Processo nº 5005846-14.2025.4.03.0000
ID: 306234424
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5005846-14.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIA DE ALMEIDA MACHADO NICOLAU MUSSI
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005846-14.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: E…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005846-14.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: ELAINE MORELATO VILELA FRAGA Advogado do(a) AGRAVADO: JULIA DE ALMEIDA MACHADO NICOLAU MUSSI - SP311117-A OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Cuida-se de agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu o pedido de tutela, em ação de conhecimento na qual pretende a autora o fornecimento do medicamento Luspatercepte 75mg para o tratamento da neoplasia mielodisplásica com displasia em múltiplas linhagens sem sideroblastos em anel que a acomete. Alega a agravante que o medicamento em questão, embora possua registro na ANVISA, não pertence à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME, e não faz parte de programa de medicamentos de Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde – SUS, o que impede, como regra geral, o fornecimento por decisão judicial. Aduz que, consoante informações obtidas no endereço eletrônico da CONITEC, até o presente momento não consta solicitação de incorporação do medicamento Luspatercepte para o tratamento de síndrome mielodisplásica, no âmbito do SUS. Assevera não haver no SUS lista de medicamentos para o tratamento do câncer, pois o cuidado ao paciente é feito de forma integral nas Unidades de Alta Complexidade em Oncologia – UNACON ou Centros de Alta Complexidade em Oncologia – CACON, nos quais o fornecimento de medicamentos é feito via autorização de procedimento de alta complexidade (APAC), conforme os procedimentos tabelados. Assevera ser mister a suspensão dos efeitos da decisão agravada, ou, subsidiariamente seja o cumprimento da decisão direcionado ao Estado ou Município, bem assim que sejam fixadas medidas de contratacautela para o cumprimento da decisão. Inconformada, requer o efeito suspensivo, com posterior reforma da decisão impugnada. DECIDO. Nos termos do artigo 995, parágrafo único, do Código de Processo Civil, a suspensão da eficácia de decisão agravada encontra-se condicionada à presença de dois fatores: a relevância da fundamentação e a configuração de situação capaz de resultar risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, que, neste aspecto, deve ser certa e determinada, capaz de comprometer a eficácia da tutela jurisdicional. Por sua vez, o recurso interposto contra decisão que defere ou indefere pedido de tutela provisória devolve ao órgão julgador apenas o exame da presença ou ausência destes pressupostos legais ensejadores da concessão. Com efeito, dispõe a Constituição Federal: "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Parágrafo Único. O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recurso do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes." Infere-se daí, competir ao Estado a garantia da saúde, mediante a execução de política de prevenção e assistência à saúde, disponibilizando os serviços públicos de atendimento à população. Nesse mister, a Constituição Federal delegou ao Poder Público competência para editar leis, objetivando a regulamentação, fiscalização e controle dos serviços e ações da saúde. Cumpre assinalar, sobretudo, a existência de expressa disposição constitucional sobre o dever solidário de participação dos Municípios, Estados e União no financiamento do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198, parágrafo único, da Constituição Federal. Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE-AgR 814878, relator Ministro Teori Zavascki. No mesmo diapasão, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: AgInt no REsp 1.234.968/SC, relatora Ministra Regina Helena Cospara assegurar a realização de cirugia vascularta, DJe 21/11/2017; AgInt no REsp 1.665.760/RJ, relator Ministro Francisco FalcãoDJe 31/10/2017 e AgREsp 1.159.382, relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJE: 01/09/2010. A força normativa da Constituição revela-se pela efetividade dos comandos nela inseridos, a significar, em concreto, a exigibilidade de seu conteúdo em face do particular ou do Poder Público. Assim, em caso de ações ou omissões violadoras de direitos constitucionalmente erigidos, abre-se a via judicial para a tutela ou a pertinente reparação. Em se tratando, especialmente, de direitos fundamentais, a existência do comando normativo constitucional replica fortemente na construção e na execução de políticas públicas, vinculada que está a Administração à observância de seus efeitos, sob pena de ser judicialmente compelida a tal. Ademais da inquestionável exigibilidade do direito à saúde por força de sua natureza constitucional, as diretrizes do SUS, voltadas ao legislador infraconstitucional, ganharam operatividade com o advento da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, a qual, inovando a ordem jurídica, assegurou o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, bem como a integralidade da assistência, nos seguintes termos: "Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º - O dever do estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 7º - As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;" Outrossim, foi inserido no corpo do art. 6º da Lei nº 8.080/90 a responsabilidade do Estado (em sentido amplo) pela execução de ações concretas, no âmbito do SUS, destinadas a tutelar o direito à saúde e à assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Também não deixa dúvidas o inciso III do art. 5º da referida Lei nº 8.080/90 acerca da abrangência da obrigação do Estado no campo das prestações voltadas à saúde pública. Mostra-se, mesmo, cristalina a interpretação do dispositivo em comento ao elencar, dentre os objetivos do Sistema Único de Saúde - SUS, "a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas". Diante desse quadro, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, Tema 106, estabeleceu a seguinte tese, a ser observada nos processos distribuídos a partir daquela decisão: "Constitui obrigação do Poder Público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes, cumulativamente, dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e (iii) Existência de registro na ANVISA do medicamento." Pois bem. Os fundamentos fáticos permitem a identificação de hipóteses particulares, sendo por isso considerados específicos e aptos à definição de parâmetros. No âmbito das ações propostas com o objetivo de fornecimento de medicamentos de alto custo, três são os elementos a analisar: i) a pessoa do doente; ii) a doença; iii) o medicamento ou técnica médica pretendida e sua eficácia para combater a doença e seus efeitos. Em relação à pessoa que pretende fazer uso do medicamento ou técnica médica, o STJ e o STF apontam a necessidade de ser hipossuficiente economicamente. A hipossuficiência econômica deve ser aferida em relação à possibilidade de o requerente e sua família nuclear arcarem com o custo total do tratamento, sem comprometimento de sua sobrevivência condigna e do atendimento das necessidades dos demais integrantes do agrupamento familiar. É, portanto, relativa e de constatação no caso concreto. A prova da hipossuficiência pode ser feita por declaração do próprio interessado e instruída com outros documentos, como, por exemplo, declarações de imposto de renda. No que tange à doença ou enfermidade é importante aferir sua natureza, características, fase de desenvolvimento, possibilidade de reversão, e ainda identificar se trata-se de doença rara ou ultrarrara ou não. Essas informações são necessárias para aferir a compatibilidade do medicamento ao tratamento que se propõe, pois em algumas situações, a depender da fase de desenvolvimento da doença ou da forma como ela se manifesta, o medicamento pode não ser eficaz, apesar de, em tese, ser prescrito para a doença ou enfermidade. O tema 106 do STJ ao prever que a inicial seja instruída “com laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente” tem em vista a obtenção desses dados objetivos. Residem no medicamento ou técnica médica pretendida, bem assim no seu vínculo de instrumentalidade para tratar a doença ou seus sintomas - ou seja, a sua eficácia medicamentosa-, os pontos mais sensíveis e que merecem mais cuidado e atenção em virtude dos vários aspectos a considerar. A eficácia do medicamento pretendido e sua imprescindibilidade para o tratamento da doença podem ser aferidas por graus, os quais servem também para atestar a seriedade de sua aplicação. Se o medicamento está incluído na lista do SUS e faz parte do PCDT (Protocolo Clínico ou diretrizes terapêuticas) considera-se demonstrada sua pertinência para tratar a doença, pois atendidos os requisitos do registro na ANVISA e do custo-efetividade. Não obstante, pode ser necessária a intervenção do judiciário quando faltar o medicamento na dispensação ou não for admitida sua utilização pelo paciente. Caso não esteja inserido no PCDT, deve o laudo pericial apresentado pelo autor demonstrar a eficácia do medicamento pretendido para o tratamento da doença. No caso de dúvidas, pode o magistrado recorrer a parecer técnico elaborado pelo NatJus, núcleos de apoio técnico ao magistrado nas questões de saúde, que informa se a postulação é adequada ou não para o tratamento da patologia apontada. Apesar de o tema 106 do STJ referir-se tão somente a laudo pericial apresentado pelo autor, nada obsta que o Juiz possa se valer de outros instrumentos de prova, como o auxílio técnico do NatJus, de parecer da CONITEC ou de laudo de perito oficial. Nesse sentido, o voto proferido pelo Min. Alexandre de Morais ao julgar o RE 657.718, “verbis”: “Entendo que o juiz, se entender necessário – porque ele vai ouvir a Conitec -, pode nomear perito de sua confiança para que, fundamentado na medicina baseada em evidências, o perito possa dizer se aquele medicamento, que agora foi registrado na Anvisa e a Conitec disse que é eficiente e seguro, aplica-se realmente àquela doença.” O embasamento em laudos periciais do NatJus e relatórios da CONITEC permite ao magistrado suprir, ou pelo menos diminuir, a deficiência técnica específica necessária para decidir a questão de forma coerente e correta e reduzir a subjetividade do julgador. De todo modo, o contraditório deve ser oportunizado para a manifestação do autor, que pode, inclusive, questionar a expertise dos médicos que elaboraram os pareceres e laudos. Essa mesma diretriz pode ser aplicada quando: i) o medicamento não estiver incluído na lista do SUS, mas estiver registrado na ANVISA; ii) o medicamento não estiver registrado na ANVISA, mas tiver sido aprovado pela CONITEC; iii) pretender-se a substituição do medicamento previsto na lista do SUS por outro indicado pelo médico do paciente com registro na ANVISA. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), mais recentemente, no julgamento do RE nº 1.366.243/SC (Tema 1234, Relator Ministro Gilmar Mendes) pronunciou-se de forma pormenorizada sobre a questão discutida nos autos, fixando, no que interessa à presente controvérsia, as seguintes teses: II. DEFINIÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS 2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico. (...) IV. ANÁLISE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DE INDEFERIMENTO DE MEDICAMENTO PELO SUS 4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise. Sobre a questão também foi editada a súmula vinculante nº 61, segundo a qual: A concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471). Foi editada, ato contínuo, a Súmula Vinculante nº 60, com o seguinte enunciado: O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243). No julgamento do RE 566.471, por seu turno, particularmente no que se refere aos medicamentos não incorporados, foram fixadas as seguintes teses (tema 6 da repercussão geral): "1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo. 2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item '4' do Tema 1234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. 3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente: (a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo; (b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e (c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS". O dever de observância às premissas supra foi plasmado no verbete da Súmula Vinculante nº 61, in verbis: "A concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471)". No presente caso, a autora, é portadora portadora de neoplasia mielodisplásica com displasia em múltiplas linhagens sem sideroblastos em anel, razão pela qual pretende o fornecimento do medicamento Luspatercepte. Consoante mencionado pela agravante, não houve na CONITEC avaliação sobre a incorporação do medicamento pretendido para a doença em análise. Por outro lado, do relatório emitido pelo médico da autora assim constou: Informo que a paciente, sra. ELAINE MORELATO VILELA FRAGA, portadora portadora de neoplasia mielodisplásica com displasia em múltiplas linhagens sem sideroblastos em anel, encontra-se atualmente em deterioração clínica progressiva, caracterizada por inapetência e queda do estado geral, impactando na capacidade das atividades não só laborativa, mas também na rotina diária. Tem sido mantida sob regime transfusional a cada 15 dias, o que traz riscos, tanto associado ao procedimento, quanto ao impacto prognóstico negativo na evolução da doença associado à sobrecarga ferro secundária à transfusão, assim como na resposta ao procedimento de transplante devido condições imunubiológicas. Por outro lado, há que se mencionar constar dos autos de origem a Nota Técnica, elaborada especificamente para a agravada, com parecer favorável: 5.1.Evidências sobre a eficácia e segurança da tecnologia: Luspatercepte é uma proteína de fusão recombinante com atividade estimuladora de hemácias, que atua inibindo vários ligantes na superfamília do fator de crescimento transformante (TGF)-beta. Isso evita a ativação de uma variedade de membros da superfamília TGF-beta envolvidos na eritropoiese em estágio avançado e resulta em uma diferenciação e proliferação aumentadas de progenitores eritróides. O luspatercept atua em um estágio posterior, diferente da eritropoietina. Existem apenas dois ensaios clínicos sobre o uso do fármaco em SMD. Em 2017 foi publicado o estudo PACE, de Platzbecker e colaboradores, estudo aberto de fase II que arrolou 58 pacientes com SMD de IPSS-R baixo ou intermediário para receberem diferentes esquemas posológicos de luspatercepte. O desfecho primário do estudo foi a proporção de pacientes que alcançaram “melhora hematológica modificada”, definida como um aumento da concentração de hemoglobina de 1,5g/dL ou superior a partir da linha de base por 14 dias ou mais em pacientes com carga de transfusão baixa, ou, em pacientes com carga de transfusão elevada, como redução na transfusão de hemácias ao longo de 8 semanas (redução de >= 4 unidades de hemácias, ou redução de >=50% no número de unidades de hemácias versus carga de transfusão pré- tratamento em pacientes). Esse desfecho foi atingido por 63% (IC95% 48% a 76%) dospacientes no grupo de doses mais altas e por 22% (IC95 3% a 60%) dos pacientes no grupode doses mais baixas. Em 2020 foi então publicado o estudo de fase III, duplo cego e controlado por placebo MEDALIST, de Fenaux e colaboradores. Os critérios de inclusão no estudo foram: 18 anos de idade ou mais; síndrome mielodisplásica com sideroblastos em anel de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde; doença que foi definida de acordo com o IPSS- R como sendo de risco muito baixo, baixo ou intermediário; ter recebido transfusões regulares de hemácias (≥2 unidades por 8 semanas durante as 16 semanas anteriores à randomização); e ter doença que era refratária ou que provavelmente não responderia a agentes estimuladores da eritropoiese. Um total de 229 pacientes foram randomizados em proporção 2:1 para luspatercepte (subcutâneo, aplicado a cada três semanas, na dose de 1 mg/kg de peso) ou placebo, por 24 semanas, sem possibilidade de cruzamento entre os grupos. Nesse período, 38% (IC 95% 30 a 46%) dos pacientes no grupo luspatercept tiveram independência de transfusão por 8 semanas ou mais (desfecho primário do estudo), em comparação com 13% (IC95% 6 a 23%) no grupo placebo (P<0,001). Quando considerado como desfecho a independência de transfusão por 12 semanas ou mais, as proporções foram de 33% (IC95% 26 a 41%) e de 12% (IC95% 6 a 21%), respectivamente (P<0,001). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para o desfecho de independência por 16 semanas ou mais. Entre os desfechos secundários avaliados, cabe citar que durante as semanas 1 a 24, um aumento médio no nível de hemoglobina de pelo menos 1,0 g por decilitro ocorreu em 35% dos pacientes no grupo luspatercepte e em 8% no grupo placebo. Quanto à segurança, os eventos adversos relatados com mais frequência durante o estudo (de qualquer grau e ocorrendo em ≥10% dos pacientes) com luspatercepte ou placebo foram os seguintes: fadiga (em 27% e 13%, respectivamente), diarreia (em 22% e 9% ), astenia (em 20% e 12%), náuseas (em 20% e 8%), tontura (em 20% e 5%) e dor nas costas (em 19% e 7%) 5.2. Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: Em curto prazo, aumento do tempo com independência de transfusões e aumento modesto da hemoglobina média. Incerteza sobre os efeitos do uso a longo prazo. 5.3. Parecer ( X ) Favorável ( ) Desfavorável 5.4. Conclusão Justificada: Existe evidência de que luspatercepte possa reduzir a necessidade de transfusões de hemácias e aumentar a hemoglobina média em pacientes com SMD Dessarte, a despeito dos argumentos tecidos pela agravante, considerando-se as especificidades do caso concreto, reputo que, nesta fase processual, seja mister a manutenção da decisão agravada no sentido de que foram comprovados os requisitos legais para a concessão do pedido liminar. Nesse sentido, não merece reparos a decisão agravada proferida nos seguintes termos: Considerados todas essas circunstâncias: a idade da paciente, que já conta com sessenta anos, o estadiamento da doença, a ineficácia justificada no relatório médico de outros medicamentos caso concreto (id 353276335) e os elementos científicos sobre a eficácia significativa do medicamento Luspatercepte, que possui registro na ANVISA 1018004110021 e é de alto custo, conclui-se ser o caso de deferir a tutela de urgência para garantir o fornecimento para fins de tratamento da neoplasia da autora, sendo evidente o risco de vida na demora. Cabe ressaltar, ainda, é dever do Estado garantir condições que propiciem o acesso universal aos produtos e serviços para sobrevivência digna dos cidadãos. Dessa forma, presente a probabilidade do direito da autora e sendo indiscutível o perigo de dano na demora considerada a urgência do tratamento e as consequências de seu adiamento, de rigor a concessão da tutela. Em que pese a delicadeza do tema, não vislumbro a relevância da fundamentação a ensejar a suspensão dos efeitos da decisão agravada antes que se proceda à instrução do feito com a regular produção de provas. Por outro lado, há que levar em consideração que o agravo de instrumento é recurso de devolutividade restrita, que se destina a abordar questões levadas ao Juízo de origem e por ele apreciadas. Assim, sob pena de supressão de instância, descabe o conhecimento dos pedidos subsidiários formulados pela ora agravante nesta esfera recursal. Diante do exposto, indefiro o pedido. Comunique-se ao Juízo de origem o teor desta decisão. Intime-se a agravada, nos termos do art. 1.019, II, do CPC. Posteriormente, conclusos para oportuna inclusão em pauta de julgamento. Intimem-se. São Paulo, 23 de junho de 2025.
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