Processo nº 0008349-68.2009.8.11.0042
ID: 309195112
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0008349-68.2009.8.11.0042
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Advogados:
JOSE PETAN TOLEDO PIZZA
OAB/TO XXXXXX
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MARCIANO XAVIER DAS NEVES
OAB/MT XXXXXX
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RAYCE ADRIANY SILVA AMORIM
OAB/MT XXXXXX
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RICARDO SALDANHA SPINELLI
OAB/MT XXXXXX
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ILDEVAN PIETRO GOMES LUZARDO PIZZA
OAB/MT XXXXXX
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ODILAINE FERREIRA RIBEIRO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0008349-68.2009.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Simples, Crime Tentado] Relator: Des(a). RUI…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0008349-68.2009.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Simples, Crime Tentado] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), RONALDO ROQUE DA SILVA - CPF: 836.418.821-68 (APELADO), ENIL PEREIRA DE SOUZA MORAES - CPF: 088.951.981-15 (ADVOGADO), IZA KAROL GOMES LUZARDO PIZZA - CPF: 702.627.991-20 (ADVOGADO), JOSE PETAN TOLEDO PIZZA - CPF: 106.709.201-34 (ADVOGADO), RONALDO BATISTA DUARTE - CPF: 784.762.161-49 (APELADO), EMERSON DA SILVA MARQUES - CPF: 570.184.801-91 (ADVOGADO), FABIANO ALVES ZANARDO - CPF: 798.208.401-04 (ADVOGADO), LUCAS OLIVEIRA BERNARDINO SILVA - CPF: 995.999.291-87 (ADVOGADO), JOSE KROMINSKI - CPF: 539.869.709-91 (ADVOGADO), MARCIANO XAVIER DAS NEVES - CPF: 531.754.251-00 (ADVOGADO), JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA - CPF: 958.070.801-06 (APELADO), TAMIRIS NUNES DUALIBI - CPF: 735.833.241-53 (ADVOGADO), RICARDO SALDANHA SPINELLI - CPF: 027.163.361-13 (ADVOGADO), MOISES MARTINS (APELADO), EDUARDO MARTINS MATHIAS - CPF: 003.862.551-21 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), ODILAINE FERREIRA RIBEIRO - CPF: 003.505.112-41 (ADVOGADO), ILDEVAN PIETRO GOMES LUZARDO PIZZA - CPF: 738.440.201-87 (ADVOGADO), MOISES MARTINS - CPF: 910.486.481-68 (APELADO), RAYCE ADRIANY SILVA AMORIM - CPF: 044.608.061-69 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A “APELAÇÃO CRIMINAL – TRIBUNAL DO JÚRI – DENÚNCIA POR TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO – PLURALIDADE DE RÉUS – SENTENÇA QUE IMPRONUNCIOU O PRIMEIRO E O SEGUNDO RECORRIDOS (ART. 414, CPP) E ABSOLVEU SUMARIAMENTE O TERCEIRO E QUARTO RECORRIDOS [POLICIAIS MILITARES] POR EXCLUDENTE DE ILICITUDE (ART. 415, IV, CPP) – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – EXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA EM RELAÇÃO A TODOS OS RECORRIDOS PARA SUBMISSÃO AO TRIBUNAL DO JÚRI PELO ARTIGO 121, § 2°, INCISO IV (RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA), C/C. ARTIGO 14, INCISO II, C/C. O ARTIGO 29, AMBOS DO CÓDIGO PENAL – INVIABILIDADE – MATERIALIDADE COMPROVADA – ATUAÇÃO DOS POLICIAIS AMPARADA NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL E LEGÍTIMA DEFESA – EXCLUDENTE DE ILICITUDE DEMONSTRADA PELO ALINHAMENTO DAS PROVAS – INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS RECORRIDOS– AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE SUAS CONDUTAS E O RESULTADO LESIVO– MANUTENÇÃO QUE SE IMPÕE – APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO ART. 414, DO CPP – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A absolvição sumária fundada no art. 415, IV, do CPP, exige prova inequívoca da excludente de ilicitude, requisito preenchido quando os elementos probatórios demonstram que os policiais militares agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa própria e de terceiros, conforme disposto na sentença, utilizando moderadamente os meios necessários para repelir injusta agressão representada por indivíduo armado que desobedeceu ordem de parada e empreendeu fuga em alta velocidade. Não havendo nos autos existência de indícios suficientes de autoria ou participação dos apelados na empreitada delitiva, correta a decisão do juiz que fundamentadamente o impronuncia, em disciplina do art. 414 do Código de Processo Penal. No caso, impõe-se a impronúncia dos acusados quando, após regular instrução probatória, não resultam comprovados indícios suficientes de autoria, especialmente quando a própria investigação policial conclui que o disparo que atingiu a vítima não partiu da arma de um dos acusados, rompendo-se o nexo de causalidade entre as condutas imputadas e o resultado lesivo.” R E L A T Ó R I O Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra a decisão prolatada nos autos da Ação Penal nº 0008349-68.2009.8.11.0042, (Cód. 141044) que impronunciou os recorridos JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA, MOISÉS MARTINS Com fundamento no art. 414, do Código de Processo Penal, e absolveu os recorridos RONALDO ROQUE DA SILVA e RONALDO BATISTA DUARTE com suporte no artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal. (Sentença – Id. 190858281) Inconformado, o ‘Parquet’ sustenta que conforme se depreende do acervo probatório, há nos autos provas suficientes para subsidiar a pronúncia dos recorridos como incursos nas penas do artigo 121, § 2°, inciso IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), c/c. artigo 14, inciso II, c/c o artigo 29, ambos do Código Penal, submetendo-os ao Julgamento do Egrégio Tribunal do Júr. (Id.190858288) Em contrarrazões Ronaldo Batista Duarte pede que seja improvido o apelo ministerial, mantendo inalterada a sentença absolutória. (Id.190858295) Ronaldo Roque da Silva pede que seja negado provimento ao recurso do Ministério Público, a fim de se preservar a Justiça. (Id.190858296) A Defensoria Pública em benefício de Moisés Martins, sustenta a manutenção da decisão que impronunciou o Apelado. (Id. 190858297) O recorrido Jean Marcel Zattar de Faria, pede o não conhecimento do recurso de Apelação interposto pelo d. MPMT ou, sucessivamente, o desprovimento mantendo-se a decisão proferida na origem que determinou a impronúncia do recorrido. (Id. 190858301) Nesta instância, a i. Procuradoria Geral de Justiça no parecer subscrito pelo d. Procurador de Justiça Dr. Gerson N. Barbosa, manifestou-se pelo provimento do apelo ministerial, a fim de que os apelados (Moisés Martins, Jean Marcel Zattar, Ronaldo Batista e Ronaldo Roque) sejam pronunciados e submetidos a julgamento perante o tribunal do júri, na ementa assim sintetizada: (Id. 199282693) “SUMÁRIO: APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. ABSOLVIÇÃO DE DOIS RÉUS E IMPRONÚNCIA DE OUTROS DOIS. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. PEDIDO DE PRONÚNCIA. ADMISSIBILIDADE. OS RÉUS DEVEM SER PRONUNCIADOS QUANDO PRESENTES PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. A DECISÃO DE PRONÚNCIA REVESTE-SE DE SIMPLES JUÍZO DE PROBABILIDADE, NA QUAL NÃO SE FAZ INDISPENSÁVEL A CERTEZA DA CULPABILIDADE DOS ACUSADOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. PELO PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL.” É o relatório. V O T O R E L A T O R Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso manejado e das contrarrazões. Como visto, o Ministério Público pede a reforma da sentença, aduzindo, em síntese, a existência de materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria em relação a todos os recorridos. Sustenta que há contradições nos depoimentos dos policiais militares, o que geraria dúvidas sobre eventual excesso na atuação policial, circunstância que deveria ser apreciada pelo Tribunal do Júri. Quanto aos acusados impronunciados, argumenta que existem relatos de testemunhas como fator que autoriza a submissão a plenário do Júri. Pois bem. Narra à denúncia, em síntese: (Id.190857856-fls-01/14) “DO DELITO DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO Provam os autos de Inquérito Policial n° 8349- 68.2011.811.0042, que sustenta a presente denúncia, que no dia 20 de março de 2009'- sexta-feira, por volta das 20:00 horas, NUMA VIA PÚBLICA DO BAIRRO CPA IV, nesta urbe e Comarca, com unidade de desígnios e mediante disparos de armas de fogo, sendo duas apreendidas nos autos, os Denunciados tentaram matar a vítima EDUARDO MARTINS MATHIAS, também conhecido como Paulista. 02. OS ACUSADOS AGIRAM COM ABUSO DE PODER E VIOLAÇÃO DO DEVER PARA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 03. DO MESMO MODO, OS DENUNCIADOS AGIRAM POR MOTIVO TORPE E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO. Inicialmente os denunciados JEAN MARCEL e MOISÉS perseguiram a vítima EDUARDO, pelas ruas do mencionado bairro. Para essa perseguição, tais Acusados utilizaram o veículo da marca vw, modelo qolf, de cor vermelha, com demais características por ora ignoradas, de propriedade do denunciado MOISES, que, inclusive, na data do crime o dirigia. Por sua vez, o Ofendido fugia na motocicleta da marca yamaha, modelo YBR, de cor vermelha, placas NJB-9188, registrada em nome de pessoa por ora desconhecida (fls.74/75). Descobriu-se que o denunciado JEAN MARCEL estava de folga da corporação e acionou os codenunciados RONALDO ROQUE E RONALDO BATISTA, e, por fim, acionaram viaturas do BOPE E DO 30 BPM, dentre elas, aquela comandada pelo TEN. PM WANDERSON DA COSTA CASTRO, tudo para que os colegas de farda também perseguissem, como perseguiram, a vítima EDUARDO. Durante a perseguição, os Acusados e demais milicianos efetuaram diversos disparos com armas de fogo na direção e pelas costas da Vítima, sendo que um desses disparos acertou a sua região espondiliana, repita-se, nas suas costas, a demonstrar o dolo direto de matar dos Denunciados. Em seguida o Ofendido caiu da motocicleta e foi socorrido por populares, que acionaram o serviço de atendimento médico de urgência - SAMU, que o encaminhou para o pronto socorro municipal de Cuiabá, onde foi submetido a procedimentos médicos de urgência/emergência, que impediram a sua morte (fls. 25/29 e 48). Por isto, o homicídio somente não se consumou por circunstâncias alheias às vontades dos acusados RONALDO ROQUE RONALDO BATISTA, JEAN MARCEL e MOISÉS. Não se sabe por ora, de qual arma de fogo dos Denunciados saiu o projétil que atingiu o Ofendido, deixando-lhe sequelas irreparáveis, mas as provas e indícios presentes nos autos confirmam que 'todos os Acusados agiram com dolo.de matá-lo. O disparo efetuado pelos Acusados contra o Ofendido resultou na sua paraplegia, conforme comprovam o laudo pericial médico de lesões corporais com mapa topográfico de fls. 80/85. EM RESUMO, OS ACUSADOS RONALDO ROQUE RONALDO BATISTA, JEAN MARCEL E MOISÉS TENTARAM EXECUTAR SUMARIAMENTE A VITIMA' EDUARDO; POR MOTIVO DE TORPE, MEDIANTE RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A SUA DEFESA E NÃO CONSEGUIRAM POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS ÀS SUAS VONTADES. II - DAS VERSÕES DOS ACUSADOS QUE COMPROVAM A TENTATIVA DE EXECUÇÃO SUMÁRIA DO OFENDIDO: Restou certo que o acusado MOISÉS agiu como participe no delito, porque aderiu a intenção delitiva do do-denunciado JEAN MARCEL e perseguiu a Vítima com seu veículo golf vermelho, até que o acusado JEAN ficasse em condições de descer do carro e efetuar os disparos de arma de fogo, como de fato o fêz. Segundo versão do acusado JEAN MARCEL, feita na data da tentativa de homicídio enfocada, quando ouvido como vítima pelo delegado de polícia, bem como e em seu interrogatório militar, realizado no dia 23.04.2009, a vítima EDUARDO teria supostamente tentado praticar um assalto contra o próprio denunciado JEAN MARCEL (fls. 51 /52, 76/77 e 143/144). Naquelas ocasiões, o acusado JEAN MARCEL afirmou que estava de folga da corporação e transitava na via pública na companhia do co-denunciado MOISÉS, que, por sua vez, conduzia o veículo da polf vermelho. O denunciado JEAN MARCEL não esclareceu o objeto do roubo de que supostamente teria sido vítima, o local que ele teria ocorrido e as circunstâncias que impediram a consumação desse delito patrimonial, que o ora ofendido EDUARDO teria praticado. Ainda na versão do denunciado JEAN MARCEL, a vítima EDUARDO teria usado, para o suposto assalto, a motocicleta da marca yamaha ybr, de cor vermelha. Daí porquê, também na versão do acusado JEAN MARCEL, ele e o codenunciado MOISÉS saíram em perseguição - COM EVIDENTE DOLO ESPECÍFICO DE MATAR -, do ofendido EDUARDO e, ainda, acionaram os comparsas, RONALDO ROQUE e RONALDO BATISTA, que, segundo consta, estavam em serviço, para auxiliá-los na captura e tentativa de assassinato do ora vítima EDUARDO (fls. 51/52). No referido interrogatório militar, o denunciado JEAN MARCEL negou a autoria delitiva da tentativa de homicídio da vítima EDUARDO, ao dizer que não realizou disparos com arma de fogo, porque não estaria armado (fls. 51/52). Por sua vez, os acusados RONALDO ROQUE e RONALDO BATISTA esclareceram e confessaram em seus interrogatórios, também feitos a autoridade militar nas fls. 40/43, que, durante a perseguição à vítima EDUARDO, EFETUARAM VÁRIOS DISPAROS EM SUA DIREÇÃO E PELAS COSTAS; e que um desses disparos acertou a região espondiliana do Ofendido, repita-se, nas costas. Além disso, os denunciados RONALDO ROQUE e RONALDO BATISTA delataram o acusado JEAN MARCEL, inclusive confirmaram que Ele empunhava uma arma de fogo, não apreendida nos autos, e que com esse artefato letal também efetuou disparas contra a Vítima (fls. 40/43). A versão do suposto assalto apresentada pelo acusado JEAN MARCEL foi corroborada pelo participe MOISÉS perante as autoridades policiais civil e militar (fls. 59/60, 74/75 e 141 /1 42). Apurou-se que outras várias viaturas do BOPE e do 3° BPM, dentre elas, aquela comandada pelo TEN. PM COSTA CASTRO, também teria feito a perseguição à vítima EDUARDO, inclusive se fazia presente no local e horário dos fatos delitivos (fls. 69/73). Contudo, as responsabilidades criminais do TEN. PM WANDERSON DA COSTA CASTRO e outros policiais militares, não foram devidamente elucidadas. Ouvido pela autoridade policial sindicante, o TEN. PM WANDERSON também confirmou que o acusado JEAN MARCEL portava uma arma de fogo do tipo pistola e, com Ela, efetuou disparos contra a vítima EDUARDO (fls. 53/54). III - DA VERSÃO DO FATO DELITIVO APRESENTADA PELA VÍTIMA E POR UMA TESTEMUNHA OCULAR: Ouvido pela autoridade policial sindicante, o Ofendido declarou que transitava com a motocicleta YBR vermelha na via pública, no mesmo sentido do GOLF vermelho conduzido pelo acusado MOISÉS, que trazia no banco do carona dianteiro o denunciado JEAN MARCEL (fls. 57/58). Afirmou a Vítima que, em determinado momento, o acusado MOISES realizou uma manobra com o veículo GOLF vermelho, que, abruptamente impediu a passagem do Ofendido com a motocicleta, no que popularmente se conhece como fechada. Naquela ocasião, houve uma discussão com trocas de ofensas recíprocas, quando a Vítima retornou até a sua residência, pegou a estrutura/carcaça de um revólver calibre 22, totalmente desmuniciado e inoperante, inclusive sem diversas peças imprescindíveis para a realização de disparo com produção de tiros, tais como o gatilho, e saiu novamente para a via pública na motocicleta, quando alcançou o veículo golf dos acusados MOISES e JEAN MARCEL. Narra o Ofendido que Ele e os acusados MOISES e JEAN MARCEL teriam conversado normalmente na via pública, oportunidade em que, aparentemente terminada a rusga, seguiu pela rua. Asseverou a Vítima que, em seguida, foi surpreendido pela perseguição efetuada pelos acusados MOISES e JEAN MARCEL, no veículo GOLF vermelho; e pelos denunciados RONALDO ROQUE e RONALDO BATISTA, na viatura do BOPE, da marca pm, modelo blazer, que, por sua vez, efetuavam inúmeros disparos de arma de fogo. Finalmente, após ter sido atingido por um disparo de pistola calibre ponto 40, a Vítima perdeu os movimentos das pernas e colidiu num muro e caiu no chão. UMA TESTEMUNHA OCULAR PRESENCIOU O MOMENTO EM QUE OS DENUNCIADOS MOISES E JEAN MARCEL FECHARAM A VÍTIMA NO TRÂNSITO (FLS. 50). A vítima EDUARDO negou que tivesse praticado a tentativa de roubo, em face do denunciado JEAN MARCEL, e esclareceu que lhe conhecia há 03 anos; e que residem no mesmo bairro CPA IV e que o mencionado Acusado era dono da distribuidora de bebidas denominada 1000 Graus, que era concorrente do comércio do irmão do Ofendido, denominada Varejista Secos e Molhados Distribuidora (fls. 57/58). DOS FATOS COMUNS: Os próprios denunciados JEAN MARCEL e RONALDO ROQUE grafaram no boletim de ocorrência da polícia militar n° 2020010.09.013745-9, encartado nos presentes autos nas fls. 63/64, que o ofendido EDUARDO possuía, naquela oportunidade, uma carcaça de um revólver desmuniciado, da marca custer, calibre 22, numeração de série AF125211. Consta naquele documento oficial, que a referida carcaça de artefato letal não possuía cabo, gatilho ou sequer o cão, ou seja, a arma de fogo supostamente usada para o assalto, pelo ofendido EDUARDO, era ineficiente para a realização de disparos com produção de tiros (fls. 69/71). A autoridade militar não se dignou em requisitar a feitura de exame pericial sobre a malsinada carcaça do revólver de calibre 22, que a vítima EDUARDO teria usado na data dos fatos delitivos. ' Foram apreendidos tardiamente, em poder dos acusados RONALDO BATISTA e RONALDO ROQUE, os revólveres da marca taurus, ambos de calibres ponto 40, com as numerações de série SQL59907 e SQL 59900, respectivamente (fls. 89). 05. Apenas o primeiro dos revólveres foi encaminhado a POLITEC/MT e submetido a exame pericial de natureza, eficiência e funcionamento, cujo laudo atestou sua eficiência 'para a realização de disparos com produção de tiros (fls. 165/172).” A denúncia foi recebida em 26.04.2013. (Id.190857857-59/69) Ao final da primeira fase do procedimento do tribunal do júri, em decisão proferida em 24.7.2023, Ronaldo Batista Duarte e Ronaldo Roque da Silva foram absolvidos em razão do reconhecimento de excludente de ilicitude, entendendo o magistrado que estariam amparados pelo estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa (ID.190858281). Já, Moisés Martins e Jean Marcel Zattar de Faria foram impronunciados, com fundamento no artigo 414, do Código de Processo Penal. (Id. 190858281) Para a melhor análise do recurso ministerial, transcrevo a decisão combatida prolatada sob os seguintes fundamentos: “Vistos. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por seu digno representante nesta Comarca, no uso de suas atribuições legais e com base no inquérito policial n° 211/2009 ofereceu denúncia em desfavor de MOISÉS MARTINS, como incurso nas penas do artigo 121, § 2°, inciso I (motivo torpe) e inciso IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido) e art. 14, inciso II c/c art. 29, todos do Código Penal c/c Lei n° 8.072/90; RONALDO ROQUE DA SILVA e RONALDO BATISTA DUARTE, como incurso nas penas do artigo 121, § 2°, inciso I (motivo torpe) e inciso IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido) e art. 14, inciso II c/c art. 29 c/c art. 92, inciso I, alíneas "a" e "b", todos do Código Penal c/c Lei n° 8.072/90 e JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA, como incurso nas penas do artigo 121, § 2°, inciso I (motivo torpe) e inciso IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido) e art. 14, inciso II c/c art. 29 c/c art. 62, inciso I c/c art. 92, inciso I, alíneas "a" e "b", todos do Código Penal c/c Lei n° 8.072/90.[...] A denúncia foi oferecida em 30.04.2012 e recebida em 26.03.2013. (fls. 269/279) Durante a instrução processual colheu-se os depoimentos das testemunhas João Antônio Brito Silva, João Bosco Gorgete, Pablo Augusto Braz de Lima, Thiago Augusto Oliveira Cruz, Rogério de Paula Almeida, os Policiais Militares Laércio Silva de Moraes, Mauro Fernandes da Cruz e Wanderson da Costa Castro e, os acusados Jean Marcel Zattar de Faria, Moisés Martins, o Policial Militar Ronaldo Roque da Silva e o Policial Militar Ronaldo Batista Duarte. Encerrada a instrução, o Ministério Público apresentou as alegações finais em memoriais escritos, juntados nos autos no Id 71207375, pugnando pela procedência da exordial acusatória, a fim de pronunciar os acusados JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA, MOISÉS MARTINS, RONALDO ROQUE DA SILVA e RONALDO BATISTA DUARTE como incursos nas penas do artigo 121, § 2°, inciso IV, c/c artigo 14, inciso II, c/c o artigo 29, ambos do Código Penal, submetendo-os ao Julgamento do Egrégio Tribunal do Júri. A defesa de Moisés Martins, conforme id 72507550, apresentou seus memoriais finais onde pede sua impronúncia, visto que não restou comprovado indícios de autoria em desfavor do denunciado, fazendo-se nos termos do artigo 414 do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, requer a desclassificação do crime de homicídio tentado, artigo 121, § 2º, inciso IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, reconhecendo a existência de crime diverso da competência do Tribunal do Júri, com a remessa dos autos ao juízo competente. Sendo a decisão de pronúncia, pugna pelo decote da qualificadora, por se mostrar manifestamente improcedente. Já a defesa de Ronaldo Batista Duarte, nos memoriais apresentados no Id 74154241, requer a absolvição sumária do acusado, por ter o mesmo agido em legítima defesa, visto que preenchido os requisitos de uma causa de excludente da ilicitude, com base no art. 415, IV, do Digesto Processual Penal. Não sendo esse o entendimento, requer, nos termos do art. 414, CPP, a impronuncia do acusado, diante da inexistência de indícios suficientes de autoriza. A defesa de Ronaldo Roque da Silva, por sua vez, apresentou os memoriais finais (Id 77892648), pede pela absolvição sumária do acusado por estar provado nos autos que o denunciado agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa. De forma alternativa, requer a improcedência da ação penal, com a finalidade de impronunciar o acusado Ronaldo Roque da Silva, visto que não restou comprovado indícios de autoria em desfavor do referido acusado, fazendo-se nos termos do artigo 414 do Código de Processo Penal. Ainda, não sendo esse o entendimento, pede a desclassificação do crime de homicídio tentado, artigo 121, § 2º, inciso IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, reconhecendo a existência de crime diverso da competência do Tribunal do Júri, com a remessa dos autos ao juízo competente. Ainda, pugna pelo decote da qualificadora, por se mostrar manifestamente improcedente. Por fim, no id 110709643, a defesa de Jean Marcel Zattar de Faria, pugna pela absolvição sumária do acusado nos moldes do art. 415, do Código de Processo Penal. Sucessivamente, pugna pela impronúncia diante da inexistência de indícios suficientes de autoria, consubstanciado na exegese do Art. 414, do CPP. Ainda, de forma subsidiária, pede a exclusão das qualificadoras Eis o breve relatório. Fundamento e decido. Sabe-se que na fase de pronúncia, impera o princípio do in dubio pro societate, que decorre da competência constitucional do Conselho de Sentença para a análise dos crimes dolosos contra a vida. À vista disso, é vedado ao juiz togado exame aprofundado da prova, para não comprometer a convicção dos jurados, bem como que qualquer dúvida quanto ao dolo, autoria ou excludente de ilicitude, resolver-se-á com a remessa do processo ao seu juízo natural. Da mesma forma, é consabido que ao final da primeira fase do rito do júri, ao juiz togado compete o julgamento da admissibilidade da acusação. Nessa senda, há possibilidade excepcional, indicada pelo art. 415, do Código de Processo Penal, de ser antecipado o juízo cognitivo de mérito, quando: I - provada a inexistência do fato; II - provado não ser o réu o autor ou partícipe do fato; III - o fato não constituir infração penal; IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Assim, o magistrado togado está autorizado a proferir juízo absolutório quando a prova for segura e indicar o insucesso da ação penal por manifesta incidência das situações previstas no Código de Processo Penal. Como leciona Gustavo Henrique Badaró, “a prova, quanto à existência ou materialidade do fato, poderá gerar no juiz três estados de convencimento. O magistrado poderá ter certeza de que o fato material existiu, caso em que estará presente um dos requisitos da pronúncia. No caso de haver dúvida se o fato existiu ou não, deverá impronunciar o acusado, porque não estará convencido da materialidade do fato (CPP, art. 141, ‘caput’). Por fim, poderá o juiz ter certeza de que o fato material não existiu, quando deverá aplicar a nova hipótese de absolvição sumária.” (As Reformas no processo penal. Coordenação: Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo. Edita Revista dos Tribunais, 2008. p. 88) No presente caso, do conjunto probatório, a prova da materialidade do delito restou comprovada pelo Boletim de ocorrência n. 2020010.09.013745-9 (fls. 102/103); laudo pericial n. 01.02.003512-01/2009 (fls. 120/126); auto de apreensão (fls. 195); laudo pericial n. 02-03-002378-2009 (arma - fls. 207/234); boletim de atendimento (fls. 643/662 - fls. 761/778). No que tange à autoria, trago à baila os depoimentos prestados em juízo. A testemunha João Antônio Brito Silva, em juízo - de início - disse que conhece Jean e Moisés. No dia dos fatos, contou que ele e um amigo estavam na distribuidora localizada no Bairro CPA IV. Recorda que era à noite, mas não soube precisar o horário. Enquanto estava na distribuidora, viu uma moto trafegando na contramão e logo em seguida virou à esquerda, sendo seguido por uma viatura e após uma segunda viatura. Afirma que não ouviu barulho de disparo de arma de fogo. Não se lembra de ter visto um veículo ‘Golf’ perseguir o motoqueiro. Não se recorda de mais nada. E nas suas conversas com Jean, o acusado teria contado que o rapaz da moto teria tentado assaltá-lo. E quando perguntado, relatou que não conhecia a vítima e não deu para perceber se ele estaria armado ou não. A testemunha João Bosco Gorgete, em juízo, afirmou que não presenciou o crime e não sabe por que foi arrolado como testemunha. Relata que subiu no muro e viu passando a viatura da polícia. Não sabe se Eduardo andava armado. E depois ficou sabendo que ele teria ficado tetraplégico por causa dos tiros. E quando questionado, não conhece os acusados. Ao ser questionado pela defesa, relatou que Eduardo já teria sido preso, mas não sabia o motivo. Mas as pessoas falavam que ele cometia crimes de roubo. Mas teria sido a primeira vez que o viu tendo problemas com a polícia. A testemunha Pablo Augusto Braz de Lima, em juízo, disse que conhece Moisés e conhece Jean de vista. Com relação à vítima, contou que o pai tem uma distribuidora. Sobre os fatos, falou que estava na avenida principal do bairro CPA IV, quando visualizou Moisés e Jean, junto, passando de carro, quando uma moto parou ao lado do automóvel onde eles estavam. Depois de ficar acelerando, deu a volta e foi para o lado do passageiro e fazia menção de que estaria armado, pois colocava a mão na cintura. De repente ambos aceleravam e saíram. Não sabe dizer quem estaria na motocicleta e não escutou disparo de tiro. Quando questionado, relata que teve a impressão que a pessoa da moto iria assaltar Moisés e Jean. Ouviu dizer que Moisés, Jean e Eduardo desceram e aconteceu alguma coisa que acarretou o tiroteio. A testemunha Thiago Augusto Oliveira Cruz, em juízo, contou que estava com seu amigo João, sentado em uma distribuidora tomando cerveja, quando visualizou a motocicleta andando na contramão e a viatura da polícia o perseguindo. Não se recorda se o motoqueiro usava capacete, se estava armado, mas estava em alta velocidade. Recorda-se que eram duas viaturas, sendo uma delas do BOPE. E enquanto estava na conveniência, afirma que não ouviu disparos de arma de fogo. A testemunha Rogério de Paula Almeida, em juízo, de início afirma que conhece Moisés e Jean. No dia do ocorrido, disse que estava na distribuidora de bebidas quando passou uma motocicleta muito barulhenta andando na contramão e logo passaram duas viaturas, sendo uma ‘normal’ e outra do BOPE, mas não se lembra de ter visto o veículo ‘Golf’. Não lembra precisamente do horário, mas que já era à noite. Quando questionado se o motoqueiro estaria com alguma arma, disse que não conseguiu ver porque ela andava muito rápido. Disse que Jean e Moisés teriam ido até a distribuidora onde estava o depoente e foi nesse momento que ele ouviu Jean dizer que teria sido vítima do crime, o que acarretou na perseguição e troca de tiros que atingiram Eduardo, a vítima. Sobre Eduardo, apenas ouviu dizer que seria bandido e fazia uso de entorpecente, inclusive já teria usado monitoramento eletrônico. A testemunha Policial Militar Laércio Silva de Moraes, em juízo, afirma conhecer os dois acusados Ronaldo Roque e Ronaldo Batista. Com relação a vitima Eduardo, não o conhece. No dia do crime, estava atendendo uma ocorrência de delito de trânsito no CPA IV, próximo a Caixa D’água. Em determinado momento, enquanto fazia a ocorrência, na mesma avenida no sentido contrário, uma pessoa apareceu gritando que tinha sido vítima de assalto. Ante o relato, duas viaturas saíram para atender a ocorrência e o depoente permaneceu no local. Sobre o desfecho, ele não sabe relatar porque não participou. Conta que não ouviu disparo de fogo. A testemunha Policial Militar Mauro Fernandes da Cruz, em juízo, relata que na época dos fatos, pertencia ao CIOSP, e seu cargo era rádio operador e atendia a região CPA e bairros vizinhos. Sobre o chamado recebido, não se lembra da viatura estar na região, mas se recorda que quem teria pedido apoio, teria sido pela viatura do COE. No pedido, foi dito que durante acompanhamento o motoqueiro teria batido no muro, solicitando atendimento do SAMU. A testemunha Policial Militar Wanderson da Costa Castro, em juízo, uma das viaturas pertencentes ao Terceiro Batalhão, estava atendendo uma ocorrência corriqueira, um acidente de trânsito e nesse atendimento, tinha o envolvimento do Tenente Coronel Roque. Na via contrária, passou um veículo ‘Golf’ vermelho com dois ocupantes que gritavam “tá armado”, “é roubo”. E nesse momento saíram para fazer o acompanhamento do veículo, porque não estavam entendendo o que acontecia. De repente, passou uma motocicleta que fazia muito barulho. O depoente foi o primeiro a sair com a viatura para entender o que estava acontecendo. Com relação à viatura do BOPE, a mesma teria saído mais atrasada para prestar apoio. Enquanto acompanhava o ‘Golf’, além de ouvir disparos, ele viu disparos saindo de dentro do ‘Golf’, mas ele não tinha visão da moto diretamente, apenas ouvia o escapamento. Quando conseguiu abordar o ‘Golf’ viu que um dos ocupantes era Jean e neste momento, começaram a diligenciar, mas perderam contato visual com a motocicleta e a outra viatura. Afirma que não tinha visão da viatura do BOPE, mas conseguiu ouvir de três a cinco disparos. Somente soube onde a moto se encontrava, quando ouviu o rádio da polícia relatando a colisão do veículo e de que teriam acionado o SAMU. E quem chamou socorro teria sido o Tenente Coronel Roque. Sobre a arma utilizada por Eduardo, a testemunha conta que viu o artefato na delegacia. Ao ser questionado por um dos defensores, relata que após confirmar que dentro do veículo ‘Golf’ estaria um policial militar, o liberou e voltou a diligenciar atrás da moto. Não soube dizer se o Cabo Ronaldo teria continuado a perseguição da motocicleta, mas sabia que ele teria sido o primeiro a chegar ao local e prestaram socorro. Também não soube dizer se eles efetuaram disparos contra o motoqueiro, mas os disparos que viu teriam partido do ‘Golf’ ou da moto. Contudo tem certeza que disparos foram desferidos de dentro do veículo ‘Golf’. Depois do fato, não teve contato com Moisés, até porque não o conhece. Ainda indagado por um dos defensores, reafirma que não tinha visão da moto, somente a ouvia porque o escapamento era alto. Que a única vez que a visualizou, seria quando os ocupantes do ‘Golf’ gritaram ‘é assalto’, mas nessa única vez viu Eduardo com a arma na mão, bem como Jean segurando sua arma e que o teria visto desferindo pelo menos um disparo. Não tem como afirmar que ele teria intenção de matar. Com relação à viatura do BOPE, somente se lembra de que logo saiu atrás dele, mas como não sabe dizer a direção. O acusado Moisés Martins, em juízo, contou que no dia dos fatos, estava juntamente com Jean no seu carro ‘Golf’, que tinha recém comprado. Enquanto estavam em direção da distribuidora “Mil Graus”, em frente a loja Moda Verão, Eduardo encostou com a sua moto ao lado do motorista, ou seja, do depoente. De início, ele pensou que poderia ser algum amigo do bairro CPA. De repente, ele foi para frente do carro e freava, fazendo com que Moisés reduzisse ainda mais a velocidade. Depois de um tempo, ele voltou e ficou ao lado do motorista e logo em seguida, passou para o lado direito e ficou ao lado do passageiro mandando que encostasse o carro. E enquanto pedia para que Moisés encostasse o carro, o depoente visualizou Eduardo com uma mão no guidão e a outra na cintura, segurando uma arma. Quando foi passar pelo quebra-molas, aproveitou e acelerou para se desvencilhar de Eduardo e foi o momento que viram os carros de polícia que faziam atendimento de um acidente de trânsito. Ao pedir socorro para os policiais, Eduardo aproveitou e fugiu. O interrogando relata que gritou e Jean saiu do carro pedindo ajuda, dando início da perseguição. Moisés conta que em determinado momento, visualizou Eduardo parado em uma esquina e por esse motivo, também parou o carro e Jean saiu para tentar pegar a vítima. Contudo, foi parado por um dos policiais que participava da perseguição. Isso fez com que Jean se apresentasse e mostrasse sua carteira funcional, já que também era policial. Afirma que o policial deu voz de prisão, mas Eduardo não parou e que nesse momento apareceu o carro do BOPE que continuou a perseguição. Conta que ele e Jean seguiram para a distribuidora. Quando foi chamado para prestar depoimento na delegacia, que ficou sabendo que Eduardo estaria internado na UTI. Afirma que se assustou o fato do Ministério Público dizer que ele já teria cometido crime, pois ele sempre foi trabalhador e inclusive é servidor público federal. Nega que Jean estivesse armado e de igual forma, nega que ele tenha desferido disparo de arma de fogo. O acusado Policial Militar Ronaldo Batista Duarte, em juízo, contou que era um dos motoristas da guarnição. No dia dos fatos, recebeu um chamado dizendo que era para buscar Ronaldo Roque que estava no Esfap. Durante o trajeto de volta, Ronaldo recebeu uma ligação da esposa avisando que tinha batido o veículo. Enquanto Ronaldo conversava com os envolvidos no acidente, ouviu os pedidos de ajuda, relatando de que estaria acontecendo um assalto. Nesse momento, Ronaldo foi para a viatura e disse que iriam dar apoio. Ligaram o giroflex e iniciaram a perseguição. Conta que em determinado momento, se perderem, mas visualizaram o giroflex da outra guarnição que também estaria envolvida na perseguição. Na aproximação, visualizou Jean correndo com uma arma na mão gritando “moto, moto”, mas ele não tinha visualização do veículo, até o momento que fez a volta com o carro e constatou que Eduardo estava parado na esquina. Conta que não sabe precisar o momento, mas ouviu um disparo de arma de fogo. Ao reiniciar a perseguição, entraram na contramão e foram seguindo Eduardo. Quando ele entrou no bairro CPA III, em determinado momento ele entrou a esquerda, o depoente viu que seria um beco (a rua tinha formato de U), e como Eduardo vinha pela calçada, ele conseguiu fechá-lo e foi à hora em que conseguiu visualizar a arma na mão de Eduardo. Para tentar fugir, a pretensa vítima entrou no beco e foi quando a testemunha efetuou um disparo de arma de fogo. Afirma que o disparo foi feito para acertar o pneu da moto. E após esse disparo, Eduardo sumiu. Ao continuar a fazer a perseguição de Eduardo, conta que foi a pé e quando desceu todo pátio, visualizou o Coronel Ronaldo já tinha detido Eduardo e o mesmo relatou que já tinha localizado a arma que estava com a pretensa vítima. Relata que não tinha ninguém próximo, que o Coronel Ronaldo pediu ajuda, chamou o SAMU. E teve um determinado momento, que Eduardo estaria afogando como sangue e o depoente virou o rosto dele para o lado para que o afogamento não ocorresse. Conta que apareceu um rapaz de moto e pediu para que ele ajudasse a ambulância do SAMU a chegar no lugar onde estavam, pois era difícil acesso. Desabafa dizendo que se tivesse vontade de matar, como afirmou o Ministério Público, a vítima estaria morta. O acusado Policial Militar Ronaldo Roque da Silva, em juízo, no dia dos fatos, estava na Escola Superior de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (ESFAP), que fica na rodovia que vai para a estrada da Guia. Entre 18h00min e 18h30min, Ronaldo Roque que era o motorista da viatura (Blazer), foi busca-lo para que pudesse voltar para o quartel. Durante o trajeto recebeu uma ligação de sua esposa que estava nervosa, contando que tinha ocorrido um acidente com ela, bem na esquina de sua casa e queria que ele fosse ajuda-la. Conta que ligou para o terceiro batalhão para que fosse feito o registro do acidente. E ao chegar ao local do acidente, já tinha uma viatura da PM atendendo os envolvidos no acidente e confeccionando o boletim do acidente. Enquanto conversava com o senhor e sua esposa envolvidos no acidente, chegou a viatura do Terceiro Batalhão. Em determinado momento, conta que do outro lado da avenida escutou alguém chamando a atenção dos policiais, dizendo que estava acontecendo um assalto. Ao olhar a movimentação, visualizou o automóvel ‘Golf’ e o rapaz entrando no carro, como também visualizou Eduardo na motocicleta. Durante o depoimento, Ronaldo esclareceu que ninguém o teria acionado, ele já estava no local e foi apenas ajudar o outro colega militar, sendo que ele é quem estava com a viatura do BOPE. Continuando. Relata que após ser chamado, o Tenente Costa Castro que estava na outra viatura já saiu para atender a ocorrência e como sua viatura estava em sentido contrário, demorou um pouco para fazer a manobra, dando tempo de os perderem de vista. Ao escutar disparo, foi em direção de onde veio o barulho, que era próximo a padaria ‘Crocante’. Durante o deslocamento, visualizou o Tenente Costa Castro abordando os ocupantes do veículo ‘Golf’. Nesse momento, Jean começou a apontar onde estaria Eduardo, que no momento em que os visualizou, Eduardo voltou a fugir da polícia. Segundo o depoente, quando virou para ir atrás de Eduardo, ele escutou disparos de arma de fogo e ao olhar de onde vinha, afirma que era Jean quem efetuava o disparo, até porque o viu segurando uma arma. Narra que continuou a perseguição e em determinado momento perderam Eduardo de vista. Ao continuarem a diligência, visualizaram Eduardo parado em uma espécie de beco e o mesmo estava segurando uma arma. Afirma que efetuou o disparo não para mata-lo, mas sim para alertalo. E essa arma inclusive foi apresentada e que ele atestou no boletim de ocorrência que era um revólver original, sem cão e sem gatilho. E que durante a ação policial, em situação de risco, não tem como saber se a arma funciona ou não. Ainda, ressalta que o tempo todo usou o mega fone que tem na viatura pedindo para que Eduardo parasse, mas ele ignorava. E não efetuou nenhum disparo durante a perseguição. Quando desceu da viatura, ele escutou um barulho, que teria batido em algo. Ronaldo Batista deu a volta com a viatura e o depoente a pé, que se deparou com Eduardo caído no chão e a moto em cima dele. Visualizou também a arma usada por ele próximo ao muro. Ele e Ronaldo tiraram a moto de cima dele, pegou a arma e acionou o CIOSP pedindo atendimento do SAMU. Durante esse acontecimento, ele não soube dizer onde estava Jean e Moisés, mas não viu Moisés efetuar disparo de arma de fogo em momento nenhum. Ressalta que não tinha motivo para executar Eduardo porque nem o conhecia e por este motivo estranhou os fatos narrados na exordial. Ainda, afirma que não tinha sangue no chão, Eduardo não foi alvejado, já que ele estava caído no chão com a motocicleta em cima dele. Não chegou agredindo, o apenas ajudou tirando a moto de cima dele. O acusado Jean Marcel Zattar de Faria, em juízo, inicialmente relata a surpresa de vítima passar a ser réu, pois ele e Moisés teriam sido vítimas de uma tentativa de assalto. No dia em questão, disse que era seu dia de folga e que estava com Moisés, fazendo o trajeto do CPA II sentido CPA IV. Quando estavam na Avenida Principal, ouviram o barulho de motocicleta que começou a encostar-se ao carro de Moisés. Enquanto desciam a via, o motoqueiro saiu do lado do motorista e foi para o lado do passageiro, onde estava o depoente. Quando a velocidade do carro foi reduzida, o rapaz chegou do seu lado anunciando o assalto, e estava com uma mão no guidão e a outra na cintura, fazendo a menção de estar armado. Para evitar serem vítimas, Jean mandou que Moisés acelerasse o carro e foi quando visualizaram viaturas da PM que estavam do outro lado da pista. Nesse momento, o motoqueiro fugiu e eles pararam para pedir ajuda. Jean conta que desceu do carro pediu ajuda e logo em seguida voltou para o veículo. Enquanto trafegavam, visualizaram a motocicleta e fora atrás. De repente, visualizaram uma das viaturas. Em determinado momento, viram a motocicleta entrando em uma das ruas do bairro, mas como não tinha jeito de dar um retorno, o declarante desceu do carro e foi abordado pelo Tenente que dirigia a viatura. Ao ser abordado, sinalizou que também era Policial Militar e relatou que tinha sido vítima de uma tentativa de assalto e nesse mesmo momento o motoqueiro passou por eles e foi seguido pela viatura do BOPE. Depois que o tenente viu sua identificação, o mesmo voltou para sua viatura e continuar a perseguição. Ao ser questionado, nega que tenha efetuado qualquer disparo de arma de fogo, pois afirma que estava desarmado. Nega que conheça Eduardo e que seria dono da distribuidora de bebidas que fazia concorrência com a distribuidora que seria de propriedade do irmão de Eduardo. Depois dos fatos, foi para a distribuidora de bebidas, ficou por cerca de meia hora até receber uma ligação do CIOSP para prestar depoimento. Somente ficou sabendo que Eduardo teria sido atingido quando estava na delegacia. Nega que antes da abordagem tenha tido qualquer problema com Eduardo. E reafirma que Eduardo estava armado. DOS DENUNCIADOS RONALDO BATISTA DUARTE E RONALDO ROQUE DA SILVA Conforme consignado em linhas anteriores, as defesas suscitam a incidência da ocorrência de causa de isenção de pena, sob argumento de que os denunciados agiram em legítima defesa. A referida excludente de ilicitude conceituada no art. 25 do CP, configura-se quando alguém, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Logo, o reconhecimento da legítima defesa, além de exigir a atualidade da ofensa, perpassa pela proporcionalidade e razoabilidade da conduta, assim como pela escolha do meio a ser utilizado, o qual deve ser aquele estritamente necessário a fazer cessar injusta agressão. Na espécie, os elementos de prova carreados aos autos evidenciam que os denunciados, de fato, agiram amparado pela excludente do estrito cumprimento do dever legal e da legítima defesa Inicialmente, com a devida vênia ao Il Promotor, importante consignar que o fato de a arma de fogo estar inapta para efetuar disparos, a depender, pode apresentar considerável poder intimidatório, razão pela qual, a exigência da comprovação do perigo concreto para repelir um mal injusto, dificultaria em muito a defesa da vida, bem como, a prevenção de crimes violentos. E no presente caso, sabemos que durante uma ação, é impossível para os policiais terem a certeza necessária se o armamento está apto ou não. A circunstância de o artefato estar inapto ou ser ineficiente para efetuar disparo, não exclui a tipicidade do delito. Logo, a lesividade está presente no simples fato do agente possuir a arma e não obedecer à ordem de parada dos policiais. Ademais, conforme restou demonstrado, a arma era de verdade, porém, não tinha o ‘cão’ e o gatilho. Inclusive, constato que Eduardo responde por crime de porte ilegal de arma de fogo, ameaça, furto simples e furto qualificado. E o fato da testemunha Welder, não ouvida em juízo, na fase policial atestar que a arma teria sido jogada, nada nos autos corroboram tal alegação, pois a arma foi apreendida juntamente com Eduardo, conforme relato do Coronel Ronaldo. Além do que, os depoimentos prestados na fase judicial, confirmam que houve uma perseguição, tanto que as testemunhas que se encontravam na distribuidora de bebidas, relatam que Eduardo passou pela contramão e em alta velocidade, colocando terceiros em perigo, sendo seguido pela viatura da polícia. E o fato de o tiro tê-lo atingido pelas costas, é consequência do episódio da perseguição. Nos termos do art. 25 do Código Penal: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Assim, cotejando os requisitos no caso concreto, vislumbra-se agressão injusta por homem com uma arma de fogo em punho, risco iminente. Para os policiais em serviço, a utilização da arma de fogo mostrou-se o meio necessário. Nada obstante o caráter objetivo da legítima defesa, exige-se a existência, naquele que reage, da vontade de defender-se. Seu ato deve ser uma resposta à agressão de outrem, e esse caráter de reação precisa estar presente nos dois momentos de sua atuação: o objetivo e o subjetivo. Portanto, os requisitos da legítima defesa se encontram presentes e não havia qualquer relação interpessoal entre o agressor e agredido, pois, sequer se conheciam. Feitas essa considerações, entendo que não há dúvida de que os acusados, diante de iminente e injusta agressão para si e terceiros, usaram os meios que tinham a seu alcance para repeli-la. Nesse sentido: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO TENTADO - LEGÍTIMA DEFESA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. Se os elementos probatórios constantes dos autos demonstram que o réu agiu em legítima defesa, ao repelir injusta agressão atual contra a sua integridade física, a absolvição em face do reconhecimento da mencionada excludente de ilicitude é medida que se impõe. (TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0878.14.002919-9/001, Relator(a): Des.(a) Júlio César Lorens , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/02/2019, publicação da súmula em 11/03/2019) DOS DENUNCIADOS MOISÉS E JEAN MARCEL Conforme relatado, a defesa de Moisés pugna pela sua impronúncia e a defesa de Jean, requer a absolvição. Alternativamente, pede pela impronúncia. Pois bem. Inicialmente, sobre a absolvição sumária, é o ensinamento de Júlio Fabbrini Mirabete: "A absolvição sumária nos crimes de competência do Júri exige uma prova segura, incontroversa, plena, límpida, cumpridamente demonstrada e escoimada de qualquer dúvida pertinente à justificativa ou dirimente, de tal forma que a formulação de um juízo de admissibilidade da acusação representaria uma manifesta injustiça." (Código de Processo Penal Interpretado, Julio Fabbrini Mirabete, Ed. Atlas, 9ª edição, p. 1.123) E a partir da premissa já explanada, é imperioso destacar a diferenciação entre a absolvição sumária, nos termos do art. 415, inciso II, do CPP, e a impronúncia por falta de elementos de autoria e materialidade. Na lição de Aury Lopes Jr., “A impronúncia é proferida quando, apesar da instrução, não lograr o acusador demonstrar a verossimilhança da tese acusatória, não havendo elementos suficientes de autoria e materialidade para a pronúncia. (...) É assim, uma decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito, não havendo a produção de coisa julgada material, pois o processo pode ser reaberto a qualquer tempo, até a extinção da punibilidade, desde que surjam novas provas. Tal decisão não significa que o réu esteja “absolvido”, pois em que pese não ser submetido ao Tribunal do Júri, não está completamente livre da imputação.” O autor ainda explica que, a hipótese de absolvição sumária exige outros pressupostos, porquanto “Os incisos I e II, iniciam pela exigência de estar provado a inexistência do fato ou de que o réu não é autor ou partícipe do fato. Trata-se de situação que exige prova robusta, que conduza ao pleno convencimento do juiz de que o fato não existiu (em processo por homicídio consumado, produz-se prova cabal de que a vítima está viva, por exemplo) ou de que o réu não é autor ou partícipe. Não se confunde, portanto, com “não haver prova suficiente da autoria ou materialidade”. A exigência é de convencimento e não de dúvida do magistrado”. (Direito Processual Penal – 18ª Edição – São Paulo. Saraiva Educação. 2021 – p.891/895). Nesse passo, a absolvição sumária no procedimento atinente ao Tribunal do Júri é pautada na certeza de inocência do agente. Por seu vértice, entende-se que a sentença de impronúncia não resolve definitivamente o mérito, ao considerar que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia, desde que surjam provas novas, segundo dispõe o parágrafo único do art. 414 do CPP. Em suma, ao considerar que a decisão de impronúncia já possui caráter excepcional, a absolvição sumária nos crimes dolosos contra vida pressupõe um rigor ainda maior na análise probatória, por consignar o afastamento definitivo dos autos à análise popular. No caso em comento, muito embora exista depoimento afirmando que Jean teria ameaçado Eduardo, não se extrai dos documentos apresentados, a certeza necessária de que tal ameaça teria ocorrido e de que teria partido de Jean ou Moisés. Desse modo, é certo que, a tomar como norte a exposição feita nas linhas acima, os fundamentos defensivos não refletem a segurança necessária para, neste momento, eximi-lo de responsabilidade. Contudo, não se pode olvidar que na primeira fase do júri, não se exige exaustiva verticalização da prova, ou seja, suficiente demonstração de responsabilidade criminal. Não obstante, não se pode, a pretexto de creditar o princípio do in dubio pro societate, levar a júri pessoas que não tenham contra si elementos minimamente concretos e resvalados da força necessária à pronúncia, sob pena de originar-se, a partir daí, sujeições a julgamentos populares temerárias e teratológica. Analisando os autos, muito embora se extraia dos depoimentos em sede inquisitorial, indícios de que o acusado possa ter externado suposta vontade de matar a vítima com suposta ameaça, durante a instrução criminal, nenhum elemento de prova foi colhido para sustentar a referida versão, tendo Jean negado que tenha proferido as ameaças. Nada obstante existam relatos de que ele tenha desferido disparos de arma de fogo, não há registros de arma no nome do acusado e com ele nada foi encontrado. Ademais, a vítima Eduardo não foi ouvida em juízo para confirmar a versão apresentada na fase investigativa, o que gera uma certa dúvida a benefício do denunciado. E no caso de Moisés, sobre ele dirigir seu veículo e dar uma ‘fechada’ em Eduardo, no presente caso, restou demonstrado apenas que ele estaria na companhia de Jean e nada mais. Sobre a pronúncia baseada em elementos de convicção deficientes, importante a lição de Guilherme de Souza Nucci, in Tribunal do Júri (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 61/62): “A finalidade da existência de uma fase preparatória de formação da culpa, antes que se remeta o caso à apreciação dos jurados, pessoas leigas, recrutadas nos variados segmentos sociais, é evitar o erro judiciário, (...) Por tal motivo, além da garantia fornecida pela inicial persecução penal, consubstanciada, como regra, no inquérito policial, para que se receba, com justa causa, a denúncia ou queixa, exige-se uma instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado. Este, por sua vez, finda a preparação do feito, conforme já descrevemos, poderá optar pela pronúncia. Para que essa opção seja justa e legítima, o mínimo que se deve exigir é a comprovação da materialidade (prova da existência do crime) e indícios suficientes de autoria (indicativos, ainda que indiretos, porém seguros, de que foi o réu o agente da infração penal). É preciso cessar, de uma vez por todas, ao menos em nome do Estado Democrático de Direito, a atuação jurisdicional frágil e insensível, que prefere pronunciar o acusado, sem provas firmes e livres de risco. Alguns magistrados, valendo-se do criativo brocardo in dubio pro societate (na dúvida, decide-se em favor da sociedade), remetem à apreciação do Tribunal do Júri as mais infundadas causas – aquelas que, fosse ele o julgador, certamente, terminaria por absolver. Ora, se o processo somente comporta a absolvição do réu, imaginando-se ser o juiz togado o competente para a apreciação do mérito, por que o jurado poderia condenar? Dir-se-ia: porque, até o julgamento em plenário, podem surgir provas mais concretas. Nesse caso, restaria sem solução a finalidade da instrução prévia. Esta perderia completamente a sua razão de ser. Melhor seria que, oferecida a denúncia ou queixa, instruída com o inquérito policial ou outras provas, o juiz designasse, diretamente, o plenário do Júri. Não é a sistemática adotada pela legislação brasileira. Demanda-se segurança e a essa exigência deve estar atrelado o magistrado que atua na fase da pronúncia. Somente deve seguir a julgamento pelo Tribunal Popular o caso que comporte, de algum modo, conforme a valoração subjetiva das provas, um decreto condenatório. O raciocínio é simples: o juiz da fase da pronúncia remete a julgamento em plenário o processo que ele, em tese, poderia condenar, se fosse o competente. Não é questão de se demandar certeza de culpa do réu. Porém, deve-se reclamar provas suficientes. Havendo a referida suficiência, caberá ao Conselho de Sentença decidir se condena ou absolve. (Grifo nosso) Não compete a este magistrado quando proferir decisão de pronúncia, avaliar o nível de comprometimento que a prova colhida nos autos irá atingir o agente denunciado, mas, tão somente, averiguar se existe um mínimo de coerência entre o acervo probatório com a imputação delitiva formulada pelo Ministério Público. Conforme preceitua o art. 413, §1º, do Código de Processo Penal, o legislador deixou didaticamente assentado que os fundamentos a serem inseridos na decisão de pronúncia limitam-se à indicação da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação do agente, particularidades essas que, desautorizam o Juiz sumariante a realizar uma avaliação meticulosa das provas hábeis a ensejar eventual decisão de pronúncia. Desta forma, verifica-se que a suposição inicial, baseada nos depoimentos e investigação realizada em sede inquisitorial, não restou confirmada por elementos concretos colhidos em juízo, a fim de justificar a pronúncia dos acusados. Nesse sentido, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “1. É a pronúncia reconhecimento de justa causa para a fase do júri, com a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e indícios de autoria, não representando juízo de procedência da culpa. 2. Caso em que a Corte de origem concluiu pela inexistência de indícios mínimos de autoria, notadamente porque os informantes ouvidos em juízo, além de não terem presenciado o fato, não souberam apontar os autores. 3. Rever o entendimento da instância a quo, a fim de pronunciar o recorrido, implicaria o necessário reexame do contexto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial não conhecido.(REsp n. 1.494.211/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, relator para acórdão Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 1/3/2018, DJe de 3/4/2018.) Da mesma forma, deste eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: “Não havendo nos autos existência de indícios suficientes de autoria ou participação do apelado na empreitada delitiva, correta a decisão do juiz que fundamentadamente o impronuncia, em disciplina do art. 414 do Código de Processo Penal, nada impedindo que, havendo prova nova, seja oferecida novamente a denúncia (parágrafo único do art. 414 do CPP).(N.U 0035683- 33.2016.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 25/01/2023, Publicado no DJE 31/01/2023)” O fato é grave, mas sua apuração judicial é expressivamente insuficiente, o que se lamenta. Diante do exposto e de tudo o mais que consta dos autos, por estar convencido da inexistência de crime doloso contra a vida, na forma tentada, praticado pelos réus RONALDO ROQUE DA SILVA e RONALDO BATISTA DUARTE, com fundamento no artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, os ABSOLVO e julgo inadmissível a denúncia para IMPRONUNCIAR com fundamento no art. 414, do Código de Processo Penal, os acusados MOISES MARTINS e JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA. Façam-se as intimações necessárias e, decorrido o prazo para recurso, dê-se baixa na distribuição e após arquivem-se com as cautelas de praxe.”(Negritou-se) O recurso Ministerial não comporta provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida por seus próprios fundamentos. Como é cediço, o procedimento do Tribunal do Júri divide-se em duas fases: o ‘judicium accusationis’, que se encerra com a decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação; e o ‘judicium causae’, que culmina com o julgamento pelo Tribunal Popular. Na primeira fase, compete ao magistrado togado analisar a admissibilidade da acusação, verificando se estão presentes os requisitos necessários para submeter o réu a julgamento pelo Conselho de Sentença. Nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal, a pronúncia exige prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou participação. Por outro lado, não havendo prova da materialidade ou indícios suficientes de autoria, impõe-se a impronúncia (art. 414, CPP). Já a absolvição sumária ocorre quando presentes as hipóteses do artigo 415 do CPP, entre elas a demonstração de causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Iniciando pelos réus absolvidos sumariamente, verifico que o magistrado reconheceu em favor de RONALDO BATISTA DUARTE e RONALDO ROQUE DA SILVA, respectivamente, a excludente de ilicitude da legítima defesa, nos termos do artigo 415, inciso IV, do CPP. Destarte, a absolvição sumária somente é possível quando a prova dos autos demonstrar de forma cabal e estreme de dúvida alguma das hipóteses do art. 415 do CPP, quais sejam: a inexistência do fato (inc. I); não ser o denunciado autor ou partícipe do fato (inc. II); o fato não constituir infração penal (inc. III) ou que existe causa de isenção da pena ou de exclusão do crime (inc. IV). Assim, dentre as excludentes de ilicitudes do art. 415, inc. IV, do CPP, se apresenta a legítima defesa (art. 23, inc. II e art. 25, ambos CP). Sobre o tema, leciona Luiz Régis Prado: "Os meios necessários são os suficientes para arrostar a agressão, tendo-se em conta o que as circunstâncias permitem, conforme dispunha o Projeto Sá Pereira (art. 10). Demais disso, é mister que exista uma certa proporcionalidade entre a agressão e a reação defensiva, em relação aos bens e direitos ameaçados. Caso contrário, a reação defensiva será ilícita, já que excessiva (...)" (PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 2000, 2.ed., p. 252) Portanto, restou demonstrado que a vítima Eduardo Martins Mathias estava de posse de uma arma de fogo (ainda que ineficiente para realizar disparos, o que os policiais não tinham como saber no momento da ação) e não atendeu às ordens de parada emitidas pela guarnição policial através de megafone. Durante a perseguição, a vítima pilotava em alta velocidade, na contramão, colocando em risco a segurança de terceiros, conforme relatado por diversas testemunhas ouvidas em juízo. Ademais, a vítima [Eduardo Mathias] não foi ouvida em juízo para confirmar a versão apresentada na fase investigativa, situação apta imprimir estabilidade na absolvição dos apelados. O fato de o disparo ter atingido a vítima pelas costas, por si só, não descaracteriza a legítima defesa, já que isso ocorreu durante a perseguição, quando a vítima estava em fuga. Neste particular, consigno pela dinâmica rápida da ocorrência dos fatos, seria uma aberração pensar que se teria tempo de se perguntar se a arma ostentada por Eduardo Mathias estaria municiada ou se tratava de ‘simulacro’ ou mesmo que tivesse suficiência para disparo. Destarte, a prova produzida nos autos evidencia que os policiais militares agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa, nos termos dispostos na sentença, sendo absolutamente desnecessário o exame pelo Tribunal do Júri. Por outro lado, não se sustenta a alegação do Ministério Público de que haveria contradições nos depoimentos dos policiais quanto à dinâmica dos fatos. As inconsistências apontadas são naturais em relatos sobre eventos complexos ocorridos em situação de tensão e não comprometem o núcleo central dos depoimentos, que convergem para a demonstração da excludente de ilicitude. Importante ressaltar que a absolvição sumária, nos termos do artigo 415, IV, do CPP, exige prova segura da excludente de ilicitude, não bastando mera dúvida. No presente caso, há elementos probatórios robustos que demonstram ter sido legítima a atuação dos policiais militares, autorizando a manutenção da absolvição sumária. Essas hipóteses representam uma excepcionalidade em relação à competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal do Júri e, por esse motivo, devem ser interpretadas de forma restritiva. Ou seja, apenas com prova inequívoca da existência de eventual excludente é que se pode absolver sumariamente os apelados, caso contrário, impõe-se o encaminhamento a julgamento pelos jurados, pois a dúvida, aqui, milita em seu desfavor. A propósito, cito os julgados: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – DELITO TIPIFICADO NO ART. 121, § 2º, II E IV, DO CP – SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – ALEGADA A AUSÊNCIA DE LEGITIMA DEFESA – IMPROCEDÊNCIA – EXCLUDENTE DE ILICITUDE - RESTA EVIDENCIADO NOS AUTOS PELAS PROVAS TESTEMUNHAIS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não há como submeter o recorrido a julgamento pelo Tribunal do Júri, visto que não se evidencia o animus necandi por parte do acusado, e sim, a excludente de ilicitude da legítima defesa, em razão da injusta agressão sofrida. (N.U 0019576-40.2018.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 03/12/2024, Publicado no DJE 09/12/2024) “RSE. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. INCONFORMIDADE DEFENSIVA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ACOLHIMENTO. Se a unanimidade da prova, sem exceção, dá conta de situação que configura legítima defesa (com, no máximo, um excesso exculpante) ou inexigibilidade de conduta diversa, encaminhar o processo a julgamento popular (que, ao fim e ao cabo, é admitir a hipótese de o réu ser condenado) seria uma temeridade, impondo-se a absolvição nos termos do art. 415 do CPP. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME” (TJRS, Recurso em Sentido Estrito, Nº 70075904821, Segunda Câmara Criminal, Relator: Luiz Mello Guimarães, Julgado em: 14-12-2017) “EMENTA. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO SIMPLES. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA. VIABILIDADE. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DEMONSTRADA PELAS PROVAS PRODUZIDAS. AGRESSÃO INJUSTA E VIOLENTA DA VÍTIMA. EXCESSO EXCULPÁVEL CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame. 1. Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão de pronúncia que imputou aos recorrentes a prática do crime de homicídio simples [art. 121, caput, do Código Penal]. II. Questão em discussão. 2. A questão em discussão consiste em verificar a presença de elementos configuradores da excludente de ilicitude (legítima defesa) ou, subsidiariamente, de excesso exculpante. III. Razões de decidir. 3.1. As provas produzidas nos autos demonstram que os recorrentes, policiais militares em operação, agiram para repelir injusta e atual agressão provocada pela vítima, que estava armada e efetuou disparos contra os agentes. 3.2. A legítima defesa encontra-se configurada, sendo os meios utilizados proporcionais à necessidade para fazer cessar a injusta agressão. 3.3. Ainda que se pudesse cogitar excesso na conduta dos recorrentes, estaria configurado excesso exculpante, uma vez que a reação foi marcada por circunstâncias de tensão e perigo iminente, justificando a conduta perpetrada pelos agentes de segurança. IV. Dispositivo e tese. 4. Recurso provido. Absolvição sumária dos recorrentes com fundamento no artigo 415, IV, do Código de Processo Penal. Tese de julgamento: “Configura legítima defesa a conduta de agentes de segurança pública que, em perseguição policial, utilizam de meios proporcionais para repelir injusta e atual agressão armada”. “Atrelada à excludente de ilicitude, resta caracterizado o excesso exculpante em razão das circunstâncias que permearam a ação policial [medo, surpresa e perturbação de ânimo]”.Dispositivos relevantes citados: CP, art. 25; CPP, art. 415, IV. Jurisprudência relevante citada: STF, HC nº 72341-RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJe 20/03/1998; TJAL, RESE nº 0101108-54.2013.8.02.0001, Rel. Des. Sebastião Costa Filho, DJe 27/01/2020; TJSC, AP nº 0000007-57.2012.8.24.0024, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 14/03/2017. (N.U 0029194-09.2018.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 28/01/2025, Publicado no DJE 31/01/2025) Diante desse conjunto de elementos, a decisão proferida pelo Juízo de origem, ao reconhecer a excludente de ilicitude e absolver sumariamente os apelados com fundamento no artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, revela-se tecnicamente adequada e juridicamente apropriada, devendo, por isso, ser mantida. Avançando no tema, com relação aos apelados, JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA (Id.190858301) e MOISÉS MARTINS (Id.190858297), a impronúncia mostra-se igualmente acertada. Para a pronúncia, exige-se a presença de indícios suficientes de autoria, não bastando meras conjecturas ou ilações. Conforme entendimento pacífico da jurisprudência, embora não se exija certeza absoluta, é necessário um suporte probatório mínimo que vincule o acusado ao delito. No caso em análise, a ausência de indícios suficientes de autoria decorre da inexistência de nexo causal entre as condutas imputadas aos acusados e o resultado lesivo sofrido pela vítima. O próprio Relatório do Inquérito Policial Militar, subscrito pelo Major da Polícia Militar Paulo de Faria Ávila, concluiu que: "o disparo que atingira o Sr. Eduardo Mathias, e o qual evidenciamos não haver partido da arma do indiciado, JEAN ZATTAR". Quanto ao acusado MOISÉS MARTINS, a situação é ainda mais frágil, pois as provas produzidas em juízo indicam apenas que ele estava dirigindo o veículo, sem qualquer participação mais efetiva nos fatos. Conforme bem observado pelo magistrado de primeiro grau, "muito embora se extraia dos depoimentos em sede inquisitorial, indícios de que o acusado possa ter externado suposta vontade de matar a vítima com suposta ameaça, durante a instrução criminal, nenhum elemento de prova foi colhido para sustentar a referida versão, tendo Jean negado que tenha proferido as ameaças".(sic.) O Ministério Público argumenta que a decisão deveria ser tomada com base no princípio ‘in dubio pro societate’, submetendo os acusados ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Contudo, como bem ensina a doutrina moderna, tal princípio não pode ser interpretado como autorização para submeter ao Tribunal Popular casos em que não há um suporte probatório mínimo. No presente caso, à míngua de elementos mínimos que demonstrem ter sido um dos impronunciados o autor do disparo que atingiu a vítima, ou mesmo que tenham concorrido para tal resultado, impõe-se a manutenção da impronúncia. Destarte, a teor do disposto no art. 414 do CPP, que transcrevo: “Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.” (Negritou-se) Como leciona Gustavo Badaró, "o juiz da fase da pronúncia remete a julgamento em plenário o processo que ele, em tese, poderia condenar, se fosse o competente. Não é questão de se demandar certeza de culpa do réu. Porém, deve-se reclamar provas suficientes." Consigno também, os ensinamentos de Renato Brasileiro de Lima: (in Manual de Processo Penal, 7ª Edição, pág. 1.404) "(...) referindo-se o art. 413, caput, do CPP ao convencimento da materialidade do fato, depreende-se que, em relação à materialidade do delito, deve haver prova plena de sua ocorrência, ou seja, deve o juiz ter certeza de que ocorreu crime doloso contra a vida. Por sua vez, quando a lei impõe a presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, de modo algum está dizendo que o juiz deve pronunciar o acusado quando tiver dúvida acerca de sua concorrência para a prática delituosa. Na verdade, ao fazer uso da expressão indícios, referiu-se o legislador à prova semiplena, ou seja, àquela prova de valor maus tênue, de menor valor persuasivo. Dessa forma, conquanto não se exija certeza quanto à autoria para a pronúncia, tal qual se exige em relação à materialidade do crime, é necessário um conjunto de provas que autorizem um juízo de probabilidade da autoria e da participação. Destarte, a nosso ver, havendo dúvidas quanto à existência do crime ou quanto à presença de indícios suficientes, deve o juiz sumariante impronunciar o acusado, aplicando o in dubio pro reo." Não se figura possível proferir uma decisão de pronúncia com base em uma mera hipótese ou presunção, mostrando-se necessário um mínimo de substrato entre o acervo probatório e a imputação delitiva formulada contra o acusado. Nesse sentido: “APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E CORRUPÇÃO DE MENOR. IMPRONÚNCIA PROFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. INDÍCIOS DE AUTORIA INSUFICIENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A ausência de indícios suficientes de autoria enseja a impronúncia do acusado, nos termos do art. 414 do CPP. (TJMG; APCR 2659361-09.2008.8.13.0433; Montes Claros; Quarta Câmara Criminal; Rel. Des. Glauco Fernandes; Julg. 11/03/2020;DJEMG 18/03/2020)” “APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO APELADO: PAULO RICARDO BELO DE ARAUJO E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL – TENTATIVADE HOMICÍDIO QUALIFICADO – ARTIGO 121, § 2°, INCISOS I E IV,NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL – SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PRETENDIDA A REFORMA DA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA QUE O ACUSADO SEJA PRONUNCIADO PELA PRÁTICA DO DELITO NARRADO NA DENÚNCIA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA DELITIVA – APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 414 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - IMPRONÚNCIA MANTIDA – RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. O art. 414 do Código de Processo Penal disciplina que “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”. In casu, o fundamento da impronúncia do apelado é a ausência de indícios suficientes da autoria do crime de homicídio qualificado, conclusão essa extraída após o cotejo das provas produzidas no presente feito. (N.U 0003787-45.2011.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 10/12/2019, Publicado no DJE 10/12/2019)” E ainda, o aresto de minha relatoria: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIUM – IMPRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – PRETENSÃO – REVERSÃO DA DECISÃO JUDICIAL PARA PRONÚNCIA – ALEGADA EXISTÊNCIA DE PROVAS DE MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA – INVIABILIDADE – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA – APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO ART. 414, DO CPC – IMPRONÚNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Inexistindo indícios suficientes de autoria e de participação, impõe-se a manutenção da sentença de impronúncia. (N.U 0016230-86.2015.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 31/05/2021, Publicado no DJE 02/06/2021) Como todo exposto, a doutrina dispõe que é imperiosa a verificação acerca da autoria ou participação. Logicamente, cuidando-se de um juízo de mera admissibilidade da imputação, não se demanda certeza, mas elementos suficientes para gerar dúvida razoável no espírito do julgador. Porém, ausente essa suficiência, o melhor caminho é a impronuncia. No caso em epígrafe, verifico que os elementos constantes dos autos mostram-se frágeis para a pronúncia do primeiro e segundo recorridos pelos crimes constantes da denúncia. Ante ao exposto, em dissonância com o Parecer Ministerial, DESPROVEJO o recurso de apelação do Ministério Publico para manter por seus próprios fundamentos a sentença que, com fundamento no art. 414, do Código de Processo Penal impronunciou o primeiro e o segundo recorridos JEAN MARCEL ZATTAR DE FARIA e MOISÉS MARTINS, e absolveu sumariamente o terceiro e o quarto recorridos RONALDO ROQUE DA SILVA e RONALDO BATISTA DUARTE, respectivamente, com suporte no artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025
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