Processo nº 0007577-92.2018.8.18.0140
ID: 314488674
Tribunal: TJPI
Órgão: 1ª Câmara Especializada Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0007577-92.2018.8.18.0140
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL APELAÇÕES CRIMINAIS Nº 0007577-92.2018.8.18.0140 Órgão Julgador: 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL Origem: VARA…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL APELAÇÕES CRIMINAIS Nº 0007577-92.2018.8.18.0140 Órgão Julgador: 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL Origem: VARA DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL E VULNERÁVEIS DA COMARCA DE TERESINA Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Promotor de Justiça: Cláudio Bastos Lopes Apelados: RHUDYSON DE SOUSA e FRANCISCO JÚLIO CÉSAR DIAS DOS SANTOS Defensora Pública: Ana Keyla Ferreira da Silva Relator: DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS EMENTA PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO ADEQUADA. SÚMULA 659 DO STJ. MANTIDO REGIME SEMIABERTO. QUANTUM DA PENA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta pelo Ministério Público Estadual contra a sentença da Vara de Crimes Contra a Dignidade Sexual e Vulneráveis da Comarca de Teresina/PI, que julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou os réus Rhudyson de Sousa e Francisco Júlio César Dias dos Santos pelos crimes previstos no art. 157, § 2º, II, do CP, na forma do art. 71 do CP, fixando penas em regime semiaberto. O Parquet pleiteia a negativação das circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e consequências do crime, da personalidade e comportamento da vítima, o aumento da fração pela continuidade delitiva para 1/5 e a imposição do regime inicial fechado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há cinco questões em discussão: (i) definir se é cabível a valoração negativa da culpabilidade; (ii) estabelecer se a personalidade dos réus autoriza elevação da pena-base; (iii) determinar se as consequências do crime permitem exasperação da pena; (iv) avaliar a possibilidade de majoração da fração de aumento pela continuidade delitiva; (v) decidir sobre a adequação do regime inicial de cumprimento da pena. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A culpabilidade deve ser valorada apenas quando houver reprovação superior à inerente ao tipo penal, o que não restou demonstrado nos autos, sendo legítima sua neutralização. 4. A personalidade dos réus não pode ser valorada negativamente com base em inquéritos ou processos em andamento, conforme a Súmula 444/STJ; tampouco o modus operandi, por si só, autoriza majoração da pena nesta vetorial. 5. As consequências do crime, embora emocionalmente impactantes, não apresentaram elementos concretos de lesão psíquica permanente que extrapolem o resultado típico do crime de roubo, razão pela qual devem permanecer neutras. 6. O comportamento das vítimas não contribuiu para o evento criminoso, devendo ser considerado neutro, em consonância com a jurisprudência consolidada. 7. A fração de aumento de 1/6 pela continuidade delitiva foi corretamente aplicada com base na Súmula 659/STJ, considerando a prática de dois delitos, sendo incabível majoração sem previsão legal específica. 8. A fixação do regime inicial semiaberto atendeu aos critérios do art. 33, § 2º, “b”, do CP, sendo adequada às circunstâncias do caso concreto e à ausência de reincidência ou maus antecedentes. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso conhecido e improvido. Tese de julgamento: “1. O juiz deve neutralizar a culpabilidade quando não evidenciado grau de censura superior ao inerente ao tipo penal. 2. A personalidade não pode ser valorada negativamente com base em processos ou inquéritos pendentes. 3. As consequências do crime só autorizam majoração da pena quando comprovadas sequelas relevantes e permanentes que ultrapassem o tipo penal. 4. O comportamento da vítima é circunstância judicial neutra salvo quando sua conduta influenciar diretamente no evento criminoso. 5. A fração de aumento pela continuidade delitiva deve respeitar a Súmula 659/STJ, conforme o número de delitos efetivamente praticados. 6. O regime inicial semiaberto é adequado para penas superiores a 4 (quatro) e inferiores a 8 (oito) anos aplicadas a réus não reincidentes”. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59, 33, § 2º, “b”, 71 e 157, § 2º, II; CF/1988, art. 5º, LVII. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 444; STJ, Súmula 659; HC 837.112/RJ, Rel. Min. Daniela Teixeira; AgRg no AREsp 2.405.793/DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; AgRg no HC 690.059/ES, Rel. Min. Jesuíno Rissato; REsp 1847745/PR, Rel. Min. Laurita Vaz. ACÓRDÃO Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em CONHECER do recurso interposto, eis que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade e, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, em dissonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, na forma do voto do Relator. RELATÓRIO O EXMO. DESEMBARGADOR SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS (O Relator): Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara de Crimes Contra a Dignidade Sexual e Vulneráveis da Comarca de Teresina/PI, que julgou parcialmente procedente a denúncia, extinguindo a punibilidade do réu FRANCISCO JÚLIO CÉSAR DIAS DOS SANTOS quanto aos crimes previstos nos arts. 309 do CTB e 307 do CP, em razão da prescrição da pretensão punitiva, e condenando os réus RHUDYSON DE SOUSA e FRANCISCO JÚLIO CÉSAR DIAS DOS SANTOS como incursos nas penas do art. 157, § 2º, II, do CP, na forma do art. 71 do CP. Conforme narra a denúncia, no dia 28 de novembro de 2018, durante a madrugada, os acusados RHUDYSON DE SOUSA e FRANCISCO JÚLIO CÉSAR DIAS DOS SANTOS subtraíram, mediante grave ameaça e com emprego de arma branca, diversos bens das vítimas RONIELLE RABELO MIRANDA e AMANDA LAÍS DE ARAÚJO SOUZA. Em sequência, o réu FRANCISCO JÚLIO CÉSAR DIAS DOS SANTOS conduziu veículo automotor sem habilitação, além de se identificar falsamente perante os policiais. Concluída a instrução processual, os réus foram condenados como incursos nas sanções do art. 157, § 2º, II c/c art. 71, ambos do CP, sendo a pena fixada em 06 (seis) anos, 03 (três) meses e 12 (doze) dias de reclusão para RHUDYSON DE SOUSA, em regime semiaberto, e em 07 (sete) anos, 06 (seis) meses e 15 (quinze) dias de reclusão para FRANCISCO JÚLIO CÉSAR DIAS DOS SANTOS, também em regime semiaberto. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, em suas razões recursais (ID 22832306, fls. 01/22), requer a reforma da sentença condenatória para que seja fixada negativamente as circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, da personalidade e do comportamento da vítima, a majoração da fração de aumento pela continuidade delitiva para 1/5, em razão da reiteração criminosa e agravamento do risco às vítimas e a fixação do regime inicial fechado. Em contrarrazões (ID 22832312, fls. 01/11), os apelados requerem o improvimento do recurso ministerial, sustentando que a dosimetria da pena foi adequadamente fundamentada pelo Juízo a quo e que não há elementos que justifiquem a alteração do regime prisional, nem o agravamento das circunstâncias judiciais. A Procuradoria-Geral de Justiça, em fundamentado parecer (ID 23281274, fls. 01/13), manifestou-se “pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de Apelação Criminal interposto pelo Parquet, para reformar a sentença a quo, de modo que a pena-base seja reformada para que as circunstâncias judiciais da culpabilidade e consequências do crime sejam negativadas, e o regime inicial de cumprimento de pena seja modificado para o regime fechado, mantendo se a sentença a quo em seus demais termos legais, por ser a melhor maneira de se resguardar a aplicação da Lei”. Tratando-se de crime punido com reclusão, submeti os autos à revisão, nos termos do artigo 356, I, do RITJ-PI. Inclua-se o processo em pauta virtual. É o relatório. VOTO VOTO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos gerais de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica), CONHEÇO dos recursos interpostos. PRELIMINARES Não há preliminares arguidas pelas partes. MÉRITO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL O Ministério Público Estadual requer a reforma da sentença condenatória para que seja fixada negativamente as circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, da personalidade e do comportamento da vítima, a majoração da fração de aumento pela continuidade delitiva para 1/5, em razão da reiteração criminosa e agravamento do risco às vítimas e a fixação do regime inicial fechado. Alega que “a individualização da pena realizada pelo r. juízo de primeira instância carece de adequada análise das circunstâncias judiciais e da gravidade dos fatos, resultando em uma sanção aquém da exigência retributiva e preventiva, de modo a se observar a justa proporção entre o crime praticado e a resposta penal”. Contudo, não assiste razão ao Parquet. Inicialmente, insta consignar que o Juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro dos limites legais, mas este poder não é arbitrário porque o caput do art. 59 do Código Penal estabelece um rol de oito circunstâncias judiciais que devem orientar a individualização da pena-base, de sorte que quando todos os critérios são favoráveis ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo cominado; entretanto, basta que um deles não seja favorável para que a pena não mais possa ficar no patamar mínimo. No caso em tela, o Parquet aduz que a culpabilidade deve ser valorada negativamente pois “os delitos foram planejados, com o uso de um veículo previamente selecionado para abordar as vítimas em locais escuros e isolados, demonstrando clara premeditação. A utilização de uma arma branca, aliada à divisão de tarefas entre os agentes, evidencia a intenção deliberada de criar um ambiente de intimidação absoluta, assegurando a submissão total das vítimas e o êxito da empreitada criminosa”. O Parquet ainda aduz que “o uso de violência desnecessária, como a derrubada de uma das vítimas da motocicleta, gerando-lhe lesões físicas, reflete desprezo pela integridade física e psicológica das pessoas envolvidas”. CULPABILIDADE: Nesta circunstância deve o juiz dimensionar a culpabilidade pelo grau de intensidade da reprovação penal. Conceituando culpabilidade, leciona RICARDO AUGUSTO SCHIMITT que esta: “(...) É o grau de censura da ação ou omissão do réu que deve ser valorada a partir da existência de um plus de reprovação social de sua conduta. Está ligada a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (...)”. Neste aspecto, é relevante pontuar que a culpabilidade, para fins do art. 59 do CP, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade sobre a conduta, apontando maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu. Nesse compasso, para a sua adequada valoração devem ser levadas em consideração as especificidades fáticas do delito, bem como as condições pessoais do agente no contexto em que praticado o crime. In casu, corroboro o entendimento do magistrado a quo, de que esta circunstância judicial “é normal à espécie”, posto que inexiste nos autos elementos que demonstrem grau de reprovabilidade superior ao inerente ao tipo penal. O uso da faca e a ameaça praticada já foram adequadamente valoradas como circunstância do crime, não se justificando a cumulação da mesma valoração na análise da culpabilidade. Logo, mantenho a neutralização da culpabilidade. No que diz respeito à personalidade, o Órgão Ministerial alega que “a reiteração dos atos criminosos em sequência, com abordagens distintas em curto espaço de tempo e com modus operandi semelhante, revela uma personalidade claramente inclinada à prática delitiva e um completo desprezo pelos impactos causados às vítimas. Os réus demonstraram não apenas insensibilidade quanto às consequências de suas ações, mas também uma determinação consciente em repetir o ato ilícito, o que reforça a periculosidade de suas condutas. Tal comportamento reflete um desprezo pela ordem jurídica e pela integridade alheia, evidenciando que suas ações foram pautadas por frieza, cálculo e desdém pela autoridade da lei, o que exige uma resposta penal proporcional à gravidade concreta de sua atuação”. PERSONALIDADE: Acerca desta circunstância judicial, leciona CEZAR ROBERTO BITENCOURT, in Tratado de Direito Penal , Parte Geral, 14ª ed. págs. 629 e 630 : “[…] Na análise da personalidade deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu. [...]”. Neste aspecto, há que se salientar que os Tribunais Superiores sedimentaram o entendimento de que inquéritos e processos penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da pena-base, sob pena de frustrarem o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. É o que preceitua a Súmula 444 do STJ, a seguir transcrita: Súmula 444: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. O Superior Tribunal de Justiça ratificando a aplicação da Súmula, decidiu nos seguintes termos: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. CONDUTA SOCIAL E MAUS ANTECEDENTES. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. INADEQUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. SÚMULA 444/STJ. REDUÇÃO DA PENA-BASE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado como substitutivo de recurso próprio, visando à revisão da dosimetria da pena aplicada ao paciente, condenado por homicídio qualificado e participação em organização criminosa. A defesa alega ilegalidade na exasperação da pena-base em razão de valoração indevida da conduta social e dos maus antecedentes do réu. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) a possibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo de recurso próprio; e (ii) a validade da fundamentação utilizada para a exasperação da pena-base, especialmente quanto à valoração negativa da conduta social e dos maus antecedentes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não é substitutivo de recurso ordinário próprio, conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Somente em casos de flagrante ilegalidade é possível a concessão de habeas corpus de ofício. 4. A jurisprudência desta Corte veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base, conforme a Súmula 444 do STJ. No caso em tela, o Tribunal de origem utilizou fundamentação genérica para agravar a pena-base, mencionando a inadequação da conduta social e a existência de uma ação penal em curso, o que não é admissível (STJ, AgRg no HC n. 462.299/PE). 5. A jurisprudência desta Corte também estabelece que a conduta social deve ser fundamentada com elementos concretos relativos ao comportamento do réu em seu meio social e familiar, e não com base em argumentos genéricos ou relacionados ao próprio fato criminoso (STJ, AgRg no REsp n. 2.124.267/RN). IV. DISPOSITIVO 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para afastar a valoração negativa das circunstâncias judiciais relativas à conduta social e aos maus antecedentes, redimensionar a pena-base ao mínimo legal e fixar a pena definitiva em 09 (nove) anos e 08 (oito) meses de reclusão, mantidos os demais termos da sentença. (HC n. 837.112/RJ, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN de 4/12/2024.) Logo, considerando que não podem ser sopesados negativamente para o réu os processos em andamento, sob pena de violação ao princípio da não-culpabilidade, a conduta social do apelado deve permanecer neutralizada. No que diz respeito às circunstâncias do crime, o apelante esclarece que “as circunstâncias que envolveram os delitos praticados pelos réus são especialmente graves e exigem uma análise mais rigorosa. A utilização de um veículo para bloquear a passagem das vítimas em locais pouco movimentados demonstra uma estratégia premeditada, destinada a evitar qualquer possibilidade de resistência ou auxílio imediato. No caso de Amanda, os réus não se limitaram à subtração de seus bens: derrubaram-na violentamente de sua motocicleta, causando-lhe lesões físicas significativas, incluindo uma queimadura de asfalto que resultou em cicatriz no pé. Além disso, ao arrastá-la para o interior do veículo, ainda que ela tenha conseguido escapar, os réus a submeteram a uma situação de pânico absoluto, aumentando o impacto físico e psicológico do crime”. Ocorre que este pedido encontra-se prejudicado visto que o magistrado de piso já valorou negativamente as circunstâncias do crime nos seguintes termos: “as circunstâncias do crime se encontram relatadas, as quais valoro negativamente, pelo emprego de arma branca”. No que diz respeito às consequências do crime, o Parquet aduz “que vão além do comum em crimes de roubo, não receberam a devida atenção na sentença. A lesão física sofrida por Amanda, combinada com o trauma psicológico imposto a ambas as vítimas, reflete a gravidade concreta dos atos praticados. Ronielle, por sua vez, foi ameaçado diretamente com uma faca, estando em uma posição de total vulnerabilidade, o que reforçou o ambiente de medo e submissão. Esses elementos demonstram que as consequências dos crimes ultrapassam a esfera patrimonial, gerando danos físicos e emocionais profundos. É imperativo que essas circunstâncias e consequências sejam adequadamente valoradas na dosimetria da pena, assegurando uma resposta penal que esteja à altura da gravidade real dos fatos”. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: sabe-se, na verdade, que os danos causados pela infração, ou as suas consequências, podem ser de ordem material ou moral e deve o Juiz avaliar a menor ou maior intensidade da lesão jurídica causada à vítima ou a seus familiares. No caso dos autos, o magistrado fundamentou as consequências do crime, nos seguintes termos: “as consequências do crime não ficaram esclarecidas”. De fato, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o mero abalo emocional, por si só, não pode ser utilizado como fundamento para o aumento da reprimenda básica, pois trata-se de consequência inerente ao próprio tipo penal. Exige-se, para tanto, comprovação concreta de sequelas psíquicas relevantes e duradouras que extrapolem o resultado natural do tipo penal imputado. No caso em apreço, não se tem notícia do trauma psicológico que foi causado às vítimas, limitando-se a afirmar que ficaram assustadas com a situação. Tais elementos, embora relevantes do ponto de vista emocional, não são idôneos a justificar a majoração da pena-base, razão pela qual deve ser mantida a dosimetria conforme fixada na sentença de primeiro grau. A propósito: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A, DO CP. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. ALEGADA CONTRADIÇÃO ENTRE OS DEPOIMENTOS DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO RELEVANTE ATESTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA. CORROBORADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. SÚMULA N. 83/STJ. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. MERO ABALO EMOCIONAL. EXTRAPOLAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. (...) 6. No que diz respeito à vetorial consequências do crime, esta Corte Superior de Justiça tem entendido que a referência inespecífica à ocorrência de trauma psicológico não é razão bastante para a valoração negativa das consequências do crime de estupro, uma vez que algum abalo psicológico é elemento ínsito ao tipo penal em comento. A avaliação negativa do resultado da ação do agente, portanto, somente se mostra escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. 7. Na hipótese dos autos, o ordinário "abalo psicológico da vitima" foi extrapolado, na medida em que, conforme assentado pela Corte de origem, o fato de a ofendida ter tentado suicidar-se em decorrência dos abusos sexuais perpetrados pelo recorrente encontra-se devidamente comprovado, com lastro não apenas na palavra da vítima, mas também nos depoimentos de sua genitora e na prova documental. 8. Rever os fundamentos adotados pela Corte a quo para manter a desfavorabilidade da vetorial consequências do crime, a fim de concluir pela ausência de comprovação de que o alegado trauma sofrido pela ofendida decorreu das práticas delitivas imputadas ao recorrente, como pretendido, demandaria, necessariamente, amplo revolvimento de matéria fático-probatória, o que não se admite na via do recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ. 9. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.405.793/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 20/9/2023.) Portanto, não há nos autos comprovação de que as vítimas suportaram trauma perene, superior ao abalo emocional normalmente ocasionado por crimes desta espécie. Dessa forma, mantenho a neutralização desta circunstância. No que diz respeito ao comportamento da vítima, o apelante diz que “a doutrina penal reconhece que, quando a vítima não contribui para o desfecho do crime e é reduzida a um agente passivo em situação de absoluta vulnerabilidade, a valoração das circunstâncias deve considerar não apenas a gravidade do fato, mas também o impacto emocional e moral suportado. No presente caso, a escolha aleatória das vítimas e a forma cruel como foram tratadas reforçam a reprovação das condutas dos réus, demandando que a pena reflita adequadamente o sofrimento imposto e assegure uma resposta penal proporcional e justa”. O juiz sentenciante consignou que “não se pode cogitar o comportamento da vítima”. De fato, assiste razão ao magistrado. Quanto ao comportamento da vítima, não se vislumbra fundamento legal ou fático para sua valoração, inexistindo nos autos qualquer conduta das vítimas que tenha contribuído ou influenciado para a prática delitiva. Neste aspecto, registre-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, “o único reflexo concreto que pode produzir o comportamento da vítima, na fixação da pena-base, é o de neutralizar ou diminuir a exasperação da reprimenda que seria efetivado em razão de outras circunstâncias judiciais que foram negativadas” (REsp 1847745/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 20/11/2020) Isto se justifica na medida em que esta circunstância judicial deve ser considerada como neutra ou favorável ao réu, sendo descabida sua utilização para aumentar a pena-base. Assim, sempre que não restar evidente a interferência da vítima no desdobramento causal, como ocorreu na hipótese em análise, a circunstância deve ser considerada neutra. Neste aspecto, encontram-se os seguintes julgados: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO, EM CONCURSO MATERIAL. CONDENAÇÃO IMPOSTA E MANTIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO WRIT. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. SUPERAÇÃO DO ÓBICE. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. VETORIAL NEUTRA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DISCUTIDA EM PLENÁRIO. INCIDÊNCIA. 1. É inviável a utilização da via eleita para revisar a condenação imposta e mantida pelas instâncias ordinárias, em substituição ao recurso especial. No entanto, verificada a ocorrência de constrangimento ilegal, justifica-se a superação do óbice. 2. Segundo a reiterada jurisprudência desta Corte, o comportamento da vítima é circunstância judicial ligada à vitimologia, que deve ser necessariamente neutra ou favorável ao réu, sendo descabida sua utilização para incrementar a pena-base. Com efeito, se não restar evidente a interferência da vítima no desdobramento causal, como ocorreu na hipótese em análise, tal circunstância deve ser considerada neutra (AgRg no HC n. 690.059/ES, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 8/10/2021). 3. Consoante entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, deve ser aplicada a atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, tendo a confissão sido espontânea ou não, total ou parcial, ou mesmo quando realizada só na fase policial, com posterior retratação em juízo. 4. Ordem parcialmente concedida para fixar a pena do paciente em 19 anos e 3 meses de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. (HC n. 976.760/BA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/3/2025, DJEN de 31/3/2025.) DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. PENA- BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FRAÇÃO DA REINCIDÊNCIA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO EM DATA ANTERIOR À PACIFICAÇÃO DO TEMA. TEMPUS REGIT ACTUM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I. Caso em exame 1. Habeas corpus questionando a dosimetria. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se é cabível o habeas corpus como substitutivo de recurso próprio ou revisão criminal, e se há flagrante ilegalidade na dosimetria. III. Razões de decidir 3. O habeas corpus não é admitido como substitutivo de recurso próprio ou revisão criminal, salvo em casos de flagrante ilegalidade. 4. Se não restar evidente a interferência do comportamento da vítima no desdobramento do crime, como ocorreu no caso em análise, tal circunstância deve ser considerada neutra na dosimetria. 5. Quanto à fração da reincidência específica, o que se pretende neste feito é a desconstituição dos efeitos da coisa julgada com fundamento na posterior alteração de entendimento jurisprudencial que é mais favorável ao sentenciado. Ocorre que a pacífica jurisprudência desta Corte rechaça a pretensão que visa à revisão de decisão já transitada em julgado com base na simples modificação da compreensão jurisprudencial de determinada controvérsia. IV. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (HC n. 764.253/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 17/2/2025.) Logo, esta circunstância não deve ser valorada negativamente. O Parquet também requer que seja modificada a fração referente à continuidade delitiva para 1/5. Na sentença o magistrado consignou que: “ademais, em sendo aplicável, ao caso, a regra disciplinada pelo art. 71, do Código Penal (crime continuado) e, tendo em vista que foram cometidos dois roubos, aplico a fração de 1/6, no termos da Súmula nº. 659, do STJ”. No que concerne à fração de aumento pela continuidade delitiva, o Juízo sentenciante aplicou corretamente o percentual de 1/6, em consonância com o entendimento consagrado na Súmula 659 do STJ, considerando que os autos tratam de duas infrações penais, in verbis: “A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações”. Portanto, não há justificativa legal para majoração superior com base em mera gravidade abstrata dos fatos. Sobre a fixação do regime inicial de cumprimento da pena, o Ministério Público alega que “é imprescindível que o Tribunal, ao proceder à reanálise da sentença, determine a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena, em atenção à gravidade dos delitos praticados, às circunstâncias específicas do caso e ao perigo social representado pelas condutas dos réus”. No entanto, a análise do regime deve se pautar pelo disposto no artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal, in verbis: “§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado à pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. Dessa forma, observo que o regime semiaberto, fixado pelo Juízo de origem, mostra-se adequado e proporcional às circunstâncias do caso concreto, em conformidade com os critérios do art. 33 do CP, considerando, inclusive, a ausência de maus antecedentes dos apelados. Dessa forma, também não prospera esta tese, devendo ser improvido o recurso Ministerial. DISPOSITIVO Em face do exposto, CONHEÇO do recurso interposto, eis que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, em dissonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça. É como voto. Teresina, 30/06/2025
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