Processo nº 1017949-45.2022.8.11.0041
ID: 259832993
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1017949-45.2022.8.11.0041
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017949-45.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017949-45.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Rescisão do contrato e devolução do dinheiro] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ARTEMIA JUNQUEIRA SOWA - CPF: 947.186.871-87 (APELANTE), RAYANE MOREIRA LIBANO - CPF: 034.435.261-79 (ADVOGADO), GABRIELA SEVIGNANI - CPF: 072.379.779-03 (ADVOGADO), EDIR BRAGA JUNIOR - CPF: 537.394.421-15 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES REJEITADAS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONTRATO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÃO REGULAR. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. NULIDADE CONTRATUAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais em ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual com pedido de devolução em dobro e indenização por danos morais, sob o fundamento de que a autora não comprovou o fato constitutivo de seu direito. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se há nulidade no contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), ante a alegação de que a autora pretendia contratar empréstimo consignado comum; (ii) se houve falha no dever de informação por parte da instituição financeira; (iii) se é devida a restituição em dobro dos valores descontados; e (iv) se os fatos narrados configuram dano moral indenizável. III. Razões de decidir 3. Preliminares de demanda predatória, ausência de dialeticidade recursal, impugnação à gratuidade da justiça, deserção do recurso e decadência rejeitadas, por ausência de elementos probatórios suficientes para sua caracterização. 4. A relação jurídica estabelecida entre as partes submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável a inversão do ônus da prova em favor da consumidora, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. 5. A instituição financeira não se desincumbiu do ônus de comprovar a regular contratação do cartão de crédito consignado, apresentando documento assinado por terceiro estranho à lide, o que fragiliza sua tese defensiva e evidencia a nulidade contratual. 6. O cartão de crédito consignado possui sistemática de funcionamento significativamente distinta do empréstimo consignado comum, com diferenças substanciais em termos de juros, prazo e forma de amortização, exigindo informação clara e adequada ao consumidor. 7. Caracterizada a má-fé da instituição financeira que impôs à consumidora produto diverso daquele pretendido, valendo-se de sua superioridade técnica, além de não comprovação de qualquer contratação válida, justifica a restituição em dobro dos valores descontados, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. 8. O dano moral não resta configurado, pois a mera realização de descontos indevidos em folha de pagamento, sem demonstração de consequências mais graves à esfera subjetiva da autora, não constitui, por si só, abalo extrapatrimonial indenizável. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso parcialmente provido para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado e condenar o banco à restituição, em dobro, dos valores descontados a título de RMC, mantendo-se a improcedência do pedido de indenização por danos morais. Tese de julgamento: "1. É nulo o contrato de cartão de crédito consignado quando a instituição financeira não comprova sua regular contratação, especialmente quando apresenta documento assinado por terceiro estranho à lide. 2. A restituição em dobro é devida quando evidenciada a má-fé da instituição financeira ao impor ao consumidor produto diverso do pretendido e que não restou devidamente contratado regularmente. 3. A mera realização de descontos indevidos em folha de pagamento, sem comprovação de consequências graves, não configura dano moral indenizável." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV; CC, arts. 178, II, 186 e 927; CDC, arts. 6º, VIII, 14 e 42, parágrafo único; CPC, arts. 98, § 1º, VIII, 99, § 3º, e 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 297; TJ-MT, RAC 1017336-93.2020.8.11.0041, Rel. Des. Dirceu dos Santos, 3ª Câm. Direito Privado, j. 27.04.2022; TJ-MT, AC 1004467-63.2023.8.11.0051, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, 3ª Câm. Direito Privado, j. 10.12.2024; TJ-MT, AC 1045368-40.2022.8.11.0041, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, 3ª Câm. Direito Privado, j. 12.02.2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por ARTEMIA JUNQUEIRA SOWA contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível de Cuiabá, na Ação Declaratória de Inexistência de Débito e Nulidade Contratual c/c Devolução em Dobro e Indenização por Danos Morais n. 1017949-45.2022.8.11.0041, ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A., que julgou improcedentes os pedidos iniciais, sob o fundamento a autora “não se incumbiu de comprovar o fato constitutivo de seu direito”, uma vez que “deixou de acostar o contrato do negócio jurídico que pretende anular e, tendo confirmado na inicial a contratação do cartão de crédito consignado, não esclareceu qual vício de consentimento presente no momento da contratação”. A apelante alega, em síntese, que a decisão merece reforma pois foi imposto à recorrente um produto financeiro (empréstimo consignado via cartão de crédito) diverso daquele que pretendia contratar (empréstimo consignado simples), com sistemática extremamente prejudicial. Sustenta que a diferença entre os produtos é substancial, pois o cartão de crédito consignado possui encargos superiores, parcelas indefinidas, juros exorbitantes, não permite abatimento do valor principal e não tem prazo determinado para quitação. Argumenta que a instituição financeira descumpriu o dever de informação, agindo com má-fé ao não esclarecer adequadamente o produto contratado, além de realizar descontos em sua folha de pagamento que não são abatidos do valor principal, tornando a dívida impagável. Requer a reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais, declarando a inexistência da relação jurídica, condenando o banco à devolução em dobro dos valores descontados e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00. Em contrarrazões (id. 276041365), o BANCO BMG S.A. defende a manutenção da sentença que julgou improcedentes os pedidos da autora, sustentando, preliminarmente: a) que os advogados da apelante atuam em massa contra instituições financeiras, utilizando modelos padronizados de petições, configurando possível prática predatória da advocacia; b) que o recurso não obedece ao princípio da dialeticidade, pois não aponta os equívocos da decisão recorrida; c) que a apelante não comprovou sua hipossuficiência financeira para obtenção da justiça gratuita; d) que o recurso está deserto pela ausência de preparo; e e) que ocorreu a decadência do direito da autora, pois a contratação ocorreu em 24/11/2015 e a ação foi proposta apenas em 13/05/2022. No mérito, afirma que a contratação do cartão de crédito consignado foi regular, tendo a autora assinado o Termo de Adesão e o Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado (TCE), nos quais constam claramente as informações sobre o produto contratado. Sustenta que não houve vício de consentimento, pois todos os documentos foram assinados pela autora e os valores contratados depositados em sua conta. Argumenta que o cartão de crédito consignado é produto legítimo, com desconto mensal da reserva de margem consignável limitado a 5% do benefício, e que a dívida não é impagável, pois o saldo devedor pode ser quitado a qualquer momento. Alega, ainda, que as faturas juntadas demonstram que a autora realizou novos saques após a contratação inicial, evidenciando ciência do produto utilizado. Por fim, defende a inexistência de danos morais e a impossibilidade de repetição de indébito em dobro, diante da ausência de má-fé. Desnecessária a intervenção ministerial, nos termos do art. 178 do CPC. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Preambularmente, verifico que o recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação interposto por ARTEMIA JUNQUEIRA SOWA contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, sob o fundamento a autora não se incumbiu de comprovar o fato constitutivo de seu direito, uma vez que deixou de acostar o contrato do negócio jurídico que pretende anular e, tendo confirmado na inicial a contratação do cartão de crédito consignado, não esclareceu qual vício de consentimento presente no momento da contratação. PRELIMINARES – DA DEMANDA PREDATÓRIA E DA DIALETICIDADE RECURSAL A preliminar suscitada pelo apelado, relacionada à suposta prática predatória da advocacia pelos patronos da parte autora, não merece acolhimento. Ainda que se verifique a existência de ações semelhantes patrocinadas pelos mesmos causídicos, tal circunstância, por si só, não configura prática abusiva ou ilícita capaz de obstar o regular processamento do feito. O direito fundamental de acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, garante a todos a possibilidade de buscar a tutela jurisdicional quando entenderem que seus direitos foram violados. A advocacia, como função essencial à administração da justiça, exerce papel fundamental nesse contexto, auxiliando os cidadãos na defesa de seus interesses. Não há nos autos elementos concretos que indiquem a existência de conduta fraudulenta ou abusiva por parte dos advogados da apelante. O simples fato de patrocinarem diversas ações com temática semelhante não constitui, por si só, prática predatória, podendo decorrer da especialização profissional em determinada área do direito ou da recorrência de situações análogas que demandem tutela jurisdicional. Ademais, o Poder Judiciário dispõe de mecanismos próprios para coibir eventuais abusos no exercício do direito de ação, como a aplicação das sanções previstas para a litigância de má-fé e para os atos atentatórios à dignidade da justiça, além da fiscalização exercida pela Ordem dos Advogados do Brasil sobre a conduta ética dos profissionais da advocacia. Nesse sentido: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Omissão constatada – Vício sanado – Pedidos de condenação do apelante às penas por litigância de má-fé e de expedição dos autos ao NUMOPEDE e OAB para apuração de prática de advocacia predatória, formulados em contrarrazões, não apreciados – Conduta da parte, todavia, que não se amolda à tipificação estabelecida no artigo 80 do Código de Processo Civil – Litigância de má-fé não verificada - Advocacia predatória - Padronização de peças processuais ou demandas em massa que não caracterizam, por si só, conduta indevida ou advocacia predatória - Ausência de demonstração no caso dos autos. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM ALTERAÇÃO DO RESULTADO”. (TJ-SP - Embargos de Declaração Cível: 10923135420238260002 São Paulo, Relator.: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 19/09/2024, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/09/2024 - destaquei). No que tange à alegada ausência de dialeticidade recursal, igualmente não prospera a preliminar. Embora o apelado sustente que o recurso não apontaria os equívocos da decisão recorrida, verifica-se que a apelação, ainda que repita argumentos já expendidos na petição inicial, expõe de forma suficiente as razões pelas quais a apelante entende que a sentença deve ser reformada. No caso em tela, a apelante, ao discorrer sobre as diferenças entre o empréstimo consignado comum e o cartão de crédito consignado, e ao argumentar sobre a existência de vício de consentimento na contratação e sobre o descumprimento do dever de informação por parte da instituição financeira, atacou diretamente os fundamentos da sentença que reconheceu a regularidade da contratação, atendendo, assim, ao princípio da dialeticidade recursal. A exposição das razões recursais, ainda que mediante a reiteração parcial de argumentos já deduzidos, foi suficiente para viabilizar o pleno exercício do contraditório pelo apelado, tanto que apresentou substanciosas contrarrazões, refutando os argumentos da apelante. Desse modo, REJEITO as preliminares de suposta prática predatória da advocacia e ausência de dialeticidade recursal. PRELIMINARES – DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA E DA ALEGADA DESERÇÃO DO RECURSO Quanto à impugnação à gratuidade da justiça, observo que o benefício foi corretamente deferido pelo juízo de origem. Compulsando os autos, verifica-se que a apelante comprovou adequadamente sua condição de hipossuficiência financeira, demonstrando ser beneficiária de aposentadoria em valor modesto, incompatível com o custeio das despesas processuais sem prejuízo de seu sustento (id. 276040462). O apelado, ao impugnar o benefício, limitou-se a alegar genericamente a ausência de comprovação da hipossuficiência, sem, contudo, trazer elementos concretos capazes de infirmar a documentação apresentada e a presunção decorrente da declaração de hipossuficiência. Nos termos do art. 99, § 3º, do CPC, "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural", cabendo à parte contrária o ônus de demonstrar a inexistência do estado de miserabilidade jurídica afirmado pela beneficiária, ônus do qual não se desincumbiu o apelado no caso concreto. Portanto, não há que se revogar a gratuidade da justiça anteriormente deferida, e, consequentemente, diante da manutenção da gratuidade da justiça, resta prejudicada a alegação de deserção do recurso, uma vez que, nos termos do art. 98, § 1º, VIII, do CPC, o benefício compreende a isenção do preparo recursal. Portanto, REJEITO as preliminares de impugnação à gratuidade da justiça e da alegada deserção do recurso. PRELIMINARES – DA DECADÊNCIA Por fim, no que concerne à alegada decadência do direito da autora de pleitear a anulação do negócio jurídico, com base no art. 178, II, do Código Civil, tal preliminar não merece acolhimento. Primeiramente, quanto à natureza jurídica da relação obrigacional em exame, resta inequívoco tratar-se de obrigação de trato sucessivo, caracterizada pelos descontos mensais continuados na remuneração da autora, que se renovam periodicamente. Tal classificação implica consequências jurídicas determinantes para o deslinde da controvérsia quanto aos prazos extintivos, uma vez que a contagem dos prazos decadencial e prescricional tem início a partir do último pagamento. No caso em tela, extrai-se dos autos que os descontos relacionados ao cartão de crédito consignado perduravam à época do ajuizamento da ação, evidenciando a contemporaneidade da pretensão deduzida em juízo. Ademais, a presente demanda não versa apenas sobre anulação contratual, mas também sobre revisão e conversão da modalidade do pacto, o que afasta a incidência da regra do art. 178 do Código Civil. Neste sentido, é pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINAR DE DECADÊNCIA – REJEITADA – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DE CARTÃO DE CRÉDITO – VÍCIO DE CONSENTIMENTO EVIDENCIADO – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – DETERMINAÇÃO DE RECÁLCULO DOS VALORES – REPETIÇÃO DO INDÉBITO – POSSIBILIDADE – RECURSO CONHECIDO DESPROVIDO. A ação revisional de cláusulas não deve ser confundida com anulação do negócio jurídico, razão pela qual não há incidência do prazo decadencial previsto no art. 178, II, do CC. (...)”. (RAC n.º 1017336-93.2020.8.11.0041, 3ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 27.04.2022 – negritei). “PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR – RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL – VIOLAÇÃO – INEXISTÊNCIA – PRELIMINAR – REJEIÇÃO – DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA – PRESCRIÇÃO – AUSÊNCIA DE HIPÓTESE – PREJUDICIAIS DE MÉRITO – NÃO ACOLHIMENTO – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – DEVER DE INFORMAÇÃO – VIOLAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATAÇÃO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 2. Sabe-se que, nos casos de revisão contratual de contratos bancários, com pedido de restituição de valores pagos indevidamente, o prazo prescricional se amolda à previsão decenal do artigo 205 do Código Civil. 3. Nas hipóteses que envolvem prestações de trato sucessivo, o pacto se renova ao longo do tempo, de forma automática, devido aos descontos efetuados mensalmente e, portanto, a cada novo desconto, o período de decadência é renovado e o termo inicial para contagem do prazo decadencial é o vencimento da última parcela. (...)” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10437150320228110041, Relator.: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 09/07/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/07/2024- destaquei). Portanto, REJEITO a preliminar de decadência suscitada pelo apelado. MÉRITO Após cuidadosa análise dos autos e da extensa documentação que o instrui, passo à apreciação do mérito recursal. A controvérsia gira em torno da validade da contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), bem como a ocorrência de danos materiais e morais decorrentes dos descontos realizados na folha de pagamento da autora. O ponto central da presente demanda consiste em determinar se, de fato, a apelante aderiu conscientemente à modalidade de cartão de crédito consignado, como alega o banco apelado. De início, cumpre destacar que a relação jurídica estabelecida entre as partes se submete aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, consoante o entendimento consolidado na Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Nesta toada, a parte autora, na condição de consumidora, goza da prerrogativa de inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. Neste contexto, cabia ao banco apelado comprovar que a autora tinha pleno conhecimento de que estava contratando um cartão de crédito consignado, e não um empréstimo consignado comum. Ao examinar os documentos juntados aos autos, constato que o banco réu, apesar de ter o ônus de comprovar a regular contratação, não trouxe aos autos o contrato de cartão de crédito consignado devidamente assinado pela autora. De fato, o documento apresentado pelo banco (ids. 276040486 e 276040487) contém assinatura de terceiro estranho à lide, identificado como "SERGIO RAIMUNDO LEÃO DA SILVA", e não da autora ARTEMIA JUNQUEIRA SOWA. Ora, sendo o banco a parte que detém maior expertise técnica e capacidade probatória, inclusive possuindo sob sua guarda os contratos assinados, causa estranheza que tenha juntado aos autos documento assinado por terceiro alheio à relação jurídica em discussão, fato este que, por si só, já fragiliza sobremaneira sua tese defensiva. Ademais, verifica-se que, embora o banco afirme que a autora utilizou o cartão para realizar saques, os documentos apresentados nos autos não comprovam de forma inequívoca que tais operações tenham sido realizadas a pedido da autora, tampouco que ela tinha conhecimento de que os valores creditados em sua conta decorriam de saques em cartão de crédito e não de empréstimo consignado comum. Este eg. Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, tem entendido que compete à instituição financeira demonstrar a regularidade na contratação, bem como das consequências daí advindas, como a perpetuação da dívida em razão do pagamento apenas do valor mínimo da fatura mediante desconto em folha. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – COBRANÇA DE FATURA – INSCRIÇÃO INDEVIDA JUNTO AOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – COBRANÇA INDEVIDA – TELAS SISTÊMICAS – DOCUMENTO PRODUZIDO DE FORMA UNILATERAL E POR ISSO CARECE DE CARÁTER PROBATÓRIO – CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA – DÉBITO INEXISTENTE – NEGATIVAÇÃO INDEVIDA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE MERECE SER REFORMADA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEMONSTRADA – DANO MORAL DEVIDO – RECURSO PROVIDO. (...) 2. Alegado, por parte do consumidor, falha em que teria incorrido a operadora contratada, incumbia a esta, na forma do art. 373, inc. II do CPC/15 c/c o art. 6º, inc. VIII do CDC, comprovar a inexistência de defeito na prestação de seu serviço; comprovando assim, a existência de um contrato válido e vigente entre as partes, bem como a validade do débito e da negativação, ante a inadimplência do consumidor, o que não ocorreu in casu. (...)”. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000143-06.2016.8.11 .0009, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 05/06/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/06/2024 - destaquei). “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO – DESCONTO DE VALORES EM PENSÃO POR MORTE – ALEGAÇÃO DE CONTRATOS LEGÍTIMOS E AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS – DESCABIMENTO – ASSINATURA IMPUGNADA/NEGADA PELA AUTORA – AUTENTICIDADE – ÔNUS DA PARTE QUE PRODUZIU O DOCUMENTO – TEMA 1 .061 DO STJ – LEGITIMIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA – DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO – DANO MATERIAL – RESTITUIÇÃO EM DOBRO – DANO MORAL IN RE IPSA – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – JUROS DE MORA –INCIDÊNCIA A PARTIR DO EVENTO DANOSO - SÚMULA N. 54 DO STJ – RECURSO DESPROVIDO. (...) 2. Não comprovada pela instituição financeira a regularidade nas contratações dos empréstimos consignados, afiguram-se indevidos eventuais débitos efetivados na conta ou folha de pagamento da autora. (...)”. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10009591420208110052, Relator.: MARCOS REGENOLD FERNANDES, Data de Julgamento: 18/06/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/06/2024 - destaquei). No caso em apreço, o banco não se desincumbiu adequadamente desse ônus, pois não trouxe aos autos contrato válido, assinado pela própria autora, que demonstrasse sua livre e consciente adesão ao produto financeiro em questão. Ressalte-se que o cartão de crédito consignado possui sistemática de funcionamento e amortização significativamente distinta do empréstimo consignado comum, com diferenças substanciais em termos de juros aplicados, prazo para quitação e forma de amortização do saldo devedor. Enquanto no empréstimo consignado tradicional as parcelas são fixas e há um prazo determinado para a extinção da dívida, no cartão de crédito consignado, os descontos em folha, limitados a 5% dos rendimentos, geralmente correspondem apenas ao pagamento mínimo da fatura, fazendo com que o saldo devedor seja remanescente e constantemente acrescido de encargos financeiros. Tais diferenças impactam significativamente o custo do crédito e a perspectiva de quitação da dívida, razão pela qual a contratação dessa modalidade exige informação clara, precisa e adequada ao consumidor, sobretudo quando se trata de pessoa com presumível vulnerabilidade agravada, como no caso da autora. A jurisprudência dos tribunais pátrios, inclusive deste Tribunal, tem reconhecido a abusividade da conduta de instituições financeiras que induzem consumidores a erro, levando-os a contratar cartão de crédito consignado quando, na verdade, desejavam contratar empréstimo consignado comum. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL COM PEDIDO DE CONVERSÃO DO CONTRATO C/C TUTELA DE URGÊNCIA PROVISÓRIA – RELAÇÃO DE CONSUMO – SÚMULA 297 DO STJ. – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA. – OFENSA À DIALETICIDADE – REJEITADA – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA - ABUSIVIDADE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ENVIO, RECEBIMENTO OU UTILIZAÇÃO DO CARTÃO - DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR NÃO RESPEITADO - INDUÇÃO A ERRO NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – ART. 14 DO CDC. – DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. – ART. 42, § ÚNICO, DO CDC. – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Configura prática abusiva ao consumidor o induzimento de contratação de empréstimo mediante cartão de credito consignado com aparência de mútuo comum com desconto na folha de pagamento, violando o dever de informação de boa-fé que devem nortear os contratos consumeristas. (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10026388520238110006, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 25/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2024 - destaquei). Nessa linha, considerando a inversão do ônus da prova aplicável ao caso e a falha do banco em comprovar inequivocamente a regularidade da contratação, entendo que assiste razão à apelante quanto à nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes. Reconhecida a nulidade da contratação, impõe-se determinar a restituição dos valores descontados do benefício da autora. Nesse contexto, os valores excedentes descontados na folha de pagamento da parte autora comportam restituição em dobro (art. 42 do CDC), porquanto verificada a má-fé da instituição financeira, pois, contrariamente ao que alega o banco, não se trata de mero erro justificável, mas de conduta que evidencia, no mínimo, culpa grave da instituição financeira, que impôs à consumidora produto diverso daquele pretendido, valendo-se de sua superioridade técnica e informacional. Ressalta-se que sequer foi comprovado nos autos a existência de contrato válido entre as partes, tendo em vista que o banco apelado juntou documento assinado por terceiro estranho à lide. No tocante ao pedido de indenização por danos morais, entendo que, no caso concreto, não restou configurado abalo de ordem extrapatrimonial passível de compensação pecuniária. Isso porque, embora tenha havido falha na prestação do serviço por parte do banco réu, a mera realização de descontos indevidos em folha de pagamento, sem a demonstração de consequências mais graves à esfera subjetiva da autora, como inscrição indevida em cadastros de inadimplentes, privação de recursos para necessidades básicas ou outros transtornos excepcionais, não configura, por si só, dano moral indenizável. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO – FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA BENEFICIÁRIO DO INSS – REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A abusividade da contratação não caracteriza, por si só, dano moral, porquanto não houve negativação do nome do autor ou exposição fática a situação constrangedora, mas sim mero aborrecimento pela adesão inadvertida ao cartão de crédito oneroso e desvantajoso ao consumidor”. (TJMT, 1004467-63.2023.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/12/2024, Publicado no DJE 13/12/2024 - destaquei). “DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO SIMPLES DE INDÉBITO. DANO MORAL AFASTADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO (...) (iii) é devida indenização por dano moral em razão dos descontos indevidos; (...) O dano moral não é configurado in re ipsa, pois a cobrança indevida, por si só, não gera lesão extrapatrimonial quando não há restrição de crédito ou constrangimento excessivo. (...) IV. DISPOSITIVO E TESE (...) 3. O dano moral não se presume em casos de cobrança indevida, sendo necessária a demonstração de efetivo prejuízo extrapatrimonial. (...)” (TJMT, 1045368-40.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 15/02/2025 - destaquei). Assim, embora seja devida a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, entendo não ser cabível a indenização por danos morais pleiteada. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes. Condenar o banco réu a restituição, em dobro, dos valores descontados do benefício da autora a título de RMC, devidamente corrigidos monetariamente pelo INPC desde a data de cada desconto e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Mantenho a improcedência do pedido de indenização por danos morais. Inverto o ônus de sucumbência, condenando a parte requerida ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025
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