Processo nº 1000058-91.2024.4.01.3908
ID: 320209012
Tribunal: TRF1
Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1000058-91.2024.4.01.3908
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Itaituba-PA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000058-91.2024.4.01.3908 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLIC…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Itaituba-PA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000058-91.2024.4.01.3908 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:ILDEFONSO MIGUEL MITTMANN SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública ambiental proposta pelo Ministério Público Federal em face de Ildefonso Miguel Mittmann, visando à responsabilização por desmatamento ilegal de 249,85 hectares de floresta amazônica em área pública federal denominada Gleba Imbaúba, situada no município de Novo Progresso/PA, na Fazenda Laço Aberto II, cadastrada no CAR. Segundo a petição inicial, o desmatamento ocorreu entre 19/08/2021 e 26/05/2022, sem licença ambiental, sendo detectado por imagens de satélite e confirmado por laudo técnico, auto de infração ambiental e demais documentos do IBAMA. O MPF requer: (i) reparação in natura com apresentação de PRAD, (ii) indenização por danos materiais no valor de R$ 2.683.888,70, e (iii) indenização por dano moral coletivo, com base na Nota Técnica DBFLO/IBAMA. Foi requerido também tutela de evidência e urgência. Em 24/01/2024, o juízo deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a abstenção de novos danos e a suspensão do CAR da área, com comunicação à SEMAS/PA. O réu foi citado em 08/06/2024, conforme certidão de oficial de justiça. Diante da inércia, foi decretada a revelia em 18/12/2024, e abriu-se prazo para especificação de provas. Em 19/12/2024, o MPF informou não haver outras provas a produzir, considerando suficiente o conjunto documental já constante dos autos. Após, os autos vieram conclusos para julgamento. É o relatório. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE O processo se encontra em condições de ser sentenciado, uma vez que, apesar de se tratar de questão de direito e de fato, não decorre da instrução dos autos a necessidade de produção de outras provas além daquelas já juntadas, razão pela qual passo ao julgamento antecipado da lide na forma do art. 355, I, do CPC. II.2 DO MÉRITO II.2.1. DA DISCIPLINA LEGAL E JURISPRUDENCIAL DA TUTELA DO MEIO AMBIENTE: o meio ambiente e sua proteção. A Constituição Federal preceitua, no art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O meio ambiente equilibrado é um bem difuso, inserido entre os chamados direitos humanos de terceira geração. É constitucionalmente definido como de uso comum do povo e, portanto, diverso dos bens que o integram, adquirindo natureza própria. Assim, uma pessoa poderá ser eventualmente proprietária de um imóvel e sua cobertura vegetal, mas toda a coletividade terá o direito ao uso sustentável daqueles recursos naturais, segundo a legislação ambiental. O final do dispositivo impõe a todos o dever de defendê-lo, estabelecendo um pacto intergeracional, o qual se deve respeitar. O dano ambiental, por sua vez, pode ser descrito como um prejuízo causado ao meio ambiente por uma ação ou omissão humana, que afeta de modo negativo o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e por consequência atinge, também de modo negativo, todas as pessoas, de maneira direta ou indireta (Amado, Frederico in Direito Ambiental. Juspodivm. BA. 2020). Quanto à obrigação de reparar o dano causado, a própria Constituição Federal em seu art. 225, § 3º, estabeleceu que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; e, textualmente, resguardou especial tratamento à Floresta Amazônica, senão vejamos: Art. 225. (...)§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Note-se que a responsabilidade pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar do atual proprietário/possuidor condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos ou terceiros. Portanto, o dever fundamental de recomposição e recuperação ambiental pode ser exigido de qualquer pessoa. A matéria já foi pacificada pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, na Súmula n. 623: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.” O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, em recente decisão (AC 1005976-24.2020.4.01.4100 - PJe 16/07/2024) seguiu o entendimento da Corte Superior: “A responsabilidade ambiental é objetiva e propter rem, vinculando-se ao imóvel independentemente de quem tenha praticado o ato danoso. A obrigação de reparar o dano acompanha a propriedade, conforme disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.651/2012, e na Súmula 623 do STJ.” II.2.2. DOS PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO PELO DANO AMBIENTAL: responsabilidade civil pelo dano material causado ao meio ambiente. É cediço que, para responsabilização civil, torna-se indispensável a presença de três requisitos, a saber: (i) o ato ilícito (omissivo ou comissivo e culposo ou doloso), (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita. Os elementos da responsabilidade civil ambiental podem ser extraídos do art. 14, §1º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), de maneira que o responsável pelo ilícito ambiental, por meio das atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, pessoa física ou jurídica, fica sujeito à obrigação de reparar os danos causados, independentemente da existência de culpa ou dolo. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de assentar em sede de recurso especial repetitivo, o Tema n. 707, segundo o qual a responsabilidade por dano ambiental é objetiva e em sua modalidade mais rigorosa, ou seja, pelo risco integral, sendo, portanto, incabível a oposição de excludente de ilicitude: “a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.” (STJ- SEGUNDA SEÇÃO- RECURSO ESPECIAL 1374284 / MG MINISTRO RELATOR LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014). Além disso, a responsabilidade civil é solidária, ou seja, a sanção civil da indenização pode ser imputada, em pé de igualdade e de forma integral, a todos aqueles que, de qualquer forma, tenham contribuído para a consumação do dano ambiental, pouco importando, aqui, a maior ou a menor participação do poluidor para o ato lesivo, bem como a maior ou menor instrução do poluidor a respeito de sua atividade predatória do meio ambiente. Enfim, estando comprovada a autoria da lesão ao meio ambiente, quem quer que seja o poluidor/proprietário/posseiro da área degradada, sempre, tem o dever legal e constitucional de arcar com a responsabilidade civil ambiental em sua inteireza. A responsabilidade ambiental, consoante previsto no art. 14, §1º, da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, tem a obrigação de reparar o poluidor direto e indireto, isto é, todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a existência danosa da conduta são responsáveis pela reparação. II.2.3. DA ANÁLISE PROBATÓRIA SOBRE OS FATOS E A ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE. No caso em análise, o conjunto probatório carreado aos autos é extenso e suficientemente robusto para comprovar a materialidade do dano ambiental, bem como a responsabilidade direta do demandado. As imagens de satélite Sentinel-2, analisadas no Laudo Técnico nº 1239/2023, identificaram a supressão de 249,85 hectares de vegetação nativa no intervalo entre 19/08/2021 e 26/05/2022, com precisão técnica de alta resolução, compatível com padrões internacionais de monitoramento ambiental. As imagens multitemporais evidenciam o avanço da degradação sobre área contínua de floresta, com perda total de cobertura vegetal no perímetro delimitado. A área degradada localiza-se em gleba pública federal, integrante da região denominada Gleba Imbaúba, no município de Novo Progresso/PA. A vinculação do réu à área degradada não apenas consta dos elementos descritivos do auto de infração, mas também está documentada formalmente por meio do Cadastro Ambiental Rural – CAR, sob o código PA-1505031-7630247B8EC84453BF41FF132803B2E7, que indica como titular do imóvel rural o requerido, Sr. Ildefonso Miguel Mittmann, conforme registros fornecidos pelo IBAMA. Trata-se, pois, de imóvel declarado em nome do réu, com georreferenciamento preciso, incluindo coordenadas geográficas (7°19'0.343" S / 55°27'26.71" W), memorial descritivo e sobreposição ao polígono da área desmatada, confirmando sua relação jurídica direta com o bem ambiental lesado. A responsabilidade do requerido resulta, portanto, da posição de proprietário, possuidor ou titular de domínio útil sobre o imóvel rural onde o dano foi produzido. Nesse ponto, aplica-se com exatidão o princípio da responsabilidade civil ambiental propter rem, segundo o qual o titular de domínio, mesmo sem participação ativa na conduta lesiva, responde objetivamente pela reparação integral do dano ocorrido na área sob sua esfera de controle ou administração. Tal responsabilidade decorre não de conduta pessoal, mas do vínculo jurídico com o imóvel degradado, bastando que se demonstre que o dano se deu em área sob domínio ou posse do agente, independentemente de quem tenha praticado o ato danoso. No presente caso, não há dúvida quanto à titularidade da área e à condição do réu como declarante do imóvel no CAR, instrumento público criado justamente para o controle e regularização ambiental de imóveis rurais. O fato de constar como titular no CAR reforça sua legitimidade passiva e sujeição à responsabilização ambiental. O réu também não apresentou qualquer elemento de prova que pudesse afastar ou mitigar sua responsabilidade. Sua inércia processual (revelia) reforça a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial, especialmente quando corroborados por documentação técnica de fonte oficial. Portanto, sendo incontroverso que o imóvel rural está cadastrado em seu nome junto ao CAR, que o desmatamento ocorreu dentro do perímetro do imóvel vinculado ao seu CPF e que não havia licença ambiental para a intervenção, tendo o réu permanecido silente diante da imputação, conclui-se que a responsabilidade pelo dano ambiental está plenamente configurada. II.2.4. DO DEVER DE RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA DEGRADADA: obrigação de fazer e/ou não fazer. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: (i) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, (ii) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (dano residual ou permanente), e (iii) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim comercial, agrossilvopastoril, turístico etc.). Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1180078/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012): “A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos.” Assim, além da obrigação de recuperação ativa da área (elaboração de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, cercamento da área, monitoramento, dentre outras medidas que compõem a pretensão de condenação em obrigação de fazer), deve a parte ré interromper uso da área (obrigação de não fazer), inclusive com autorização para que as autoridades de fiscalização ambiental promovam a remoção de qualquer empecilho à regeneração natural (recuperação passiva). Considerada a clara caracterização da atividade ilícita contra o meio ambiente perpetrada pela parte ré, surge a necessidade de determinação de abstenção imediata da prática, diretamente ou por intermédio de terceiros, da referida atividade, sob pena de ser utilizada, inclusive, força policial para tanto. A requerida resta, portanto, proibida de explorar a atividade descrita na inicial sem as devidas autorizações ambientais, bem como determino a imediata proibição de plantação, comércio de produtos agrícolas, madeiras ou pastoris, inclusive bovinos, na respectiva área. No que se refere à obrigação de recuperação integral da área danificada, não há nos autos elementos que demonstrem que a restauração in natura da área (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) não seja viável, de tal sorte que é dever da parte ré promover o integral reflorestamento da área atingida ou área semelhante. O projeto de reflorestamento deve ser elaborado por profissional habilitado, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da intimação da presente sentença, o qual deve ser submetido à imediata aprovação do ICMBIO ou do IBAMA, que deverá analisá-lo e aprová-lo no prazo de 60 (sessenta) dias, mediante concomitante comunicação ao Ministério Público Federal (MPF). O referido projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superior a 1 (um) ano - para a restauração ambiental, a fim de que o ICMBIO/IBAMA e/ou o MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto. Nas hipóteses de descumprimento de obrigação de fazer de recuperação da área degradada é possível converter esta obrigação de fazer em seu equivalente pecuniário (art. 499 do Código de Processo Civil), valor que deve ser liquidado a partir da NOTA TÉCNICA n. 2001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA que apresenta metodologia de cálculo que toma por referência o custo de recuperação da área, custo de cercamento, custo de plantio de mudas/semeadura direta, custo de manutenção e monitoramento. O estudo realizado na referida nota técnica fixou R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) como parâmetro do valor indenizável para cada hectare desmatado na Amazônia. Para a adequada recomposição da área, no caso de mora, deve o requerido ser condenado a não usar a área degradada ilegalmente, com a recuperação passiva da área (regeneração que ocorre pelas dinâmicas próprias da natureza e sem intervenção humana). II.2.5. DA SUSPENSÃO DE FINANCIAMENTOS E INCENTIVOS FISCAIS E DE ACESSO A LINHAS DE CRÉDITO De acordo com o art. 72, § 8º, IV, da Lei 9.605/98, a perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de créditos, correspondem a umas das sanções restritivas de direito aplicadas a infrações ambientais. Outro dispositivo que prever a perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais é o art. 14, II e III, da Lei nº 6.938/81. Cabe destacar que a referida medida corresponde à sanção imposta a quem não cumprir as medidas necessárias à preservação ou não corrigir os danos ambientais causados pela degradação ambiental, fato que pressupõe a condenação do requerido. Logo, entendo preenchidos os requisitos legais para ser decretada a perda do direito de participação em linhas de financiamento oferecidas por estabelecimentos oficiais de crédito ao réu, relativa à área degradada objeto deste processo. II.2.6. DA SUSPENSÃO CAUTELAR DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR) O Cadastro Ambiental Rural – CAR é um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento” (Art. 29 da lei n° 12.651/2012). Dessa forma, como consequência jurídica necessária da condenação em obrigações específicas, impõe-se que o CAR da propriedade onde verificado o dano ambiental seja bloqueado, a fim de evitar regularização fraudulenta do imóvel para a prática de novos atos contra o meio ambiente. II.2.7. DA EXTENSÃO/FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO II.2.7.1. Reparação pelos danos materiais São lícitos os pedidos aduzidos pelo autor de recomposição da lesão ao meio ambiente concomitante à indenização pecuniária, não sendo esta medida substitutiva, necessariamente, da obrigação de reparação in natura do dano, sob o argumento de configuração de bis in idem. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito reconhece a existência do dano ambiental em suas variadas dimensões, admitindo a cumulação da obrigação de fazer ou não fazer com a obrigação de pagar. O entendimento foi objeto da Súmula n. 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.” No mesmo sentido recente decisão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, ao assentar que: “Em matéria de danos ambientais, para os quais os requeridos não fizeram prova de pronta recuperação ou reparação, tem-se como cabível a cumulação dos deveres de reparar e de indenizar.” (TRF - PRIMEIRA REGIÃO - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA - APELAÇÃO CIVEL (AC) 0000955-35.2016.4.01.3903 - DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA ANA CAROLINA ALVES ARAUJO ROMAN- PJe 05/07/2024). Com efeito, é cabível a cumulação da obrigação de fazer (reparação da área desmatada) com as obrigações de dar (dano material e moral), não se configurando a dupla punição pelo mesmo fato. O §3º do art. 225 da Constituição Federal, o inciso VII do art. 4º, e o § 1º do art. 14, os últimos ambos da Lei nº 6.938/81, são claros quanto à necessidade de reparação integral do dano ambiental, de modo que se afigura legal a cumulação da obrigação de recuperação in natura do meio ambiente degradado com a compensação indenizatória em espécie. A possibilidade técnica, no futuro (prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério. Assim, além das obrigações de fazer e não fazer e todas as medidas a elas relacionadas, cabe, cumulativamente, o pagamento da indenização pelos danos materiais gerados pela atividade ilícita. Para o arbitramento do valor desse dano, adoto a NOTA TÉCNICA n. 2001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA, que fixou o valor de R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) para CADA HECTARE desmatado na Amazônia, limitado aos valores requeridos na inicial. II.2.7.2. Reparação pelos Danos Morais Coletivos Também é efeito do dano ambiental a agressão injustificada à coletividade, baseada na vontade de auferir lucro explorando terra pública, de modo a transgredir o direito fundamental à sadia qualidade de vida. Note-se que o tempo em que o processo natural de crescimento das espécies exigirá para que se atinja o nível antes existente, é proporcional à vantagem que o infrator auferiu com valor da madeira extraída das árvores maduras pelo tempo subtraído da floresta. No tocante ao dano moral difuso, no caso dos autos, o valor indenizatório deve reparar a significativa perda de nutrientes e do próprio solo como reflexos do dano ambiental, os reflexos na população local, a perda de capital natural, incremento de dióxido de carbono na atmosfera, diminuição da disponibilidade hídrica. Desse modo, o valor da indenização por danos morais coletivos deve ser fixado com base na gravidade do dano, no grau de culpa do ofensor e no porte socioeconômico do causador do dano, de modo a ser suficiente para reprovar a conduta ilícita. Nos termos da jurisprudência do STJ: “1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos (STJ - REsp: 1940030 SP 2021/0038297-6, Data de Julgamento: 16/08/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2022). É intolerável, pois, à sociedade, a conduta de quem age como se fosse dono absoluto dos recursos naturais, ante os efeitos nefastos à saúde e ao bem-estar humano, decorrentes do dano ambiental em exame (desmatamento), o qual, em razão de sua extensão, tem potencial capacidade de extinguir espécies da flora e da fauna. A mera exploração de bem público, mediante a destruição da floresta, sem autorização do órgão ambiental competente, é suficiente para causar abalo negativo à moral da coletividade, configurando-se dano moral coletivo. Desta forma, considerando as particularidades do caso em comento, em especial a extensão e as consequências do dano, e o entendimento firmado pela DÉCIMA-SEGUNDA TURMA DO TRF1, fixo a indenização por danos morais coletivos a serem pagos pelo réu no patamar de 5% do valor da condenação dos danos materiais (AC 00121804220084013900 DESEMBARGADORA FEDERAL ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN PJe 05/07/2024). II.2.7.3. Decretação da Indisponibilidade de Bens e Valores A imposição da indisponibilidade de bens ao infrator ambiental objetiva possibilitar a reparação do dano causado. Assim, insta salientar que em razão do princípio da precaução, quando envolve a incolumidade do meio ambiente e havendo risco de danos irreversíveis à fauna e a flora, é cogente que se proteja o direito coletivo no intuito da reparação do dano ambiental. Trata-se de medida cautelar voltada a resguardar interesse coletivo e dar efetividade à recuperação do meio ambiente degradado, decorrente de grave e reprovável conduta lesiva à cobertura florestal da Amazônia, considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, decisão da DÉCIMA-SEGUNDA TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO (AC 1029316-70.2023.4.01.0000, PJe 23/04/2024) acompanhou jurisprudência do STJ, para dispensar, na hipótese (gravidade dos prejuízos causados), a demonstração de eventual dilapidação patrimonial pelo agente causador do dano: “A indisponibilidade de bens é medida que se impõe para ressarcimento proporcional dos danos ambientais verificados, a partir do qual se pretende a recuperação do meio ambiente. Trata-se de medida de caráter cautelar, voltada à salvaguarda dos interesses de índole ambiental. Precedentes. 6. Há crucial distinção entre o propósito de fiscalização administrativa e a busca de tutela jurisdicional adequada para, no âmbito da responsabilidade civil, viabilizar a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente. 7. No Superior Tribunal de Justiça há entendimento no sentido de que a indisponibilidade dos bens não se condiciona à comprovação de dilapidação de patrimônio. "A decretação de indisponibilidade de bens não se condiciona à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porquanto tal medida consiste em 'tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade'" (STJ, REsp 1.319.515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21.9.2012).” Nesse contexto, deve ser decretada indisponibilidade dos bens do requerido até o limite necessário à reparação do dano, somados os valores do dano material e do dano coletivo. Finalmente, é importante ressaltar que a indisponibilidade dos bens do réu não retira dele o direito de usufruí-los, apenas proíbe a alienação/transferência desses bens. III. DISPOSITIVO Diante do exposto, confirmando a medida liminar, JULGO PROCEDENTE o pedido, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar a parte ré nos seguintes termos: i) Obrigação específica de não-fazer consistente em abster-se de realizar o desmatamento, extração ou comércio de produtos florestais, sob pena de multa no valor de R$ 5.000,00 em cada evento de descumprimento verificado, sem prejuízo da apreensão dos equipamentos utilizados; ii) Obrigação específica de fazer, consistente na recomposição e restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada indicada na petição inicial (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00), sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); iii) Referida obrigação será cumprida mediante a tomada das seguintes medidas: a) a elaboração e a apresentação de PRAD – Projeto de Recuperação de Área Degradada ao órgão ambiental competente, realizado por profissional habilitado, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da intimação da presente sentença; b) o projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superiores a 1 (um) ano – para a recuperação ambiental, a fim de que o órgão ambiental competente e/ou MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto, nos termos da sentença, cujo atraso injustificado sofrerá pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), em caso de descumprimento das obrigações acima enumeradas pelo requerido; c) o órgão ambiental competente terá o prazo de 60 (sessenta) dias para aprovar o referido PRAD, desde que de acordo com as normas ambientais, sob pena de crime de desobediência; e d) a parte requerida deve comunicar, por escrito, ao MPF, em Itaituba/PA, a submissão do projeto de recuperação da área desmatada ao órgão ambiental competente, para fiscalização, a fim deste controlar os prazos e aplicação da multa diária ora estipulada; iv) Na hipótese em que a parte requerida já não mais seja proprietária ou posseira da área desmatada, condeno-a ao cumprimento de obrigação de fazer com resultado prático equivalente, consistente na recomposição ou restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada equivalente à descrita na inicial, em local a ser indicado pelo órgão ambiental competente e/ou MPF, devendo ser cumprido nos mesmos prazos e forma indicadas no item ii), sendo admissível a recuperação ambiental (art. 2º, XIII, Lei nº 9.985/00) alternativa dessa mesma área, caso a restauração seja impossível; v) Ao pagamento de indenização por danos materiais pelo ilícito ambiental, no importe de R$ 2.683.888,70 (dois milhões seiscentos e oitenta e três mil oitocentos e oitenta e oito reais e setenta centavos), valor limitado ao pedido na inicial, a serem atualizados (correção monetária e juros) com a aplicação dos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde o evento danoso (Art. 398, do Código Civil e Súmulas n. 43 e n. 54 do STJ), mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública). Considero como a data do evento danoso (infração ambiental), para fins de atualização da indenização objeto da presente condenação, a data do registro mais antigo do dano, o que, nestes autos, é 26/05/2022. vi) Ao pagamento de danos morais coletivos, no valor de R$ 134.194,43 (cento e trinta e quatro mil cento e noventa e quatro reais e quarenta e três centavos), correspondente a 5% (cinco por cento) da condenação por danos materiais, com correção monetária e juros, segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. A correção monetária deve incidir desde a data da assinatura desta sentença (Súmula n. 362 do STJ) e os juros devem ser aplicados desde o evento danoso (Art. 398, do Código Civil e Súmulas n. 43 e n. 54 do STJ), mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública); vii) A perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento oferecidas aos estabelecimentos oficiais de crédito e a perda ou restrição de acesso a incentivos e benefícios fiscais oferecidos pelo Poder Público, comunicando-se a decisão a todas as autoridades com competência nestas áreas, para tanto expeça-se ofício ao BACEN; viii) A indisponibilidade de bens móveis e imóveis do requerido, em montante suficiente para garantir a recuperação inicial do dano ambiental, fixado inicialmente em R$ 2.818.083,13 (dois milhões oitocentos e dezoito mil e oitenta e três reais e treze centavos). Para efetivar a medida determino: a) a inclusão de indisponibilidade de bens do réu por meio do sistema Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, nos termos do Provimento n. 39/2014-CNJ, autorizado pelo art. 837 do CPC; b) a realização de pesquisas de bens em nome do requerido no sistema INFOJUD; c) a restrição de alienação dos bens móveis por meio do sistema RENAJUD; e d) a indisponibilidade de valores depositados em conta corrente e poupança por meio do sistema SISBAJUD. Como efeito automático desta sentença, determino a averbação de tais determinações no CAR da área (coordenadas geográficas 07°19'00,36" S – 55°28'02,11" O / Registro no CAR: PA-1505031-7630.247B.8EC8.4453.BF41.FF13.2803.B2E7, FAZENDA LAÇO ABERTO II, em nome de ILDEFONSO MIGUEL MITTMANN), devendo constar: 1. número deste processo; 2. valor dos danos ambientais devidos pela área; 3. que a área está sob restrição de incentivos e benefícios fiscais pelo Poder Público; 4. que a área está suspensa de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e 5. que essas medidas perduram até a comprovação do pagamento integral, recuperação do dano ambiental e integral regulamentação ambiental da área. Uma via desta decisão valerá como ofício ao órgão responsável pelo cumprimento da averbação da restrição do CAR. Como forma de garantir o cumprimento da tutela específica ou alternativa, assim como forma educacional de promoção aos deveres fundamentais ao meio ambiente, ratifico a TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO, com fundamento no art. 139, IV c/c art. 300 e art. 536, do CPC e art. 11, da Lei nº 7347/85, para DETERMINAR a imediata proibição de plantação, comércio de produtos agrícolas, madeiras ou pastoris, inclusive bovinos, na respectiva área. Uma via desta decisão valerá como ofício à SEMA e ao órgão de controle agropecuário do Estado para o fim de dar cumprimento à tutela antecipada. Condeno o requerido em custas processuais, nos termos do art. 82 do Código de Processo Civil. Deixo de condená-lo em honorários advocatícios, na forma do art. 18, Lei nº 7.347/1985 (STJ RESP 201202166746/RESP 201101142055). Com o trânsito em julgado, cumpridas as determinações, arquive-se oportunamente. Publique-se. Intime-se. Sentença automaticamente registrada no e-CVD. Brasília/DF, data no rodapé. (assinado eletronicamente) FILIPE DE OLIVEIRA LINS Juiz Federal Substituto em Auxílio à Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba/PA
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