Processo nº 1006882-54.2023.8.11.0007
ID: 279676905
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1006882-54.2023.8.11.0007
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JESSICA DOBROVOSKI
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1006882-54.2023.8.11.0007 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [CORREÇÃO MONETÁRIA] RELATOR: EXMO. SR. DES. SE…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1006882-54.2023.8.11.0007 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [CORREÇÃO MONETÁRIA] RELATOR: EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS REDATORA DESIGNADA: EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, EXMO. SR. DR. MARCIO APARECIDO GUEDES, EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, EXMA. SRA. DESA. TATIANE COLOMBO] Parte(s): [RUBENS ALVES DE SOUZA JUNIOR - CPF: 044.342.451-98 (APELANTE), RODRIGO FRANCISCO DE SOUZA - CPF: 036.777.091-13 (ADVOGADO), OSWALDO ALVAREZ DE CAMPOS JUNIOR - CPF: 875.408.191-20 (ADVOGADO), DANIELLY ALVES DE AQUINO - CPF: 055.897.521-67 (ADVOGADO), MYLLENA UTRE COELHO - CPF: 061.959.831-01 (APELADO), JESSICA DOBROVOSKI - CPF: 059.498.961-22 (ADVOGADO), LUAN DOS SANTOS FERNANDES - CPF: 060.872.521-85 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência da EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “POR MAIORIA, DESPROVEU O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DA 2ª VOGAL (EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA), ACOMPANHADA PELO 1º VOGAL (EXMO. SR. DR. MÁRCIO APARECIDO GUEDES), 3ª VOGAL (EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS) E 4ª VOGAL (EXMA. SRA. DRA. TATIANE COLOMBO), VENCIDO O RELATOR, QUE O PROVEU PARCIALMENTE”. E M E N T A Direito de Família – Ação de Cobrança – Descumprimento Parcial de Acordo Homologado Judicialmente – Pagamento de Despesas Extraordinárias e de auxílio destinado a Babá – Necessidade de Aplicação do Princípio da Primazia da Realidade – Julgamento com Perspectiva de Gênero – Reprodução de Estereótipos – Responsabilidade Compartilhada – Consectários Legais – Termo Inicial e Índice – Adequação de Ofício – Recurso Desprovido. I. Caso em exame 1– Recurso de Apelação interposto em virtude de sentença que condenou o genitor ao pagamento de R$ 50,00 mensais, por 78 meses, a título de auxílio com babá, e ao reembolso de 50% das despesas extraordinárias comprovadas pela mãe da criança, com correção monetária e juros legais. II. Questões em discussão 2. São as seguintes: a) verificar se a falta de comunicação prévia afasta o dever de reembolso das despesas extraordinárias; b) analisar a obrigação relativa ao pagamento mensal de R$ 50,00, mesmo após o ingresso da criança em creche; c) avaliar eventual necessidade de revisão do termo inicial e índice aplicável aos juros de mora. III. Razões de decidir 3. A aplicação do princípio da primazia da realidade e das regras de experiência comum evidenciam que, embora o acordo exigisse comunicação prévia, as despesas com vestuário e babá são previsíveis e inerentes à criação da criança. 4. A interpretação literal da cláusula contratual implicaria atribuir à mãe, de forma quase exclusiva, o dever de sustento e cuidado do filho, em violação ao dever constitucional de ambos os genitores. 5. A cláusula que condiciona a contribuição com a babá até o ingresso em creche deve ser analisada à luz da realidade: se a mãe trabalha em tempo integral e a creche oferece atendimento parcial, a necessidade de cuidado complementar permanece. 6. A falta de provas de cobrança anterior à propositura da Ação impõe a incidência dos juros de mora apenas a partir da citação. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido. De ofício, ajustado o termo inicial e o índice de correção dos juros de mora. Tese de julgamento: “A falta de comunicação prévia não afasta, por si só, o dever do genitor em reembolsar despesas ordinárias e previsíveis, quando comprovadas e compatíveis com as necessidades da criança.” ______________ Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 375 e 406, § 1º; CC, art. 1.694; Resolução CNJ n. 254/2021; Tema 1.059/STJ. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 2.702.809/GO, rel. Min. Carlos Cini Marchionatti, j. 24/02/2025; STJ, REsp 1.741.716/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 25/05/2021. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS (RELATOR): Egrégia Câmara: Apelação cível interposta por RUBENS ALVES DE SOUZA JUNIOR contra sentença proferida nos autos da ação de cobrança movida por MYLLENA UTRE COELHO que julgou procedente o pedido contido na inicial para condenar o apelante ao pagamento de metade das despesas extraordinárias, corrigido monetariamente pelo INPC, a partir de cada desembolso e juros de 1% ao mês, a partir da citação, bem como ao pagamento de R$ 50,00 (cinquenta reais), por 78 (setenta e oito) meses, com correção monetária pelo INPC a partir de cada prejuízo (desembolso dos valores), nos termos da Súmula 43 do STJ e juros de 1% ao mês, desde a citação, além das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, suspensa, exigibilidade em razão da justiça gratuita. Explica o apelante que, diante do acordo entre as partes, a apelada estava responsável por informar o apelante sobre as despesas extraordinárias do filho, inclusive acompanhado de NF. Contudo, jamais soube das despesas extraordinárias que vem sendo cobrada no processo, fato que pode ser comprovado através da Ação Revisional de Alimentos n. 1000543-79.2023.8.11.0007, a apelada informa que deixou de avisar sobre tais despesas. Sob outro aspecto, a alegação da instrução probatória de que informou ao apelante das despesas extraordinária via WhatsApp, vai em desencontro com a informação da ação revisional, de que teria lhe informado pessoalmente. Quanto a babá, assevera que se comprometeu a ajuda de custa da babá, até que seu filho Gusttavo ingressasse na creche, conforme consta do acordo, e, alguns meses após o acordo o menor entrou na creche, onde permaneceu até os 5 anos de idade. Posteriormente não havia obrigação e não houve limite de idade para ajuda com a babá. Ainda sequer há recibo ou comprovante de pagamento das citadas despesas com a babá. Lado outro, informa que a apelada não trabalhou no período, o que demonstra a desnecessidade de cuidados por babá. Pugna pela reforma da sentença e improcedência dos pedidos deduzidos na inicial. Nas contrarrazões, a apelada defende ausência de obrigatoriedade para notificação específica acerca dos gastos extraordinários; comprovação dos gastos; necessidade de babá; e tentativa de enriquecimento ilícito. Pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS (RELATOR): Egrégia Câmara: Trata-se de apelação cível interposta por RUBENS ALVES DE SOUZA JUNIOR contra sentença proferida nos autos da ação de cobrança movida por Myllena Utre Coelho. A decisão recorrida julgou procedente o pedido inicial, condenando o apelante ao pagamento de metade das despesas extraordinárias do filho comum, corrigido monetariamente pelo INPC desde cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação. Ademais, condenou-o ao pagamento de R$ 50,00 mensais pelo período de 78 meses, a título de contribuição para os custos com babá, além das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, com exigibilidade suspensa devido à gratuidade de justiça. O apelante sustenta, em síntese, que havia um acordo entre as partes segundo o qual a apelada deveria informá-lo sobre as despesas extraordinárias do filho, inclusive apresentando nota fiscal. No entanto, alega jamais ter sido comunicado sobre tais despesas e aponta contradições nas alegações da apelada em outro processo, no qual ela teria admitido que não lhe avisou sobre os gastos. Além disso, afirma que sua obrigação com o pagamento de valores para a babá cessaria com a entrada do filho na creche, o que ocorreu poucos meses após o acordo. Acrescenta que a apelada não comprovou tais gastos e que, ademais, não exercia atividade remunerada, o que afastaria a necessidade de babá. Pugna pela reforma da sentença e improcedência da ação. A apelada, em contrarrazões, sustenta que não havia obrigatoriedade de notificação prévia ao apelante sobre os gastos extraordinários, que tais despesas foram comprovadas nos autos e que a contratação de uma babá se mostrou necessária, o que afastaria qualquer alegação de enriquecimento sem causa. Requer o desprovimento do recurso. Pois bem, A controvérsia recursal cinge-se à análise da necessidade e exigibilidade do reembolso das despesas extraordinárias e do pagamento referente à babá. Inicialmente, quanto às despesas extraordinárias, é incontroverso que o acordo firmado entre as partes estipulava o rateio dessas despesas na proporção de 50% para cada um dos genitores, desde que devidamente comprovadas. A sentença reconheceu a obrigação do apelante com fundamento na existência das notas fiscais anexadas aos autos, as quais demonstram gastos com vestuário, material escolar e outros itens. Contudo, a obrigação de reembolso de despesas extraordinárias pressupõe que o genitor inadimplente tenha sido previamente informado sobre os gastos, conforme consta do acordo existente entre as partes, salvo se houver justificativa plausível para a ausência de notificação. No caso concreto, verifica-se que há divergência nas declarações da apelada quanto à forma e ao momento da suposta comunicação ao apelante, o que compromete a certeza do seu conhecimento prévio; aliás, nas razões recursais a apelada já apresenta a versão de desnecessidade de comunicação prévia. Vejamos o teor do acordo entre as partes: “4) Quanto às despesas extraordinárias (médicas, farmacêuticas, ambulatoriais, odontológicas, material escolar, vestuário, entre outras): serão rateadas entre ambos, ou seja, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um, mediante nota fiscal, desde que comunicada previamente entre as partes”. Assim, a luz do acordo firmado entre as partes e à míngua de prova robusta de que o apelante foi informado tempestivamente e deixou de cumprir voluntariamente sua obrigação, entendo que deve ser afastada a condenação relativa ao reembolso das despesas extraordinárias, pelo menos não por esta via judicial. No que concerne à contribuição para a babá, a tese do apelante de que sua obrigação cessaria com a entrada do filho na creche não se sustenta. Conforme evidenciado pelas provas testemunhais, a criança frequentou a creche meio período, ao passo que a apelada estava regularmente empregada, conforme atestam as testemunhas. Dessa forma, restou demonstrada a necessidade da continuidade da contratação de uma babá para auxiliar nos cuidados com a criança, especialmente em horários não abrangidos pelo funcionamento da creche. O acordo firmado entre as partes previa a contribuição mensal de R$ 50,00 pelo apelante para custeio da babá, obrigação esta que perduraria enquanto houvesse a necessidade do serviço. Considerando que tal necessidade foi devidamente comprovada, bem como que o valor cobrado é compatível com o acordo firmado, mantenho a condenação ao pagamento do montante referente ao período correspondente. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença para excluir a condenação ao pagamento das despesas extraordinárias, mas mantendo a obrigação do apelante de arcar com os valores referentes à babá, nos termos da sentença recorrida. Diante da sucumbência recíproca, redistribuo os ônus sucumbenciais, fixando as custas processuais em 50% para cada parte e os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da condenação, na proporção do êxito de cada litigante, observada a suspensão da exigibilidade nos termos da gratuidade da justiça. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (1ª VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. DR. MARCIO APARECIDO GUEDES (2º VOGAL – JUIZ DE DIREITO CONVOCADO): Aguardo o pedido de vista dos autos. SESSÃO DE 29 DE ABRIL DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (1ª VOGAL): Egrégia Câmara: Rubens Alves de Souza Junior interpôs este Recurso em virtude da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados por Myllena Utre Coeho. Em síntese, as partes têm um filho ao qual o Apelado se comprometeu a pagar mensalmente, além da pensão alimentícia, 50% (cinquenta por cento) das despesas extraordinárias e R$ 50,00 (cinquenta reais) mensais, para o pagamento de uma babá. A Recorrida arcou sozinha com o pagamento dessas verbas e, assim, promoveu Ação de Cobrança em face do Apelante para receber as quantias devidas, quais sejam: R$ 1.511,98 (um mil, quinhentos e onze reais e noventa e oito centavos) de despesas extraordinárias e R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais), diante da inadimplência com o pagamento da babá por 78 (setenta e oito meses). Na sentença, o Apelante foi condenado ao pagamento de R$ 50,00 (cinquenta reais), por 78 (setenta e oito) meses, e ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das despesas extraordinárias comprovadas: VIVA FASHION - R$ 115,00; VIVA FASHION MOCHILA R$ 139,99; VIVA FASHION ROUPA - R$ 393,72; FILIAL 056 BICICLETA - R$ 379,00; LUZIA FERRAI ROUPA - R$ 858,94; BEBEZINHO COMÉRCIO ROUPA - R$ 144,00; TEEN MALHAS ROUPA - R$ 254,07; LOJAS AVENIDA ROUPA - R$ 531,89; RB PULIDO SAPATO - R$ 129,99. Tudo com correção monetária pelo INPC a partir de cada desembolso e juros de 1% (um por cento) ao mês desde a citação. Em suas razões, o Apelante alega que jamais deixou de cumprir o acordo, e sempre que a Recorrida solicitava, passava 50% (cinquenta por cento) das despesas extraordinárias. Aduz que, conforme o acordo firmado entre eles, a Apelada comprometeu a informá-lo de todas as despesas da criança, comprovadas por notas fiscais, para que pudesse cumprir a sua parte e pagar os 50% (cinquenta por cento); todavia, a Recorrida assim não procedeu, e jamais soube das despesas extraordinárias cobradas na demanda. Afirma que sua alegação pode ser comprovada por meio da consulta dos autos da Ação Revisional de Alimentos n. 1000543-79.2023.8.11.0007, pois naquela demanda a Apelada admitiu que deixou de avisá-lo sobre tais despesas. Ou seja, alega que foi a Recorrida quem descumpriu o pactuado e deu causa à cobrança. Quanto aos R$ 50,00 (cinquenta reais) mensais, que seriam destinados ao pagamento da babá, aduz que se comprometeu ao pagamento até que o filho ingressasse na creche e, decorrido poucos meses da celebração do acordo, a criança foi admitida na creche e continuou a frequentá-la até os 05 (cinco) anos, data limite. Aduz, também, que nos autos não há prova das despesas com a babá. Requer o provimento do Recurso, a fim de que os pedidos iniciais sejam julgados improcedentes, com a inversão do ônus da sucumbência. Na sessão de 02/04/2025, o Relator, Desembargador Sebastião Barbosa Farias, apresentou voto pelo parcial provimento do Apelo, com a exclusão da condenação ao pagamento das despesas extraordinárias e o rateio das verbas de sucumbência em 50% (cinquenta por cento) para cada parte. Pedi vista para melhor analisar o conjunto fático probatório e, assim, firmar convicção segura quanto à matéria devolvida. Pois bem. Antes de promover essa demanda, precisamente em 30/01/2023, a criança, representada pela Apelada, ajuizou a “Ação Revisional de Alimentos para Majorar c/c Alimentos Provisórios c/c Cumprimento de Sentença” n. 1000543-79.2023.8.11.0007. Ao sanear aquele processo em 05/07/2023, a Juíza a quo acolheu a preliminar suscitada pelo Apelante, de inadequação da via eleita em relação ao pedido de cumprimento de sentença, haja vista que tem rito diverso do pedido revisional. Assim, em 22/08/2023, a Recorrida promoveu esta Ação de Cobrança em que busca receber 50% (cinquenta por cento) das despesas com roupas, sapatos e bicicleta, adquiridos para o filho em 2018, 2019, 2020, 2022 e 2023. Em relação aos R$ 50,00 (cinquenta reais) mensais, afirmou que o Apelante jamais pagou tal quantia. Assim, aduz que o valor é devido desde fevereiro de 2017 e por 78 (setenta e oito) meses, ou seja, por seis anos e meio. Conforme se observa do Termo de Acordo homologado entre as partes em 08/02/2017, além da pensão alimentícia, as partes concordaram que: Quanto às despesas extraordinárias (médicas, farmacêuticas, ambulatoriais, odontológicas, material escolar, vestuário entre outras): serão rateadas entre ambos, ou seja, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um, mediante nota fiscal, desde que comunicada previamente entre as partes. (sem destaque no original) O Recorrente firmou o compromisso de contribuir “com R$ 50,00 (cinquenta reais) para despesa referente à babá da criança, o qual será paga juntamente com os alimentos, mediante conta bancária até que a genitora consiga uma vaga na creche.” (sem destaque no original) Para a reforma da sentença, o Recorrente se prende aos trechos acima negritados. Aduz que não pode ser condenado ao pagamento das despesas extraordinárias objeto da demanda, porque não foi previamente informado sobre elas. A Recorrida, por sua vez, afirma que não requereu o pagamento porque toda vez que tocava no assunto "dinheiro”, o Apelante respondia que, se não tinha condições de criar o filho, que lhe entregasse a criança. Analisei com acuidade este processo, consultei o PJe de 1º Grau e verifiquei que, além da Ação Revisional n. 1000543-79.2023.8.11.0007, existem outras demandas que envolvem as partes. Sabe-se que, nos termos do artigo 375, do Código de Processo Civil, ao julgar, o Juiz deve aplicar as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece. Ou seja, o Julgador deve adotar em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, para atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Há hipóteses em que decisão judicial deve assumir contornos para que seja, na maior medida possível, próxima à realidade fática existente, aplicando-se o princípio da primazia da realidade, que privilegia os fatos em detrimento daquilo que consta nos documentos formais e, este caso em específico, deve ser analisado sob essa ótica. Acerca da aplicação do citado princípio, são pertinentes as palavras de Gisela Gondin Ramos: É o que acontece quando o magistrado se vale do argumento da primazia da realidade, porquanto nestes casos ele sempre estará fazendo uma clara opção entre os aspectos formais e fáticos da relação jurídica sub judice, para fins de decidir a incidência da regra de Direito. Trata-se, portanto, segundo a metodologia que imprimimos, não de um princípio jurídico, mas sim de um critério jurídico que viceja na seara probatória. Em razão disto, nos parece mais apropriada a sua classificação como critérios de valoração da prova que, sobrepondo a realidade fática aos aspectos meramente formais da relação havida entre as partes, não faz outra coisa senão tutelar a parte hipossuficiente na relação, em reverência ao princípio da proteção, ao qual é subjacente." (in Princípios Jurídicos, Editora Forum, Belo Horizonte, 2012, página 547). Não se pode esquecer que o Processo Civil visa à verdade real, de forma que o julgador não pode se contentar com a mera verdade formal. Conforme já exposto, deve resolver os conflitos de forma justa e efetiva, aplicando “as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece” (art. 375, CPC). Neste caso, com fundamento no princípio da primazia da realidade, que valoriza o fato, a situação ao invés do formalismo, e com base nas regras de experiência comum, tenho que a obrigação de pagamento deve ser mantida hígida. Não há dúvida de que, no acordo firmado em 2017, as partes convencionaram que 50% (cinquenta por cento) das despesas extraordinárias seriam de responsabilidade do Apelante, desde que comunicada previamente. De igual modo, é certo que se responsabilizou pelo pagamento de R$ 50,00 (cinquenta reais) mensais, até que o filho fosse admitido em uma creche. Ressalto que à época do nascimento do filho, a Apelada estava com 16 (dezesseis) anos de idade e o Recorrente com 25 (vinte e cinco) anos. Na data do acordo (08/02/2017) a criança não tinha completado 02 (dois) anos. É certo e notório que na primeira infância a criança cresce rápido e, por esse motivo, roupas e calçados são frequentemente substituídos por outros, pois deixam de servir e, embora a Recorrente não tenha previamente informado o Apelado da aquisição de roupas, sapatos e outras necessidades, isso não afasta a sua obrigação em arcar com as despesas, que estão devidamente comprovadas por notas fiscais, cujas necessidades tinha plenas condições de acompanhar e conhecer em sua convivência com o filho. De igual modo, é evidente que, se a mãe trabalha 8h (oito horas) por dia e a creche acolhe a criança apenas por meio período, essa criança precisa ser cuidada por alguém. No caso, a cópia da CTPS da Recorrida evidencia que desde aquela época (08/02/2017) até 2023, quando a Ação foi promovida, sempre trabalhou como vendedora, recepcionista, supervisora e outros. Assim, o fato de o Recorrido ter se comprometido a contribuir com R$ 50,00 (cinquenta reais) para pagar a babá “até que a genitora” conseguisse “uma vaga na creche”, não é óbice para que arque com essa despesa, pois se o filho permanecia meio período na creche e/ou escola, e a Recorrida trabalhava 08h (oito horas) por dia, é certo que arcou com essa despesa sozinha. A questão deve ser analisada sob a ótica do princípio da primazia da realidade porque o aspecto formal do Termo de Acordo não pode prevalecer à situação fática. Não há como acolher a tese de defesa do Recorrente fundada no Termo de Acordo, pois age como se a responsabilidade pela subsistência do filho fosse exclusiva da mãe, cabendo ao pai, apenas conferir uma ínfima "ajuda" e, ainda assim, “desde que comunicada previamente”. Na verdade, depois de analisar estes autos e acessar o Pje de 1º Grau, pude compreender o contexto no qual este conflito está inserido e constatei a reprodução de estereótipos de gênero ao se atribuir à mulher a incumbência do sustento da prole de forma praticamente exclusiva. Sabe-se que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, editado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021 e de observância obrigatória desde 2023 por meio da Resolução n. 492, tem o escopo de orientar a magistratura no julgamento de casos concretos, para que Julgadores e Julgadoras analisem e julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade. O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero dispõe que os estereótipos de gênero devem ser evitados na atividade jurisdicional, a fim de não reproduzir diversas formas de violência e de discriminação e, assim, impedir a concretização do princípio da igualdade, constitucionalmente previsto. Neste processo, constato, por parte do Recorrente, a reprodução de estereótipos de gênero ao se atribuir à mulher a incumbência do sustento da prole de forma praticamente exclusiva. É necessário reforçar a ideia de que o sustento dos filhos não é uma benevolência do genitor, mas sim uma obrigação constitucionalmente prevista. Ainda que a Recorrida, nos idos dos seus 19 (dezenove) anos, enquanto o filho não tinha sequer completado 02 (dois) anos, tenha anuído aos termos do acordo, aquela forma não pode prevalecer. O Judiciário admitir que toda a responsabilidade pelas despesas extraordinárias e os gastos com a pessoa que cuida da criança fique sob a responsabilidade da Apelada, porque ela deveria ter comunicado previamente ao genitor cada aquisição de roupas, sapatos etc. para o filho e/ou porque o pai se comprometeu a ratear as despesas da babá até que a genitora conseguisse vaga em creche, é insustentável. O genitor Apelante deve, sim, ser compelido a arcar com a metade das despesas suportadas unilateralmente pela Recorrida. Portanto, peço licença ao Relator, pois dele divirjo. Não constato motivos para afastar a obrigação do Apelante em arcar com 50% (cinquenta por cento) das despesas extraordinárias comprovadas pela Recorrida. O único ponto que, a meu ver, a sentença merece reparo, diz respeito aos juros de mora e, ainda que o Apelante não tenha se insurgido quanto ao ponto, não há óbice para a sua análise, pois “a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a correção monetária e os juros de mora são consectários legais da condenação principal, de ordem pública, podendo ser analisados de ofício, sem configurar julgamento extra petita ou reformatio in pejus.” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.702.809/GO, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Terceira Turma, julgado em 24/2/2025, DJEN de 28/2/2025). Assim, considerando que a Apelada não comprovou, satisfatoriamente, a cobrança dos valores antes da propositura da demanda, os juros de mora não podem incidir desde o desembolso. Devem incidir a contar da citação. Tendo em vista que a sentença foi proferida depois da vigência da Lei 14.905/2024, que alterou a taxa de juros e o índice de correção monetária, o montante devido deve ser acrescido de juros de mora pela taxa referencial do SELIC, deduzida do IPCA (art. 406, § 1.º, CC) desde a citação, data em que o Recorrente foi constituído em mora. Com essas considerações, respeitado o entendimento do Desembargador Sebastião Barbosa Farias, dele divirjo. Nego o provimento ao Recurso, mantenho hígida a sentença que condenou o Apelante ao pagamento de R$ 50,00 (cinquenta reais), por 78 (setenta e oito) meses, e ao valor de 50% (cinquenta por cento) das despesas extraordinárias comprovadas. De ofício, reformo o termo inicial e índice dos juros de mora. O montante devido deve ser acrescido de juros de mora pela taxa referencial do SELIC, deduzida do IPCA desde a citação. Em atenção ao artigo 85, § 11, do CPC e ao Tema 1.059/STJ, majoro os honorários advocatícios para 11% (onze por cento) do valor da condenação, cuja exigibilidade mantenho suspensa, nos termos do artigo 98, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil. É como voto. V O T O EXMO. SR. DR. MÁRCIO APARECIDO GUEDES (2º VOGAL - JUIZ DE DIREITO CONVOCADO): Com a devida vênia ao relator, acompanho o voto da divergência inaugurada pela Desembargadora Clarice Claudino da Silva. EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (PRESIDENTE): Em razão da divergência, o julgamento prosseguirá com aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, nos termos do art. 23-A do RITJ/MT, em sessão futura. SESSÃO POR VIDEOCONFERÊNCIA DE 13 DE MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (3ª VOGAL - CONVOCADA): Colenda Câmara: RUBENS ALVES DE SOUZA JUNIOR interpõe apelação cível contra sentença proferida nos autos da ação de cobrança ajuizada por MYLLENA UTRE COELHO, que julgou procedente o pedido para condená-lo ao pagamento de R$ 50,00 mensais, por 78 meses, para custeio de babá, bem como ao reembolso de 50% das despesas extraordinárias comprovadas com o filho comum, acrescidas de correção monetária pelo INPC desde cada desembolso e juros de mora de 1% ao mês desde a citação. O apelante alega que havia acordo entre as partes determinando a prévia comunicação das despesas, o que não teria ocorrido. Sustenta que a obrigação de auxílio com a babá cessaria com a entrada do filho na creche e que não há provas das despesas cobradas. Requer a improcedência dos pedidos. Após voto do relator dando parcial provimento ao recurso, pediu vista a Desembargadora Clarice Claudino da Silva. A divergência por ela instaurada foi acompanhada pelo segundo vogal. Aplicada a técnica do art. 942 do CPC. Pois bem. A controvérsia recursal versa sobre a exigibilidade de valores referentes a despesas extraordinárias e à contribuição para custeio de babá, conforme acordo homologado entre as partes em 2017. Sem delongas, entendo por acompanhar a divergência. Isso porque, embora formalmente pactuada a necessidade de comunicação prévia, impõe-se, diante da análise concreta dos autos, a aplicação do princípio da primazia da realidade, o qual orienta o julgador a valorizar a efetiva situação fática em detrimento de formalidades contratuais que se revelem incompatíveis com a justiça material. Comprovadas documentalmente as despesas com vestuário, calçados e bicicleta ao longo dos anos de 2018 a 2023, não há dúvida quanto à sua natureza ordinária e previsível na criação de um infante. O argumento de ausência de comunicação prévia, por conseguinte, não pode sobrepor-se à inequívoca realidade de necessidade e efetiva realização dos gastos em prol do menor, sobretudo diante da convivência parental que viabiliza a percepção direta das necessidades da criança. No que tange ao custeio de babá, igualmente infundada é a tese de exoneração com o ingresso em creche. Como comprovado nos autos, a creche era de meio período e a genitora mantinha vínculo empregatício formal em tempo integral. A continuidade da necessidade de cuidadora é medida que se impõe pelo zelo ao bem-estar da criança. Ressalta-se que a tentativa de afastar a responsabilidade paterna por questões formais, transferindo à genitora o ônus exclusivo do sustento e cuidado da prole, revela inequívoca reprodução de estereótipos de gênero, o que deve ser expressamente repelido à luz do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ (Resolução nº 254/2021, de observância obrigatória desde 2023). A maternidade não pode ser presumida como sinônimo de exclusividade nos encargos parentais. Ao arremate, deve-se, contudo, proceder à adequação de ofício dos consectários legais. Considerando a ausência de cobrança extrajudicial satisfatória anterior ao ajuizamento da demanda, os juros de mora devem incidir a partir da citação. Ademais, com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, os juros moratórios aplicam-se pela taxa SELIC, deduzido o IPCA, nos termos do art. 406, §1º, do Código Civil. Ante o exposto, peço vênia ao douto Relator, acompanho o voto da divergência inaugurada pela Desembargadora Clarice Claudino da Silva. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DRA. TATIANE COLOMBO (4ª VOGAL – CONVOCADA): Acompanho o voto da divergente da Desembargadora Clarice Claudino da Silva. Data da sessão: Cuiabá-MT, 13/05/2025
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