Processo nº 1004582-97.2024.8.11.0003
ID: 294855637
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1004582-97.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FLAVIO IGEL
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004582-97.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Cancelamento de vôo]…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004582-97.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Cancelamento de vôo] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [J. J. D. A. R. - CPF: 060.145.971-74 (APELANTE), MARIA ALINE LIMA CARVALHO BEDIN - CPF: 054.691.939-18 (ADVOGADO), BRIGIDA DORNELA LIMA DE ALMEIDA - CPF: 567.485.311-87 (APELANTE), AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. - CNPJ: 09.296.295/0001-60 (APELADO), FLAVIO IGEL - CPF: 370.018.638-07 (ADVOGADO), LUCIANA GOULART PENTEADO - CPF: 106.909.398-09 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), BRIGIDA DORNELA LIMA DE ALMEIDA - CPF: 567.485.311-87 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CANCELAMENTO DE VOO. INFORMAÇÃO INEFICAZ AO PASSAGEIRO. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA MATERIAL. PASSAGEIRO MENOR DE IDADE. TRANSTORNOS QUE EXCEDEM MEROS ABORRECIMENTOS. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por menor representado por sua genitora contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de indenização por danos morais, em razão de cancelamento de voo operado pela companhia aérea demandada, com fixação de compensação no valor de R$ 3.000,00. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se houve falha na prestação do serviço de transporte aéreo, em razão da ausência de comunicação prévia eficaz sobre o cancelamento do voo e da não prestação de assistência material; e (ii) se o valor fixado a título de indenização por danos morais atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, diante da situação vivenciada por passageiro menor de idade. III. Razões de decidir 3. A responsabilidade da companhia aérea é objetiva, e não demonstrada a comunicação prévia do cancelamento do voo com a antecedência exigida pelas Resoluções da ANAC, incide a obrigação de indenizar. 4. A alegação de "ajuste na malha aérea" configura fortuito interno, insuficiente para afastar a responsabilidade civil. 5. Restou comprovado que o menor suportou relevante transtorno ao ser realocado para aeroporto em cidade diversa, com necessidade de percurso terrestre adicional, sem assistência adequada. 6. O quantum indenizatório inicialmente fixado não reflete a gravidade da falha na prestação do serviço e a condição de hipervulnerabilidade do consumidor menor, justificando sua majoração. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso parcialmente provido para majorar a indenização por danos morais para R$ 7.000,00. Tese de julgamento: "1. A ausência de comunicação prévia eficaz sobre cancelamento de voo, aliada à inexistência de assistência material adequada, configura falha na prestação de serviço, ensejando a responsabilidade objetiva da companhia aérea. 2. O valor da indenização por dano moral deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, especialmente quando a vítima for menor de idade em condição de hipervulnerabilidade." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, V e X; CDC, arts. 6º, VI, e 14; CPC, art. 99, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo 210; TJMT, Apelação Cível nº 1008678-75.2023.8.11.0041, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 16.11.2023; TJMT, Apelação Cível nº 1008332-32.2023.8.11.0007, Rel. Desa. Serly Marcondes Alves, j. 10.07.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por J. J. D. A. R., menor representado por sua genitora BRÍGIDA DORNELA LIMA DE ALMEIDA, contra sentença proferida pelo Dr. Cláudio Deodato Rodrigues Pereira, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, que, nos autos da Ação Indenizatória n. 1004582-97.2024.8.11.0003, ajuizada em face de AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S/A, julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, condenando a requerida ao pagamento de R$ 3.000,00 a título de danos morais (ID. 283518911). Em suas razões recursais, o Apelante alega, em síntese, que o valor fixado a título de danos morais não guarda correspondência com a extensão do prejuízo suportado, notadamente diante do cancelamento do voo sem aviso prévio, a ausência de justificativa adequada por parte da recorrida, a completa falta de assistência material prevista na Resolução 400/2016 da ANAC, bem como o fato de ter arcado com despesas e constrangimentos para chegar ao destino, circunstâncias que teriam extrapolado o mero dissabor e justificado a majoração do quantum indenizatório, em consonância com precedentes desta Corte (ID. 283518913). A Cia. Aérea apelada apresentou contrarrazões no ID. 283518917, sustentando, preliminarmente, a ausência de comprovação idônea quanto à hipossuficiência do Apelante para fins de justiça gratuita, requerendo a sua intimação para juntar documentos que comprovem a alegada condição socioeconômica. No mérito, defende a manutenção da sentença, afirmando que o cancelamento do voo decorreu de motivos técnicos e ajustes de malha aérea, devidamente comunicados ao consumidor, bem como que toda assistência necessária foi prestada, inexistindo, assim, falha na prestação do serviço ou dano moral em extensão superior àquela já reconhecida na sentença, pugnando pela integral manutenção do decisum. Com vista dos autos, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Elisamara Sigles Vodonos Portela, opinou pelo desprovimento do recurso, destacando que o valor fixado na origem observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não merecendo majoração à luz das circunstâncias do caso concreto (ID. 287366879). Recurso tempestivo e isento de preparo (ID. 284278363). É o relatório. Inclua-se em pauta para julgamento. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme relatado, J. J. D. A. R., representado por BRIGIDA DORNELA LIMA DE ALMEIDA, pretende a reforma da sentença de primeiro grau para majorar o valor da indenização por danos morais de R$ 3.000,00 para R$ 10.000,00, alegando que o quantum fixado é insuficiente diante das circunstâncias do caso, notadamente o cancelamento de voo sem comunicação prévia adequada, a ausência de assistência material por parte da Companhia Aérea, os transtornos significativos experimentados por um consumidor menor de idade, e a necessidade de adequação aos precedentes jurisprudenciais que fixam indenizações em patamares superiores para casos análogos, visando assegurar o caráter compensatório, punitivo e pedagógico da reparação. Do cotejo dos autos, constato que o recurso comporta parcial provimento. Vejamos. Constou da sentença objurgada, no que pertine: “(...) J. J. D. A. R., representado neste ato por BRIGIDA DORNELA LIMA DE ALMEIDA, ambos qualificados nos autos, ajuizaram a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA em face de AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A., também qualificada. Extrai-se da peça inicial que o autor programou sua viagem de retorno para o dia 02/02/2024, obteve com a requerida as seguintes datas e destinos: saindo de Viracopos/SP às 14h00 e com chegada em Rondonópolis/MT às 14h50. Ocorre que, em menos de 24 horas antes do embarque, foi notificado por e-mail acerca do cancelamento do seu voo pela companhia aérea. Depois de horas tentando resolver a situação, foi informado de que a única alternativa disponível era um voo partindo do aeroporto de Guarulhos com destino a Cuiabá, no dia anterior ao programado. Não obstante, chegando em Cuiabá, teve que arcar com um táxi até Rondonópolis. Como resultado, chegou ao destino final tarde da noite, exausto, abalado e sem ter se alimentado com conforto. Além disso, teve despesas extras devido à falha no suporte da requerida. (...) Impende consignar que o feito comporta o julgamento antecipado, nos termos do inciso I, art. 355, do Código de Processo Civil, uma vez que, embora a questão versada nos autos seja de fato e de direito, a prova documental se revela suficiente ao deslinde da causa. Não restam dúvidas de que a relação jurídica estabelecida entre as partes é consumerista (arts. 2º, parágrafo único, e 3º, CDC), incidindo as normas protetivas da Lei nº 8.078/90. Assim, a responsabilidade da ré, por força do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, é do tipo objetiva baseada no risco, em que se mostra despicienda qualquer discussão sobre a culpa, sendo necessária apenas a demonstração da conduta dos autores do fato, dos prejuízos e do liame causal entre estes danos e o fornecimento de serviços defeituosos efetuados. O cancelamento do voo é incontroverso, vez que a requerida não nega o ocorrido, pelo contrário, afirma que o cancelamento decorreu em virtude da reestruturação da malha aérea, entretanto, não se dignou a trazer aos autos qualquer explicação para eventual modificação. Por outro lado, verifica-se que não há comprovação de que houve qualquer aviso prévio aos autores acerca do cancelamento do voo, o que é inadmissível. Nesse sentido: (...) (TJ-MT - RI: 10165717120228110003, Relator.: VALDECI MORAES SIQUEIRA, Data de Julgamento: 07/07/2023, Turma Recursal Única, Data de Publicação: 08/07/2023) Frisa-se que a Resolução de nº 400/2016 da ANAC é clara ao dispor que, no caso de alteração do contrato feito pela companhia, o passageiro deve ser avisado com antecedência de no mínimo 72 (setenta e duas) horas antes do programado. Nesse sentido: (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1008678-75.2023.8.11.0041, Relator.: CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Data de Julgamento: 16/11/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/11/2023) Ademais, a atividade desenvolvida pela requerida está sujeita à teoria do risco, segundo a qual quem afere bônus deve arcar com o ônus (ubi emolumentum ibi ônus), independentemente de culpa. De acordo com o entendimento de Nader: “pela teoria do risco-proveito, responsável pelos prejuízos individuais ou transindividuais é quem se beneficia das atividades de risco. Natural que o agente, a favor de quem todo um mecanismo é acionado e lhe traz resultados favoráveis, repare os danos causados a outrem”. (NADER, Paulo. Curso de direito civil, responsabilidade civil, volume VII, Rio de Janeiro: Forense, 2009). Além disso, a requerida não se dignou a juntar aos autos provas de que tenha oferecido assistência à autora, ônus que lhes incumbia. Tal situação demanda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e das Resoluções da ANAC para proteger seu direito e lhe assegurar assistência integral. Ora, trata-se a requerida de empresa de grande porte, que deve promover continuamente medidas preventivas e estratégicas aptas a evitar danos aos seus passageiros, devendo arcar com os prejuízos em não se tratando o evento de fortuito externo. A Resolução da ANAC nº 400/2016 dispõe sobre os direitos aplicáveis aos passageiros que sofrerem atraso, cancelamentos interrupção ou preterições no momento do embarque e assegura não apenas a prestação de informações, mas também a plena e completa assistência ao passageiro. Art. 26. A assistência material ao passageiro deve ser oferecida nos seguintes casos: I - atraso do voo; II - cancelamento do voo; III - interrupção de serviço; ou IV - preterição de passageiro. Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos: I - superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação; II - superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e III - superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta. Portanto, a resolução citada prevê o direito à assistência gradual de acordo com o tempo de espera/atraso. A falta de qualquer dessas modalidades de assistência lesa um dos direitos do consumidor/passageiro e faz nascer para ele o direito de reclamar, especialmente os aborrecimentos e danos morais gerados. No caso em tela, a ré faltou com o dever de informação e não agiu de forma a minimizar os transtornos e aborrecimentos da promovente, visto que sequer há nos autos informações que tenha prestado assistência necessária ao autor, mostrando-se caracterizada a violação ao direito da personalidade, passível de indenização. Assim, o desrespeito a direito da personalidade restou configurado não somente pelo atraso do voo que gerou abalo à tranquilidade psíquica do autor, que, anoto, é uma criança. Portanto, a indenização concedida não advém somente do cancelamento do voo em si, mas, também, pela assistência deficiente da requerida. Quanto ao prejuízo imaterial provocado ao autor em decorrência do cancelamento, é pacífico em nossos tribunais que se trata de dano moral in re ipsa, ou seja, que independe de prova para haver sua configuração. Nesse sentido, trago à baila a ementa de julgados proferidos pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Vejamos: (...) (TJ-MT - APL: 00114579820158110041 20709/2017, Relator: DES. SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 28/03/2017, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/03/2017). (...) (TJ-MT - AC: 10100727120228110003, Relator: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 26/07/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/07/2023). Reconhecido o dano moral, consistente na falha na prestação dos serviços fornecido pela requerida, passa-se à quantificação do montante indenizatório devido em prol do autor. Como se sabe, a moderada e sensata fixação dos danos morais se dá através de um juízo prudencial, informado pelo grau de culpa do agente, tendo em vista o nível socioeconômico da requerente e, ainda, a situação da requerida, devendo o juiz se orientar pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, como a razoabilidade, valendo-se da experiência, do bom-senso, sem descurar da realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. A jurisprudência tem perfilhado o entendimento de que: “(...) a indenização por dano moral tem caráter dúplice, pois tanto visa a punição do agente quanto a compensação pela dor sofrida, porém a reparação pecuniária deve guardar relação com o que a vítima poderia proporcionar em vida, ou seja, não pode ser fonte de enriquecimento e tampouco inexpressiva” (cf. RT 742/320). Com base nestes parâmetros, afigura-se como razoável a fixação dos danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais), levando-se em conta, sobretudo, o grau da ofensa, sua repercussão no âmbito da lesada, a intensidade da dor e a posição social das partes, bem como as circunstâncias do ato danoso. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão autoral, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e o faço para CONDENAR a requerida AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A. ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de compensação por dano moral, com correção monetária segundo o INPC/IBGE a partir da data da sentença, e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do evento danoso, a teor do art. 398 do Código Civil c/c com a Súmula nº. 54 do STJ. Em cumprimento ao princípio da causalidade e, considerando que o autor decaiu minimamente no seu pedido, CONDENO a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no percentual mínimo legal de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, à luz do disposto no art. 85, §2º, do CPC. (...)” (ID. 259730244) (g.n.) Pois bem. Como visto, a Apelada sustenta que o cancelamento do voo decorreu de “ajuste na malha aérea”, ocorrido cerca de um mês antes da viagem, com suposta comunicação prévia ao consumidor via e-mail, afirmando ainda que teria prestado toda a assistência necessária e promovido a reacomodação do passageiro, razão pela qual entende inexistir falha na prestação do serviço ou, ao menos, que eventual condenação deve ser limitada ao valor fixado em sentença. Todavia, tais argumentos não encontram respaldo nos elementos probatórios constantes dos autos, pois, como bem destacado na sentença recorrida, não há demonstração idônea de que a comunicação acerca do cancelamento ou da alteração do voo tenha sido efetivamente realizada de forma prévia e eficaz ao consumidor, limitando-se a requerida a colacionar à contestação imagens reproduzindo as telas de seus próprios sistemas internos, documentos unilaterais destituídos de força probante. Com efeito, é cediço que, em demanda indenizatória decorrente de falha na prestação de serviço de transporte aéreo, o prestador responde de forma objetiva (art. 37, § 6º, da Constituição Federal), e o contrato gera, para o transportador, obrigação de resultado, qual seja, levar o passageiro ao seu destino conforme as condições convencionadas (dia, horário, aeronave, etc.). Assim, se a empresa aérea não cumpre essas cláusulas e nem demonstra circunstância de força maior ou caso fortuito que legitime a alteração ou o cancelamento do voo, deve responder pelos danos provocados, sendo certo que a mera afirmação, sem a devida demonstração do que efetivamente motivou ao descumprimento, não configura força maior capaz de elidir a responsabilidade. No caso concreto, nenhum documento da administração do Aeroporto, da INFRAERO ou da ANAC foi apresentado para atestar que o cancelamento decorreu de motivos técnicos ou de segurança, ou da necessidade de “ajustes na malha aérea” - como alegado pela AZUL, e não por liberalidade da Cia. Aérea apelante. Além disso, o art. 2º da Resolução n. 556/2020, da ANAC, preceitua que “As alterações realizadas de forma programada pelo transportador, em especial quanto ao horário e itinerário originalmente contratados, deverão ser informadas aos passageiros com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas em relação ao horário originalmente contratado, ficando suspenso o prazo de 72 (setenta e duas horas) previsto no art. 12 da Resolução nº 400, de 13 de dezembro de 2016”. Logo, bastava à AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS demonstrar a comunicação prévia do cancelamento do voo ao Apelado, apresentação de e-mails, mensagens de texto, gravações telefônicas ou outros meios objetivos que demonstrassem a ciência do consumidor, prova de fácil produção que a parte não se desincumbiu de produzir, uma vez que nada juntou à contestação para comprovar que comunicou previamente o ocorrido. Limitou-se, contudo, a apresentar prints de seu sistema, produzidos pela própria Apelante, insuficientes para comprovar o fato, sendo certo que, meras capturas de telas extraídas de seu sistema interno, colacionadas ao corpo da contestação, não tem força probante capaz de dar suporte à tese defensiva, até porque foram produzidas unilateralmente pela Cia. Aérea. Nesse sentido: “AÇÃO INDENIZATÓRIA - EMPRESA AÉREA - CANCELAMENTO DE VOO - ALEGAÇÃO DE NOTIFICAÇÃO NO PRAZO ESTABELECIDO NA RESOLUÇÃO Nº 400/2016 DA ANAC - PRINTS - DOCUMENTOS UNILATERAIS - DANO MORAL CONFIGURADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A Resolução de nº 400/2016 da Agencia Nacional de Aviação Civil é clara ao dispor que, no caso de alteração do contrato feito pela companhia, o transportado deve ser avisado com antecedência de no mínimo 72 (setenta e duas) horas antes do programado. As telas do sistema da recorrida não podem ser admitidas como provas porque são confeccionadas unilateralmente, extraídas do seu sistema interno e, mormente quando dissociadas de outros elementos comprobatórios, não têm o condão de atestar, de maneira inequívoca, os fatos alegados, no caso, a aceitação do passageiro da acomodação em outra data, restando configurada a falha na prestação de serviço passível de responsabilização. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes, devendo ser majorado ante ao caso concreto.” (TJMT. N.U 1008678-75.2023.8.11.0041, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 16/11/2023, DJe 18/11/2023) (g.n.) Em casos análogos já decidiu este Sodalício: “DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR - RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - TRANSPORTE AÉREO - RELAÇÃO DE CONSUMO - APLICABILIDADE DO CDC - CANCELAMENTO DE VOO - AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO - RELOCAÇÃO EM OUTRO - AGUARDO POR MAIS DE 05 (CINCO) HORAS - ASSISTÊNCIA NÃO PRESTADA - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - NÃO PROVIMENTO. A responsabilidade civil decorrente da falha na prestação do serviço está prevista no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, demandando apenas a prova do defeito, dos danos e do nexo de causalidade. A falha na prestação do serviço é manifesta, já que o cancelamento do voo não foi previamente comunicado ao passageiro. O aguardo por mais de 05 (cinco) horas, no aeroporto, de madrugada, sem qualquer assistência por parte da companhia aérea, enseja a sua condenação ao pagamento de indenização por dano moral. O valor da indenização por dano moral deve ser arbitrado em consonância com princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, promovendo-se de modo justo a compensação do ofendido e a punição do ofensor. O quantum indenizatório fixado pelo Juízo singular - R$ 6.000,00 (seis mil reais) - encontra-se adequado ao caso.” (TJMT. N.U 1007020-16.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 16/07/2024, Publicado no DJE 19/07/2024) (g.n.) “APELAÇÃO CÍVEL - TRANSPORTE AÉREO - CANCELAMENTO DE VOO - COMUNICAÇÃO PRÉVIA AO CONSUMIDOR INDEMONSTRADA - REACOMODAÇÃO - EXCESSIVA DEMORA PARA O VOO REMARCADO - FRUSTAÇÃO NO PLANEJAMENTO DE FÉRIAS - DANO MORAL CARACTERIZADO - PRECEDENTES - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. 1. A alteração de malha aérea, genericamente alegada pela companhia aérea, caracteriza fortuito interno, incapaz de afastar o dever de indenizar. 2. Embora o mero cancelamento ou atraso no início de voo não faça presumir o dano moral, este se configura na hipótese em que a reacomodação é disponibilizada com excessiva demora, causando frustração no planejamento de férias há muito tempo realizado.” (TJMT. N.U 1008332-32.2023.8.11.0007, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Rel. Desa. Serly Marcondes Alves, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 10/07/2024, DJE 13/07/2024) (g.n.) Por sua vez, a responsabilização civil por dano moral tem amparo no art. 5º, V e X, da Constituição Federal, e no art. 186 do Código Civil, e pressupõe que a conduta antijurídica seja capaz de causar dor, aflição e sofrimento desproporcionais, com violação à dignidade, à honra, à tranquilidade emocional ou à imagem da pessoa. No caso concreto, conforme restou incontroverso nos autos, o Apelante teve seus planos frustrados no retorno a sua cidade de destino (Rondonópolis), pois foi realocado para o aeroporto de Cuiabá (Várzea Grande), impondo a continuação do trajeto pela via terrestre, situação que, evidentemente, gera transtornos que extrapolam o mero aborrecimento. A propósito, como bem destacou o Ministério Público em seu parecer na primeira instância, “a alteração na malha aérea trata-se de um caso fortuito interno, que beneficia somente a requerida. Não obstante, o voo ofertado para realocar o autor seria um dia antes do previsto, e não houve nenhuma preocupação com a parte requerente ao mudar o destino de pouso, sendo necessário que o menor finalizasse o trecho por vias terrestres. Fica evidente o descaso da demandada com seus clientes” (ID. 283519948). De fato, tratando-se de consumidor menor de idade, representado por sua genitora, os transtornos decorrentes do atraso significativo são potencializados, considerando a natural vulnerabilidade do adolescente, conforme apontado no parecer ministerial. Diante disso, o quantum indenizatório fixado em R$ 3.000,00 mostra-se, pois, aquém dos parâmetros estabelecidos por esta Câmara em casos análogos, inclusive considerando as peculiaridades do caso concreto - menor de idade, ausência de aviso prévio, inexistência de assistência material e extensão do percurso terrestre suportado, sendo que precedentes recentes fixam indenizações em patamares entre R$ 6.000,00 e R$ 8.000,00 em situações menos gravosas, de modo que a função compensatória e pedagógica da indenização por dano moral demanda majoração do valor, a fim de que não se torne irrisório ou incapaz de desestimular a reiteração da conduta abusiva. Por tais razões, entendo adequado fixar a indenização por dano moral em R$ 7.000,00 (sete mil reais), quantia compatível com a extensão do dano, a gravidade da conduta e a necessidade de reprimenda à Cia. Aérea apelada, sem incorrer em enriquecimento sem causa do ofendido. Por fim, impende afastar a impugnação à justiça gratuita deferida, sob o argumento de ausência de comprovação de miserabilidade para fins de concessão de justiça gratuita, suscitada nas contrarrazões, uma vez que o benefício foi deferido pelo juízo de origem, inexistindo elementos nos autos a infirmar a declaração de hipossuficiência apresentada pelo representante legal do menor, especialmente considerando a natureza alimentar do pedido e a hipervulnerabilidade da parte consumidora, em consonância com o art. 99, §2º, do CPC e com a jurisprudência consolidada do STJ. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por J. J. D. A. R., representado por BRIGIDA DORNELA LIMA DE ALMEIDA, para MAJORAR a indenização por danos morais devida pela AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S/A para R$ 7.000,00 (sete mil reais), mantidos os demais termos da sentença, por seus próprios fundamentos. Deixo de majorar os honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC), uma vez que condicionada esta ao improvimento ou não conhecimento do recurso da parte contrária, sendo, portanto, incabível quando for provida a apelação, ainda que parcialmente, como na espécie (STJ, Tema n. 1.059, REsp n. 1.864.633/RS). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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