Resultados para "1008114-97.2023.8.26.0229" – Página 33 de 33

Processo nº 1009166-20.2024.8.26.0286

ID: 332386936

Tribunal: TJSP Órgão: Foro de Itu - Juizado Especial Cível Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública Nº Processo: 1009166-20.2024.8.26.0286

Data de Disponibilização: 23/07/2025

Polo Ativo:

AELITA MARTINEZ MENDIOLA CLAUDIA REGINA DONANZAM ELIANA DE TOLEDO ALMEIDA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

FERNANDA GOMES DE OLIVEIRA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

FABIANO SOBRINHO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ANDRÉ JÚNIOR SOARES DOS SANTOS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

Processo 1009166-20.2024.8.26.0286 - Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública - Adicional por Tempo de Serviço - Aelita Martinez Mendiola - - Claudia Regina Donanzam - - Eliana de Toledo… Processo 1009166-20.2024.8.26.0286 - Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública - Adicional por Tempo de Serviço - Aelita Martinez Mendiola - - Claudia Regina Donanzam - - Eliana de Toledo Almeida - Vistos. Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, da lei n° 9.099/95, cumpre registrar que as autoras ajuizaram ação contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, objetivando, em síntese, o correto cálculo do adicional por tempo de serviço (quinquênios), nos termos do artigo 129, da Constituição Estadual, aplicando-se os índices também sobre a Gratificação por Dedicação Exclusiva (GDE), Piso Salarial Docente - abono complementar (Decreto 62500/17), Adicional por Complexidade de Gestão (ACG) e Abono de Permanência, e, em consequência, a condenação da ré ao apostilamento dos títulos com o pagamento das diferenças vencidas e vincendas, acrescidas de correção monetária e juros legais. A ação é parcialmente procedente. Trata-se de matéria já pacificada por nossa jurisprudência a de que a sexta-parte deverá incidir sobre o vencimento padrão dos servidores, acrescidos das vantagens de caráter permanente, já incorporadas ao salário. No caso em cotejo, verifica-se que o benefício vinha sendo calculado apenas sobre o salário-base, e não sobre os vencimentos integrais (vencimento base acrescido de todas as demais vantagens de caráter permanente, tais como adicionais, gratificações, etc.). Neste diapasão, estabelece o artigo 129, da Constituição Estadual, que: Artigo 129 Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo, por qüinqüênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos 20 anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no art. 115, XVI, desta Constituição. E, sobre a matéria, prevê a Constituição Federal: Art. 37- A administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XIV os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores; (redação da EC 19/98). A interpretação que se empresta a tais dispositivos é a de que, ao dispor sobre vencimentos integrais, a Constituição Estadual referiu-se ao salário-base acrescido das vantagens já incorporadas ao salário do servidor, excluindo-se, por força da vedação contida no inciso XIV, do artigo 37, da Constituição Federal, aquelas de caráter transitório ou eventual, evitando-se, assim, o efeito cascata, vedado pela norma em cotejo. Neste sentido, por todos, cito o seguinte precedente: A questão acerca do conceito de vencimentos já foi dirimida pelo julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n° 193.485-1/6-03, no qual 'A sexta-parte deve incidir sobre todas as parcelas componentes dos vencimentos, entendendo-se por vencimentos integrais o padrão mais as vantagens efetivamente recebidas, salvo as eventuais. Ademais, não se vislumbra infringência ao artigo 37, X, da CF, porque da integralidade dos vencimentos estão afastadas as verbas eventuais, logo a sua amplitude apenas se refere aos valores que efetivamente perfazem a remuneração, ou seja, o padrão e as vantagens que a integrem automaticamente ou mediante determinação legal expressa (TJ/SP 1ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível n° 281.436.5/9, Relator o Desembargador Oscarlino Moeller, julgamento em 26.04.2005). No que diz respeito ao adicional por tempo de serviço (quinquênio), embora o citado dispositivo da Constituição Estadual não faça menção a vencimentos, no plural, no que foi seguido pelo disposto nos artigos 127, da Lei n° 10.261/68 (Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais) e 31, da LCE 836/97, ambos a fazer referência a vencimento, tem-se que a matéria já se encontra pacificada após posicionamento preconizado na Assunção de Competência na Apelação nº 844.381.5/0-00, que, julgada nos termos do artigo 555, do CPC, estabeleceu o entendimento dominante na Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Entendeu-se, naquela assentada, que as verbas estabelecidas pela Fazenda Pública Estadual que, na verdade, nada têm de eventuais ou específicas e, bem por isso, não passam de aumento disfarçado de salário, incorporam-se ao salário-base do servidor, subsumindo-se, também elas, ao conceito de vencimento, no singular, de tal forma que devem compor a base de cálculo do ATS. Confira-se ementa e trecho do voto: Servidor Público Estadual Inativos Disputa por base de cálculo para adicional por qüinqüênios Imensidão no número de feitos Matéria de intensa repercussão e grande interesse Diversidade de interpretações Resultados díspares a serem evitados Necessidade, ainda, de se evitar proliferem ações com a mesma busca Julgamento na forma do §1º do artigo 555 do Código de Processo Civil. Assunção de Competência que se impõe. Servidor Público Estadual. Inativos. Cômputo de adicional por qüinqüênios. Base para o cálculo. Inteligência da expressão vencimentos integrais, inclusive para formação de provento de aposentadoria. Direito reconhecido para procedência da pretensão. Sentença que se mantém. Recurso da ré a que se nega provimento. Reexame necessário desprovido. (...) Essa circunstância não passa, deveras, de aumento disfarçado do vencimento, no singular, ainda que sob rubrica vencimentos, no plural. E fugir dessa conclusão não se tem como. (...) Conclui-se estar a busca dos autores legalmente amparada, para serem reconhecidas as gratificações como concessões de aumento salarial, não com a natureza que o nome delas poderia indicar. Houve, em verdade, alteração do vencimento, por aumento salarial a partir de cada um desses benefícios. Se assim é, como de fato e de direito é, também sobre eles haverá cálculo do adicional temporal, ou seja, quinquênios, sem que aqui recaia a sexta-parte, evitando-se situação constitucionalmente proibida, o chamado efeito cascata ou repique." (TJ/SP Turma Especial de Direito Público - Assunção de Competência na Apelação nº 844.381.5/0-00 Relator o Desembargador Borelli Thomaz julgado em 01 de outubro de 2.009) Neste sentido, ainda, precioso precedente da 11ª Câmara de Direito Público: "SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. QUINQUÊNIOS. Sequer antes da vigência da Ec nº 19/1998 era caso de estender aos quinquênios a referência que, no art. 129, CESP-1989, se fazia aos "vencimentos integrais" como base de cálculo da sexta-parte. Não é demasiado observar, em acréscimo, que esse art. 129 da Cesp se derrogou com a eficácia da Ec nº 19. A base de incidência dos quinquênios é o vencimento básico. O problema real remanescente está em dizer que coisa é esse vencimento. Essa dificuldade é tributária da circunstância de que alguns aportes pecuniários, que a lei designa gratificações ou adicionais, constituem, na verdade, reajustes remuneratórios. E, nessa condição, integram o vencimento. Algumas das "gratificações" remuneratórias não constituem vantagem convergente ao vencimento, mas, isto sim, reajustes desse estipêndio. Por isso, não se juntam a ele, senão que inerem nele. Basta ver que são "gratificações" concedidas de modo geral, sem corresponder a atuação singularizada. Provimento da remessa necessária e da apelação fazendária." (TJ/SP 11ª Câmara de Direito Público Apelação n° 1000401-32.2014.8.26.0053 Relator o Desembargador Ricardo Dip g.n.) É de se verificar, pois, se as gratificações em testilha consubstanciam-se em verba de caráter eventual ou não passam de aumento disfarçado de vencimentos, hipótese em que deverão compor a base de cálculo dos quinquênios. Pois bem. No que tange ao benefício denominado Piso Salarial Docente, cuida-se, nos termos do artigo 1°, do Decreto 62500/17 (em atendimento ao estabelecido pela Lei Federal n° 11.738/08), de complemento que visa a equiparar o vencimento do servidor ao piso salarial profissional, tratando-se, portanto, de verba de caráter remuneratório, integrando-se aos vencimentos do servidor. Neste sentido: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Servidor público estadual - Cumprimento de sentença - Insurgência contra decisão que indeferiu o pedido de inclusão da GDPI e do Piso Salarial Docente na base de cálculo do adicional por tempo de serviço - GDPI prevista na Lei Complementar Estadual nº 1.164/2012 - Vantagem que tem nítido caráter contingente e não permanente, de forma que não pode ser considerada para efeito dos adicionais temporais - Piso salarial - Verba que tem natureza de reajuste do salário base do servidor, não possuindo caráter eventual - Inclusão na base de cálculo do adicional por tempo de serviço - Possibilidade - Recurso parcialmente provido." (TJ/SP - 1ª Câmara de Direito Público - Agravo de Instrumento n° 2184178-21.2021.8.26.0000 - Relator o Desembargador Marcos Pimentel Tamassia - julgado em 14 de setembro de 2021 - grifei). A Gratificação de Dedicação Exclusiva (GDE), de seu turno, criada em substituição à antiga Gratificação por Dedicação Plena e Integral (GDPI), vem prevista pelos artigos 61 a 65, da Lei Complementar n° 1.374/22, e é paga somente aos docentes integrantes das equipes gestoras em Regime de Dedicação Exclusiva em exercício nas escolas estaduais do Programa Ensino Integral PEI, atividade de natureza transitória que faz com que o benefício se caracterize como pro labore faciendo. Neste sentido: "Servidora Pública Estadual.Professorade Educação Básica II (PEB II). Pretensão ao recebimento de adicional por tempo de serviço calculado sobre a GDPI - Gratificação de Dedicação Plena e Integral e aGDE- Gratificação deDedicação Exclusiva. Admissibilidade com relação ao GDPI. Direito reconhecido, com incidência sobre todas as vantagens não eventuais ou ocasionais, vedados o 'efeito cascata' ou 'repique' e a recíproca incidência. Em relação aoGDE, a verba é condicionada à prestação de serviços em condições excepcionais, já que os docentes e integrantes das equipes gestoras em Regime deDedicação Exclusivadevem estar em exercício nas escolas estaduais do Programa Ensino Integral. Vantagem 'pro labore faciendo', que não integra abase de cálculodo adicional temporal. Sentença de parcial procedência. Reforma apenas parcial. Recurso oficial, considerado interposto, não provido, e voluntário da autora provido em parte." (TJ/SP - 10ª Câmara de Direito Público - Apelação Cível n° 1008114-52.2022.8.26.0223 - Relator o Desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez - julgado em 30 de agosto de 2023 - grifei). O mesmo ocorre com o Adicional de Complexidade de Gestão (ACG), que, instituído pela Lei Complementar Estadual n° 1.374/22, é pago aos titulares de cargo de Professor de Ensino Fundamental e Médio designados para funções de Especialista em Educação, tal como especificadas no artigo 7°, da referida lei, atividade também transitória, o que se espelha na natureza eventual da verba em questão, que não é paga a todos os integrantes da carreira, mas apenas àqueles que exercem atividades em condições especiais. Neste sentido: "SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.Professorde Educação Básica II. Pretensão à inclusão do Adicional de Local de Exercício (ALE) e doAdicional de Complexidade de Gestão(ACG) nabase de cálculodos adicionais temporais. Inadmissibilidade. Não incidência sobre vantagens "pro labore faciendo". Inteligência dos arts. 1º e 3º da LCE nº 669/91 e da Súmula nº 120 deste Tribunal, bem como dos arts. 52, 56 e 58 da LCE nº 1.374/22. Recurso não provido." (TJ/SP - 7ª Câmara de Direito Público - Apelação Cível n° 1008466-09.2023.8.26.0309 - Relator o Desembargador Coimbra Schmidt - julgado em 9 de novembro de 2023). Já o Abono de Permanência é devido, nos termos do artigo 40, § 19, da Constituição Federal, ao servidor que "tenha completado as exigências para a aposentadoria voluntária e que opte por permanecer em atividade (...) até completar a idade para aposentadoria compulsória", de onde se conclui que se cuida de verba paga de maneira temporária e excepcional, enquanto perdurarem as condições ali previstas, não devendo, portanto, integrar a base de cálculo dos adicionais temporais. Neste sentido: "DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÁLCULO DA SEXTA-PARTE. PROVIMENTO. I. Caso em Exame 1. Agravo de Instrumento interposto contra decisão que rejeitou a impugnação apresentada pela Fazenda Pública, homologando o laudo pericial que incluiuAbono de Permanênciae Adicional de Local de Exercício nabase de cálculoda sexta-parte. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se oAbono de Permanênciae o Adicional de Local de Exercício devem compor abase de cálculoda sexta-parte dos vencimentos integrais doservidor público estadual. III. Razões de Decidir 3. O artigo 129 da Constituição Estadual de São Paulo assegura aoservidor público estaduala sexta-parte dos vencimentos integrais, excluindo-se apenas as vantagens eventuais. 4. OAbono de Permanência, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, possui caráter transitório e não deve ser incluído nabase de cálculoda sexta-parte. 5. O Adicional de Local de Exercício, por sua natureza específica e transitória, também não deve compor abase de cálculoda sexta-parte, conforme jurisprudência consolidada deste Tribunal. IV. Dispositivo e Tese 6. Dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para subtrair do cálculo os valores relativos aoAbono de Permanênciae ao Adicional de Local de Exercício dabase de cálculoda sexta-parte. Tese de julgamento: 1. OAbono de Permanênciae o Adicional de Local de Exercício, por sua natureza transitória, não integram abase de cálculoda sexta-parte dos vencimentos integrais doservidor público estadual." (TJ/SP - 4ª Câmara de Direito Público - Agravo de Instrumento n° 3000830-41.2025.8.26.0000 - Relatora a Desembargadora Ana Liarte - julgado em 5 de março de 2025). Do exposto, julgo parcialmente procedente a ação, para condenar a ré: a) ao recálculo do adicional por tempo de serviço (quinquênio) da autora Cláudia Regina Donanzam, a fim de incluir, na base de cálculo, o Piso Salarial Docente - Abono Complementar (Decreto 62500/17); b) ao pagamento das diferenças encontradas com relação às parcelas vencidas e pagas a partir de outubro de 2009 (por força da prescrição quinquenal, observandos-se, à luz dos holerites, juntados, a data em que efetivamente se iniciaram os pagamentos do benefício (nos meses em que o quinquênio, a sexta-parte ou os benefícios citados não foram pagos, não há falar em diferença), bem como aquelas vencidas no curso da demanda, até a efetiva implantação dos pagamento dos benefícios de acordo com os critérios estampados no item a, sendo que sobre eles incidirão juros de mora na forma do artigo 1°-F, da Lei 9.494/97 (redação dada pela Lei n ° 11.960/09), a contar da citação, e correção monetária de acordo com o IPCA-E, a partir de cada vencimento tudo nos termos do decidido no Recurso Extraordinário de n° 870.947, pelo eg. STF, até 09.12.2021, quando, com a vigência da EC 113/2021, deverá incidir a taxa Selic. Com isso, julgo extinto o feito, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem condenação em custas e honorários. No sistema dos Juizados Especiais, em caso de interposição do Recurso Inominado, deverá ser elaborada certidão antes da remessa dos autos ao Colégio Recursal. Ressalvada a hipótese de concessão de gratuidade da justiça, o preparo corresponderá: a) à taxa judiciária de ingresso, no importe de 1,5% sobre o valor atualizado da causa, observado o valor mínimo de 5 (cinco) UFESPs, a ser recolhida na guia DARE; b) à taxa judiciária referente às custas de preparo, no importe de 4% sobre o valor fixado na sentença, se líquido, ou sobre o valor fixado equitativamente pelo MM. Juiz de Direito, se ilíquido ou ainda 4% sobre o valor atualizado atribuído à causa na ausência de pedido condenatório, observado o valor mínimo de 5 (cinco) UFESPs, a ser recolhida na guia DARE; c) às despesas processuais referentes a todos os serviços forenses eventualmente utilizados (despesas postais, diligências do Oficial de Justiça, taxas para pesquisas de endereço nos sistemas conveniados, custas para publicação de editais etc.), d) os honorários do conciliador, caso tenha havido audiência de conciliação entre as partes do processo; a serem recolhidas na guia FEDTJ, à exceção das diligências de Oficial de Justiça, que deverão ser colhidas na guia GRD, e dos honorários do conciliador, a serem recolhidos mediante guia de depósito judicial. O preparo será recolhido de acordo com os critérios acima estabelecidos independente de cálculo elaborado pela serventia que apenas será responsável pela conferência dos valores e elaboração da certidão para juntada aos autos. P.R.I.C. Cotia, . Eduardo de Lima Galduróz Juiz de Direito - ADV: ANDRÉ JÚNIOR SOARES DOS SANTOS (OAB 478526/SP), ANDRÉ JÚNIOR SOARES DOS SANTOS (OAB 478526/SP), FABIANO SOBRINHO (OAB 220534/SP), FERNANDA GOMES DE OLIVEIRA (OAB 462682/SP), FERNANDA GOMES DE OLIVEIRA (OAB 462682/SP), FABIANO SOBRINHO (OAB 220534/SP), FABIANO SOBRINHO (OAB 220534/SP), ANDRÉ JÚNIOR SOARES DOS SANTOS (OAB 478526/SP), FERNANDA GOMES DE OLIVEIRA (OAB 462682/SP)

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

P. H. C. M. S. A. e outros x Unimed Cuiabá Cooperativa De Trabalho Médico

ID: 307046507

Tribunal: TJMT Órgão: 7ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1008114-62.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 25/06/2025

Polo Ativo:

P. H. C. M. S. A. VICTOR BRUNO SACCHI ALVES

Polo Passivo:

UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

Sentença

Advogados:

JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

EMANOEL GOMES DE SOUSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

Processo nº 1008114-62.2024.8.11.0041 (h) VISTOS, P. H. C. M. S. A. representado por VICTOR BRUNO SACCHI ALVES propôs AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER E CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNC… Processo nº 1008114-62.2024.8.11.0041 (h) VISTOS, P. H. C. M. S. A. representado por VICTOR BRUNO SACCHI ALVES propôs AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER E CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA INAUDITA ALTERA PARS em desfavor de UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. Narra o Requerente que possui plano de prestação de serviços médicos hospitalar com a Requerida desde 22/04/2016, com código de beneficiário nº 0566851001781000, em dia com os pagamentos e sem carências. Assevera que possui diagnostico de Transtorno do Espectro Autista, sendo indicado para o seu caso pelo médico: Psicóloga infantil para tratamento intensivo com intervenções baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA refere-se ao termo em inglês Applied Behavior Analysis) – de maneira estruturada, com profissionais especializados (psicólogo, atendente terapêutico – AT), em ambiente de clinica, escola e domicilio: 20 horas semanais. Obs: as horas descritas devem ser divididas no ambiente escolar, clinica e escola, conforme descrito em literatura médica. A criança necessita com urgência de atendente terapêutica no ambiente escolar. (destaque nosso). 2. Sessão com fonoaudióloga com ênfase em terapia de linguagem: 2 horas por semana. 3. Sessão com terapia ocupacional com ênfase em integração sensorial, seletividade alimentar e atividades de vida diária: 2 horas por semana. 4. Psicomotricidade 1 hora por semana. 5. Psicopedagoga 2 horas por semana. Relata que a partir do diagnóstico o Requerente realizou o pedido administrativo junto a Ré. Passados 05 meses do diagnóstico, mesmo constando no laudo a urgência sob pena de danos irreversíveis, até o presente momento a Requerida não autorizou todos os tratamentos indicados. Por fim, requer a concessão de TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, para que a Requerida autorize/ custeie o tratamento pendente conforme orientação técnica, seja na rede credenciada ou não credenciada, se abstenha de cobrar a coparticipação para o tratamento do autismo do Requerente, bem como se abstenha de limitar o número de sessões durante o tratamento, cumprindo integralmente o número prescrito pela neuropediatra. E no mérito, a procedência dos pedidos, condenando a Ré na obrigação de fazer consistente em autorizar/ custear o tratamento pendente conforme orientação técnica, seja na rede credenciada ou não credenciada; condenando a Ré na obrigação de não fazer para que se abstenha de cobrar a coparticipação para o tratamento do autismo da Requerente, bem como se abstenha de limitar o número de sessões durante o tratamento, cumprindo integralmente o número prescrito pela neuropediatra, além dos benefícios da justiça gratuita. Decisão de ID. 143229772, deferindo PARCIALMENTE O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, para que a parte Requerida autorize e custeie integralmente, sem que haja acréscimo da fatura a título de coparticipação, exclusivamente em ambiente clínico, no prazo de 5 (cinco) dias, os seguintes tratamentos, para o segurado registrado sob o número 0.056.685-100178100-0., concedendo os benefícios da justiça gratuita e determinando a citação do Requerido. A parte Requerida interpôs Agravo de Instrumento nº 1007984-98.2024.8.11.0000, o qual foi parcialmente provido para reconhecer a legalidade da cláusula de coparticipação, porém a cobrança deverá ser limitada em até 2 vezes o valor da mensalidade (ID. 161513105). Audiência de conciliação realizada no dia 22/07/2024, sem êxito (ID. 162987131). Contestação apresentada pelo Requerido de ID. 164786169, arguindo a preliminar de defeito na representação processual, ausência de interesse processual, e no mérito, requerendo a improcedência dos pedidos. Impugnação a contestação de ID. 168605895. A parte Autora informou que não possui novas provas a produzir (ID 171057426). A Requerida, por sua vez, pugnou pelo julgamento antecipado da lide, por entender que a matéria é de direito e não necessita de produção de outras provas (ID 170773161). Parecer do Ministério Público no ID. 189333568. Os autos vieram conclusos para sentença. É O RELATÓRIO DECIDO DA PRELIMINAR DE DEFEITO DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL A Unimed Cuiabá alega que o autor está representado apenas por sua genitora, sendo necessária a representação por ambos os pais. Contudo, tal alegação não merece prosperar. O artigo 71 do Código de Processo Civil estabelece que o incapaz será representado ou assistido por seus pais, tutor ou curador, na forma da lei. O fato de a lei mencionar "pais" no plural não exige, necessariamente, a atuação conjunta de ambos os genitores, especialmente quando não há demonstração de prejuízo ao menor. Ademais, o poder familiar é exercido igualmente pelo pai ou pela mãe, conforme se deduz do art. 226, §5º, da Constituição Federal. Portanto, rejeito a preliminar de defeito de representação processual. DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL A requerida arguiu a ausência de interesse processual, sustentando que não houve negativa prévia de cobertura para a maioria dos tratamentos pleiteados, os quais teriam sido devidamente autorizados e disponibilizados na rede credenciada, conforme as guias de serviço (ID 164786180, ID 164786179, ID 164786178) e o extrato de utilização (ID 164786177). O interesse de agir, ou interesse processual, é uma das condições da ação, conforme o artigo 17 do Código de Processo Civil, e se manifesta pela necessidade e adequação da via judicial para a obtenção do bem da vida pretendido. A necessidade da tutela jurisdicional surge quando há uma pretensão resistida, ou seja, quando o direito material alegado não pode ser satisfeito sem a intervenção do Poder Judiciário. No caso em tela, a requerida apresentou documentos que demonstram a autorização de algumas sessões de terapia, como "CONSULTA INDIVIDUAL AMBULATORIAL, EM TERAPIA OCUPACIONAL" (ID 164786180), "CONSULTA INDIVIDUAL AMBULATORIAL DE FONOAUDIOLOGIA" (ID 164786179) e "CONSULTA EM PSICOLOGIA" (ID 164786178), todas datadas de 02/06/2023, com indicação clínica de TEA. O extrato de utilização (ID 164786177) corrobora a efetiva utilização de sessões de fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia pela "CLINICA GIRASSOIS LTDA" e "JANETE RODRIGUES DA SILVA ME" ao longo do período de março de 2023 a março de 2024, com a incidência de coparticipação. Contudo, a parte autora, em sua impugnação (ID 168605895), refutou a alegação de ausência de negativa, afirmando que o fornecimento do tratamento foi apenas parcial, citando como exemplo a Psicologia método ABA, que foi autorizada em 10 horas semanais, enquanto o laudo da neuropediatra indicava 20 horas. Além disso, a autora reiterou a negativa para Psicopedagogia (2h semanais) e Psicomotricidade (1h semanal), e, crucialmente, para o acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar. A própria contestação da ré (ID 164786169) e a manifestação posterior (ID 170773161) confirmam a negativa de cobertura para o "Acompanhante Terapêutico" em ambiente escolar e domiciliar, sob o argumento de que tal serviço não possui natureza médico-hospitalar e foge do escopo do contrato de plano de saúde. A pretensão resistida se configura não apenas pela negativa total de um serviço, mas também pela negativa de sua integralidade, pela imposição de condições que a parte considera abusivas (como a coparticipação em patamar elevado para tratamento contínuo), ou pela recusa de uma modalidade de tratamento prescrita pelo médico assistente. No presente caso, a divergência sobre a carga horária de terapias, a cobertura de psicopedagogia e psicomotricidade, a modalidade de acompanhamento terapêutico (em ambiente escolar/domiciliar) e a extensão da coparticipação são pontos de clara resistência por parte da operadora, que justificam a intervenção judicial para dirimir a controvérsia. Portanto, há interesse processual da parte autora em buscar a tutela jurisdicional para a definição da extensão da cobertura e da legalidade da cobrança de coparticipação, especialmente no que tange aos tratamentos para Transtorno do Espectro Autista, que demandam intervenção contínua e intensiva. A preliminar de ausência de interesse processual é, assim, rejeitada. DO MÉRITO Com fulcro na permissão legal do artigo 370 do CPC, sobretudo considerando ser o juiz destinatário das provas, por estar suficientemente convencido sobre os pontos controvertidos, tomando por base as provas carreadas no caderno processual, passo a sentenciar o feito, na forma do inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil. Cumpre ressaltar que à relação jurídica entabulada entre a parte autora e a parte ré deve ser aplicado o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, conforme dispõe o Enunciado n.º 469 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde". Além disso, o contrato em questão é notoriamente de adesão, modalidade de contrato essa em que não há espaço para o aderente discutir ou modificar cláusulas restritivas de cobertura, posto que estabelecidas unilateralmente pela administradora do plano de saúde, no caso, a parte Requerida. Ressalte-se, por fim, que a saúde, como bem relevante à vida e à dignidade da pessoa humana, foi elevada pela atual Constituição da República à condição de direito fundamental do homem, impondo às administradoras de plano de saúde o dever de agir com boa-fé, tanto na elaboração, quanto no cumprimento do contrato. Feitas tais considerações, passo à análise do caso concreto. A parte autora, diagnosticada com TEA, necessita de acompanhamento intensivo e contínuo, conforme laudo médico. A operadora, por sua vez, alegou que os tratamentos foram autorizados dentro da rede credenciada, mas em carga horária inferior à prescrita para Psicologia ABA, e negou a cobertura para o acompanhante terapêutico em ambiente escolar e domiciliar. Pois bem. A controvérsia central reside na extensão da cobertura dos tratamentos multidisciplinares para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) do autor, incluindo a carga horária de Psicologia ABA, a cobertura de Psicopedagogia e Psicomotricidade, e a inclusão do Acompanhante Terapêutico em ambiente escolar e domiciliar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão regulador do setor, tem evoluído em suas normativas para garantir a assistência integral aos beneficiários com TEA. A Resolução Normativa nº 465/2021, alterada pela Resolução Normativa nº 539/2022, é um marco nesse sentido. O § 4º do artigo 6º da RN nº 465/2021, incluído pela RN nº 539/2022, estabelece que "Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente." Essa alteração normativa é de suma importância, pois afasta qualquer limitação quanto ao método ou técnica a ser empregado no tratamento do TEA, desde que indicado pelo médico assistente. Além disso, a RN nº 469/2021, que alterou a RN nº 465/2021, garantiu aos beneficiários com TEA acesso a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, somando-se à cobertura ilimitada já assegurada para fisioterapeutas. A RN nº 541/2022, por sua vez, excluiu as Diretrizes de Utilização (DUT) para consultas e sessões com esses profissionais, reforçando a ausência de limites de sessões. O Parecer Técnico nº 39/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022 da ANS (ID 170773187), juntado pela própria requerida, corrobora esse entendimento, ao afirmar que o Rol vigente contempla procedimentos que visam assegurar a assistência multidisciplinar dos beneficiários com TEA, os quais têm cobertura obrigatória em número ilimitado, uma vez indicados pelo médico assistente. O Parecer destaca que "o referido Rol, em regra, não descreve a técnica, abordagem ou método clínico/cirúrgico/terapêutico, a ser aplicado nas intervenções diagnóstico-terapêuticas a agravos à saúde sob responsabilidade profissional, permitindo a indicação, em cada caso, da conduta mais adequada à prática clínica." A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem acompanhado essa evolução normativa, reconhecendo a abusividade de cláusulas contratuais que limitam o número de sessões de terapias multidisciplinares para o tratamento de autismo. O REsp 2.043.003/SP, julgado em 21 de março de 2023, citado pela parte autora (ID 168605895), é um exemplo claro, ao decidir pela obrigatoriedade de cobertura do tratamento multidisciplinar – inclusive com musicoterapia – para pessoa com TEA, e a possibilidade de reembolso integral das despesas feitas pelo beneficiário do plano de saúde fora da rede credenciada em casos de inexecução contratual. A Ministra Relatora Nancy Andrighi destacou que, após várias manifestações da ANS reconhecendo a importância das terapias multidisciplinares, a agência publicou a RN 539/2022, ampliando as regras de cobertura. Diante desse panorama, é imperioso reconhecer o direito do autor à cobertura integral das terapias multidisciplinares prescritas pelo médico assistente, sem limitação de carga horária para as sessões de Psicologia (método ABA), Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicopedagogia e Psicomotricidade, desde que realizadas em ambiente clínico ou por meio de telessaúde, por profissionais habilitados da área da saúde. A alegação da ré de que a Psicologia ABA foi autorizada em 10 horas semanais, quando o laudo médico indicava 20 horas, configura uma negativa parcial de cobertura que deve ser afastada. A questão da cobertura do Acompanhante Terapêutico (AT) em ambiente escolar e domiciliar demanda uma análise mais aprofundada, considerando a natureza específica desse serviço e as disposições normativas e jurisprudenciais. A requerida sustentou que o AT em ambiente escolar e domiciliar não possui natureza médico-hospitalar, mas sim pedagógica, e que, portanto, foge do escopo do contrato de plano de saúde. Para fundamentar sua tese, a ré invocou os Pareceres Técnicos nº 25/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022 (ID 170773188) e nº 39/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022 (ID 170773187) da ANS, bem como a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) e o Decreto nº 8.368/2014, que atribuem à instituição de ensino a obrigação de disponibilizar acompanhante especializado para alunos com TEA. O Parecer Técnico nº 25/2022 da ANS (ID 170773188) define o Acompanhamento Terapêutico (AT) como um atendimento, "em regra, realizado no ambiente do paciente (casa, escola, outros espaços de convivência familiar e/ou social), ou seja, fora da clínica ou estabelecimento de saúde". Conclui, de forma expressa, que "a cobertura do Acompanhante Terapêutico em ambiente escolar e/ou domiciliar não está contemplada no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e, portanto, não possui cobertura obrigatória pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde." De forma complementar, o Parecer Técnico nº 39/2022 da ANS (ID 170773187) reitera que a garantia de cobertura de atendimentos para TEA está condicionada à "Execução em estabelecimento de saúde ou por meio de telessaúde, nos moldes da legislação vigente" e à "Execução durante a realização de procedimentos com cobertura prevista no Rol (consultas ou sessões com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos ou outros)". O mesmo parecer é categórico ao afirmar que "procedimentos realizados fora desses critérios, tais como atendimentos em domicílio/escola/outros ambientes, atendimentos realizados por profissionais que não são da área da saúde ou que não estão no seu exercício profissional, prescrição de atendimento não relacionado a procedimento previsto no Rol, entre outros, não terão cobertura obrigatória pelas operadoras, seja por meio de rede própria/credenciada, seja por meio de reembolso, nos planos com opção de livre escolha de prestador." A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se alinhado a esse entendimento. O REsp 2.064.964/SP, julgado em 20/02/2024 (ID 189333568), embora tenha reconhecido a cobertura de psicopedagogia quando realizada em ambiente clínico por profissionais da saúde, foi explícito ao afastar a obrigação de cobertura para "acompanhamento em ambiente escolar e/ou domiciliar ou realizado por profissional do ensino". O acórdão do TJMT (AI: 10046880520238110000), citado pela requerida (ID 170773161), também aponta que "A cobertura de acompanhamentos domiciliares e no ambiente escolar demanda dilação probatória para amplo esclarecimento dos limites contratuais, pois, a princípio, não são medidas de natureza médico-hospitalar, em que se insere a ré." A distinção é crucial: enquanto as terapias multidisciplinares (psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia, psicomotricidade) visam à reabilitação e desenvolvimento do paciente no âmbito da saúde, o acompanhante terapêutico em ambiente escolar ou domiciliar, embora de grande valia para o desenvolvimento social e educacional do indivíduo com TEA, possui uma natureza predominantemente pedagógica e de suporte à integração social no cotidiano, que transcende a finalidade médico-hospitalar do plano de saúde. A responsabilidade por esse tipo de acompanhamento, especialmente no ambiente escolar, é legalmente atribuída à instituição de ensino, conforme a Lei nº 12.764/2012 e o Decreto nº 8.368/2014. Assim, por não se enquadrar como procedimento médico-hospitalar e por não ser realizado em estabelecimento de saúde, o acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e/ou domiciliar não se insere na cobertura obrigatória dos planos de saúde, salvo expressa previsão contratual em sentido contrário, o que não foi demonstrado nos autos. No caso em tela, o contrato firmado entre as partes prevê a cobrança de coparticipação. Contudo, a análise do caso concreto revela que a cobrança da coparticipação, da forma como vem sendo realizada, torna o plano de saúde excessivamente oneroso para o autor, inviabilizando a continuidade do tratamento. Ainda, importante ressaltar que o tratamento do autor é contínuo e por tempo indeterminado, o que agrava ainda mais a situação. A cobrança de coparticipação, nesse caso, se torna um fator restritivo ao acesso aos serviços de saúde, o que é vedado pelo CDC. Ora, se a moléstia está inserida no catálogo internacional de doenças, o respectivo tratamento deve ser integralmente coberto pelo plano de saúde contratado pelo autor, nos exatos termos da prescrição médica, e sem limites de sessões, posto que se trata de uma doença crônica e o tratamento é contínuo, diferente quando se refere as terapias de reabilitação, sendo certo que a limitação de quantidade de sessões prevista em contrato inviabiliza o tratamento de saúde do autor e ofende o próprio escopo do contrato. De igual sorte, a cobrança de taxa de coparticipação sobre as sessões excedentes é uma forma indireta de restringir a quantidade de consultar a limitar o tratamento do autor, o que também fere o escopo do contrato firmado entre as partes. Nesse sentido: OBRIGAÇÃO DE FAZER PLANO DE SAÚDE BENEFICIÁRIO PORTADOR DE AUTISMO DOENÇA CRÔNICA QUE NECESSITA DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR CONTÍNUO ENFERMIDADE CLASSIFICADA NO CATÁLOGO INTERNACIONAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE LIMITAÇÕES DE SESSÕES QUE INVIABILIZA O TRATAMENTO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA LIMITATIVA RECONHECIDA LIMITAÇÃO DE SESSÕES E COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO RESTRINGEM, OU ATÉ MESMO INVIABILIZA O TRATAMENTO E CONTRARIA O ESCOPO DO CONTRATO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. (1008116-38.2018.8.26.0554 - Classe/Assunto: Apelação Cível / Planos de Saúde - Relator (a): Erickson Gavazza Marques - Comarca: Santo André - Órgão julgador: 5a Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 10/07/2020 - Data de publicação: 10/07/2020) Considerando a natureza contínua e essencial do tratamento para o Transtorno do Espectro Autista, a imposição de coparticipação em valores que superam a mensalidade do plano configura, de fato, um fator restritivo severo ao acesso à saúde. A solução que se mostra mais equânime e que harmoniza os interesses das partes, bem como os princípios legais e constitucionais envolvidos, é a limitação da coparticipação a um patamar razoável. A limitação a 2 (duas) vezes o valor da mensalidade do contrato, conforme precedente do TJMT e sugerido pelo Ministério Público, permite que o beneficiário tenha previsibilidade dos custos e que a operadora mantenha parte do equilíbrio atuarial, sem, contudo, inviabilizar o acesso ao tratamento. Esta medida assegura a função social do contrato e o direito fundamental à saúde do menor, sem impor um ônus irrestrito à operadora. Ainda que a requerida alegue que o valor da coparticipação se refere a outros beneficiários do plano, tal argumento não se sustenta, porquanto o valor referente ao tratamento do autor já é, por si só, excessivo e desproporcional. Em face dessa sujeição, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, bem como devem ser reputadas nulas, de pleno direito, aquelas relativas ao fornecimento de produtos e serviços que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade, bem como estejam em desacordo com as normas de proteção ao consumidor ou se mostrem exageradas, nos seguintes termos, in verbis: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. [...] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. [grifei] Quanto à coparticipação, não se olvida da possibilidade de cobrança nos planos de saúde, nos termos do art. 16, inciso VIII, da Lei nº 9.656/98, uma vez que implica em redução do risco assumido pela operadora quanto às coberturas oferecidas, bem como reduz o uso de forma indiscriminada das consultas, exames e procedimentos médicos, garantindo a sustentabilidade do equilíbrio contratual e consequente oferta de mensalidades mais módicas para os usuários. Contudo, veda-se a aplicação de fatores de coparticipação que possam limitar o acesso aos serviços de saúde, considerando a sujeição das operadoras ao Código de Defesa do Consumidor, conforme verbete nº 608 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – e consequente vedação de condutas abusivas. Sendo assim, a validade das cláusulas contratuais que preveem a coparticipação dos beneficiários de planos de saúde deverá ser analisada em cada caso, para que possa ser aferido se o percentual implica na inviabilidade de acesso aos serviços contratados, sob pena de desvirtuamento da própria função social do contrato, na forma do que prevê o artigo 51, inciso IV, do CDC. A respeito, assim prevê a Resolução CONSU nº 08/1998: Art. 2º. Para adoção de práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde, estão vedados: [...] VII - estabelecer co-participação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços; [grifei] Considerando que as terapias postuladas (psicóloga, fonoaudióloga, o tratamento multidisciplinar a fim que este supra déficits sociais, e problemas de comportamento), não constam no Rol da ANS, a ausência de previsão contratual afigura-se consequência lógica. Contudo, visando manter o equilíbrio contratual, sobretudo considerando que as mensalidades dos beneficiários são calculadas considerando as coberturas previstas no pacto, entendo que sobre as terapias não previstas no rol da ANS, mas imposta a cobertura à operadora, igualmente devem ser permitidas as cobranças de coparticipação, porquanto seria impossível exigir previsão de cobrança sobre algo que sequer havia previsão de cobertura. Todavia, nota-se que o percentual de 30% cobrado sobre cada sessão das terapias realizadas pela parte autora dificulta muito a continuidade do tratamento, pois restringe o acesso às terapias indicadas para desenvolvimento social da menor. Ressalta-se que o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, quando do julgamento do recurso de apelação nº 10000147-03.2022.8.11.0019, decidiu pela legalidade da cobrança de coparticipação nas terapias para os portadores de transtorno de espectro autista - TEA, porém, impondo um teto de cobrança pelas operadoras, ou seja, “um fator limitador que determina a cobrança da coparticipação fixada em duas vezes o valor do plano contratado”, a fim de não prejudicar o tratamento da parte consumidora, bem como manter o equilíbrio contratual entre as partes. Nesse sentido, colaciono precedente, verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE MENOR DE IDADE – AUTISMO – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA MULTIPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DA COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – RECURSO PARCIALMENTEPROVIDO. Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto” (RAI n. 1032072-82.2021.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 24.02.23). (TJ/MT, Rac 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023)” Desse modo, ao fixar fator de moderação para a participação financeira, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, isto é, a manutenção da saúde, além de garantir o acesso pelo beneficiário aos serviços contratados, ainda que sejam de alto custo. Assim, entendo que a cobrança da coparticipação deve ser limitada a duas vezes o valor da mensalidade do plano contratado, a fim de garantir o acesso do autor ao tratamento de que necessita. ANTE O EXPOSTO, com fulcro no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados na inicial por P. H. C. M. S. A. representado por VICTOR BRUNO SACCHI ALVES, para confirmar a tutela de ID. 143229772, e: a) CONDENAR a UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO a custear integralmente, sem limitação de carga horária, as sessões de Psicologia (método ABA), Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicopedagogia e Psicomotricidade, conforme a prescrição médica; b) DETERMINAR que o Requerido UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO limite a cobrança da coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade do plano contratado pelo autor. Considerando a sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 50% para cada, fixando os honorários em 20% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade em relação ao autor, por ser beneficiário da justiça gratuita. INTIME-SE o Ministério Público. Transitado em julgado, arquive-se. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá/MT, data da assinatura digital. YALE SABO MENDES Juiz de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou 322 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.

Fazer Login para Ver Detalhes