Processo nº 5168625-87.2024.8.09.0051
ID: 316537616
Tribunal: TJGO
Órgão: 10ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5168625-87.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GABRIEL MASSOTE PEREIRA
OAB/MG XXXXXX
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EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEORIA DO FATO CONSUMADO E DEDUÇÃO DE PRÊMIOS. ACOLHIMENTO PARCIAL SEM MODIFICAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO.I. CASO EM EXAME1. Embargo…
EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEORIA DO FATO CONSUMADO E DEDUÇÃO DE PRÊMIOS. ACOLHIMENTO PARCIAL SEM MODIFICAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO.I. CASO EM EXAME1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que conheceu parcialmente do primeiro recurso de apelação e, nessa extensão, o desproveu; e conheceu do segundo recurso de apelação, ao qual deu parcial provimento. A parte embargante sustenta a existência de omissão quanto à análise da Teoria do Fato Consumado e contradição interna no julgado relativamente à dedução dos prêmios mensais pagos à operadora de plano de saúde.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve omissão quanto à aplicabilidade da teoria do fato consumado diante das decisões liminares favoráveis anteriormente proferidas; e (ii) saber se há contradição no acórdão ao determinar, de um lado, a não dedução dos prêmios pagos, e, de outro, autorizar a sua compensação no momento da liquidação.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A omissão apontada quanto à teoria do fato consumado é reconhecida, pois o acórdão não se manifestou expressamente sobre a sua aplicabilidade, embora tenha enfrentado amplamente o mérito da controvérsia contratual.4. A aplicação da teoria do fato consumado não é cabível, pois a fruição do plano de saúde se deu sob decisões liminares posteriormente revogadas e em contexto de contratação marcada por omissão dolosa de doença preexistente.5. A jurisprudência do STF e do STJ afasta a aplicação da referida teoria nos casos em que o provimento judicial é revogado e a parte beneficiada atuou com má-fé, reconhecendo, ao contrário, a responsabilidade objetiva nos moldes do art. 302 do CPC.6. A contradição apontada também se confirma. O acórdão delimita a responsabilidade da parte segurada às despesas relacionadas à doença omitida, excluindo a necessidade de restituição de atendimentos regulares. A compensação dos prêmios pagos com os valores a restituir gera duplicidade de benefícios, violando o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.7. Sanada a omissão e a contradição, sem alteração do resultado do julgamento.IV. DISPOSITIVO E TESE8. Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas para sanar omissão e contradição, sem modificação do resultado do julgamento.Tese de julgamento: “1. A Teoria do Fato Consumado não se aplica quando o uso do plano de saúde decorre de decisão liminar revogada e há reconhecimento de má-fé na contratação. 2. É indevida a dedução dos prêmios pagos durante a vigência contratual quando os serviços assistenciais foram efetivamente prestados para enfermidades não relacionadas à doença omitida.”Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CPC, arts. 300, § 3º, 302, 489, § 1º, IV, e 1.022.Jurisprudência relevante citada: STF, AR 2540 ED-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 27.10.2017; STJ, AgInt no REsp 1904460/BA, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 25.09.2023; TJGO, AC 5255739-35.2022.8.09.0051, Rel. Des. Delintro Belo de Almeida Filho, 4ª Câmara Cível, j. 30.10.2023; TJGO, AC 0230332-59.2015.8.09.0051, Rel. Des(a). Amélia Martins de Araújo, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, j. 11/05/2020.
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS GABINETE DO DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA 10ª CÂMARA CÍVEL RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL N.º 5168625-87.2024.8.09.0051COMARCA : GOIÂNIARELATORA : IARA MÁRCIA FRANZONI DE LIMA COSTA – JUÍZA SUBSTITUTA EM 2º GRAUEMBARGANTE : ANFA CRED COMERCIO INDUSTRIA E SERVIÇOS LTDA : LORENA DE LELLES OLIVEIRA : ÂNGELO FÁBIO ALVES DA COSTA : I.L.C.(REPRESENTADA POR LORENA DE LELLES OLIVEIRA)ADVOGADO(A) : GILBERTO LEANDRO VIEIRA OAB/MG 43.206 : GABRIEL MASSOTE PEREIRA OAB/MG 113.869 : MARIANA BRASILEIRO MARTINS LEANDRO OAB/MG 159.730EMBARGADO(A) : BRADESCO SAÚDE S.A.ADVOGADO(A) : ANA RITA DOS REIS PETRAROLI OAB/SP 130.291 RELATÓRIO E VOTO Trata-se de recurso de embargos de declaração (movimento 199) oposto por Anfa Cred Comércio Indústria e Serviços Ltda, Lorena de Lelles Oliveira, Ângelo Fábio Alves da Costa e I.L.C., menor representada por sua genitora Lorena de Lelles Oliveira, com fulcro nas disposições do artigo 1.022, do Código de Processo Civil, contra o acórdão acostado ao movimento 187.O acórdão vergastado conheceu parcialmente e, nessa parte, desproveu o primeiro recurso de apelação cível interposto pela parte embargante. Quanto ao segundo recurso de apelação cível, este foi conhecido e parcialmente provido. A propósito, transcreve-se a ementa:EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE REEMBOLSO DE DESPESAS DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR BRADESCO SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. OMISSÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE. MÁ-FÉ DA SEGURADA. RESCISÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO LIMITADA A DESPESAS RELACIONADAS À PATOLOGIA OMITIDA. I. CASO EM EXAME 1. Apelações cíveis interpostas contra sentença que declarou a perda do direito à garantia securitária por omissão de doença preexistente, autorizou a rescisão contratual, condenou a beneficiária ao pagamento dos prêmios vencidos e julgou improcedente ação de obrigação de fazer conexa. O primeiro apelo busca afastar a má-fé da segurada e, subsidiariamente, restringir os efeitos da rescisão aos demais beneficiários. O segundo apelo, promovido pela operadora de plano de saúde, pretende o ressarcimento integral das despesas custeadas durante a vigência contratual. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a segurada agiu com má-fé ao omitir doença preexistente na contratação do plano de saúde, legitimando a rescisão do contrato e a negativa de cobertura; e (ii) saber se é cabível a restituição à operadora de valores despendidos com o tratamento da doença omitida, delimitando-se o ressarcimento apenas às despesas vinculadas à patologia preexistente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Restou comprovado nos autos que a contratante possuía diagnóstico anterior de Leucemia Mieloide Aguda e, mesmo ciente da condição, declarou não portar doenças na ficha de adesão, impedindo a adoção de medidas como cobertura parcial temporária ou agravo. 4. A conduta dolosa da segurada caracteriza má-fé, violando os princípios da boa-fé objetiva e da transparência contratual, conforme previsão do art. 766 do CC e da Lei nº 9.656/1998, corroborados pela Súmula 609 do STJ. 5. A tentativa de restringir os efeitos da rescisão aos demais beneficiários não foi suscitada em primeira instância, configurando inovação recursal, motivo pelo qual não foi conhecida. 6. Reconhecida a fraude contratual, admite-se a responsabilização da segurada por perdas e danos, limitando-se a obrigação de ressarcimento apenas aos gastos comprovadamente relacionados à doença omitida, a ser apurado na fase de liquidação de sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Primeiro recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. Segundo recurso conhecido e parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. A omissão dolosa de doença preexistente na contratação de plano de saúde justifica a rescisão contratual e a perda do direito à cobertura securitária. 2. O dever de restituição por parte da segurada limita-se às despesas comprovadamente relacionadas à doença omitida, sendo incabível a devolução integral dos valores pagos durante a vigência contratual.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XIV e XXXII; CC, arts. 766 e 944; CPC, arts. 373, II, 1.013, § 1º e 1.014; Lei nº 9.656/1998, arts. 11 e 13, p.u., II. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 609; STJ, Tema Repetitivo 1.082; TJGO, Apelação Cível nº 0455617- 70.2015.8.09.0051, Rel. Des. Péricles Di Montezuma; TJDF, Apelação nº 0720373-36.2023.8.07.0001, Rel. Des. Rômulo de Araújo Mendes.Em suas razões, a parte embargante insurge-se ao argumento de que houve omissão “em relação à Teoria do Fato Consumado dos valores pagos durante a vigência da tutela de urgência, conforme foi suscitado em sede de contrarrazões de apelação pelos ora Embargantes.”Defende que “todo o tratamento realizado pela segurada Lorena foi autorizado e validado pelo juízo de primeiro e de segundo grau por meio da decisão de Evento nº 5º, que indeferiu o pedido a liminar pleiteada pelo Bradesco Saúde, que pugnava pela suspensão do seguro contratado, bem como decisões proferidas no âmbito do Agravo de Instrumento nº 5210108-97.2024.8.09.0051.”Aduz que “permaneceu utilizando o seguro saúde em razão de não apenas uma, mas três decisões judiciais favoráveis que lhes revelavam alta probabilidade do seu direito, mostrando-se, portanto, razoável a aplicação da teoria do fato consumado.”Alega que “nos autos nº 5543947-40.2024.8.09.0051, ajuizado pela Embargante Lorena, o juízo de primeiro grau deferiu tutela de urgência a fim de determinar que o Bradesco Saúde autorizasse e custeasse o Transplante de Medula Alogênico de que precisava, sendo, portanto, uma quarta decisão judicial que levou a Embargante à legítima expectativa de seu direito.”Sustenta “reconhecer o caráter alimentar e, por conseguinte garantir a irrepetitividade do valor gasto com os tratamentos dos beneficiários é medida razoável a fim de manter principalmente a integridade do tratamento da Embargante Lorena, que certamente terá seu tratamento contra a leucemia mieloide aguda prejudicado se reconhecida a exigibilidade da restituição à Embargada.”Aponta a existência de contradição interna no julgado, especificamente em relação à dedução dos prêmios mensais pagos pela beneficiária Lorena ao longo da vigência contratual. Argumenta que, em um trecho do acórdão, consignou-se que tais valores não deveriam ser compensados, com base nos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. Contudo, em outro ponto, determinou-se, expressamente, que os prêmios efetivamente pagos deverão ser deduzidos dos valores eventualmente restituíveis na fase de liquidação, sob pena de enriquecimento sem causa.Pugna, alfim, pelo conhecimento e acolhimento dos aclaratórios a fim de “que sejam sanados os vícios apontados, mais especificamente em relação: a) à omissão quanto à aplicabilidade ou não da Teoria do Fato Consumado; b) à contradição no que tange ao desconto ou não dos prêmios vencidos até a data da efetiva exclusão do plano;”A parte embargada oferta contrarrazões (movimento 206), ocasião em que refuta os argumentos deduzidos e pleiteia o não acolhimento da insurgência.É o relatório.Fundamento e decido.1. Juízo de admissibilidadePresentes os pressupostos de admissibilidade recursal de cabimento (próprio) e tempestividade, pois o preparo é dispensado, nos termos do artigo 1.023, caput, do Código de Processo Civil, conheço do recurso de embargos de declaração.2. Mérito da controvérsia recursal2.1. Embargos de declaraçãoNa dicção do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos declaratórios destinam-se, especificamente, a corrigir falha do comando judicial que comprometa seu entendimento, o que pode decorrer de quatro hipóteses: contradição (fundamentos inconciliáveis entre si, dentro do próprio julgado), omissão (falta de enfrentamento de questão posta), obscuridade (ausência de clareza) e a correção de erro material.Sobre o alcance dos embargos declaratórios, lecionam os processualistas Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:Os embargos de declaração são cabíveis quando se afirmar que há, na decisão, obscuridade, contradição ou omissão ou erro material.Nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, todo pronunciamento judicial há de ser devidamente fundamentado, sob pena de nulidade. A omissão, a contradição, a obscuridade e o erro material são vícios que subtraem da decisão a devida fundamentação. Para que a decisão esteja devidamente fundamentada, é preciso que não incorra em omissão, em contradição, em obscuridade ou em erro material. O instrumento processual destinado a suprir a omissão, eliminar a contradição, esclarecer a obscuridade e corrigir o erro material consiste, exatamente, nos embargos de declaração.Todos os pronunciamentos judiciais devem ser devidamente fundamentados, é dizer, devem estar livres de qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material. Para a correção de um desses vícios, revelam-se cabíveis os embargos de declaração, destinando-se a garantir um pronunciamento judicial claro, explícito, sem jaça, límpido e completo.O CPC prevê os embargos de declaração em seu art. 1.022, adotando a ampla embargabilidade, na medida em que permite a apresentação de embargos de declaração contra qualquer decisão.Até mesmo as decisões em geral irrecorríveis são passíveis de embargos de declaração. Isso porque todas as decisões, ainda que irrecorríveis, devem ser devidamente fundamentadas e os embargos de declaração consistem em instrumento destinado a corrigir vícios e, com isso, aperfeiçoar a fundamentação da decisão, qualquer que seja ela. (in Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais, v. 3, Salvador: Juspodvm, 2016, p. 247/248)Vê-se, portanto, que devem ser observados os limites do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, já que esta espécie recursal não é o meio hábil ao reexame de matéria já decidida ou estranha ao acórdão embargado.Desse modo, passa-se a apreciar os eventuais vícios suscitados pela parte embargante.2.2. (In)existência de omissão. Teoria do fato consumado Consoante relatado, os embargantes arguem a ocorrência do vício de omissão do acórdão quanto à análise da teoria do fato consumado, a qual teria sido expressamente invocada nas contrarrazões à apelação. Alegam que a segurada Lorena recebeu diversos tratamentos médicos durante a vigência de decisões judiciais favoráveis (liminares e acórdãos em agravos de instrumento), o que geraria legítima expectativa de permanência da cobertura contratual e, por consequência, afastaria a possibilidade de restituição dos valores custeados pela operadora, ao menos no que tange à boa-fé da usuária.Apresentam, ainda, jurisprudência dos tribunais superiores para reforçar a tese de que a expectativa legítima respaldada por provimento jurisdicional autoriza a irrepetibilidade das prestações assistenciais, mesmo diante de posterior julgamento de improcedência.Escrutina-se.Inicialmente, consigna-se que o órgão jurisdicional não está obrigado a manifestar-se sobre todos os argumentos e dispositivos avocados pelas partes, porquanto basta demonstrar as razões jurídicas de seu convencimento sobre a matéria posta sobre análise no recurso.Neste sentido, os doutrinadores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha ensinam que a decisão é omissa quando não se manifestar:a) sobre um pedido de tutela jurisdicional; b) sobre fundamentos e argumentos relevantes lançados pelas partes (art. 489, §1º, IV); c) sobre questões apreciáveis de ofício pelo magistrado, tenham ou não tenham sido suscitadas pela parte. (Curso de Direito Processual Civil - Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, v. 3, 13ª ed., Salvador/BA: JusPodivm, 2016, p. 251).Assim, sem delongas, passa-se ao exame da controvérsia recursal.Do cotejo analítico do acórdão embargado (movimento 187), à luz da pretensão veiculada nos presentes aclaratórios, verifica-se que foram suficientemente declinados os fundamentos para o desfecho conferido à postulação, em estrita observância ao disposto nos artigos 489, § 1º, IV, do Código de Processo Civil, e artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.No entanto, assiste razão parcial à parte embargante quanto à omissão apontada, na medida em que, embora o acórdão tenha enfrentado detidamente os fundamentos de mérito relacionados à omissão dolosa da doença preexistente e à rescisão contratual por má-fé, não houve manifestação expressa sobre a aplicabilidade ou não da teoria do fato consumado ao caso concreto, o que demanda a devida integração do julgado, nos termos do artigo 1.022, inciso I, do Código de Processo Civil.Por outro lado, superada a omissão formal, a pretensão recursal não merece acolhida no mérito, pois não se vislumbra, no caso em apreço, a incidência da teoria do fato consumado, seja sob o prisma da irreversibilidade da prestação jurisdicional, seja à luz da boa-fé objetiva invocada pelos embargantes.Referida teoria tem por escopo a preservação de situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, sob respaldo de decisões judiciais válidas, cujos efeitos, uma vez concretizados, não poderiam ser revertidos sem ofensa à segurança jurídica, à boa-fé e à estabilidade das relações sociais, seguindo-se a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no tema 476 da repercussão geral (RE 608.482/RN, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 30.10.2014).A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, volta-se a aplicar o fato consumado, em regra, a casos em que o tempo e a confiança legítima geraram uma situação de fato irreversível, a exemplo de posse prolongada de cargo público, percepção de proventos alimentares ou consolidação de direitos sociais (STJ, AgRg no RMS n. 41.199/DF, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023 bem como AREsp n. 883.574/MS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 20/2/2020, DJe de 5/3/2020, informativo 666).Logo, não é possível se admitir a aplicação irrestrita da teoria do fato consumado sob pena de, em última análise, subverter o próprio escopo da tutela provisória, que é eminentemente instrumental e precária. Ao conferir caráter definitivo e irretratável às medidas de urgência, a partir da sua concretização fática, esvazia-se qualquer utilidade do pronunciamento final de mérito, transformando a cognição sumária em sentença materialmente transitada em julgado, o que contraria a lógica do devido processo legal.Pensamento contrário equivale ao esvaziamento do debate meritório e tornaria inócua qualquer revisão judicial posterior, retirando do magistrado a possibilidade de, ao final, julgar pela improcedência dos pedidos com eficácia plena. Ademais, fomentaria condutas temerárias por parte de litigantes que, a despeito de irregularidades, se valeriam da liminar para obter prestações médicas de alto custo, por exemplo, sabedores de que não arcariam com as consequências de eventual revogação da medida.No caso em análise, restou reconhecida a existência de vício na formação do contrato de plano de saúde, decorrente de omissão dolosa da beneficiária quanto à existência de patologia preexistente (Leucemia Mieloide Aguda), de modo a frustrar os mecanismos de análise de risco e impedir a fixação contratual de carência, cobertura parcial temporária ou agravo.Assim, a invocação da teoria do fato consumado para legitimar a irrepetibilidade das prestações obtidas por decisão liminar implicaria esvaziamento do juízo de cognição exauriente, tornando inócua qualquer discussão de mérito quanto à obrigação ou não da operadora de custear procedimentos médicos ou hospitalares, dada a irreversibilidade material da prestação.Conforme dispõe o artigo 300, § 3º, do Código de Processo Civil, a tutela de urgência, de natureza antecipada, não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, considerado que, sendo tutela provisória, não pode ter efeitos indissolúveis. A propósito:Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (...)§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.É importante notar, contudo, que a irreversibilidade, embora impeça a concessão de medida de natureza cautelar ou antecipatória, não impossibilita a concessão das tutelas satisfativas autônomas (como a autorização para realização de cirurgias ou tratamentos médicos urgentes, por exemplo). Tampouco obsta à que, em casos extremos como o ocorrido nos autos, seja relativizado o impedimento, deferindo-se a tutela de urgência, mesmo diante do risco de impossibilidade de retorno ao status anterior. Em vista do valor atribuído pelo ordenamento constitucional e legal aos bens jurídicos em confronto, aplica-se a estes casos a técnica da proporcionalidade ou o princípio do mal menor (STJ, AgRg no Ag 736.826/RJ, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12.12.2006). Logo, em hipóteses excepcionais, sendo julgado improcedente o pedido ao final, deve ser admitida a indenização in pecunia em detrimento da reversibilidade in natura. Trata-se de atuação do Estado-juiz, atentando às circunstâncias da causa, que avaliará e decidirá, justificadamente (artigo 298, Código de Processo Civil), se é o caso de se conceder a medida urgente, ainda que disso decorram efeitos irreversíveis. Neste sentido, tem-se o Enunciado n.º 25 da ENFAM: “A vedação da concessão de tutela de urgência cujos efeitos possam ser irreversíveis (art. 300, § 3.º, do CPC) pode ser afastada no caso concreto com base na garantia do acesso à Justiça (art. 5.º, XXXV, da CRFB)”. E, também, o Enunciado n.º 40, da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal: “A irreversibilidade dos efeitos da tutela de urgência não impede sua concessão, em se tratando de direito provável, cuja lesão seja irreversível”.No presente caso, a segurada teve acesso a diversos procedimentos durante a vigência de decisões judiciais de urgência, posteriormente revogadas, sendo reconhecida, no julgamento colegiado, a existência de conduta dolosa na fase pré-contratual, apta a ensejar a rescisão do contrato por vício de consentimento. Assim, não se cuida de mera discussão contratual ou de negativa indevida de cobertura, mas sim da formação viciada do vínculo securitário, obstando a incidência da boa-fé protetiva que embasa a teoria invocada.Logo, não obstante as decisões anteriormente deferidas em favor da parte embargante, a exemplo do Agravo de Instrumento n.º 5210108-97.2024.8.09.0051 e dos autos de n.º 5543947-40.2024.8.09.0051, as quais asseguraram, de forma provisória, a continuidade do vínculo contratual com a operadora de saúde ao longo do trâmite processual, impõe-se o reconhecimento de que tais decisões não possuem aptidão para conferir definitividade ao direito material discutido, sobretudo diante da posterior revogação da tutela provisória e da procedência do pedido de rescisão contratual.Nesse cenário, deve prevalecer a aplicação do artigo 302 do Código de Processo Civil, que positivou a denominada ‘Teoria do Risco-Proveito’, atribuindo responsabilidade civil objetiva à parte que se beneficiou de medida liminar posteriormente revogada, independentemente da comprovação de dolo ou culpa (STJ, AgInt no REsp 1630716/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15.12.2016).Paulo Nader, citando a doutrina francesa, explica que a máxima romana ubi emolumentum ibi onus, que se traduz em onde está o bônus deverá estar o ônus, é fundamento da teoria do risco proveito, significando que aquele que tira proveito ou vantagem do fator gerador do dano, ainda que indiretamente, tem a obrigação de repará-lo. Em outras palavras, a teoria do risco visa evitar a injustiça de a vítima arcar com os prejuízos, quando o autor do dano tira proveito do engenho ou de sua atividade (Curso de direito civil, volume 7: responsabilidade civil/ Paulo Nader. – 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, pág. 70).O já citado artigo 302 do Código de Processo Civil expressamente prevê que o autor responderá por perdas e danos se tiver obtido vantagem posteriormente cassada na sentença que lhe for desfavorável, bastando, para tanto, a demonstração do dano sofrido pela parte adversa, da efetivação da medida judicial e do nexo de causalidade entre ambos. Veja-se:Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:I - a sentença lhe for desfavorável;II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.Nesse sentido, cita-se a doutrina especializada:A responsabilidade civil do requerente da tutela de urgência é objetiva, de modo que ele responde pelos danos causados pela efetivação da medida, independentemente da prova de dolo ou culpa. Basta que o prejudicado prove a efetivação da tutela de urgência, o dano e o nexo de causalidade entre ela e o dano, para fins de recebimento da indenização, tendo o CPC/2015, neste quadrante, adotado a teoria do risco-proveito (STJ, AgInt no REsp 1630716/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15.12.2016) (...) A indenização – a ser apurada, como regra, nos próprios autos em que a medida tiver sido concedida, por meio de liquidação por arbitramento ou pelo procedimento comum (art. 509, CPC) –, compreenderá danos materiais e imateriais (morais), danos emergentes e lucros cessantes eventualmente suportados pelo prejudicado (STJ, Resp. 1.780.410/SP, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 23.02.2021). 2.2. Sua incidência independe de reconhecimento expresso na sentença que julgar a pretensão ao final. Decorre da lei (ex vi legis) (STJ, REsp 1.770.124/SP, Relator Ministro Marco Belizze, Terceira Turma, julgado em 21.05.2019). (Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. – 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 725)Como visto, trata-se de consequência jurídica prevista em lei, decorrente da revogação da decisão provisória e do desfecho desfavorável da demanda, sendo prescindível qualquer pronunciamento judicial autônomo quanto ao dever de reparação. O ressarcimento, inclusive, poderá ser apurado por meio de liquidação nos próprios autos em que a tutela foi concedida, conforme orientação jurisprudencial consolidada do Superior Tribunal de Justiça. A propósito:(...) É incabível a invocação da teoria do fato consumado para validar situação jurídica decorrente de provimento jurisdicional não definitivo (...). (STF. AR 2540 ED-AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-257 DIVULG 10-11-2017 PUBLIC 13-11-2017) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PLANO DE SAÚDE. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. POSTERIOR REVOGAÇÃO. PREJUÍZOS QUE PODEM SER LIQUIDADOS NOS PRÓPRIOS AUTOS. REPARAÇÃO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. DESNECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL FIXANDO OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS SOFRIDOS. PRECEDENTES. PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES DESPENDIDOS COM O CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. INAPLICABILIDADE. EXISTÊNCIA DE CAUSA JURÍDICA. PRECEDENTE DO STJ. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 568 DO STJ. SÚMULA Nº 211 DO STJ. PREQUESTIONAMENTO FICTO PREVISTO NO ART. 1.025 DO CPC. NECESSIDADE DE SE APONTAR VIOLAÇÃO DO ART. 1 .022 DO CPC. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O entendimento firmado na Segunda Seção do STJ é de que a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. (...) 7. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1904460 BA 2020/0292003-6, Relator.: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 25/09/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/09/2023, grifou-se) AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DANOS DECORRENTES DE EXECUÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SÚMULA N. 83/STJ. 1. A responsabilidade processual decorrente da efetivação de tutela de urgência é objetiva; a correspondente obrigação de indenizar é corolário natural da improcedência do pedido. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.983.744/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 2/12/2022, grifou-se)CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MARCAS E PATENTES. DECISÃO LIMINAR QUE SUSPENDEU A COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTO. POSTERIOR REVOGAÇÃO. ART. 811 DO CPC/73. PREJUÍZOS QUE PODEM SER LIQUIDADOS NOS PRÓPRIOS AUTOS. REPARAÇÃO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. DESNECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL FIXANDO OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS SOFRIDOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) 2. A obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, dispensando-se, nessa medida, pronunciamento judicial que a imponha de forma expressa. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, os danos causados a partir da execução de tutela antecipada suscitam responsabilidade processual objetiva e devem ser integralmente reparados (art. 944 do CC/02) após apurados em procedimento de liquidação levado a efeito nos próprios autos. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.780.410/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 13/4/2021, grifou-se)No mesmo sentido, colaciona-se a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C RESTITUIÇÃO C/C INDENIZATÓRIA. TEMPESTIVIDADE RECURSAL. SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. VALIDADE. TEORIA DO FATO CONSUMADO. AFASTAMENTO. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO DO USUÁRIO. MEDICAMENTO EFICAZ. NECESSIDADE COMPROVADA. RECUSA INDEVIDA. PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. DESPESAS. RESSARCIMENTO SIMPLES. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. INVERSÃO DOS HONORÁRIOS. NÃO MAJORAÇÃO RECURSAL. PREQUESTIONAMENTO. 1. O recurso adesivo interposto no prazo para a apresentação das contrarrazões ao apelo principal, atende ao pressuposto de admissibilidade relativo à tempestividade. 2. A fundamentação do ato jurisdicional, ainda que concisa, revela-se apta a cumprir o mandamento magno contido no art. 93, IX, da CF/88. 3. A teoria do fato consumado, aplicável apenas em casos excepcionalíssimos, não pode ser invocada para resguardar situações precárias, notadamente aquelas obtidas por força de decisão liminar, em que o beneficiado sabe e assume o risco, com o julgamento do mérito da demanda, de o quadro fático eventualmente se reverter, merecendo parcial provimento o recurso adesivo neste particular. (...) APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. SENTENÇA REFORMADA. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quinta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E DO RECURSO ADESIVO E DAR-LHES PARCIAL PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do Relator. (TJ-GO - AC: 52557393520228090051 GOIÂNIA, Relator: Des(a). DESEMBARGADOR DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ 30/10/2023, grifou-se) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA E CUMPRIDA. AÇÃO IMPROCEDENTE. TEORIA DO FATO CONSUMADO. NÃO APLICAÇÃO. EXPRESSA PREVISÃO DO CPC PARA RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS. ART. 302 DO CPC. I. Ao ser adotada a teoria do fato consumado nas ações de obrigação de fazer, nas quais se impõe aos planos de saúde fornecimento de cirurgia ou materiais cirúrgicos em sede de tutela de urgência, estas terão caráter de irreversibilidade e, assim, não poderão ser concedidas, diante do que estabelece o artigo 300, § 3º, do Código de Processo Civil. II. A fim de evitar a irreversibilidade da medida, o Código de Processo Civil de 2015, seguindo a mesma linha do CPC/1973, adotou a teoria do risco-proveito, ao estabelecer que o beneficiado com o deferimento da tutela provisória deverá arcar com os prejuízos causados à parte adversa, sempre que: i) a sentença lhe for desfavorável; ii) a parte requerente não fornecer meios para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias, caso a tutela seja deferida liminarmente; iii) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; ou iv) o juiz acolher a decadência ou prescrição da pretensão do autor (CPC/2015, art. 302, caput e incisos I a IV). III. Com efeito, a obrigação de indenizar a parte adversa dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória posteriormente revogada é decorrência ex lege da sentença de improcedência. IV. Assim, reconhecido que a parte autora/apelada não teria direito ao material cirúrgico pleiteado na inicial, não há falar em adoção da teoria do fato consumado, impondo-se que a ação seja julgada improcedente, aplicando-se o artigo 302, inciso I, do Código de Processo Civil. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJ-GO - Apelação Cível (CPC): 02303325920158090051, Relator.: Des(a). AMÉLIA MARTINS DE ARAÚJO, Data de Julgamento: 11/05/2020, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, Data de Publicação: DJ de 11/05/2020, grifou-se)Deste modo, a existência de decisões liminares favoráveis à parte embargante não exime sua responsabilidade pelos efeitos patrimoniais decorrentes da fruição indevida da prestação assistencial, especialmente diante da constatação de vício essencial na contratação do plano de saúde, oriundo de omissão dolosa de condição clínica preexistente.Ressalta-se que apesar de parcialmente acolhidos os embargos para sanar a omissão quanto ao exame da teoria do fato consumado, afasta-se a sua aplicação no caso concreto, por ausência de pressupostos fáticos e jurídicos para sua incidência, mantendo-se íntegros os fundamentos do acórdão embargado, inclusive quanto à responsabilização da parte beneficiária nos moldes do artigo 302 do Código de Processo Civil.2.3. (In)existência de contradição. Dedução dos prêmios pagosOs embargantes apontam contradição interna no acórdão. Afirmam que o acórdão, em distintos trechos, adotou fundamentações incompatíveis entre si quanto à possibilidade ou não de compensação dos prêmios pagos pelos beneficiários durante a vigência do vínculo contratual.Em suas contrarrazões, a embargada argumenta que não há que se falar em restituição de valores pagos a título de prêmio, pois estes foram pagos como contraprestação pelo risco assumido pela seguradora durante o período de vigência contratual, em conformidade com o artigo 757 do Código Civil. Sustenta que o contrato de seguro não se confunde com uma forma de investimento ou poupança, devendo ser compreendido como uma relação contratual bilateral e onerosa, em que o segurado paga para ter garantido o risco previsto contratualmente. A restituição dos prêmios, na visão da embargada, representaria uma distorção do equilíbrio contratual e afrontaria os princípios da livre iniciativa e da isonomia, gerando enriquecimento ilícito por parte da segurada. A operadora defende que, caso se entenda pela possibilidade de devolução, deverão ser observadas as balizas legais quanto à prescrição e aos critérios de correção monetária e juros aplicáveis. Examina-se.Inicialmente, registra-se que a contradição que autoriza o cabimento de embargos de declaração é aquela existente entre a fundamentação e a conclusão do acórdão. Constatado que o fundamento do acórdão está em perfeita harmonia com a sua conclusão, não há se falar na existência de vício que enseje a interposição de aclaratórios para saná-lo.Dessa forma, só se caracteriza contradição quando a decisão apresentar proposições inconciliáveis entre si no corpo do mesmo provimento jurisdicional, isto é, quando os seus fundamentos são incompatíveis com a sua conclusão.Nesse sentido, a lição de José Miguel Garcia Medina:Há contradição, por sua vez, quando a decisão contém, em si, afirmações ou fundamentos que estão em oposição ou que levam a resultados distintos ou inversos(...) A contradição deve ser interna, ou seja, deve existir entre elementos existentes na própria decisão. Assim, p. ex., não se admitem embargos de declaração quando se afirma que a decisão contraria provas ou outros elementos existentes nos autos, ou quando a decisão contraria a jurisprudência existente a respeito. (Curso de Direito Processual Civil Moderno. 5ª ed. em ebook. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 1441/1442).Reexaminando detidamente o caderno processual, mormente o teor do ato judicial vergastado, observa-se haver a contradição delineada pelos embargantes.Com efeito, na análise do mérito do recurso de apelação interposto pela operadora de saúde, este Tribunal reconheceu a omissão dolosa da segurada ao contratar o plano de saúde, ao silenciar quanto à existência de enfermidade preexistente, o que ensejou a rescisão contratual e a responsabilização da autora quanto aos custos dos procedimentos relacionados à patologia omitida.Contudo, o acórdão foi expresso ao limitar a obrigação de restituição dos valores despendidos pela operadora apenas aos tratamentos diretamente vinculados à enfermidade preexistente, excluindo, portanto, os demais atendimentos ambulatoriais e hospitalares regulares que não guardassem relação direta com a patologia omitida, os quais deveriam ser suportados pela operadora durante a vigência contratual.Neste contexto, revela-se contraditório que, ao final do julgado, tenha-se admitido a possibilidade de dedução dos prêmios efetivamente pagos pela segurada durante o período de cobertura, sob o fundamento de compensação dos serviços prestados. Tal conclusão não se coaduna com a própria delimitação feita no acórdão quanto à extensão da responsabilidade da operadora, porquanto os valores pagos a título de prêmio destinam-se justamente à manutenção do plano e à cobertura das despesas regulares previstas em contrato, especialmente aquelas não afetadas pela omissão dolosa.A dedução dos prêmios implicaria, portanto, em indevido enriquecimento sem causa da segurada, que teria recebido os serviços correspondentes ao contrato, durante determinado período e, ainda assim, se veria autorizada a descontar tais valores da quantia a ser eventualmente restituída. A contraprestação da segurada se justifica precisamente pelo acesso regular à rede credenciada e à cobertura de eventos não excluídos ou atingidos por nulidade.Assim, com vistas a sanar a contradição apontada e harmonizar os fundamentos do julgado com a sua parte dispositiva, consigna-se que não deverá haver dedução dos valores pagos pela segurada a título de prêmios mensais, durante a vigência contratual, da quantia a ser eventualmente restituída à operadora. A cobertura dos tratamentos não relacionados à enfermidade preexistente já se encontrava amparada pelos referidos pagamentos, tanto pela segurada Lorena quanto pelos demais usuários do plano, razão pela qual não subsiste justificativa jurídica para sua compensação.4. DispositivoAnte o exposto, conheço e acolho parcialmente o recurso de embargos de declaração, tão somente para sanar as omissões e contradições apontadas, sem, contudo, alterar o resultado do julgamento anteriormente proferido.Consigna-se, para fins de integração do acórdão embargado:a) que a teoria do fato consumado não se aplica à hipótese dos autos, diante da constatação de má-fé contratual da embargante e da consequente inaplicabilidade da excepcional proteção à situação consolidada por decisões provisórias posteriormente revogadas, impondo-se, ao contrário, a responsabilização objetiva da parte embargante, conforme prevê o artigo 302 do Código de Processo Civil; eb) que não deverá haver dedução dos prêmios efetivamente pagos pela segurada durante a vigência contratual, porquanto os valores vertidos a esse título se destinavam à cobertura dos procedimentos não relacionados à enfermidade preexistente, cuja contraprestação efetiva foi realizada pela operadora, razão pela qual sua compensação acarretaria indevido enriquecimento sem causa.Mantenho, no mais, incólume o acórdão embargado, por estes e seus próprios fundamentos. Por fim, anota-se que a oposição de eventuais embargos de declaração manifestamente protelatórios, ensejará a aplicação da regra do § 2º do artigo 1.026 do Código de Processo Civil.É o voto.Goiânia, datado e assinado digitalmente. Iara Márcia Franzoni de Lima CostaJuíza Substituta em 2° grauRelatora RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL N.º 5168625-87.2024.8.09.0051COMARCA : GOIÂNIARELATORA : IARA MÁRCIA FRANZONI DE LIMA COSTA – JUÍZA SUBSTITUTA EM 2º GRAUEMBARGANTE : ANFA CRED COMERCIO INDUSTRIA E SERVIÇOS LTDA : LORENA DE LELLES OLIVEIRA : ÂNGELO FÁBIO ALVES DA COSTA : I.L.C.(REPRESENTADA POR LORENA DE LELLES OLIVEIRA)ADVOGADO(A) : GILBERTO LEANDRO VIEIRA OAB/MG 43.206 A : GABRIEL MASSOTE PEREIRA OAB/MG 113.869 N : MARIANA BRASILEIRO MARTINS LEANDRO OAB/MG 159.730EMBARGADO(A) : BRADESCO SAÚDE S.A.ADVOGADO(A) : ANA RITA DOS REIS PETRAROLI OAB/SP 130.291 EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEORIA DO FATO CONSUMADO E DEDUÇÃO DE PRÊMIOS. ACOLHIMENTO PARCIAL SEM MODIFICAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO.I. CASO EM EXAME1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que conheceu parcialmente do primeiro recurso de apelação e, nessa extensão, o desproveu; e conheceu do segundo recurso de apelação, ao qual deu parcial provimento. A parte embargante sustenta a existência de omissão quanto à análise da Teoria do Fato Consumado e contradição interna no julgado relativamente à dedução dos prêmios mensais pagos à operadora de plano de saúde.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve omissão quanto à aplicabilidade da teoria do fato consumado diante das decisões liminares favoráveis anteriormente proferidas; e (ii) saber se há contradição no acórdão ao determinar, de um lado, a não dedução dos prêmios pagos, e, de outro, autorizar a sua compensação no momento da liquidação.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A omissão apontada quanto à teoria do fato consumado é reconhecida, pois o acórdão não se manifestou expressamente sobre a sua aplicabilidade, embora tenha enfrentado amplamente o mérito da controvérsia contratual.4. A aplicação da teoria do fato consumado não é cabível, pois a fruição do plano de saúde se deu sob decisões liminares posteriormente revogadas e em contexto de contratação marcada por omissão dolosa de doença preexistente.5. A jurisprudência do STF e do STJ afasta a aplicação da referida teoria nos casos em que o provimento judicial é revogado e a parte beneficiada atuou com má-fé, reconhecendo, ao contrário, a responsabilidade objetiva nos moldes do art. 302 do CPC.6. A contradição apontada também se confirma. O acórdão delimita a responsabilidade da parte segurada às despesas relacionadas à doença omitida, excluindo a necessidade de restituição de atendimentos regulares. A compensação dos prêmios pagos com os valores a restituir gera duplicidade de benefícios, violando o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.7. Sanada a omissão e a contradição, sem alteração do resultado do julgamento.IV. DISPOSITIVO E TESE8. Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas para sanar omissão e contradição, sem modificação do resultado do julgamento.Tese de julgamento: “1. A Teoria do Fato Consumado não se aplica quando o uso do plano de saúde decorre de decisão liminar revogada e há reconhecimento de má-fé na contratação. 2. É indevida a dedução dos prêmios pagos durante a vigência contratual quando os serviços assistenciais foram efetivamente prestados para enfermidades não relacionadas à doença omitida.”Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CPC, arts. 300, § 3º, 302, 489, § 1º, IV, e 1.022.Jurisprudência relevante citada: STF, AR 2540 ED-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 27.10.2017; STJ, AgInt no REsp 1904460/BA, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 25.09.2023; TJGO, AC 5255739-35.2022.8.09.0051, Rel. Des. Delintro Belo de Almeida Filho, 4ª Câmara Cível, j. 30.10.2023; TJGO, AC 0230332-59.2015.8.09.0051, Rel. Des(a). Amélia Martins de Araújo, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, j. 11/05/2020. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Primeira Turma Julgadora de sua Décima Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E PARCIALMENTE ACOLHÊ-LO, tudo nos termos do voto do(a) relator(a). Presidente da sessão, relator(a) e votantes nominados no extrato de ata de julgamento.A Procuradoria-Geral de Justiça esteve representada pelo membro também indicado no extrato da ata. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Iara Márcia Franzoni de Lima CostaJuíza Substituta em 2° grauRelatora
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