Processo nº 1007901-82.2024.8.11.0000
ID: 260035715
Tribunal: TJMT
Órgão: Turma de Câmaras Criminais Reunidas
Classe: REVISãO CRIMINAL
Nº Processo: 1007901-82.2024.8.11.0000
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDERSON ANTONIO VERARDI
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1007901-82.2024.8.11.0000 Classe: REVISÃO CRIMINAL (12394) Assunto: [Homicídio Privilegiado] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1007901-82.2024.8.11.0000 Classe: REVISÃO CRIMINAL (12394) Assunto: [Homicídio Privilegiado] Relator: Des(a). FRANCISCO ALEXANDRE FERREIRA MENDES NETO Turma Julgadora: [DES(A). FRANCISCO ALEXANDRE FERREIRA MENDES NETO, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [ANDERSON ANTONIO VERARDI - CPF: 905.669.201-15 (ADVOGADO), EVANDRO DA CRUZ NOGUEIRA - CPF: 032.981.761-25 (REQUERENTE), MATO GROSSO - MINISTERIO PUBLICO (REQUERIDO), RODERICK APARECIDO GONCALVES - CPF: 021.295.221-81 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REQUERIDO), JEIZA RODRIGUES DE SOUSA - CPF: 034.118.861-10 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO REVISIONAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A Ementa: revisão criminal. Homicídio qualificado consumado e tentado. Condenação transitada em julgado. Preliminar da pgj. Não conhecimento. Reiteração de matéria já analisada em recurso de apelação. Acolhimento em parte. Alegação de erro judiciário e contrariedade à evidência dos autos. Teses não invocadas. Prova nova produzida em ação de justificação. Depoimento isolado e incompatível com o conjunto probatório. Inexistência de contradições relevantes nos testemunhos. Revisão criminal parcialmente conhecida e, na extensão, improcedente. I. Caso em exame 1. A defesa interpôs revisão criminal visando a anulação do julgamento pelo Tribunal do Júri ou, alternativamente, a exclusão da qualificadora do motivo fútil, sob a alegação de erro judiciário, contrariedade à evidência dos autos e produção de prova nova (art. 621, I, II e III, CPP). Em suma, alega inexistência de relação amorosa entre o revisionando e a vítima, diz que o disparo de arma de fogo não foi proposital e que os depoimentos prestados pelas testemunhas e informantes, em juízo, são contraditórios e inverídicos. A d. PGJ manifestou-se, em preliminar, pelo não conhecimento da revisão criminal, sob o argumento de que as teses defensivas já foram analisadas no julgamento da apelação criminal. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em saber se: (i) a revisão criminal deve ser conhecida, considerando o pedido ministerial pelo não conhecimento da ação; (ii) a condenação foi proferida em contrariedade à evidência dos autos, considerando as alegadas contradições nos depoimentos das testemunhas; (iii) a prova nova apresentada na Ação de Justificação é suficiente para justificar a reforma da condenação. III. Razões de decidir 1. A preliminar arguida pela d. PGJ merece acolhimento parcial. A revisão criminal foi conhecida apenas em parte, restringindo-se à análise da prova nova apresentada após a Ação de Justificação e à verificação de eventual contrariedade da condenação à evidência dos autos ou sua fundamentação em provas falsas. 2. O depoimento da testemunha inquirida na ação cautelar, apresentado como prova nova, é isolado e inconsistente com o conjunto probatório já analisado na decisão original, não possuindo força suficiente para desconstituir a condenação. 3. As alegadas contradições nos depoimentos das testemunhas e informantes não afetam os elementos centrais do crime, sendo meras variações narrativas comuns ao longo do processo. 4. A revisão criminal não pode ser utilizada como novo grau recursal para reanálise das provas, especialmente quando não há demonstração de erro judiciário manifesto. 5. A decisão condenatória do Tribunal do Júri está devidamente fundamentada e encontra respaldo em prova robusta, não havendo justificativa para sua anulação. IV. Dispositivo e tese Revisão criminal parcialmente conhecida e, na extensão, improcedente. Tese de julgamento: “1. A prova nova em revisão criminal deve ser estreme de dúvida e inconteste, capaz de desconstituir o conjunto probatório que embasou a condenação.” “2. Pequenas variações nos depoimentos das testemunhas não são suficientes para caracterizar erro judiciário ou contrariedade à evidência dos autos.” “3. A revisão criminal somente deve admitida quando houver elemento probatório novo, erro judiciário manifesto ou condenação baseada em provas falsas, não se prestando à mera rediscussão de matéria já analisada em recurso de apelação.”. Legislação e jurisprudência relevantes citadas: CPP, art. 621, I, II e III. Jurisprudência relevante citada: TJMT, N.U 1021027-73.2022.8.11.0000, Rel. Pedro Sakamoto, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, julgado em 20/04/2023; TJMT, N.U 1004379-47.2024.8.11.0000, Rel. Marcos Regenold Fernandes, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, julgado em 19/12/2024; TJMT, N.U 1015057-24.2024.8.11.0000, Rel. Hélio Nishiyama, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, julgado em 05/12/2024; TJMT, N.U 1009610-60.2021.8.11.0000, Câmaras Criminais Reunidas, Marcos Machado, Julgado em 16/09/2021; TJMT, N.U 1014665-60.2019.8.11.0000, Câmaras Criminais Reunidas, Orlando De Almeida Perri, Julgado em 06/02/2020. R E L A T Ó R I O Egrégia Turma de Câmaras, Revisão Criminal proposta por Evandro da Cruz Nogueira, impugnando o acórdão da Primeira Câmara Criminal, que desproveu o recurso de apelação n. 0000035-04.2011, e manteve sua condenação pelo crime de homicídio qualificado (art. 121, §2º, II, do Código Penal), fixando a pena em 12 anos de reclusão, regime fechado. Por meio de advogado constituído, alega erro judiciário, contrariedade à evidência dos autos e existência de prova nova (art. 621, I, II e III. CPP), produzidas nos autos de justificação de n. 1001211-78.2023.8.11.0030. Requer a anulação do Júri ou, ao menos, a exclusão da qualificadora do motivo fútil, invocando a fragilidade probatória, e contradições existentes nos depoimentos das informantes e das testemunhas inquiridas durante a instrução criminal. Em suma, diz que não há elementos capazes de comprovar o animus necandi e nem mesmo a qualificadora do motivo fútil (ciúme) já que, conforme os depoimentos colhidos na Ação de Justificação, nunca houve qualquer relação amorosa entre a vítima e o revisionado. Instruiu a inicial com documentos (ID 163156688 a 163156691 e 165417191 a 165429681). O pedido in limine, visando a suspensão dos efeitos da sentença condenatória e a expedição de Alvará de Soltura, foi indeferido (Id. 237145657). Nesta instância, a d. PGJ lançou parecer pela extinção do feito sem resolução do mérito, sob o entendimento de que as teses já foram amplamente analisadas no julgamento da apelação criminal (ID 242233153). É o relatório. À douta revisão. Cuiabá, data da assinatura digital. Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto. Relator convocado V O T O R E L A T O R VOTO Egrégia Turma de Câmaras, Muito embora o revisionando tenha descumprido o dever de instruir a peça de ingresso com o acórdão impugnado e a certidão de trânsito em julgado do acórdão impugnado, foi possível superar o desleixo graças ao retorno exitoso da consulta ao Sistema do PJE, nesta instancia recursal. Dito isso, infere-se dos autos que Evandro Nogueira foi condenado pelo homicídio qualificado de Roderick Aparecido Gonçalves e pela tentativa de homicídio qualificado de Jeiza Rodrigues de Sousa (art. 121, §2º, II e art. 121, §2º, II c/c art. 14, II, do CP), crimes ocorridos na noite de 04/12/2010, por volta das 21h, em uma residência localizada na Rua Público Porto Dois, Centro, na Comarca de Nobres/MT. Resumidamente, consta dos autos que Evandro entrou armado na casa, fechou as portas para evitar fuga dos presentes, atirou em Roderick e tentou matar Jeiza, que, rapidamente, foi defendida pela irmã, a testemunha Jhenefer de Souza. Segundo constou no processo, Evandro e Roderick teriam tido um envolvimento anterior, mas Evandro não aceitava o término do namoro e a nova relação da vítima com Jeiza de Souza. Mais tarde, a Egrégia 1ª Câmara Criminal, ao apreciar o Recurso de Apelação n. 0000035-04.2011, da relatoria do Exmo. Des. Marcos Machado, negou provimento ao apelo defensivo, conforme se extrai da ementa do julgado abaixo transcrita: “APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL] - SENTENÇA CONDENATÓRIA - CONTRARIEDADE AS PROVAS DOS AUTOS - HOMICÍDIO PRIVILEGIADO E QUALIFICADORA NÃO CARACTERIZADAS - PEDIDO DE SUBMISSÃO A NOVO JULGAMENTO - DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇÃO - NÃO RECONHECIMENTO - DISCUSSÃO ANTERIOR HORAS ANTES - APELANTE QUEM PROCUROU A VÍTIMA NO INTERIOR DE SUA RESIDÊNCIA - PROVA ORAL - PRIVILÉGIO QUE PRESSUPÕE REAÇÃO IMEDIATA E INTENSO CHOQUE EMOCIONAL - LIÇÃO DOUTRINÁRIA - JULGADO DO TJMT - OPÇÃO DOS JURADOS POR CORRENTE DE INTERPRETAÇÃO DA PROVA - LIÇÃO DOUTRINÁRIA - JULGAMENTO POPULAR NÃO CONTRÁRIO ÀS PROVAS DOS AUTOS - ELEMENTOS DE CONVICÇÃO PRODUZIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO - DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA LEGITIMADA - QUALIFICADORA RECONHECIDA - SUPORTE EM DECLARAÇÕES TESTEMUNHAIS - CIÚMES - TÉRMINO DE RELACIONAMENTO DA VÍTIMA COM O APELANTE E ATUAL NAMORO DA VÍTIMA COM TESTEMUNHA - SUBMISSÃO NOVO JULGAMENTO INJUSTIFICÁVEL - RECURSO DESPROVIDO. O privilégio da violenta emoção pressupõe a reação imediata do agente à injusta provocação da vítima, “sob intenso choque emocional, capaz de anular sua capacidade de autocontrole durante o cometimento do crime” (CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal. 6ª ed. Bahia: Juspodium. 2013. p. 240). “No homicídio privilegiado os elementos ‘violenta emoção’ e injusta provocação da vítima devem estar bem delineados nos autos, o que não verificou-se no caso em tela” (TJMT, AP nº 75444/2013). O julgamento popular não pode ser considerado contrário à prova dos autos quando existem elementos de convicção, produzidos sob o crivo do contraditório, que legitimam a decisão do Conselho de Sentença. “Não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados em que se acolheu a tese de homicídio qualificado por motivo fútil, em razão de ciúme sentido pelo agente, inconformado com o término do relacionamento, haja vista, que livre o Conselho de Sentença na escolha, aceitação e valoração da prova.” (TJMT, AP N.U 0001129-69.2013.8.11.0077). A condenação transitou em julgado em 23/08/2022 (ID. 140867176), nos autos da apelação criminal. Direto aos pontos, a preliminar arguida pela d. PGJ merece parcial acolhimento. A tese apresentada nesta revisional, no sentido de que Evandro era constantemente agredido pela vítima, o que segundo a Defesa, teria sido “a real motivação do trágico incidente” (Sic) não constitui matéria nova, e já foi exaustivamente analisada no julgamento da apelação criminal de relatoria do Des. Marcos Machado. Nas razões de apelo, a Defensoria Pública sustentou que o Evandro agiu sob o domínio de violenta emoção, logo após ser agredido pela vítima (injusta provocação), invocando, assim, a ocorrência do homicídio privilegiado (art. 121, §1º, CP) e requerendo a nulidade do júri. De forma alternativa, pugnou pela exclusão da qualificadora do motivo fútil, alegando que Evandro, na verdade, praticou o crime após uma briga com Roderick provocada pelo término do relacionamento entre Evandro e Roderick. Nas suas palavras a briga anterior exclui a qualificadora e “o término de um relacionamento, com brigas e discussões anteriores, jamais deve ser considerado motivo fútil. Reconhecer o motivo fútil em desavenças amorosas e agressões anteriores ao fato é talvez um dos maiores equívocos nas decisões judiciais, eis que não são fúteis em razão do estado emocional do ser humano envolvido na situação”. Tais alegações foram submetidas ao Tribunal, que rejeitou os pedidos, concluindo que o contexto fático não configurava reação imediata a uma injusta provocação, e, destacando, também, que “a discussão e agressão física entre a vítima e o apelante ocorreram aproximadamente 20h, em uma lanchonete (...), ou seja, 1h antes do homicídio, conforme depoimentos de Jeiza Rodrigues de Sousa (namorada da vítima), em ambas as fases da persecução penal, a elidir ação logo após injusta provocação da vítima” (vide ApCrim n. 0000035-04.2011.8.11.0030). Dessa forma, a reapresentação dessa tese, sob a alegação de que a conduta de Evandro decorreu de reiteradas agressões sofridas, constitui mera reiteração recursal. Apenas para que a defesa não fique sem resposta, cabe ressaltar que as supostas agressões e o alegado “descontrole psicossocial” (sic) da vítima não poderiam, sob nenhuma hipótese, ser invocados nesta revisão criminal para simplesmente isentar Evandro de sua responsabilidade penal ou afastar a ilicitude do crime por ele praticado. E ainda que fosse possível rediscutir a matéria, o fato é que Evandro, por mais que estivesse exausto de eventuais agressões, jamais poderia fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que o ordenamento jurídico não admite a vingança privada como forma de reparação de conflitos. Por outro lado, a ação revisional introduz uma nova linha argumentativa, distinta daquela apresentada na apelação n. 0000035-04.2011.8.11.0030. Enquanto no recurso de apelação, a Defensoria Pública Estadual sustentou a tese de homicídio privilegiado e a inexistência da qualificadora de motivo fútil, nesta revisão criminal, a nova defesa, agora constituída, busca reavaliar a dinâmica do crime e os depoimentos das testemunhas. Nesta revisional, apresentada uma “prova nova” produzida na Ação de Justificação n. 1001211-78.2023.8.11.0030, alega que Evandro não teve nenhum relacionamento amoroso com Roderick, e que a condenação foi contrária à evidência dos autos bem como se baseou em falsas acusações, provas frágeis e testemunhos contraditórios. Levanta possíveis incoerências nos relatos testemunhais, sugerindo que, conforme alegado pelo próprio revisionando, em plenário, o tiro que atingiu Roderick pode ter ocorrido de forma acidental, durante uma luta corporal. Busca, então, a cassação da sentença condenatória e a realização de um novo julgamento pelo Tribunal do Júri. E diante dessa mudança substancial na fundamentação defensiva, que não foi objeto de debate na sessão plenária e em sede de apelação, verifico a existência de argumentos inéditos que justificam o exame da revisão criminal com enfoque nos art. 621, I e II, CPP. Sobre o tema: “A alegação de que a condenação contraria a evidência dos autos autoriza, à luz da teoria da asserção, a revisão dos processos findos, daí por que constituiria indisfarçável negativa de jurisdição a extinção prematura da demanda revisional, proposta com base no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, sem resolução do mérito, ao singelo fundamento de que a as provas já foram analisadas nas vias ordinárias.” (N.U 1021027-73.2022.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, PEDRO SAKAMOTO, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 20/04/2023, Publicado no DJE 20/04/2023) Por essas razões, conheço, em parte, da revisão criminal. Pois bem. Quanto à invocação de prova nova (art. 621, III, CPP) a defesa apresenta o depoimento de Roselene de Arruda, amiga de Evandro, ouvida exclusivamente nos autos da justificação criminal n.º 1001211-78.2023.8.11.0030. Em sua fala, Roselene afirmou que Evandro jamais mencionou qualquer vínculo amoroso com Roderick e que ele nunca manteve relações homoafetivas. Acrescentou, ainda, que ela própria teve um envolvimento com o revisionando, sugerindo, assim, a impossibilidade de um relacionamento entre ele e a vítima. A despeito do esforço empreendido pelo Requerente no afã de alcançar a revisão do processo findo, percebo que o depoimento de Roselene de Arruda, colhido na justificação criminal não é apto a desconstituir o veredito condenatório acobertado pelo manto da coisa julgada, pois, além de isolado, diverge radicalmente do conjunto probatório já analisado no julgamento original. A versão apresentada por Roselene, afirmando que Evandro nunca mencionou qualquer envolvimento amoroso com Roderick e que jamais teve relações homoafetivas, tem o claro propósito de afastar a possível prática do crime e a sua motivação passional. No entanto, a afirmativa não encontra respaldo nos demais depoimentos colhidos ao longo do processo, sendo, pois, inconsistente com os elementos que fundamentaram a condenação. Enquanto as testemunhas presenciais — Jeiza de Souza (também vítima), Jhenefer de Souza e Maria de Lourdes Gonçalves — relataram que Evandro não aceitava o novo relacionamento da vítima e agia movido por ciúmes, Roselene, em depoimento prestado posteriormente, limita-se a dizer que Evandro nunca lhe confidenciou o vínculo amoroso com Roderick. Cabe destacar que Maria de Lourdes, mãe da vítima, confirmou a existência do relacionamento entre Evandro e Roderick, e relatou as discussões frequentes do casal, motivadas pelo ciúme do revisionando. Da mesma forma, Jeiza e Jhenefer de Souza descreveram o comportamento obsessivo e possessivo de Evandro, que não aceitava o novo relacionamento da vítima. Com efeito, a versão apresentada por Roselene não apenas se mostra isolada, mas também destoa completamente do conjunto probatório, não possuindo, portanto, força suficiente para desconstituir as provas orais obtidas em juízo. Apesar de Evandro, na sessão plenária, ter negado um envolvimento amoroso com Roderick e alegado que o tiro ocorreu durante uma luta corporal entre ele, Jeiza e Roderick, a própria linha de defesa anterior, nos autos de recurso de apelação, não abordou essa tese e confirmou a ocorrência da relação amorosa, justificando a ação criminosa diante da violenta emoção após uma briga em decorrência do término do relacionamento. Enfim, além de ser um testemunho desacompanhado de qualquer outro elemento que o corrobore, a fala de Roselene claramente possui um viés voltado a tentar enfraquecer a condenação, ignorando as provas robustas já analisadas no julgamento original. Deste e. TJMT: “(...) 3. A prova nova, apta a desconstituir o julgado em revisão criminal, deve ser estreme de dúvida e inconteste, revelando com segurança a inocência do condenado. 4. As declarações colhidas em justificação criminal não se mostram capazes de infirmar os elementos probatórios que sustentaram a condenação, como os depoimentos de policiais e testemunhas que corroboraram a prática delitiva. A retratação isolada de testemunha não possui força probatória suficiente para afastar a condenação, uma vez que a sentença condenatória foi proferida com base em um conjunto probatório robusto, não afetado pela prova nova apresentada. (...). Tese de julgamento: 1. A prova nova em revisão criminal deve ser estreme de dúvida e inconteste, capaz de desconstituir o conjunto probatório que embasou a condenação. (...)”. (N.U 1004379-47.2024.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 19/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024) “(...). A nova versão acerca da autoria do latrocínio/ocultação de cadáver, (...) não têm o condão de rescindir a sentença condenatória quando esta se funda em outros depoimentos que permaneceram inalterados acerca da materialidade e autoria delitiva. A prova nova legitimadora de pretensão revisional deve ser imbuída de juízo de certeza quanto à inocência do requerente, com “valor decisivo, não bastando aquela que só debilite a prova do processo revidendo ou que cause dúvida no espírito do julgador” (TJMT, RvC N.U. 1005263-23.2017.8.11.0000). Em outras palavras, “deve ser revestida de tamanha força probatória que, por si só, seja capaz de refutar o comportamento criminoso do agente e firmar a sua inocência” (TJMT, RvC 1000412-33.2020.8.11.0000). (...). (TJMT - N.U 1009610-60.2021.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, MARCOS MACHADO, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 16/09/2021, Publicado no DJE 30/09/2021) Prosseguindo, a Defesa invoca os incisos I e II do art. 621, CPP e tenta demonstrar que as testemunhas Maria de Lourdes, Jeiza de Souza (respectivamente mãe e namorada da vítima) e Jhenefer de Souza (irmã de Jeiza) modificaram suas versões ao longo do processo e que, por isso, a condenação foi proferida contrária à evidência dos autos, e com base em depoimentos falsos. Quanto ao depoimento de Jeiza de Souza, diz que ela, inicialmente, alegou ter saído do banheiro porque ouviu alguém lhe chamando. Posteriormente, Jeiza mudou sua fala, e declarou ter saído porque escutou os tiros. A defesa também aponta uma suposta divergência no depoimento de Jeiza de Souza, alegando que, inicialmente, ela afirmou ter entrado em luta corporal com Evandro, sendo Roderick o responsável por ajudá-la a contê-lo. Posteriormente, segundo a defesa, Jeiza teria apresentado uma versão diferente, afirmando que, durante a luta, Jhenefer atingiu Evandro com uma cadeira, o que lhe permitiu escapar. No tocante ao depoimento de Jhenefer de Souza, a defesa alega que, inicialmente, ela afirmou ter presenciado a luta entre Evandro e Jeiza pela posse da arma. Mais tarde, declarou que atingiu Evandro nas costas com uma cadeira antes mesmo de Jeiza conseguir segurar a arma de fogo. Além disso, alega que Jhenefer variou na quantidade de tiros ouvidos, pois, em um primeiro momento, mencionou dois disparos curtos, enquanto depois citou apenas um antes da luta corporal. Contudo, a defesa busca distorcer a dinâmica dos fatos e atribuir contradições que, mesmo se existentes, não possuem relevância para invalidar a condenação e nem mesmo para concluir pela ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas nos inc. II e III, do art. 621, CPP. A tese de que a condenação se apoiou em versões contraditórias ou inverídicas não se sustenta, pois os principais elementos do crime (a invasão da casa, os disparos contra Roderick e a tentativa de homicídio contra Jeiza) foram confirmados de maneira uniforme pelas irmãs, e não há dúvidas sobre o ponto. Tanto Jeiza quanto Jhenefer de Souza confirmaram que Evandro entrou pelos fundos da residência, trancando as portas antes de iniciar o ataque. Ambas relataram que, nesse momento, Jeiza estava no banheiro, enquanto Evandro, armado, atirou intencionalmente no tórax de Roderick Gonçalves. Esse fato afasta qualquer hipótese de disparo acidental durante a posterior luta corporal ocorrida. Pelo que vejo Jeiza e Jhenefer narraram que após atirar em Roderick, Evandro se dirigiu ao banheiro onde Jeiza estava e, ao vê-la saindo, tentou atirar novamente, mas a arma falhou. Nesse momento, iniciou-se uma luta corporal entre Jeiza e Evandro, na qual ela tentou desarmá-lo para impedir novos disparos. Segundo os relatos de Jeiza e Jhenefer, mesmo ferido, Roderick conseguiu se levantar e tentou imobilizar Evandro, segurando-o e pedindo que Jeiza fugisse. Enquanto Roderick e Jeiza tentavam conter Evandro, Jhenefer interveio e atingiu o revisionando com uma cadeira pelas costas. A ação permitiu que Jeiza conseguisse escapar para o quarto, e ao perceber que não conseguiria concluir o crime, Evandro fugiu pela janela da cozinha. Roderick faleceu ali mesmo dentro da casa. C.v, as pequenas diferenças apontadas pela Defesa dizem respeito a detalhes periféricos, como o número exato de disparos ou a ordem precisa das ações durante a luta corporal, e não comprometem a essência dos fatos, especialmente quando o conjunto probatório demonstra de maneira inequívoca a autoria e a motivação do crime. Com efeito, a comparação dos depoimentos de Jeiza e Jhenefer demonstra que ambas narraram os fatos com coerência e consistência, corroborando a dinâmica do crime estabelecida nos autos. Em outras palavras: os elementos centrais do homicídio e da tentativa de homicídio foram relatados de maneira uniforme, afastando qualquer alegação de contradições relevantes que possam justificar a revisão da condenação. De bom alvitre ressaltar que pequenas variações na narrativa das testemunhas são comuns em processos criminais e, a meu ver, as tentativas de desqualificar os depoimentos não se sustentam diante da coerência global das provas produzidas nos autos. Da forma mesma, não há razões para se considerar falsos ou contraditórios, os depoimentos da mãe da vítima, a sra. Maria de Lourdes. Em resumo, a defesa alega que Maria de Lourdes, antes do crime, havia buscado a ajuda das autoridades policiais afirmando que Roderick era agressivo e usuário de drogas. O histórico de Roderick ou mesmo sua conduta dentro de casa não afastam a ilicitude da conduta de Evandro, tampouco altera a dinâmica do crime, plenamente comprovada nos autos. Noutro lado, a Defesa alega que Maria de Lourdes, inicialmente, disse Evandro apenas teria tido, um dia, que “não ficaria só apanhando”; em outro depoimento, no entanto, ela mudou a fala e afirmou que Evandro havia prometido matar seu filho. A meu ver, essa mudança não configura uma contradição real, mas sim um relato progressivo sobre o comportamento cada vez mais hostil de Evandro. Não bastasse, o depoimento de Maria de Lourdes é plenamente compatível com os relatos de Jeiza e Jhenefer de Souza, reforçando que Evandro não aceitava o término com Roderick e agia por ciúmes do novo relacionamento dele com Jeiza. A informante confirmou, também, que havia discussões frequentes entre Evandro e Roderick e afirmou que, após o término do relacionamento com Roderick, o revisionando passou a agir por ciúmes, o que, mais uma vez, coincide com os depoimentos de Jeiza e Jhenefer, que relataram que Evandro chegou a ameaçar Jeiza por estar namorando Roderick. Enfim, as supostas contradições apontadas pela defesa não têm o condão de justificar a revisão da condenação, pois não afetam a robustez da prova dos autos Deste e. TJMT: “A revisão criminal não se presta a reexaminar provas ou reavaliar a decisão dos. jurados, mas apenas verificar se há suporte probatório mínimo para a condenação. 08. A jurisprudência do STF e do STJ é pacífica no sentido de que só cabe anulação do júri quando a decisão for completamente dissociada das provas dos autos, o que não ocorreu no presente caso.09. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, princípio constitucional, impede que o Tribunal de Justiça substitua a decisão dos jurados quando houver lastro probatório mínimo para a condenação. (...). (N.U 1015057-24.2024.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, HELIO NISHIYAMA, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 05/12/2024, Publicado no DJE 11/12/2024) “A pretensão revisional não pode se limitar à mera reapreciação do mérito, como apenas mais um meio de impugnação a serviço da defesa, sem que os fundamentos do pedido encontre amparo em novos elementos de prova, em erro quanto à existência ou ausência de determinado documento ou na manifesta colidência com a lei ou com a prova dos autos. O pedido (...) foi aduzido sem lastro em elemento probatório novo capaz de desconstituir o édito condenatório, ensejando a improcedência da demanda revisional, que não se presta ao simples reexame das provas produzidas no curso do processo criminal.” (N.U 1014665-60.2019.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Vice-Presidência, Julgado em 06/02/2020, Publicado no DJE 11/02/2020) “A contrariedade à evidência dos autos (CPP, art. 621, I) revela-se “como a presença de prova robusta em sentido contrário ao juízo condenatório, ou até por inexistir nenhuma prova a sustentar a condenação” (STJ, AgRg no REsp nº 1754843/SP). O art. 621 do CPP reza que a revisão criminal somente será admitida em se constatar ser a sentença condenatória contrária ao texto expresso de lei ou à evidência dos autos, se porventura fundar em depoimentos, exames e documentos falsos ou se descobrir prova nova da inocência ou circunstância que determine ou autorize a diminuição da pena, não sendo nenhuma das hipóteses evidenciada nos autos. (...).” (N.U 1006239-30.2017.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 07/12/2017, Publicado no DJE 11/12/2017) Com essas considerações e em parcial sintonia com o parecer da d. PGJ, não conheço parte da presente revisional; na extensão, julgo-a improcedente. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/04/2025
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