj e https://vm.tiktok.com/ZMS9Hstyr/, no prazo de 1 hora da intimação desta decisão, sob pena de multa de 10.000,00 (dez mil reais) por hora de atraso, até o limite de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), e b. que se abstenha de citar, direta ou indiretamente, por vídeo, foto ou fala, qualquer menção que faça referência à autora, independentemente do meio de mídia ou veiculação envolvendo a autora, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ato praticado. Referidas multas foram arbitradas com fundamento no artigo 536, § 1º c/c o artigo 537 do CPC, as quais se reverterão em favor da autora, na forma do § 2º do artigo 537 do mesmo codex. 2. Oficie-se à Meta (empresa responsável pelo Instagram) e à ByteDance (empresa responsável pelo TikTok) , requisitando-se a exclusão dos conteúdos veiculados aos seguintes endereços eletrônicos ("url"): https://www.instagram.com/reel/DLSuZxXxuH6/?igsh=MXZmcnhrMW, https://www.instagram.com/reel /DLQY7BtRHjx/?igsh=MWttejNsM3Rj e https://vm.tiktok.com/ZMS9Hstyr/, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. 3. Para viabilizar o cumprimento do item supra, deverá a autora indicar os respectivos endereços eletrônicos em 05 (cinco) dias. 4. Cite-se o réu, com urgência, por meio eletrônico (aplicativo WhatsApp), via Oficial de Justiça, conforme pleiteado na inicial, para cumprir imediatamente a presente decisão, sob pena de incidir a multa fixada. Expeça-se o competente mandado.” (mov. 20.1). Em suas razões recursais (mov. 1.1 - Recurso), requer a parte agravante a reforma da r. decisão agravada, com a concessão da tutela recursal para imediata cessação da ordem de remoção de conteúdo e suspensão da multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), apresentando os seguintes argumentos: a) é renomado Engenheiro Agrônomo, produtor rural e empresário do setor agrícola há mais de uma década, possuindo uma reputação ilibada e rigor no cumprimento de suas obrigações contratuais, sendo este o primeiro processo judicial; b) pelo seu notório saber e experiência, tornou-se uma referência e líder de opinião em suas redes sociais, local em que compartilha conhecimento técnico e fomenta debates construtivos, sendo um canal de comunicação vital para a comunidade agrícola; c) ao longo de 12 (doze) anos possui uma relação comercial com a Confiagro (da qual é sócio) e a Agravada, sendo os contratos sucessivamente cumpridos e renovados, firmando-se um vínculo de confiança mútua; d) por um evento de força maior (chuvas torrenciais e ininterruptas que assolam a região), que inviabilizaram a colheita de milho, a Confiagro viu-se impedida de cumprir o prazo de entrega estipulado, de modo que, agindo de boa-fé, o Agravante, representando sua empresa (Confiagro), manteve diálogo com a Agravada, buscando solução amigável e mitigação dos danos, sendo apresentadas propostas de renegociação e a oferta de comprovação técnica da impossibilidade de cumprimento; e) após esgotar todas as vias de negociação, diante de uma postura intransigente da Agravada, em ato de legítima defesa e no exercício de sua liberdade de expressão, expôs a situação em suas redes sociais, buscando apoio e alertando a comunidade sobre a conduta da “gigante corporativa”; f) em resposta, a Agravada ajuizou a ação, pleiteando a concessão de liminar para retirada das publicações, sob pena de multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), limitada a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), o que foi deferido pelo D. Juízo “A quo”; g) a r. decisão agravada foi baseada em narrativa distorcida unilateral dos fatos, ignorando a flagrante incompetência territorial e a má-fé da Agravada que violou o princípio da cooperação processual e da boa-fé contratual; porém, imediatamente, deu cumprimento à ordem, no dia 27/06/2025, porém discorda de seus termos; h) a Agravada ajuizou a ação na comarca de Toledo/PR, sob o pretexto de desconhecer o domicílio do Agravante, porém possuem relação contratual de mais de 12 (doze) anos, cujos contratos demonstram que a sede da empresa é Santa Tereza do Oeste/PR, pertencente à Comarca de Cascavel/PR, domicílio do Recorrente; i) este fato é de conhecimento público e amplamente divulgado nas redes sociais do Recorrente, bem como comprovado pelos documentos que instruem a demanda; j) “a escolha deliberada e injustificada do foro de Toledo/PR configura um claro e reprovável fórum shopping, uma prática processual antiética que visa obter vantagem indevida pela escolha de um juízo que se presume mais favorável ou, como no caso, mais distante e dificultoso para o exercício da defesa do réu” (mov. 1.1 – recurso), violando o princípio do Juiz Natural e o direito fundamental ao devido processo legal, nos termos do artigo 46 e 53, inciso III, alínea “a”, do Código de Processo Civil, bem como configura conduta de litigância de má-fé, conforme previsto no artigo 80, inciso II, do referido Diploma legal; k) há nulidade processual absoluta diante do cerceamento de defesa e violação ao devido processual legal, haja vista que, após a concessão da tutela em favor da Agravada, a qual foi devidamente cumprida, o Recorrente apresentou petição ao Juízo, informando o cumprimento da ordem e solicitando a abertura de prazos para a apresentação de recurso, pedido o qual foi ignorado e, de forma surpreendente, proferiu-se o despacho de mov. 58.1, deferindo o aditamento da inicial e estabelecendo um novo marco para a contestação, violando o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal), bem como ao contraditório, ampla defesa e paridade de armas (artigo 5º, LV, da Constituição Federal e artigo 7º, do Código de Processo Civil; l) ao ser designada audiência de conciliação e vincular o prazo de contestação a este ato futuro, criou-se uma inversão tumultuária do rito, cerceando o direito de defesa do Recorrente e gerando um estado de incerteza que pode levar à preclusão de direitos, razão pela qual deve ser reconhecida a nulidade do despacho de mov. 58.1 e dos atos subsequentes; m) inexiste a probabilidade do direito alegado pela Agravada, afirmando que a cronologia dos fatos, extraída das atas notarias e dos áudios apresentados pela própria Agravada, contradiz a tese por ela apresentada, revelando a verdade quanto à diligência e boa-fé do Agravante para mitigar os impactos da força maior; n) a inércia e má-fé da Agravada em cooperar e agir com boa-fé contratual, sendo o ponto de ruptura quando, no exercício de liberdade de expressão, diante da atitude da Agravada; o) a tentativa de silenciamento por meio de ações judiciais e multas exorbitantes configura censura prévia, sendo o direito à crítica, um pilar da democracia e não pode ser cerceado por meras alegações de dano à imagem, especialmente quando a própria conduta da empresa é questionável; p) é fato público e notório, o trágico e desumano episódio envolvendo uma funcionária da Agravada que, em trabalho de parto, foi impedida de buscar auxílio médico nas dependências da empresa, resultando no óbito do nascituro, sendo objeto de notícia nacional, de modo que a alegação da Recorrida de se sentir ofendida pelas críticas de um produtor rural, expõe uma situação de abuso contratual, esbarrando na máxima “nemo auditur propriam turpitudinem allegans”; q) a Agravada não pode invocar proteção à honra e à imagem quando sua própria conduta a descredibiliza, devendo ser observado, no caso, a teoria das “mãos sujas”, a qual impede que a parte se beneficie de sua própria conduta reprovável; r) o perigo de dano irreparável revela-se no fato de o Agravante se ver silenciado, censurado e ameaçado por uma multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor excessivo e desproporcional, sendo incompatível com a realidade financeira de um produtor rural, gerando um “efeito silenciador”, que não apenas desestimula o exercício da liberdade de expressão, mas aniquila financeiramente o Recorrente, comprometendo sua subsistência e violando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade(artigo 537 do CPC), representando um perigo de ruína financeira e moral para o Agravante; s) inexistiram provas do abalo à honra objetiva da Agravada, sendo suas alegações genéricas, e a r. decisão agravada proferida sem um lastro probatório mínimo, baseando-se em mera presunção de dano, o que é inadmissível, por se tratar de uma pessoa jurídica de porte gigantesco e capital aberto; t) a Agravada deixou de comprovar qualquer prejuízo concreto e tangível, como queda de vendas, desvalorização de suas ações no mercado de capitais, cancelamento de contratos significativos, perdas de clientes ou repercussão negativa em veículos de comunicação em massa que pudesse ser atribuída à conduta do Recorrente; u) a r. decisão agravada não apresentou qualquer fundamentação concreta quanto ao critério objetivo adotado para a fixação da multa em valor tão elevado, a qual, caso aplicada, superaria, em uma semana, o valor de R$ 1.680.000,00 (um milhão, seiscentos e oitenta mil reais), não considerado a capacidade econômica do Recorrente e a ausência de prova do dano; v) a multa, neste valor, perde seu caráter coercitivo, transformando-se em penalidade de cunho punitivo e confiscatório, que visa silenciar o Recorrente e gerar um enriquecimento ilícito da Agravada, em clara violação ao artigo 884 do Código Civil, dizendo ser assente na jurisprudência a possibilidade de revisão das astreintes a qualquer tempo; w) o fumus boni iuris reside na flagrante incompetência territorial, nas nulidades processuais, no cerceamento de defesa e na inequívoca violação ao direito à liberdade de expressão, bem como na prova de sua boa- fé. Assim, pede a concessão da tutela recursal para que seja suspensa a r. decisão agravada, determinando-se a imediata cessação da ordem de remoção do conteúdo, bem como a suspensão da aplicação da multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); o acolhimento da preliminar de incompetência territorial, com o reconhecimento da nulidade absoluta do despacho de mov. 58.1 e dos atos processuais subsequentes por flagrante cerceamento de defesa. No mérito, o provimento do recurso, para ser revogada a ordem de remoção de conteúdo, por ausência dos requisitos autorizadores, com a exclusão da multa cominatória ou, subsidiariamente, a sua redução para um patamar justo e razoável, nos termos do artigo 537, § 1º, do Código de Processo Civil, com a condenação da Agravada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, em razão da sua manifesta litigância de má-fé. É o relatório. Decido. 2. Presentes os pressupostos de admissibilidade, admito o recurso interposto e determino o seu regular processamento. 2.1. Do conhecimento parcial do recurso. Inicialmente, com relação ao argumento de incompetência territorial, o artigo 53 do Código de Processo Civil, estabelece o lugar em que deverá ser ajuizada a ação, dispondo o artigo 63 do citado diploma legal, que “as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações”. Contudo, a despeito da possibilidade de ser eleito foro pelas partes, nas hipóteses legalmente previstas, o § 5º do normativo em comento, incluído pela Lei nº 14.879/2024, passou a prever ser prática abusiva o ajuizamento de ação em juízo aleatório – aquele não vinculado ao domicílio ou residência das partes ou ao negócio jurídico discutido –, podendo ser declinada a competência de ofício. Contudo, a despeito da possibilidade de ser reconhecida a questão de ofício (matéria de ordem pública), observa-se que não houve pronunciamento pelo Juízo “a quo” a respeito, razão pela qual, não é possível, neste momento, manifestação deste juízo, sob pena de supressão de instância e violação ao duplo grau de jurisdição. A propósito: “AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. REQUISITOS PROCESSUAIS. CONHECIDO E DESPROVIDO. I. Caso em exame. 1.1. Agravo Interno interposto contra decisão monocrática que não conheceu do Agravo de Instrumento e extinguiu o processo sem resolução do mérito, em razão da ausência de decisão de primeiro grau sobre as novas alegações e documentos apresentados no recurso. 1.2. O agravante sustenta violação ao duplo grau de jurisdição e supressão de instância, afirmando que as alegações de ilegitimidade de parte e competência, são matérias de ordem públicas que podem ser arguidas a qualquer tempo. 1.3. O agravado apresentou contrarrazões e a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do agravo interno. II. Questões em discussão. 2.1. Supressão de instância e violação ao duplo grau de jurisdição. 2.2. Ilegitimidade de parte e incompetência, matéria de ordem pública que pode ser arguida a qualquer tempo. III. Razões de decidir. 3.1. A decisão monocrática considerou que é vedado ao Tribunal analisar fatos e provas não submetidos ao crivo de primeiro grau, sob pena de supressão de instância. Novos documentos e alegações, apresentados no agravo de instrumento, devem ser apreciados inicialmente pelo juízo de origem. 3.2. O Tribunal tem função revisora e, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não pode conhecer de recurso com matéria não decidida no juízo de origem, sob pena de afronta ao duplo grau de jurisdição (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0070530-71.2024.8.16.0000). 3.3. A falta de prévia decisão em primeiro grau inviabiliza o conhecimento do agravo de instrumento, pois a análise de novas questões diretamente pelo Tribunal caracterizaria supressão de instância. 3.4. A jurisprudência relevante reforça a necessidade de provocação do juízo a quo para apreciação de novos elementos, conforme art. 296 do Código de Processo Civil. IV. Dispositivo e tese. 4.1. Agravo interno conhecido e não provido. 4.2. Tese de julgamento: ‘É inadmissível o agravo de instrumento quando as alegações e documentos apresentados não foram previamente apreciados pelo juízo de origem, sob pena de supressão de instância e violação ao duplo grau de jurisdição.’ (...)” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0002083-94.2025.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR ROGÉRIO ETZEL - J. 24.04.2025) (Destaquei). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LIMINAR DEFERIDA. 1. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL ANTE A CONEXÃO COM A AÇÃO ANULATÓRIA MOVIDA EM FACE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. NÃO CONHECIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. IRRELEVÂNCIA. - A questão atinente à competência, arguida pela recorrente, embora seja matéria de ordem pública, não foi objeto de análise pela decisão ora recorrida, razão pela qual não pode ser conhecida nesta fase, sob pena de supressão de instância.2. DECISÃO LIMINAR. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM LEILÃO EXTRAJUDICIAL SOB O RITO DA LEI N. 9.514/97. ALEGAÇÃO DA AGRAVANTE REQUERIDA DE EXISTÊNCIA DE AÇÃO EM QUE SE DISCUTE A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PREJUDICIALIDADE EXTERNA NÃO VERIFICADA. AÇÃO ANULATÓRIA SEM CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA E, POSTERIORMENTE, JULGADA IMPROCEDENTE. PRECEDENTES. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC. IMÓVEL ARREMATADO PELA PARTE AGRAVADA AUTORA TITULAR REGISTRAL. DIREITO DE SER IMITIDA NA POSSE DO BEM, SOB PENA DE IMPOSSIBILITAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS INERENTES À PROPRIEDADE. DESOCUPAÇÃO DETERMINADA NA DECISÃO AGRAVADA EM SESSENTA DIAS. PRAZO EM CONSONÂNCIA COM ART. 30, DA LEI Nº 9.514/97. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL PARA JUSTIFICAR A DILAÇÃO. - É entendimento do Superior Tribunal de Justiça, seguido por esta Corte, não haver prejudicialidade externa entre ação em que se discute a transmissão do domínio à instituição financeira e petitória ajuizada pelo posterior adquirente.- Considerando que a parte autora agravada arrematou o imóvel por meio de leilão extrajudicial, sob o rito procedimental da Lei n. 9.514/97, com lavratura de instrumento particular de venda e compra e registro de sua titularidade, cabível a concessão de tutela de urgência a fim de que o adquirente de boa-fé seja imitido na posse do bem, resguardando-lhe o exercício dos poderes inerentes à propriedade.- Descabe a dilação do prazo para desocupação concedido pela decisão agravada por estar em consonância com art. 30, da Lei n. 9.514/97, sobretudo porque não demonstrada circunstância excepcional que justifique a sua prorrogação. Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido.” (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0006567-55.2025.8.16.0000 - Paiçandu - Rel.: DESEMBARGADOR PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA - J. 24.04.2025) (Destaquei). Quanto ao pedido de condenação ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, por se tratar de recurso restrito à decisão que concedeu tutela de urgência, não cabe tal pretensão neste momento, de modo que não devem ser tais pedidos conhecidos. No mais, presentes os pressupostos, deve ser o recurso conhecido com análise do pedido de concessão da tutela recursal. O deferimento do pedido de antecipação de tutela recursal e/ou concessão de efeito suspensivo pressupõe, tal como em qualquer pedido de tutela provisória de urgência, o preenchimento dos requisitos da a) probabilidade do direito afirmado e do b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos a que alude o artigo 300 c/c artigo 1.019, inciso I, ambos do Código de Processo Civil. Tais requisitos são cumulativos, de modo, portanto, que basta a ausência de um deles ao indeferimento do pretendido pedido liminar. No caso em apreço, em sede de cognição sumária e sem prejuízo do reexame da questão pelo Órgão Colegiado, observa-se estarem presentes os requisitos autorizadores da concessão tutela recursal. Para uma melhor compreensão do caso, traça-se um breve retrospecto dos fatos narrados no processo principal. Colhe-se dos autos que, B.R.F. Global Foods Company S.A., ajuizou Tutela Cautelar Antecedente Inaudita Altera Pars, em face de Vanderlei José de Campos Júnior, objetivando a concessão da tutela para determinar que o Réu, em até 1 (uma) hora após a intimação, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por hora de atraso, exclua os vídeos publicados, bem como se abstenha de citar, direta ou indiretamente, por vídeo, foto ou fala, à Autora, sob pena de multa por ato de descumprimento, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Para tanto, arguiu, em síntese, ser uma empresa multinacional, com 90 (noventa) anos de história, com uma rede de mais de 10.000 (dez mil) produtores rurais integrados, com ações listadas na bolsa de valores, sendo sua atuação crucial para a manutenção da segurança alimentar global, sendo responsável pela produção de mais de 5 (cinco) milhões de toneladas de alimentos. O Réu, no dia 23/06/2025 e 24/06/2025, publicou em suas redes sociais (Instagram e TikTok) vídeos proferindo diversas inverdades contra a Autora, em frente à sua fábrica de Toledo/PR, acusando-a de inverdades, com o intuito de criar um ambiente hostil, porquanto não tratou de uma situação particular, mas instiga outros produtores rurais da região, a se rebelarem contra a Autora. Afirmou que o conteúdo divulgado pelo Réu, seria mentiroso e inverídico, visando, propositalmente, engajamento, curtidas e compartilhamentos, não retratando a verdade dos fatos, distorcendo-a, deliberadamente, para sustentar uma narrativa falaciosa e ofensiva, sendo imputado à Autora acusações falsas, irresponsáveis e desprovidas de fundamentos, veiculadas apenas para garantir visibilidade ao Réu, às custas de um abalo irreparável à reputação da Autora. Apontou que o motivo que levou o Réu à publicação do vídeo, decorreu de um descumprimento de contrato de entrega de grãos à Autora, tendo ele, antes da publicação do vídeo, ameaçado o preposto da Autora, afirmando que tornaria público o vídeo caso suas exigências não fossem atendidas, o que comprova o caráter premeditado e extorsivo da conduta. Explicou ser o Réu sócio da Confiagro, que firmou contrato com a Autora, em 07/05/2025, para entrega de 40.000 (quarenta mil) sacas de milho, em 20/05/2025, com data máxima em 31/05/2025; entretanto, diante do não cumprimento, o Réu foi questionado, o qual justificou que por conta das chuvas não teria conseguido colher o milho, sendo postergada a entrega para 06/06/2025. Na referida data, apresentada a mesma justificativa, foi postergada, novamente, para 15/06/2025, o que não foi cumprido. Por depender da entrega dos grãos, e considerando que outros produtores da região estavam entregando a mercadoria, o representante da Autora se dirigiu à sede da Confiagro em 18/06/2025 e, para sua surpresa, verificou que estavam embarcando milho para exportação em favor de outra empresa, e, questionado o Réu, respondeu “precisava embarcar este milho para exportação para não pagar uma multa muito alta”. Diante de tal fato, e da declaração do Réu de que entregaria o milho naquele momento, o representante da Autora informou que não poderia aceitar, e que a decisão caberia a gerência, que avaliaria a situação na segunda, dia 23/06/2025, data do primeiro vídeo publicado. Através da gerencia da Autora, foi o Réu informado que, caso ainda tivesse a intenção de entregar o milho, que era necessário reajustar o valor e firmar um novo contrato para cotação de junho, reduzindo o valor do contrato inicial, ao que o Réu ameaçou o representante da Autora, dizendo que, caso não cumprisse o contrato inicial, iria postar vídeos nas redes sociais, denegrindo a sua imagem. Declarou que os vídeos são de má-fé e impregnados de desinformação, distorcendo a realidade dos fatos, prejudicando à reputação da Autora em relação aos seus milhares de parceiros comerciais, não podendo tal conduta ser chancelada pelo Poder Judiciário, diante do risco de agravamento dano, caso não haja intervenção célere e eficaz, dizendo que a reprodução da imagem da logomarca da empresa não foi autorizada e atingem a sua honra e respeitabilidade. Acrescentou ter ocorrido quebra de confidencialidade contratual (Código de Conduta dos Fornecedores), cujo documento foi assinado pelo Réu, e proíbe a divulgação na internet do valor firmado para entrega da mercadoria, o que foi feito por este. Assim, por ser uma empresa de reputação ilibada, está com sua imagem maculada por uma ilação infundada, declarando que suas ações na bolsa de valores podem sofrer impactos e oscilações, em virtude do conteúdo ilícito divulgado pelo Réu, razão pela qual ingressou com a ação pleiteando a tutela antecedente. Proferida a r. decisão agravada, concedendo a tutela de urgência (mov. 20.1), apresentada petição pelo Réu, de mov. 40.1, informando o cumprimento da ordem judicial, oportunidade em que pleiteou a homologação do cumprimento voluntário da ordem, bem como a abertura dos prazos processuais legais para contestação e apresentação de recurso. Realizado o aditamento da inicial, para inclusão do pedido por danos morais, juntado o vídeo publicado pelo Réu e atas notariais da transcrição das conversas entre o Réu e o representante da Autora (movs. 55.1/55.6), foi proferido o despacho de mov. 58.1, admitindo a emenda à inicial, bem como designando audiência de conciliação para 15/10/2025 e determinando a citação do Réu. Delineados esses fatos, em seus arrazoados sustenta o Agravante: (i) a ocorrência de cerceamento de defesa; (ii) a inexistência de probabilidade do direito da Agravada a justificar a concessão da tutela, devendo prevalecer o direito à liberdade de expressão em contraposição à censura prévia; (iii) ausência de fundamentação concreta para o estabelecimento da multa no valor exorbitante, pleiteando o seu afastamento ou redução. 2.2. Do cerceamento de defesa. Com relação ao argumento de cerceamento de defesa, ofensa ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, alegando o Agravante que, solicitada a abertura de prazo para apresentação de recurso e contestação, foi o pedido ignorado, deferindo-se o aditamento da inicial com novo prazo para a contestação, nesta fase prefacial do processo, não se vislumbra violação aos princípios constitucionais. Devidamente cientificado o Agravante da r. decisão impugnada, iniciando-se a partir desse momento o prazo para interposição de recurso, nos termos do artigo 212 e 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil, sendo proposto dentro do prazo legal, não se denota qualquer prejuízo ao Recorrente, com ofensa ao seu direito ao contraditório e ampla defesa. No tocante à designação da audiência de conciliação, no despacho de mov. 58.1, foi marcada para a data de 15/10/2025, nos moldes do artigo 334 do Código de Processo Civil, constando a disposição dos demais atos necessários para a citação do Réu para comparecimento ao ato, consignando-se que: “16. Infrutífera a conciliação, ou não ocorrendo a audiência por qualquer motivo, iniciará o prazo para a parte requerida apresentar contestação no prazo de 15 (quinze) dias, conforme incisos I e II do art. 335 do CPC, respectivamente.” Ora, o artigo 334 do Diploma Processual Civil estabelece a possibilidade de o Magistrado designar a audiência de conciliação, quando a inicial preencher os requisitos e não for caso de improcedência liminar do pedido, prevendo no artigo 335 que o prazo da contestação será de 15 (quinze) dias, sendo os seguintes termos iniciais para sua contagem: “Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data: I - da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição; II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I ; III - prevista no art. 231 , de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos. § 1º No caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6º , o termo inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência. § 2º Quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso II , havendo litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência. Da leitura do normativo em questão, depreende-se que, designada audiência de conciliação, a própria lei estabelece que o prazo para apresentar contestação será desta audiência, ou, no caso de não comparecimento, da última sessão de conciliação. E se houver pedido de ambas s partes de cancelamento da audiência conciliatória, o prazo iniciará do protocolo do pedido apresentado pelo Réu. Nesse quadro, em juízo prefacial do processo, não se vislumbra em que aspecto foi cerceado o direito de defesa do Agravante, cujo direito de defesa, com apresentação de contestação, sequer teve o prazo iniciado, ou ainda, inobservância ao devido processo legal, porquanto o Magistrado deu exato cumprimento à norma legal. Portanto, não está demonstrada, por ora, ofensa às garantias constitucionais. 2.3. Do direito à liberdade de expressão X censura prévia. A questão apresentada sob análise diz respeito à compatibilização dos direitos albergados pela Constituição Federal, relativos ao direito à imagem e a honra, previstos no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, em contraposição aos direitos de livre expressão e manifestação dos pensamentos, previstos nos incisos XIX e IV, e artigo 220, do diploma maior, direitos os quais, não são absolutos ou devem ser aplicados irrestritamente, razão pela qual, por possuírem igual relevância no Estado Democrático de Direito, devem ser sopesados frente às situações concretas apresentadas. Sobre a relevância desses direitos e a análise da ponderação a ser realizada na situação concreta em que se encontram conflitantes, pertinente mencionar o escólio de Flávio Martins: “Seguramente um dos direitos fundamentais mais relevantes está previsto no art. 5º, IV, da Constituição Federal: ‘é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.’ (...) o abuso na liberdade de manifestação do pensamento poderá implicar consequências penais e civis. Quanto às consequências civis, há um inciso específico no art. 5º da Constituição Federal para tratar do assunto: art. 5º, V, CF, que estudaremos na sequência. Outrossim, o abuso na liberdade de manifestação do pensamento pode configurar vários crimes: ameaça (art. 147, CP), calúnia, injúria ou difamação (arts. 138 e seguintes do CP), apologia de crime ou criminoso (arts. 287, CP), racismo (art. 20, Lei n. 7.716.89) etc. Para coibir eventuais abusos da liberdade de expressão, qual o momento ideal para a intervenção do Poder Judiciário. Como afirmou o STF na ADPF 130, relatada pelo Ministro Ayres Brito, sob pena de praticar indesejável e proibida censura prévia, o momento ideal da atuação do Poder Judiciário é posterior, verificando eventuais abusos cometidos. Em outra decisão, o STF afirmou que ‘deve ser dada preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação. O uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparados por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a interdição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso. Já nos casos de violação da privacidade (intimidade ou vida privada), a simples divulgação poderá causar o mal de um modo irreparável. Veja-se a diferença. No caso de violação à honra: se a imputação de um crime a uma pessoa se revelar falsa, o desmentido cabal minimizará a sua consequência. (...) A veiculação de informações falsas ou inverídicas (popularmente denominadas de fake News) extrapola, no nosso entender, os limites da liberdade de expressão, máxime por violar o direito difuso à informação (art. 5º, XIV, CF). (...) Essa também é a posição do STF: ‘a informação que goza de proteção constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. (...) Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade (Medica Cautelar na Reclamação 18.638/CE, rel. Min. Roberto Barroso, 17-9.2014)”. (...) O art. 5º, X, da Constituição Federal dispõe que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.’ (...) Assim como os demais direitos, não se trata de um direito absoluto, encontrando várias hipóteses de limitação. Ora, como a intimidade e a vida privada são princípios constitucionais (e não regras), devem ser aplicados na maior intensidade possível, e não de forma absoluta e irrestrita. Além dos casos previstos na própria legislação (em que pode ser decretada a interceptação telefônica, busca domiciliar e busca pessoal, quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico etc.), é possível que, havendo conflito entre a intimidade ou vida privada e outro direito, prevaleça este último, no caso de sopesamento a ser feito no caso concreto. (...) Violações à intimidade ou vida privada implicarão consequências civis (indenização por dano material e moral) e, nos casos mais graves, consequências penais.” (MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 801; 809; 851). De acordo com os estudos abalizados sobre o tema, no sopesamento da proteção ao direito à imagem e à honra em contraposição ao direito de livre expressão e comunicação, tem-se que o abuso no exercício desse último deve ser afastado, não possuindo a proteção como direito fundamental, podendo gerar consequências cíveis e criminais. Contudo, a punição de eventuais abusos pelo Poder Judiciário, quanto ao exercício do direito de liberdade de expressão e comunicação, demanda uma cognição plena dos fatos veiculados, quando os contornos do caso concreto estejam amplamente apresentados, a fim de se evitar que qualquer ação precipitada acabe impondo uma censura prévia a esse direito que, igualmente, está albergado pelo manto Constitucional. Nesse sentido, a Suprema Corte, no julgamento da ADPF 130, concluiu que o momento ideal para atuação do Poder Judiciário deve ser posterior, com os mecanismos igualmente garantidos pela Carta Magna, de possibilidade de retificação, retratação, direito de resposta, além de responsabilização cível e penal: “A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional ‘observado o disposto nesta Constituição’ (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da ‘plena liberdade de informação jornalística’ (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a "livre" e "plena" manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa.“ (STF, ADPF 130, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30-04-2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213-01 PP-00020) Conquanto a ADPF 130 tenha sido analisada sob o conflito entre o direito à imagem e à honra com o direito à informação, em análise à liberdade de imprensa, os preceitos expostos no julgado estabeleceram as diretrizes para a interpretação e exame dos casos referentes à toda forma de manifestação de pensamento, cujos direitos estão preconizados no artigo 220 da Carta Magna. Neste caminho, pertinente citar as considerações da Ministra Carmen Lúcia, Relatora da ADI nº 4.815/DF, a qual tratou sobre o conflito aparente entre os princípios da liberdade de expressão, de informação artística e cultural, independente de censura ou autorização prévia, e a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, ponderando que o exercício de direitos às liberdades, embora nem sempre se concilie com as restrições ao direito de informar ou de opinião, não os confere caráter absoluto a isentar de responsabilidades eventuais abusos cometidos, afirmando-se “ação livre é ação responsável”: “A liberdade de expressão, exposição, divulgação do pensamento põe-se em norma jurídica, emanada do Estado, como dever estatal, conquanto voltando-se a proibição expressa de sua restrição ao exercício estatal (censura legislativa, censura administrativa, censura judicial). Além disso, há de ser assegurada também contra ação de particular. O homem, sujeito de outros direitos que se pretendem preservar – ou tanto se alega – também não pode praticar a limitação ou a extinção do direito à liberdade de expressão do outro quanto ao pensar sobre alguém. A censura particular não é legalmente vedada. (...) A expressão livre forma e informa o outro e torna o pensamento, a produção intelectual, artística, científica e de comunicação fonte de conhecimento e de novas ideias e ações. Nem por isso se dispensa a ela natureza tão absoluta que, provocado dano a alguém, torne-se imune o autor da lesão ao argumento de exercitar direito próprio. (...) Não há, no direito, espaço para a imunidade absoluta do agir no exercício de direitos com interferência danosa a direitos de outrem. Ação livre é ação responsável. Reponde aquele que atua, ainda que sob o título de exercício de direito próprio. A fonte normativo-constitucional abrange a atuação estatal ou particular, apenas se resguardando que, em nome da responsabilidade, não se esvazie a liberdade do autor do comportamento lesivo, nem se cancele o que o direito construiu, impôs e garantiu. Como concluiu este Supremo Tribunal, o exercício do direito às liberdades não se concilia com restrições ao direito de informar, menos ainda com a sua eliminação. Deve-se reivindicar sempre responsabilidade democrática, princípio de cumprimento garantido (...).”(STF, ADI 4815, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10-06-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016) Aprofundando na análise do julgamento da ADI 4815, o Excelentíssimo Ministro Roberto Barroso, ponderou em seu voto, de forma particular e memorável, que a liberdade de expressão, por vezes, implica em conviver com algumas injustiças e inverdades, o que não significa impunidades ou permissão de abusos, porquanto conforme bem exposto no voto da Excelentíssima Ministra Carmen Lúcia, situações de abusos deliberados poderão sofrer intervenção judicial, e os danos gerados por publicações, opiniões ou reportagens, poderão ser reparados tanto na esfera cível e penal. Mas afirma o Ministro que a liberdade de expressão, eventualmente, conquanto não possa ser protagonista da verdade e da justiça, “é protagonista da liberdade”: “E aqui, já no meu penúltimo tópico, eu faço uma breve reflexão sobre o que a liberdade de expressão não é e o que, a meu ver, ela deve ser. Faço uma observação muito importante com uma nota pessoal: a liberdade de expressão não é garantia de verdade, nem é garantia de justiça; ela é uma garantia da democracia, e, portanto, defender a liberdade de expressão pode significar ter que conviver com a injustiça, ter eventualmente que conviver com a inverdade. Isso é especialmente válido para as pessoas públicas, sejamos nós agentes públicos, sejam os artistas. E eu penso que na vida nada é mais revelador da convicção de alguém sobre alguma matéria do que se colocar no lugar da vítima ou ter experimentado pessoalmente o que é, por vezes, o abuso da liberdade da expressão. (...) Portanto, eu queria registrar, porque considero isso importante, que defender a liberdade de expressão - como aqui defendo e reitero - não significa dizer que ela sempre seja protagonista da verdade ou protagonista da justiça, a liberdade de expressão é protagonista da liberdade, que é um valor em si relevante para as democracias. (...) Eu apenas vou dar um passo atrás para deixar claro: no momento em que falei que a liberdade de expressão não era um direito absoluto - e me referi à ilicitude na obtenção da informação ou na mentira dolosa, que eu entendo que qualquer pessoa conserva o seu direito de ir ao Poder Judiciário para manifestar seu inconformismo contra esse abuso, se o abuso existir -, o que eu recomendaria, intensamente, é uma autocontenção quase absoluta do Judiciário para só intervir nas situações, como essas, de ilicitude na obtenção da informação, ou da mentira deliberada, ou algum outro fundamento de gravidade insuperável, mas por exceção manifesta. Mas gostaria de consignar que o direito de ir ao Poder Judiciário é um direito constitucional, e que ninguém imaginaria retirar de qualquer pessoa que se sinta lesada.” Ainda, perscrutando no estudo do tema, conflito entre liberdade de expressão X direito à honra e à imagem, tecendo estudo sobre os precedentes da Corte Suprema, o Professor Pedro Lenza, bem pontua o entendimento que predomina naquela Corte, no sentido de que a restrição à liberdade de expressão deverá ocorrer em situações excepcionalíssimas, pontuando que o Judiciário brasileiro não adotou o entendimento de que o direito à liberdade de expressão abrange as hate speech (discurso do ódio): “Em suas conclusões, o Brasil, inclusive o nosso STF, não adotou o entendimento de que a garantia a liberdade de expressão abrangeria a hate speech. Ou seja, muito embora a posição de preferência que o direito fundamental da liberdade de expressão que adquire no Brasil (para um especial significado para um país que vivenciou atrocidades a direitos fundamentais durante a ditadura), assim como em outros países, a liberdade de expressão não é absoluta, encontrando restrições ‘voltadas ao combate do preconceito e da intolerância contra minorias estigmatizadas’. Mas o autor alerta: ‘...num país como o nosso, em que a cultura da liberdade de expressão ainda não deitou raízes, há que se ter cautela e equilíbrio no percurso desse caminho, para que os nobres objetivos de promoção de tolerância e de defesa dos direitos humanos dos excluídos não resvalem para a perigosa tirania do politicamente correto. Para tanto, o modelo de solução parece ser, conforme sugere e com o qual concordamos, o da ponderação, pautada pelo princípio da proporcionalidade e a ser analisado no caso concreto, como se observou, para se ter um exemplo, no julgamento da ADPF 130 (não recepção da lei de imprensa). Ainda, outra orientação importante sobre o tema é a de que eventual restrição prévia à liberdade de expressão, somente seria admitida por meio de decisão judicial e ‘em hipóteses absolutamente excepcionais... em favor da tutela de direitos ou outros bens jurídicos contrapostos. (...) Ingo Sarlet estabelece: ‘doutrina e jurisprudência, notadamente do STF, embora adotem a tese da posição preferencial da liberdade de expressão, admitem não se tratar de direito absolutamente infenso a limites e restrições, desde que eventual restrição tenha caráter excepcional, seja promovida por lei e/ou decisão judicial (visto que vedada toda e qualquer censura administrativa) e tenha por fundamento a salvaguarda da dignidade da pessoa humana (que aqui opera simultaneamente como limite e limite aos limites de direitos fundamentais) e de direitos e bens jurídicos-constitucionais individuais e coletivos fundamentais, observados os critérios da proporcionalidade e da preservação do núcleo essencial dos direitos em conflito.” (Direito Constitucional Esquematizado. 22ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1.211/1212) (Destaquei). Expostas as premissas, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema, observa-se que o Magistrado singular, ao deferir a medida antecipatória de retirada do vídeo publicado pelo ora Agravante de suas redes sociais (Instagram, tiktok e facebook – mov. 26.1), o fez sob o fundamento de haver indícios de que o Réu/Agravante teria agido de má-fé, havendo elementos constantes nos autos demonstrando o descumprimento, por ele, do contrato firmado com a Agravada, não aceitando que fossem aplicadas as penalidades contratualmente previstas, sob a alegação de que o descumprimento decorreu das chuvas na região. Com relação ao periculum in mora, pontuou o D. Juízo que tal conduta (diga-se, publicações) poderiam acarretar abalo a imagem da empresa vinculada a fatos inverídicos e convenientemente distorcidos, pontuando o caráter sensacionalista do vício, com narrativa, inclusive, de divulgação e venda de cursos. Na análise prefacial dos fundamentos adotados na r. decisão agravada, conjugados com a jurisprudência firmada sobre o tema, deve-se observar, de início, no tocante à discussão do descumprimento do contrato por parte do ora Agravante, inclusive, alegando a ora Agravada, que houve quebra da cláusula de confidencialidade, tais questões transitam no âmbito contratual, que podem ensejar o pedido de rescisão, inclusive, com indenização por quebra da referida cláusula e eventuais danos, sejam materiais (lucros cessantes) ou morais, que entenda a Agravada ter sofrido por eventual descumprimento contratual por parte do Agravante. Contudo, eventual análise do descumprimento ou não do contrato, seja por parte do Agravante, ou por motivo de força maior, estão no âmbito obrigacional da relação firmada entre as partes que, como dito, podem ensejar direitos indenizatórios, de ordem material ou moral, desde que comprovado o dano. Ao transpor essa relação para a publicação feita pelo Agravante, da análise do vídeo por ele divulgado em suas redes sociais, foram feitas as seguintes manifestações: “Covardia, é isso que a BRF está fazendo comigo produtor rural, mas pode fazer com você. No oeste do Paraná nós estamos enfrentando semanas de chuvas, o clima está encharcado lá no campo. Infelizmente a colheita atrasou mais de 30 dias e muitos contratos não conseguiram ser cumpridos a tempo. Mas sabe o que a BRF fez com “nós”, nada de parceria, nada de diálogo. Infelizmente pisou em nosso pescoço. Pelo contrato nosso milho foi negociado a R$ 66,00 para pagamento em 75 dias. O valor do milho de hoje, R$ 61,00 reais à vista. Mas o que eles querem fazer “com nós” produtor rural, nem o valor do dia. Eles querem pagar R$ 57,00 para 75 dias. Isso mesmo, uma afronta, uma covardia, querendo descontar R$ 9,00 reais por saca, mais de 14% do valor original do contrato. Eu destaco que muitas empresas estão sendo parceiras do produtor rural e entendendo o momento difícil, de força maior, de clima. “Aconteceu” os atrasos, eles estão tendo parcimônia. Mas a BRF, não. Está tratando produtor rural como inadimplente, como um bandido. Infelizmente, não quer nem dialogar. Vai um alerta para você produtor rural, cuidado com as empresas que “se diz” parceiras do agronegócio, mas na primeira oportunidade são as primeiras a tirarem proveito do produtor rural. Nós, produtores rurais, temos que nos reunir e denunciarmos abusos como esse. Motivo de força maior tem que ser respeitado, principalmente dentro do agronegócio. Compartilhe esse vídeo com o máximo de pessoas para ele chegar em todo o lugar do Brasil. E se você tiver algum problema com a BRF, me encaminhe que eu vou ter o prazer de botar nas minhas redes sociais. E não esquece (inaudível), aqui eu falo do agro todo dia. Me segue aí” (transcrição do vídeo de mov. 55.3). Em outra publicação, consta uma faixa no vídeo escrita “mais um que não respeita o suor do produtor – Ser tratado como lixo” (mov. 55.2), constando no canto superior do vídeo o logotipo da empresa Agravada. Do exame desses fatos específicos, reitere-se, que decorrem de uma relação contratual em que cada parte imputa a outra o descumprimento do contrato e o possível desrespeito diante da alegação de ocorrência de força maior (chuvas na plantação), depreende-se, neste exame prefacial, que os vídeos publicados pelo Agravante não revelam, a priori, atribuição de condutas ilícitas ou mesmo caluniosas à empresa Agravada a justificar, no momento, uma censura ao vídeo. Na análise específica do vídeo publicado pelo Agravante, não se vislumbram, ao menos nesta fase prefacial do processo, elementos que demonstrem que foi extrapolado o direito à liberdade de expressão do Agravante, referente ao possível descumprimento/desrespeito à relação contratual estabelecida com a empresa Agravada, não se extraindo de suas declarações ofensas ou calúnias imputadas a ela. E, embora os fatos possam não corresponder a toda a verdade, questões que demandam dilação probatória, diga-se, em um âmbito de possível descumprimento contratual, não se vislumbra, ao menos nesta fase prefacial do processo, elementos a sustentar a excepcionalidade da medida de exclusão das publicações, determinada inaudita altera pars. A propósito: “CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECLAMAÇÕES CONTRA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. DIVULGAÇÃO, EM REDE SOCIAL, DE VÍDEO PRODUZIDO POR MÃES DE ALUNOS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE SE TRATAVA DE ALEGAÇÕES INFUNDADAS E INVERÍDICAS. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO. INTERESSE COLETIVO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. DESCABIMENTO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E IMPROVIDA. SETNENÇA MANTIDA. 1. A Constituição Federal, em seus arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220, garante a livre manifestação do pensamento, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, como formas de satisfação do direito coletivo de informação, indispensável ao regime democrático. Tais direitos, porém, não são absolutos e devem ser exercidos com consciência e responsabilidade, em obediência a outros valores também protegidos pela CF, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. 2. Na hipótese, o vídeo questionado foi produzido por mães de alunos que reclamaram da alimentação fornecida pela escola, da falta de monitores em número suficiente para atender à quantidade de crianças, à falta de comunicação entre a instituição de ensino e os pais e à deficiência de limpeza do local. 2.1. Na instrução probatória, o autor não logrou comprovar que as alegações das mães eram infundadas e inverídicas, especialmente porque o acervo probatório indica que, após a divulgação do referido vídeo em rede social, foi realizada uma reunião entre a escola e seus gestores e os pais, tendo sido reconhecida a falha na comunicação e a insuficiência de monitores para atender a todas as crianças. 2.2. Além de não ter sido demonstrada eventual falsidade das declarações, a divulgação das situações narradas no vídeo se enquadra como de interesse coletivo, o que afasta qualquer reconhecimento de necessidade de remoção do conteúdo. 3. Não se verifica, do vídeo questionado, qualquer intuito de difamar, caluniar ou denegrir a imagem da instituição de ensino, mas tão somente o de apontar as falhas no serviço prestado e reivindicar a melhoria deste, sendo a mídia social utilizada como instrumento para que o pleito fosse considerado e atendido. 4. Inexistente ato ilícito ou irregularidade da conduta das rés em divulgar suas insatisfações e seus pleito, por meio do vídeo veiculado em rede social, o qual se encontrava dentro dos limites da liberdade de informação e expressão, não há falar em violação a direitos da personalidade e no dever de reparação civil de danos pelas apeladas. 5. Apelação cível CONHECIDA e IMPROVIDA. Sentença mantida.” (TJ/DF Acórdão 1920030, 0703068-43.2022.8.07.0011, Relator(a): ALFEU MACHADO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 18/09/2024, publicado no DJe: 19/09/2024.) (Destaquei). Conforme exposto alhures, no conflito entre a liberdade de expressão e o dano à honra e à imagem, a censura prévia à primeira garantia deverá ocorrer em situações em que houver demonstração de abusos excessivos nos exercícios da liberdade, de gravidade insuperável, com manifesta e clara ofensa aos direitos salvaguardados pela Constituição e que gerem tais danos à imagem da empresa. Na análise preliminar do caso, depreende-se que, a despeito de a Agravada ser uma empresa multinacional, com ações em bolsas de valores como alegou, a crítica e narrativa apresentada pelo ora Agravante, não revela, ao menos a priori, elementos suficientes a adoção da medida excepcional da restrição do direito à liberdade de expressão, o que, reitere-se, não afastará eventual direito à indenização pelos danos gerados à Agravada, caso comprovados. Aliás, neste ponto, a Agravada, ao colacionar com a inicial um levantamento da repercussão do vídeo postado pelo Agravante, observa-se que os comentários gerados foram divididos entre manifestações de apoio ao conteúdo, assim como críticas ao Autor (Agravante) do vídeo, inclusive havendo quem questionasse a sua real intenção, conforme se extrai do documento de mov. 1.5: Pontue-se que, conquanto, no presente momento, não se vislumbre dos vídeos publicados e anexados ao processo, abuso no direito do Agravante em sua manifestação, a concessão da medida ora pleiteada, não obsta que, eventuais outras condutas que venham a ser praticadas, no exercício do direito em comento, seja objeto de nova análise se houver constatação abuso no seu exercício, ultrapassando os limites protegidos pela Constituição, porquanto o exercício do direito à liberdade de expressão e opinião não é absoluto, e deve ser exercido com consciência e responsabilidade, sendo equilibrados com os demais direitos salvaguardados na Constituição, tais quais à honra e à imagem. Diante de todo o exposto, nesta fase prefacial do processo, deve ser, por ora, concedida a tutela recursal para suspender a r. decisão agravada, quanto à ordem de remoção do conteúdo publicado pelo Agravante e anexado no presente processo, bem como a penalidade da multa horária, no caso de republicação do referido conteúdo. A propósito do assunto, seguem os seguintes precedentes: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO QUE INDEFERIU A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DE RETIRADA DA MATÉRIA JORNALÍSTICA REALIZADA PELA PARTE RÉ NAS REDES SOCIAIS FACEBOOK E INSTAGRAM. NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. ABUSO DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIRETO À IMAGEM NÃO EVIDENCIADO DE PLANO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, AINDA QUE MÍNIMA, DE EVENTUAL PREJUÍZO À IMAGEM E PROFISSÃO DO AUTOR DECORRENTE DA MENCIONADA POSTAGEM. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0113222-85.2024.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: SUBSTITUTO ALEXANDRE KOZECHEN - J. 12.04.2025) (Destaquei). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA”. DECISÃO QUE INDEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE POSTAGENS DO PERFIL DO INSTAGRAM, SOB PENA DE MULTA. INSATISFAÇÃO QUANTO AO IMÓVEL ADQUIRIDO. CRÍTICAS POR PARTE DA CONSUMIDORA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS QUE SÃO OBJETO DE AÇÃO JUDICIAL. COLISÃO ENTRE OS DIREITOS DE PERSONALIDADE E O DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, AMBOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS. ANÁLISE QUE DEVE SE FEITA À LUZ DO INSTITUTO DA PONDERAÇÃO. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. ART. 300, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.”(TJPR - 10ª Câmara Cível - 0113255-12.2023.8.16.0000 - Londrina - Rel.: SUBSTITUTO ALEXANDRE KOZECHEN - J. 01.08.2024) (Destaquei) “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DECISÃO QUE INDEFERIU A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DE RETIRADA DA POSTAGEM REALIZADA PELA RÉ NA REDE SOCIAL INSTAGRAM – NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA – PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO – ABUSO DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO NÃO EVIDENCIADO DE PLANO – INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, AINDA QUE MÍNIMA, DE EVENTUAL PREJUÍZO À IMAGEM E PROFISSÃO DO AUTOR DECORRENTE DA MENCIONADA POSTAGEM – DECISÃO MANTIDA.Agravo de Instrumento conhecido e desprovido.” (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0041095-23.2022.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA ELIZABETH MARIA DE FRANCA ROCHA - J. 03.07.2023) (Destaquei). Nesses termos, demonstrados, por ora, os requisitos necessários para a concessão do efeito ativo almejado, defiro a medida recursal pleiteada para suspender os efeitos da r. decisão agravada, quanto à ordem de exclusão das publicações feitas pelo Agravante, bem como as multas horárias estabelecidas, até o julgamento final do presente recurso, salientando-se que esta ordem não impede que eventuais novas manifestações que venham a ser publicadas pelo Agravante, e que demonstrem o abuso do direito no exercício à tal liberdade, sejam objeto de nova análise, em observância ao equilíbrio que deve ter entre o direito à liberdade de manifestação X proteção ao direito à imagem e à honra. 3. Ante o exposto, diante da ausência de demonstração da presença dos requisitos legais, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, para suspender a r. decisão agravada, quanto à ordem de remoção do conteúdo publicado pelo Agravante (anexado ao processo), bem como a penalidade da multa estabelecida por descumprimento da decisão, no caso de republicação do conteúdo, até o julgamento final do presente recurso, o que faço com fulcro no inciso I do artigo 1.019 do Código de Processo Civil. 4. Oficie-se o D. Juízo de origem sobre o teor da presente decisão comunicando-o do deferimento da tutela recursal (artigo 1.019, inciso I do Código de Processo Civil). 5. Nos termos do artigo 1.019, inciso II do Código de Processo Civil, intimem-se a Agravada para, querendo, responder ao presente recurso. Curitiba, datado e assinado digitalmente. Luciana Carneiro de Lara Desembargadora - Relatora [1] Todos os movimentos citados a seguir, que não conste qualquer outra observação, dizem respeito ao processo originário.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear