Processo nº 1001916-13.2025.4.01.0000
ID: 280612285
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 13 - DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1001916-13.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
UANDERSON FERREIRA DA SILVA
OAB/PI XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1001916-13.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1006535-33.2024.4.01.4005 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: CONSORCIO HID…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1001916-13.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1006535-33.2024.4.01.4005 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: CONSORCIO HIDROS / OTIMA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: UANDERSON FERREIRA DA SILVA - PI5456-A POLO PASSIVO:DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO RELATOR(A):EDUARDO FILIPE ALVES MARTINS PODER JUDICIÁRIO FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Gab. 13 - DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1001916-13.2025.4.01.0000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS - Relator: Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Consórcio Hidros/Ótima contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da Vara Federal da Subseção Judiciária de Corrente - PI, nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU), com a participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), além do Ministério Público Federal, que integra o polo ativo como litisconsorte. A ação originária foi ajuizada com o objetivo de sustar a execução de obras de melhoramento da Rodovia Estadual PI-392, localizada no município de Currais - PI, sob a alegação de que a obra impacta diretamente a Aldeia Laranjeiras, território tradicionalmente ocupado pela comunidade indígena do povo Gamela. Alega-se que as licenças concedidas pelo órgão estadual de meio ambiente (SEMARH-PI) foram emitidas de forma irregular, sem observância dos requisitos previstos na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 10.088/2009. De acordo com a inicial, a obra foi iniciada em fevereiro de 2024, com a remoção de vegetação e supressão de áreas tradicionalmente utilizadas para roçados indígenas, sem a realização de consulta prévia, livre e informada aos povos afetados, conforme exigido pela legislação ambiental e convenções internacionais aplicáveis. Aponta-se ainda a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e a exclusão da participação obrigatória da FUNAI e do IPHAN no processo de licenciamento ambiental. Em razão disso, a decisão agravada deferiu, liminarmente, os pedidos de tutela de urgência determinando: 1. A suspensão imediata de todos os efeitos da Licença Prévia (LP) nº 01645-9/2021 e da Licença de Instalação (LI) nº 05081-4/2022, expedidas pela SEMARH-PI; 2. Que o réu, Estado do Piauí, por meio da SETRANS-PI, e o réu, Consórcio Hidros/Ótima, procedam à imediata suspensão das obras de construção da estrada estadual aqui mencionada, bem como a qualquer intervenção na área com a finalidade de dar continuidade à implantação do empreendimento, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00, até que: a) O órgão ambiental competente realize consulta prévia, livre e informada aos indígenas afetados, em conformidade com a legislação ambiental aplicável e com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, assegurando-lhes a oportunidade de serem ouvidos acerca das medidas de saneamento das irregularidades constatadas, durante a elaboração do Estudo de Componente Indígena, e na definição das medidas de compensação e mitigação, para ao final deferir ou indeferir o licenciamento ambiental, observando-se os demais regramentos legais pertinentes; b) O órgão ambiental competente providencie a realização do Estudo do Componente Indígena (ECI) e sua consequente submissão à avaliação da FUNAI; c) Seja providenciada a regularização do licenciamento ambiental junto ao órgão competente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); d) Sejam elaborados o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), levando em consideração a existência do Território Indígena Laranjeiras, o que enseja a atuação da FUNAI, bem como a existência de bens culturais sob proteção federal, que exigem a participação do IPHAN. Em suas razões recursais, o agravante sustenta que a decisão agravada se fundamenta em premissas incorretas, uma vez que inexiste qualquer reconhecimento oficial da área impactada como terra indígena, estando o local ainda submetido a procedimento administrativo pendente, sem conclusão quanto à sua demarcação. Aduz, ainda, que a obra já se encontra em fase avançada de execução e que todas as licenças ambientais foram obtidas de forma legal junto ao órgão competente, no caso, a SEMARH/PI, não havendo que se falar em nulidade ou suspensão das mesmas. Requer, portanto, o provimento do recurso para reformar a decisão agravada e permitir a continuidade do empreendimento. As contrarrazões foram devidamente colacionadas aos autos. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Gab. 13 - DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1001916-13.2025.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS - Relator: Inicialmente, consigne-se que, in casu, concorrem os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade recursal. A controvérsia posta nos autos gira em torno da legalidade da suspensão das obras de pavimentação da Rodovia PI-392, no trecho entre o município de Currais/PI e o entroncamento com a Rodovia PI-397 (Transcerrados), determinada em sede liminar, diante da potencial afetação à comunidade indígena Aldeia Laranjeiras, pertencente ao Povo Gamela do Piauí. A decisão agravada também foi objeto de impugnação pelo Estado do Piauí no bojo do Agravo de Instrumento n° 1037840-22.2024.4.01.0000, o qual está sendo julgado nesta mesma assentada, mediante voto assim fundamentado, que, por razões de economia processual, adoto como razões de decidir: No caso, a Defensoria Pública Federal ajuizou ação civil pública sob alegação de que há irregularidades na execução e na fiscalização da construção de rodovia estadual pela Secretaria de Estado dos Transportes do Piauí (SETRANS/PI), que estaria afetando diretamente a comunidade indígena Aldeia Laranjeiras sem que tenha sido realizado processo de consulta livre e prévia àquela comunidade. Discute-se ainda a competência licenciatória para as obras de implantação e pavimentação asfáltica da rodovia estadual PI-392, entre o município de Currais e o entroncamento da rodovia PI-397 (Transcerrado), com divisão em duas etapas distintas, relativas a um trecho de 30 km e outro de 19,26 km. Na espécie, verifica-se que a decisão agravada determinou a paralisação total das obras e a suspensão das licenças ambientais emitidas pela SEMARH-PI, com imposição de multa diária de R$ 100.000,00 em caso de descumprimento. Embora essas medidas busquem proteger os direitos da comunidade indígena, sua abrangência representa uma interferência significativa no cronograma e viabilidade econômica do projeto, especialmente considerando que parte das obras não impacta diretamente a Aldeia Laranjeiras. Nesse sentido, é importante consignar que o princípio da proporcionalidade exige que as restrições impostas sejam adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito. Nesse caso, a paralisação total da obra não se revela a medida mais equilibrada, uma vez que é possível assegurar a proteção da comunidade indígena com a suspensão apenas dos trechos que a impactam diretamente. Isso porque a rodovia PI-392 possui elevada importância socioeconômica para o Estado do Piauí e, particularmente, para a população local, uma vez que facilita o escoamento da produção agrícola em uma das regiões de maior produtividade do Estado, contribuindo diretamente para o desenvolvimento econômico; promove a redução de custos logísticos, incentivando a competitividade e a geração de emprego e renda; bem como melhora o acesso à mobilidade e aos serviços essenciais, como saúde, educação e segurança, beneficiando diretamente os cidadãos que dependem de infraestrutura rodoviária adequada. Dessa forma, a rodovia estadual PI-392 tem relevância não apenas local, mas também regional, considerando o impacto positivo que a infraestrutura trará ao setor produtivo e à população diretamente beneficiada. Ademais, a continuidade da obra é imprescindível para assegurar o direito de deslocamento e acesso da população a uma infraestrutura rodoviária adequada e segura. A interrupção abrupta geraria sérios impactos para milhares de usuários que dependem dessa rodovia para suas atividades diárias. Sobre o tema, confira-se: AGRAVO INTERNO. PEDIDO DE SUSPENSÃO. CONCORRÊNCIA PÚBLICA. EXECUÇÃO DAS OBRAS DE DUPLICAÇÃO E AMPLIAÇÃO DA MT - 010, TRECHO ENTRE CUIABÁ E ROSÁRIO OESTE. RODOVIA ARQUITETO HELDER CÂNDIA. DESCLASSIFICAÇÃO PELA NÃO APRESENTAÇÃO DE PARCELA DE CPRB (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RENDA BRUTA). PARALISAÇÃO DO ANDAMENTO DO CERTAME. GRAVE LESÃO À SEGURANÇA E ECONOMIA PÚBLICAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Nos termos da legislação de regência (Lei n.º 12.016/2009), a suspensão da execução de decisum proferido contra o Poder Público visa à preservação do interesse público e supõe a existência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, sendo, em princípio, seu respectivo cabimento alheio ao mérito da causa. 2. Hipótese em que a decisão objeto do pleito suspensivo inibiu o prosseguimento da concorrência pública de contratação de empresa por empreitada para a execução das obras de duplicação e ampliação da pista existente na MT - 010, trecho entre Cuiabá e Rosário Oeste. 3. Lesão, de natureza grave, à segurança pública. A interrupção da licitação, ainda que temporária, prejudica a atuação do Estado. A falta de conservação da referida via motiva o aumento dos acidentes de trânsito a que se refere o Requerente. A demora na execução da obra em questão pode causar prejuízos mensais de grande monta, tendo em vista os reajustes previstos no contrato. Situação que traz potencial lesão à economia pública. Manifesta urgência do procedimento licitatório. 4. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt na SS: 2876 MT 2017/0003697-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 19/04/2017, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 03/05/2017) – grifo nosso. Cabe ressaltar que a experiência vivenciada na duplicação da rodovia BR-101, no Estado de Alagoas, constitui precedente relevante para a solução do caso em análise. Naquela situação, a obra atravessava terras indígenas, gerando tensões entre a necessidade de expansão da infraestrutura e os direitos das comunidades indígenas afetadas. Para solucionar o impasse, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em agosto de 2023, entre o Ministério Público Federal (MPF), órgãos do governo federal e representantes das comunidades indígenas. O TAC possibilitou a continuidade da duplicação da rodovia, ao mesmo tempo em que previu medidas para minimização dos impactos ambientais e socioculturais; benefícios diretos às comunidades indígenas, como melhorias na mobilidade, acesso à saúde, educação e outros serviços essenciais e garantia de que as obras respeitariam as normas da Convenção nº 169 da OIT, com a realização de consulta prévia, livre e informada junto às comunidades afetadas. (https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/noticias/dnit-assina-tac-para-retomada-de-duplicacao-em-trechos-indigenas-na-br-101-em-alagoas) Esse modelo demonstrou que é possível compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção dos direitos indígenas, mediante a adoção de medidas mitigadoras e compensatórias, além da observância das normas jurídicas aplicáveis. Assim, é necessário ponderar os interesses em conflito, equilibrando a proteção dos direitos indígenas, como determinado pela CF/88 e pela Convenção 169 da OIT e a continuidade das obras nos trechos que não apresentam impacto direto ao território ou ao modo de vida da comunidade indígena. Verifica-se, ainda, que a construção da rodovia estadual foi autorizada por meio de licenciamento ambiental expedido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMARH-PI), com a concessão da Licença Prévia nº 01645-9/2021 (Id 2142258559) e da Licença de Instalação nº 05081-4/2022 (Id 2142258566). No caso, conclui-se que o início das obras na rodovia estadual ocorreu em estrita observância às condições estabelecidas nas Licenças Prévia (LP) e de Instalação (LI) emitidas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMARH-PI). A Licença Prévia assegurou a viabilidade ambiental do empreendimento, impondo condicionantes que garantem a compatibilidade do projeto com as normas ambientais e legais vigentes. Da mesma forma, a Licença de Instalação, ao autorizar a execução das atividades, garantiu o cumprimento dos planos e medidas de controle ambiental, observando as restrições e recomendações necessárias para minimizar os impactos ao meio ambiente e preservar o patrimônio cultural. Assim, a implementação do empreendimento respeitou as etapas de licenciamento e as condicionantes impostas, em conformidade com a legislação aplicável. Nesse contexto, a continuidade das obras nos trechos que não afetam a Aldeia Laranjeiras permite o andamento do projeto enquanto as medidas exigidas para a regularização do licenciamento ambiental e a consulta prévia são implementadas. Por sua vez, a Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, aprovada em 1989, durante sua 76ª Conferência, ratificada pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 de junho de 2002, consolidou o direito das populações indígenas e tribais à consulta prévia e informada, por meio de suas instituições representativas, a respeito de atos legislativos e administrativos suscetíveis de os afetarem. Dentre as regras da Convenção 169 da OIT se destacam as seguintes, no que concerne à presente demanda: a) o direito de consulta sobre medidas legislativas e administrativas que possam afetar os direitos dos povos indígenas; b ) o direito de participação dos povos indígenas, pelos menos da mesma maneira assegurada aos demais cidadãos, nas instituições eletivas e órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetam; c) o direito dos povos indígenas decidirem suas prioridades de desenvolvimento, bem como o direito de participarem da formulação, implantação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que lhes afetem diretamente. Dispõe a citada Convenção nos seus artigos 6º e 7º, in verbis: “Artigo 6º 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Artigo 7o 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. 2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria. 3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas. 4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam.” A finalidade dessa consulta é garantir a participação efetiva das comunidades na definição das condições de realização dos empreendimentos que impactam seus territórios, resguardando seus direitos sociais, culturais e ambientais. No caso concreto, o trecho da obra da Rodovia PI-392 impacta a Aldeia Laranjeiras, conforme atestado pela Informação Técnica nº 16/2024 da FUNAI, e não teria sido realizado o processo de consulta prévia e livre, nem a devida comunicação antecipada àquela comunidade tradicional sobre a construção da estrada que atravessa o território ocupado. Dessa forma, entendo que a continuidade das obras nos trechos que afetam diretamente a comunidade deve ser condicionada à realização da consulta prévia, conduzida nos moldes estabelecidos pela Convenção nº 169, com a participação das instituições representativas dos povos indígenas e demais órgãos competentes. Nesse mesmo sentido, o seguinte julgado, in verbis: AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL – ANP. LICITAÇÃO. EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS. ÁREA DE ACUMULAÇÃO MARGINAL. CONSULTA PRÉVIA AOS POVOS INDÍGENAS. CONVENÇÃO 169 DA OIT. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO COM TERRAS INDÍGENAS. RECURSO PROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que suspendeu o prosseguimento de licitação de blocos exploratórios de petróleo e gás, alegando a ausência de consulta prévia às comunidades indígenas prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 2. A consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e tradicionais, prevista na Convenção 169 da OIT, é procedimento indispensável para qualquer empreendimento que possa, de alguma forma, afetar seus interesses, costumes e modos de vida, traduzindo-se em medida assecuratória dos direitos fundamentais dos povos indígenas. 3. As comunidades atingidas devem ser devidamente informadas sobre como o empreendimento as atingirá, sendo o processo informativo e de diálogo de extrema relevância, pois eles servirão de subsídio para a tomada de decisões e apresentação de propostas que visem à mitigação dos potenciais impactos e danos. Para tanto, é imprescindível que se tenha a dimensão exata dos possíveis impactos do empreendimento, pois sem a compreensão dos reais impactos socioambientais potencialmente envolvidos a consulta prévia às comunidades e tribos indígenas não se torna efetiva. 4. No caso dos autos, o empreendimento sob análise se trata de reabilitação da Área de Acumulação Marginal denominada Campo do Japiim, localizada na bacia sedimentar do Amazonas, arrematada pela agravante, ENEVA S.A, em conjunto com a ATEM Participações S.A. 5. As áreas de acumulação marginal, como o Campo do Japiim, são ofertadas pela ANP com o objetivo de promover a exploração de áreas inativas, beneficiando pequenas e médias empresas, com menor risco e demanda de investimento reduzido. O Programa de Trabalho Inicial (PTI), exigido pela ANP para a fase de reabilitação, inclui atividades de reentrada em poços e testes de formação, com execução condicionada à obtenção de licenças ambientais pelo IBAMA e pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM. 6. Na atual fase do processo de concessão de blocos e áreas para exploração ou reabilitação, a consulta às comunidades indígenas potencialmente atingidas carece das informações necessárias sobre os seus reais impactos, visto que é somente durante os estudos de impacto ambiental realizados por ocasião do licenciamento é que serão analisados todos os aspectos socioambientais relacionados ao empreendimento, momento em que serão entendidos todos os riscos envolvidos na atividade a ser desenvolvida. 7. No caso, considerando que a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim não está sobreposta a terras indígenas, bem como que a sua concessão para reabilitação não implica no início imediato das atividades, que ainda demandarão o necessário licenciamento ambiental, por meio do qual serão efetivamente analisados, de forma específica e aprofundada, os impactos e riscos da atividade a ser empreendida, não se afigura legítima a suspensão da contratação. 8. Agravo de instrumento provido para reformar a decisão agravada em relação à área arrematada pela agravante (Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim), a fim de permitir o regular prosseguimento do procedimento licitatório decorrente do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão para exploração ou reabilitação e produção de petróleo e gás natural, observada a necessária consulta das comunidades indígenas e povos tradicionais que possam ser direta ou indiretamente afetados, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, durante o processo de licenciamento ambiental para a execução do Programa de Trabalho Inicial – PTI, observado o prazo de 03 (três) anos da fase de reabilitação. (TRF-1 - AG: 1020307-50.2024.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS, Data de Julgamento: 30/10/2024, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 30/10/2024) – grifo nosso. Não obstante o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Petição nº. 3388/PR, referente à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Estado de Roraima, tenha assentado que esses povos tradicionais não poderiam se opor a obras de relevante interesse nacional, como a construção de rodovias, por exemplo, trata-se de decisão não vinculante, sendo que não constitui impedimento à realização de obra de rodovia de maneira mais viável, que atenda ao interesse dos povos indígenas em usufruir na sua plenitude os direitos inerentes à terra tradicionalmente por eles ocupada, exercendo de forma livre a sua cultura, tradições e costumes. Nesse sentido, os seguintes precedentes: CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE RODOVIA (BR 158). TERRA INDÍGENA XAVANTE DE MARÃIWATSÉDÉ. ESTADO DO MATO GROSSO. DANOS AMBIENTAIS E DANOS À COMUNIDADE INDÍGENA. COMPROVAÇÃO. EXISTÊNCIA DE ROTA ALTERNATIVA. PRIORIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. PRELIMINAR REJEITADA. SENTENÇA CONFIRMADA. I - Não há que se falar em ilegitimidade passiva da União, na espécie, uma vez que a questão posta em juízo não se resume aos interesses do DNIT e do IBAMA, mas envolve as esferas de atuação de outros órgãos da Administração Pública, em especial por se referir, ainda que tangencialmente, à própria demarcação da Terra Indígena Xavante de Marãiwatsédé, no Estado do Mato Grosso, além de que compete à União Federal a defesa da propriedade da Terra Indígena, como política estatal, devendo viabilizar plenamente os respectivos direitos territoriais ao seus beneficiários. Preliminar rejeitada. II - A teor do art. 231 da Constituição Federal, o direito territorial dos indígenas constitui um direito fundamental, necessário para assegurar existência digna, livre e igual, sendo inalienável, indisponível, imprescindível e impenhorável. III - Na espécie, depreende-se da vasta documentação constante dos autos, que a manutenção e a pavimentação da BR-158 em seu traçado inicial, cortando a Terra Indígena Marãiwatsédé/MT, podem acarretar inúmeras consequências negativas ao meio ambiente e às comunidades indígenas, como a facilitação e o aumento de queimadas, desmatamentos, invasões, acidentes envolvendo indígenas, confronto com moradores da região e mortandade de animais, além do comprometimento do livre exercício da posse de terra tradicionalmente ocupada, do prejuízo às atividades de subsistência dos povos indígenas e a violação de locais sagrados para a etnia, como cemitérios e aldeias antigas. IV - Não obstante o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Petição nº. 3388/PR, referente à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Estado de Roraima, tenha assentado que esses povos tradicionais não poderiam se opor a obras de relevante interesse nacional, como a construção de rodovias, por exemplo, trata-se de decisão não vinculante, sendo que não constitui impedimento à realização de obra de rodovia de maneira mais viável, que atenda ao interesse dos povos indígenas em usufruir na sua plenitude os direitos inerentes à terra tradicionalmente por eles ocupada, exercendo de forma livre a sua cultura, tradições e costumes. V - De outra banda, a legislação ambiental determina que, previamente à emissão da licença de instalação, o empreendedor deve elaborar o Plano Básico Ambiental, o que não que não foi contestado pelo DNIT, que reconheceu estar em trâmite a contratação da empresa responsável, após o que deverão ser aplicadas as medidas mitigadoras do dano ambiental, conforme determinado pelo juízo monocrático, como o reflorestamento do leito original da rodovia, a reparação dos demais danos decorrentes dessa estrada e seu total fechamento quanto estiver pronta a rota leste. Com efeito, estando comprovados os danos decorrentes do traçado original da rodovia, bem como havendo uma rota alternativa, afigura-se urgente priorizar, com a observação das exigências legais, a mudança do traçado inicial da BR 158 para o ?traçado leste?, a fim de preservar os interesses dos indígenas, extraindo o trânsito de veículos do interior da TI Marãiwatsédé. VI - Apelações da União Federal e do DNIT desprovidas. Sentença confirmada. Inaplicabilidade do § 11 do art. 85 do CPC, por se tratar de ação civil pública. (TRF-1 - AC: 10009527920194013605, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 10/08/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 12/08/2022 PAG PJe 12/08/2022 PAG) – grifo nosso. MINERAÇÃO. CONSULTA PRÉVIA AOS POVOS REMANESCENTES DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DIRETAMENTE AFETADAS. ÁREA QUILOMBOLA. PROJETO MINERÁRIO. DEMONSTRAÇÃO DE QUE ATINJA A ÁREA. AUSÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. Trata-se de agravo interno interposto por FEDERAÇÃO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS NGOLO de decisão em que deferido pedido de suspensão dos efeitos da decisão mediante a qual foi deferido pedido de liminar na Ação Civil Pública n. 1007470-82.2019.4.01.3800 para DETERMINAR a suspensão dos efeitos dos atos administrativos proferidos nos processos DNPM 5.130/1956 e DNPM 831.516/2004, até que seja efetivada a realização do procedimento de consulta livre, prévia e informada às populações quilombolas e tradicionais situadas na sua área de influência direta [Convenção OIT 165]. 2. Não se negou a incidência da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Ao contrário, com arrimo na referida Convenção, afirmou-se a necessidade de prévia consulta às populações quilombolas e tradicionais situadas na área de influência direta do empreendimento, com base em precedente firmado na AC 0019772-56.2006.4.01.3400, Desembargador Federal Souza Prudente, 5T, e-DJF1 29/01/2019. 3. O pedido de efeito suspensivo foi deferido porque: a) não há demonstração de que o projeto minerário esteja em área quilombola. Consultado pela CONEMP, o INCRA informou que os territórios quilombolas de Baú, Ausente, Mata dos Crioulos, Vila Nova e Santa Cruz estão fora do raio de 8 km de distância da área diretamente afetada do projeto minerário em questão, apresentado no arquivo 4561616. Esclareceu que o território mais próximo do projeto é o T. Q. de Ausente, que se encontra a aproximadamente 8,9 km de distância; b) a Comunidade Quilombola de Queimadas sequer tem a área de seu território identificada, reconhecida, delimitada, demarcada, desinstruída, titulada e registrada por quem a tanto legitimado (art. 5º, IN/INCRA n. 57/2009); c) a suspensão da liminar não implica início imediato das atividades da mineradora, visto que, consoante informações da agravante, o início das operações ainda dependerá de licenciamento ambiental (até o momento, não foi implantado nenhum projeto na área, sendo impossível atestar a alegada existência de dano causado à comunidade quilombola ou mesmo à população serrana, sendo que os únicos atos praticados foram aqueles concernentes à fase de pesquisa mineral, sem qualquer impacto significativo ao meio ambiente ou à sociedade); d) não é razoável é paralisar tratativas aprovadas pelo órgão regulardor/fiscalizador das atividades de mineração sem demonstração de que o empreendimento afeta comunidade quilombola, ribeirinha, etc. Essa providência poderá ser realizada no curso do processo administrativo em referência. 4. Negado provimento ao agravo interno. (TRF-1 - AGT: 10400658820194010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 14/12/2020, 6ª Turma, Data de Publicação: PJe 16/12/2020 PAG PJe 16/12/2020) – grifo nosso. Ademais, embora o agravante sustente que a área impactada pela obra não está formalmente demarcada como terra indígena, o conjunto probatório aponta para a necessidade de intervenção judicial. Conforme a Informação Técnica nº 1207/2023/COIM/CGID/DPT-FUNAI, tramita junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI o Processo nº 08620.012443/2018-95, que trata da reivindicação fundiária do Povo Gamela do Piauí, compreendendo diversas comunidades, entre elas a Aldeia Laranjeiras (Id 2142258576). Tal reivindicação encontra-se em fase de qualificação, pendente de constituição de grupo técnico para a realização dos estudos de identificação e delimitação das terras. Além disso, consta nos autos que está em curso o Processo nº 00071.003421/2021-91 no Instituto de Regularização Fundiária e Patrimônio Imobiliário do Piauí – INTERPI, o qual trata expressamente da regularização fundiária do território indígena Laranjeiras, conforme Portaria nº 289/2021/DG/INTERPI (Id 2142258579). Adicionalmente, o Parecer do IPHAN nº 64/2024/DIVTEC IPHAN-PI/IPHAN-PI (Id 2147894391) destaca a presença de bens culturais protegidos na área de impacto do empreendimento, reforçando a necessidade de licenciamento ambiental federal. Nesse contexto, é importante destacar que esta Turma já se pronunciou de modo similar no julgamento do Agravo de Instrumento nº 1023817-71.2024.4.01.0000, ação civil pública que objetivava a anulação do procedimento inaugurado pela ANP para concessão dos blocos AM-T-63, AMT- 64, AM-T-107, AM-T-133 e a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, objetos do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão para exploração ou reabilitação e produção de petróleo e gás natural. No caso supracitado, o Juízo de origem deferiu o pedido liminar para suspender a assinatura dos contratos relativos aos referidos blocos, por entender que os projetos de oferta de blocos de gás e petróleo para exploração devem ser precedidos de consulta às comunidades indígenas potencialmente atingidas, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No julgamento do referido recurso, mantiveram-se os efeitos da decisão agravada tão somente em relação ao bloco AM-T-133, tendo em vista que tal área é objeto de reivindicação por povos indígenas, ainda em estágio de qualificação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Confira-se: AMBIENTAL. DIREITOS INDÍGENAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL – ANP. LICITAÇÃO. EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS. BLOCOS EXPLORATÓRIOS. CONSULTA PRÉVIA AOS POVOS INDÍGENAS. CONVENÇÃO 169 DA OIT. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO COM TERRAS INDÍGENAS. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que suspendeu o prosseguimento de licitação de blocos exploratórios de petróleo e gás, sob o fundamento da ausência de consulta prévia às comunidades indígenas prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 2. A consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e tradicionais, prevista na Convenção 169 da OIT, é procedimento indispensável para qualquer empreendimento que possa, de alguma forma, afetar seus interesses, costumes e modos de vida, traduzindo-se em medida assecuratória dos direitos fundamentais dos povos indígenas. 3. As comunidades atingidas devem ser devidamente informadas sobre como o empreendimento as atingirá, sendo o processo informativo e de diálogo de extrema relevância, pois eles servirão de subsídio para a tomada de decisões e apresentação de propostas que visem à mitigação dos potenciais impactos e danos. Para tanto, é imprescindível que se tenha a dimensão exata dos possíveis impactos do empreendimento, pois sem a compreensão dos reais impactos socioambientais potencialmente envolvidos a consulta prévia às comunidades e tribos indígenas não se torna efetiva. 4. No caso dos autos, os empreendimentos sob análise se tratam dos blocos para exploração AM-T-63, AMT- 64, AM-T-107, AM-T-133, arrematados pela empresa ATEM Participações S.A. 5. Nos termos do art. 24 da Lei nº 9.478/97, os contratos para exploração e produção de petróleo e gás natural, em regra, são divididos em duas fases, a de exploração e a de produção. Na fase de exploração, são realizados estudos pelas empresas vencedoras das áreas arrematadas para identificar possíveis reservatórios de petróleo e/ou gás natural, dentro do prazo estabelecido no contrato. Tais estudos envolvem pesquisas para aquisição de dados sísmicos, gravimétricos, magnetométicos, geoquímicos, perfuração e avaliação de poços, dentre outras. 6. Na fase atual do processo de concessão de blocos e áreas para exploração ou reabilitação, a consulta às comunidades indígenas potencialmente atingidas carece das informações necessárias sobre os seus reais impactos, pois, especificamente em relação aos blocos de exploração, ainda não se tem conhecimento a respeito da localização das reservas de petróleo e gás, o que somente será descoberto a partir dos estudos da área, cujas atividades demandarão o licenciamento ambiental pelos órgãos competentes. 7. No caso, considerando que os blocos AM-T-63, AMT- 64 e AM-T-107 não estão sobrepostos a terras indígenas, bem como que a sua concessão para exploração não implica no início imediato das atividades, que ainda demandarão o necessário licenciamento ambiental, por meio do qual serão efetivamente analisados, de forma específica e aprofundada, os impactos e riscos da atividade a ser empreendida, não se afigura legítima a suspensão da contratação e, por conseguinte, do início das atividades de exploração e de estudos. 8. Em relação ao bloco AM-T-133, devem ser mantidos os efeitos da decisão agravada, tendo em vista que uma parcela dessa área é objeto de reivindicação por povos indígenas, ainda em estágio de qualificação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 9. Agravo de instrumento parcialmente provido para reformar a decisão agravada em relação aos blocos AM-T-63, AMT- 64 e AM-T-107, nos termos da fundamentação exposta, a fim de que a ANP possa dar prosseguimento ao processo licitatório, decorrente do leilão do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás, observada a necessária consulta das comunidades indígenas e povos tradicionais que possam ser direta ou indiretamente afetados, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, que deverá ocorrer durante curso do processo de licenciamento ambiental das atividades exploratórias relativas aos referidos blocos, observado o prazo de 08 anos de duração da fase de exploração. Sobre a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, declaro prejudicado o pedido, tendo em vista a análise deste objeto no Agravo de Instrumento nº 1020307-50.2024.4.01.0000. (TRF-1 - AI: 1023817-71.2024.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL Eduardo Martins, Data de Julgamento: 23/10/2024, 5ª Turma, PJe 30/10/2024) – grifo nosso. Por fim, verifica-se que a Constituição Federal, em seu artigo 225, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. A distribuição das competências administrativas para licenciamento ambiental é regulada pela Lei Complementar n° 140/2011, editada em cumprimento ao artigo 23, parágrafo único, da Constituição Federal, que determina a cooperação entre os entes federados na proteção ambiental. Nesse sentido, a referida lei é a norma central para definir a competência no licenciamento ambiental, estabelecendo um critério de preponderância do interesse (nacional, regional ou local). Dispõe, em seu artigo 7°, inciso XIV, que compete à União (IBAMA) executar o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em terras indígenas. Nos seguintes termos: “Art. 7º. São ações administrativas da União: (...) XIV – Executar o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;" Inclusive, a jurisprudência desta Corte Federal reconhece a competência federal para o licenciamento ambiental em casos de impacto em terras indígenas, mesmo que não haja a demarcação formal da área. Neste sentido, in verbis: "DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO MINERAL EM TERRAS INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO (ANM). CANCELAMENTO DE PROCESSOS MINERÁRIOS INCIDENTES EM TERRAS INDÍGENAS NÃO HOMOLOGADAS. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA EXPLORAÇÃO MINERAL. CONSULTA PRÉVIA AOS POVOS INDÍGENAS (CONVENÇÃO 169 DA OIT). LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INAPLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Apelação interposta pela Agência Nacional de Mineração (ANM) contra sentença da 2ª Vara Federal de Santarém/PA que, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), determinou o cancelamento de processos minerários incidentes em terras indígenas, abrangendo terras identificadas, delimitadas, declaradas e homologadas. A ANM defendeu, preliminarmente, a incompetência para o cancelamento das portarias de lavra, a ausência de interesse processual e a necessidade de litisconsórcio passivo necessário. No mérito, pediu a limitação da tutela às terras homologadas, argumentando que a suspensão dos processos minerários seria suficiente até a devida regulamentação constitucional. 2. A questão em discussão consiste em avaliar (i) se a ANM tem competência para cancelar ou indeferir processos minerários incidentes sobre terras indígenas sem regulamentação constitucional específica e (ii) se há necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário com as empresas titulares dos direitos minerários. 3. A Constituição Federal, em seus artigos 176, §1º, e 231, §3º, condiciona a exploração de recursos minerais em terras indígenas à autorização do Congresso Nacional e à consulta prévia às comunidades afetadas. Inexiste regulamentação legislativa para exploração em tais áreas, impossibilitando a continuidade dos processos minerários. 4. O art. 231, §6º, da CF/1988 estabelece que atos que envolvam exploração mineral em terras indígenas sem a devida regulamentação são nulos de pleno direito, corroborando a decisão de cancelar os processos minerários em questão. 5. A ANM tem competência para cancelar ou indeferir processos minerários que contrariem a legislação vigente, incluindo aqueles sobre áreas protegidas. O art. 2º, inciso XV, da Lei nº 13.575/2017 atribui à ANM a função de decidir sobre direitos minerários, conforme a legislação aplicável. 6. Quanto ao litisconsórcio passivo necessário, a jurisprudência pátria entende que este se aplica apenas em situações em que a lei ou a natureza da relação jurídica o exigem, o que não é o caso. Os titulares dos direitos minerários são apenas interessados reflexos e não possuem legitimidade para autorizar exploração em terras indígenas. 7. O direito dos povos indígenas sobre suas terras é originário e reconhecido constitucionalmente, sendo desnecessária a homologação para que esse direito tenha eficácia plena. A demarcação é meramente declaratória e não cria novos direitos. 8. Recurso desprovido. Sentença mantida." (AC 1006941-48.2019.4.01.3902, Relator JUIZ FEDERAL JOAO PAULO PIROPO DE ABREU, Quinta Turma, PJe 13/12/2024) - grifo nosso. O princípio da precaução, norteador do direito ambiental, preconiza que a incerteza científica não deve ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação ambiental. Assim, no presente caso, o licenciamento ambiental das áreas que impactam diretamente a comunidade indígena é de competência do IBAMA, independentemente da fase da demarcação, conforme o critério de interesse nacional. *** Em face do exposto, dou parcial provimento ao Agravo de Instrumento, para autorizar a continuidade das obras nos trechos que não impactam diretamente a comunidade indígena, garantindo a execução das atividades necessárias à viabilidade econômica do projeto. As obras nos trechos que impactam diretamente a comunidade indígena Laranjeiras do Povo Gamela, situada no Município de Currais, a ser apurado pelo juízo de origem, nos termos do artigo 932, inciso I, do CPC, deverão permanecer suspensas, até que sejam realizadas: a) consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção nº 169 da OIT; b) elaboração e submissão do Estudo de Componente Indígena (ECI) à FUNAI; c) regularização do licenciamento ambiental junto ao IBAMA, incluindo a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). É o voto. Desembargador Federal EDUARDO MARTINS Relator PODER JUDICIÁRIO FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Gab. 13 - DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1001916-13.2025.4.01.0000 Processo de origem: 1006535-33.2024.4.01.4005 AGRAVANTE: CONSORCIO HIDROS / OTIMA AGRAVADO: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA DO IBAMA. OBRAS DE RODOVIA ESTADUAL EM ÁREA HABITADA POR COMUNIDADE INDÍGENA. NECESSIDADE DE CONSULTA PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA. CONVENÇÃO Nº 169 DA OIT. SUSPENSÃO PARCIAL DAS OBRAS. PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que determinou a paralisação total das obras de implantação e pavimentação da rodovia estadual PI-392, bem como a suspensão das licenças ambientais concedidas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (SEMARH-PI), sob alegação de ausência de consulta prévia à comunidade indígena Aldeia Laranjeiras, afetada pelo empreendimento. 2. Nos termos da Lei Complementar nº 140/2011, compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) o licenciamento ambiental de empreendimentos localizados em terras indígenas, independentemente do estágio de demarcação. Assim, o licenciamento da área impactada diretamente pela comunidade indígena deve ser processado junto ao órgão federal competente. 3. A consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas e tradicionais, prevista na Convenção nº 169 da OIT, constitui requisito obrigatório para a instalação de empreendimentos que possam afetar seus modos de vida, cultura ou território. No caso concreto, existem elementos de que a Aldeia Laranjeiras, do povo Gamela, encontra-se em processo de reconhecimento territorial pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), o que reforça a necessidade de observância do referido procedimento. 4. A continuidade das obras nos trechos que afetam diretamente a comunidade deve ser condicionada à realização da consulta prévia, conduzida nos moldes estabelecidos pela Convenção nº 169, com a participação das instituições representativas dos povos indígenas e demais órgãos competentes, como a FUNAI e o IBAMA. 5. A decisão agravada impôs a suspensão total do empreendimento e das licenças ambientais, o que, embora tenha o propósito legítimo de proteger os direitos indígenas, acarreta impactos econômicos e sociais significativos. A rodovia PI-392 é infraestrutura essencial para a economia da região, facilitando o escoamento da produção agrícola e o acesso da população a serviços básicos. Assim, a suspensão total das obras não configura a medida menos gravosa para solucionar o conflito. 6. À luz do princípio da proporcionalidade, impõe-se a revisão da decisão agravada, autorizando a continuidade das obras nos trechos que não afetam diretamente a comunidade indígena, cuja delimitação deverá ser apurada pelo juízo de origem, nos termos do art. 932, inciso I, do CPC. Permanece suspensa, entretanto, a execução das obras nas áreas que impactam os povos supracitados. 7. As obras foram autorizadas mediante licenciamento ambiental expedido pela SEMARH-PI, com a concessão da Licença Prévia nº 01645-9/2021 (Id 2142258559) e da Licença de Instalação nº 05081-4/2022 (Id 2142258566), o que corrobora a ausência de impedimento quanto à continuidade do empreendimento nas áreas não reivindicadas por comunidades indígenas. 8. Agravo de Instrumento parcialmente provido, para autorizar a continuidade das obras nos trechos que não impactam diretamente a comunidade indígena, a ser apurado pelo juízo de origem, nos termos do artigo 932, inciso I, do CPC, enquanto permanecem suspensas as obras nos trechos afetados até que sejam realizados: a) consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção nº 169 da OIT b) Estudo de Componente Indígena (ECI) submetido à avaliação da FUNAI; c) regularização do licenciamento ambiental junto ao IBAMA, incluindo EIA/RIMA. ACÓRDÃO Decide a Quinta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao Agravo de Instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal EDUARDO MARTINS Relator
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