Processo nº 0000004-51.2010.4.01.3806
ID: 325590575
Tribunal: TRF6
Órgão: SECRETARIA DA 1a. TURMA - PREV/SERV
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000004-51.2010.4.01.3806
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Advogados:
ALEXANDRE BERNARDES DE ARAUJO FONTES
OAB/MG XXXXXX
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PAULO GILBERTO ALVES DE SOUSA
OAB/MG XXXXXX
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ERICA LIMA ALVES
OAB/DF XXXXXX
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JOAQUIM GUEDES
OAB/DF XXXXXX
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ADRIANO VERSIANI PINTO
OAB/MG XXXXXX
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Apelação Cível Nº 0000004-51.2010.4.01.3806/MG
APELADO
: ANTONIO FRANCISCO RIBEIRO
ADVOGADO(A)
: ADRIANO VERSIANI PINTO (OAB MG149933)
ADVOGADO(A)
: JOAQUIM GUEDES (OAB DF012781)
ADVOGADO(A)
: ERICA…
Apelação Cível Nº 0000004-51.2010.4.01.3806/MG
APELADO
: ANTONIO FRANCISCO RIBEIRO
ADVOGADO(A)
: ADRIANO VERSIANI PINTO (OAB MG149933)
ADVOGADO(A)
: JOAQUIM GUEDES (OAB DF012781)
ADVOGADO(A)
: ERICA LIMA ALVES (OAB DF039704)
ADVOGADO(A)
: PAULO GILBERTO ALVES DE SOUSA (OAB MG098110)
APELADO
: ANTONIO WILSON BOTELHO DE SOUSA
ADVOGADO(A)
: ADRIANO VERSIANI PINTO (OAB MG149933)
ADVOGADO(A)
: JOAQUIM GUEDES (OAB DF012781)
ADVOGADO(A)
: ERICA LIMA ALVES (OAB DF039704)
ADVOGADO(A)
: PAULO GILBERTO ALVES DE SOUSA (OAB MG098110)
ADVOGADO(A)
: ALEXANDRE BERNARDES DE ARAUJO FONTES (OAB MG105068)
APELADO
: JOAO BATISTA ROMUALDO DA SILVA
ADVOGADO(A)
: ADRIANO VERSIANI PINTO (OAB MG149933)
ADVOGADO(A)
: JOAQUIM GUEDES (OAB DF012781)
ADVOGADO(A)
: ERICA LIMA ALVES (OAB DF039704)
ADVOGADO(A)
: PAULO GILBERTO ALVES DE SOUSA (OAB MG098110)
APELADO
: KESSER ROMUALDO DA SILVA
ADVOGADO(A)
: ADRIANO VERSIANI PINTO (OAB MG149933)
ADVOGADO(A)
: JOAQUIM GUEDES (OAB DF012781)
ADVOGADO(A)
: ERICA LIMA ALVES (OAB DF039704)
ADVOGADO(A)
: PAULO GILBERTO ALVES DE SOUSA (OAB MG098110)
APELADO
: ADVA ANTONIO DE SOUZA
ADVOGADO(A)
: ADRIANO VERSIANI PINTO (OAB MG149933)
ADVOGADO(A)
: JOAQUIM GUEDES (OAB DF012781)
ADVOGADO(A)
: ERICA LIMA ALVES (OAB DF039704)
ADVOGADO(A)
: PAULO GILBERTO ALVES DE SOUSA (OAB MG098110)
DESPACHO/DECISÃO
____________________________________________________
DECISÃO MONOCRÁTICA
I – RELATÓRIO
1. Trata-se de Remessa Necessária e Apelação Cível interposta pelo MPF – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra Sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados nas Ações Civis Públicas por Improbidade Administrativa conexas de nºs. 0006852-88.2009.4.01.3806 e 0000004-51.2010.4.01.3806, que foram apensadas e processadas em conjunto, ambas visando à condenação dos réus às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.
Exsurge dos autos que em 2006 foi desarticulado um esquema tido por fraudulento, conhecido como “Operação Sanguessuga”, em que operadores se especializaram na venda irregular de ambulâncias, denominadas Unidades Móveis de Saúde, e outros equipamentos médico-hospitalares, a diversas prefeituras municipais em todo o território nacional.
As investigações revelaram que tal organização se apropriava de vultosos recursos federais provenientes do Ministério da Saúde e do Fundo Nacional de Saúde, envolvendo um complexo sistema de fraudes a licitações e desvio de verbas públicas.
O cerne da acusação reside na alegada prática de atos de improbidade administrativa relacionados à celebração do Convênio nº 1904/2001 (SIAFI nº 432062), firmado em 27 de dezembro de 2001, entre o Município de Cabeceira Grande/MG e a UNIÃO, por intermédio do Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde.
O objetivo do convênio era a aquisição de um veículo para ser utilizado como Unidade Móvel de Saúde, com as características e equipamentos detalhados no plano de trabalho, visando ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O valor inicial de repasse da UNIÃO foi de R$40.000,00, com contrapartida municipal de R$8.000,00, totalizando R$48.000,00.
Sustentou-se que o Município, por intermédio de seu Prefeito, o Requerido JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA, teria realizado um procedimento licitatório na modalidade Convite (Convite nº 026/2002), convidando três empresas, dentre as quais a empresa LEALMAQ – LEAL MÁQUINAS LTDA.
Porém, a fiscalização conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério da Saúde constatou direcionamento na aprovação da reformulação do Plano de Trabalho, bem como graves irregularidades no certame licitatório, como a falta de pesquisa de preços de mercado, a inobservância do mínimo de três propostas válidas e um suposto conluio entre a Administração Municipal e a empresa vencedora, a LEALMAQ.
Adicionalmente, alegou-se que a Unidade Móvel de Saúde teria sido encontrada, em 2006, desmontada e sucateada na garagem da Prefeitura, sem condições de uso, o que configuraria dano ao erário.
No contexto específico deste processo, o MPF pediu a condenação de JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA,
KESSER ROMUALDO DA SILVA
, ADVA ANTÔNIO DE SOUZA, ANTÔNIO FRANCISCO RIBEIRO e ANTÔNIO WILSON BOTELHO SOUZA nas sanções do artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92, além do pagamento de indenização por danos morais, em decorrência de alegadas irregularidades na execução do Convênio nº 1904/2001.
A presente demanda vinculada ao processo nº 0006852-88.2009.4.01.3806, ajuizado pela UNIÃO, em razão da conexão fática e jurídica entre os feitos, na qual se pede a condenação de JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA,
KESSER ROMUALDO DA SILVA
, ADVA ANTÔNIO DE SOUZA, ANTÔNIO FRANCISCO RIBEIRO, ARISTÓTELES GOMES LEAL NETO, SUSETE LEAL OTONI e LEALMAQ – Leal Máquinas Ltda. por improbidade administrativa, em virtude de supostas irregularidades na execução do mesmo Convênio nº 1904/2001. A tramitação dos processos, inclusive, foi objeto de sucessivos atos judiciais para conciliação da marcha processual.
Em ambos os feitos, o Juízo de primeira instância, após ampla instrução probatória, que incluiu a produção de prova oral com a oitiva de diversas testemunhas, julgou
improcedentes
os respectivos pedidos.
O Magistrado
a quo
fundamentou sua decisão na ausência de comprovação de dano ao erário e de superfaturamento, bem como na inexistência de prova de dolo específico dos agentes na prática dos atos questionados. Argumentou que meras irregularidades formais no procedimento licitatório, desacompanhadas do dolo qualificado e da comprovação de prejuízo efetivo ao patrimônio público, não possuem o condão de configurar os graves atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92. Consequentemente, revogou as anteriores decisões liminares de indisponibilidade de bens.
A sentença ainda destacou que o veículo foi entregue em perfeitas condições de uso, atendendo à população de 2003 a 2005, e que o sucateamento posterior ocorreu por falta de manutenção da gestão subsequente, conforme depoimentos de testemunhas e a própria aprovação da prestação de contas pelo Ministério da Saúde em 2004.
Inconformado com a sentença, o MPF interpôs Apelação reiterando as alegações de fraude à licitação, direcionamento do certame e dano ao erário. Enfatizou a tese do dano
in re ipsa
em licitações fraudulentas, bem como a ocorrência comprovada de direcionamento do certame licitatório e de superfaturamento na aquisição do veículo, com base nos relatórios de auditoria da CGU e do DENASUS.
Também argumentou que as irregularidades no processo licitatório, como a falta de pesquisa de preços e a habilitação de apenas uma empresa, configurariam atos de improbidade administrativa, notadamente por frustrar a concorrência e permitir a aquisição de um bem superfaturado.
Com isso, o
Parquet
em 1ª Instância pugnou pela reforma da sentença para condenar JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA e
KESSER ROMUALDO DA SILVA
nas penalidades do art. 10,
caput
, incisos VIII e XII, da Lei nº 8.429/92 ou, subsidiariamente, do art. 11 da mesma lei.
Quanto a ARISTÓTELES GOMES LEAL NETO e LEALMAQ – LEAL MÁQUINAS LTDA., requereu sua condenação com base nos arts. 9º,
caput
, I e IX; 10, VIII e XII; e 11,
caput
e I, da Lei nº 8.429/92.
Por outro lado, o MPF pleiteou a absolvição de ADVA ANTÔNIO DE SOUZA, ANTÔNIO FRANCISCO RIBEIRO, SUSETE LEAL OTONI e ANTÔNIO WILSON BOTELHO DE SOUZA, por ausência de acervo probatório que comprovasse sua participação no esquema fraudulento.
Os Apelados JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA e
KESSER ROMUALDO DA SILVA
apresentaram contrarrazões defendendo a manutenção da sentença em todos os seus termos. Argumentaram que os vícios apontados seriam de natureza formal, sem comprovação de prejuízo ao erário ou dolo.
Ainda destacaram que o veículo foi adquirido por preço compatível com o de mercado e entregue em perfeitas condições, tendo sido efetivamente utilizado pela municipalidade. Ressaltaram que a posterior deterioração do bem não poderia ser imputada à gestão anterior.
Os autos então foram encaminhados ao TRF1 em 9.11.2021.
Após a criação deste TRF6 em agosto/2022, os autos vieram conclusos a este Gabinete.
Então foi aberta vista às partes, para manifestação a respeito da Lei 14.230/21. Os Réus, no entanto, não se manifestaram.
A UNIÃO apresentou Manifestação tecendo considerações sobre o Tema 1.199/STF. Ressaltou que a condenação não transitada em julgado por ato de improbidade administrativa praticado a título de culpa não enseja automaticamente a absolvição dos requeridos, pois deve ser apurada a existência do dolo do agente. Também defendeu a possibilidade de reanálise dos fatos descritos a fim de se averiguar a readequação típica da conduta ímproba imputada.
A UNIÃO ainda pontuou que deve ser afastada eventual alegação de vedação à
reformatio in pejus
,
“dado que esta não incide sobre o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, mas sim sobre a dosimetria das sanções impostas”
. E que a
emendatio libelli
é aplicável, em essência, na improbidade administrativa.
Na sequência a UNIÃO apontou a não retroatividade das normas de natureza processual introduzidas pela Lei 14.230/2021, devendo ser observado a Remessa Necessária no caso concreto.
Por sua vez, a PRR6 – Procuradoria Regional da República da 6ª Região apresentou Parecer mencionando a “conexão deste processo com os autos do processo nº 0006852-88.2009.4.01.3806, em que o MPF já apresentou parecer de EVENTO 36 – PARECER1 e manifestação de EVENTO 85”.
Também apontou que no processo nº 0006852-88.2009.4.01.3806 pede-se a reforma do julgado para condenar JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA,
KESSER ROMUALDO DA SILVA
, ARISTÓTELES GOMES LEGAL NETO E LEALMAQ - LEAL MÁQUINAS LTDA. pela prática de atos de improbidade administrativa, sendo que não há
“pretensão de reforma da sentença em relação ao requerido ANTÔNIO WILSON BOTELHO DE SOUSA, tampouco em relação à ADVA ANTÔNIO DA SILVA, ANTÔNIO FRANCISCO RIBEIRO e SUSETE LEAL OTONI”
.
Os autos então retornaram conclusos a este Tribunal.
É o Relatório.
Decido
.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.
O presente julgamento se desenvolverá considerando os itens abaixo.
2.1.
Sobre o Reexame Necessário
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 2.117.355/MG no dia 11 de junho de 2025, aprovou por unanimidade a seguinte tese no Tema 1284:
“
A vedação ao reexame necessário da sentença de improcedência ou de extinção do processo sem resolução do mérito, prevista pelos art.17, § 19º, IV c/c art. 17-C, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, não se aplica aos processos em curso, quando a sentença for anterior à vigência da Lei 14.230/21.”
Considerando que a sentença foi proferida em 05 de setembro de 2018, portanto, antes da vigência da Lei nº 14.230/2021, o mérito da decisão será reexaminado também em razão do reexame necessário, conforme a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.
2.2.
Sobre as inovações legislativas e jurisprudenciais
Em razão das notórias alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, cumpre inicialmente destacar o resultado do julgamento realizado pelo STF no ARE 843.989 – que foi proferido com efeitos vinculantes (
Tema 1.199
) e incidentes a esta causa,
ainda não transitada em julgado
:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199.
1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos.
2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF).
3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”.
4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados.
5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa.
6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA).
7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA).
8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º.
9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA.
10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º).
11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador.
12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado.
13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.
14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa.
15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo.
16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público.
17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.
18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN.
19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se
–
nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA
–
a presença do elemento subjetivo
–
DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021
–
revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa
–
, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.
(STF. ARE 843989, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL
–
MÉRITO Dje-251, d. em 09-12-2022, p. em 12-12-2022)
De acordo com o respeitável julgamento proferido pelo STF, acima indicado, o ato de improbidade administrativa é um ilícito civil qualificado que exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público devidamente tipificado em lei.
Outrossim,
“a Lei 14.230/2021
reiterou
, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º”
(sublinhei).
Assim, a
“responsabilidade objetiva”
nunca foi admitida (mesmo desde a edição da Lei 8.429/92), sendo que o STF igualmente ressaltou que a
“opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a
supressão da modalidade culposa
do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º)”
(sublinhei)
.
E um dos pontos firmados na tese relativa ao Tema 1.199 é de que a
“norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia
da coisa julgada
”
(negritei)
.
Enfim: nunca se admitiu a
responsabilidade objetiva
e a modalidade culposa foi
revogada
.
Nesse mesmo sentido:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DO TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. INOCORRÊNCIA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOLO. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA DA DECISÃO RECLAMADA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Não há violação ao paradigma invocado, quando incontroversa a existência de ato doloso de improbidade administrativa, tendo em vista que,
nos termos do entendimento firmado no Tema 1.199-RG, a retroatividade da Lei 14.230/2021 somente se aplica para os casos em que tenha havido a prática de atos de improbidade administrativa culposa. Precedente
.
2. Observância do entendimento firmado por esta CORTE no julgamento do Tema 1.199 da Repercussão Geral, de modo que não se constata teratologia no ato judicial que se alega violar a competência deste TRIBUNAL.
3. Agravo Interno a que se nega provimento.
(STF. Rcl 63426 AgR, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES,
Primeira Turma
, julgado em 04-12-2023, Dje-s/n, d. em 06-12-2023, p. em 07-12-2023).
EMENTA Agravo regimental em reclamação. Tema nº 1.199 da Repercussão Geral. Ausência de aderência estrita entre o ato reclamado e o paradigma da Corte. Agravo regimental não provido.
1. Revela-se a ausência de aderência estrita entre o ato apontado como reclamado e o Tema nº 1.199 da Repercussão Geral, tendo em vista que restou incontroverso nos autos de origem a existência de prática dolosa de ato de improbidade administrativa,
hipótese não abarcada pelo Tema 1.199 da Repercussão Geral, cuja tese permite a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/21 somente aos atos de improbidade administrativa culposos
.
2. Há necessidade de aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmas para conhecimento da matéria em sede reclamatória.
3. Agravo regimental ao qual se nega provimento, com aplicação de multa.
(STF. Rcl 57235 AgR, Relator Ministro DIAS TOFFOLI,
Segunda Turma
, julgado em 25-09-2023, Dje-s/n, d. em 08-11-2023, p. em 09-11-2023).
Mais que isso, com as alterações legislativas sobre a matéria positivou-se a
exigência de
dolo específico
, ou seja, exige-se não apenas a demonstração da voluntariedade do agente na sua conduta, mas também a intenção de cometer o ato
enquanto ato ímprobo
.
Veja-se a redação do novo §2º do art. 1º da Lei 8.429/92:
“Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar
o resultado
ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”
(sublinhei).
E, em que pese se tratar de redação trazida pela Lei 14.230/21, o STJ –
ao encontro do que já resolvido pelo STF no Tema 1.199, mas adentrando especificamente tal questão
– fixou entendimento de que a exigência de dolo específico (na exata definição dada pela nova lei) impõe-se também aos processos em curso:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.230/2021. RESPONSABILIZAÇÃO POR DOLO GENÉRICO. REVOGAÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA.
1. A questão jurídica referente à aplicação da Lei n. 14.230/2021
–
em especial, no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente
–
teve a repercussão geral julgada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 1.199 do STF).
2. A despeito de ser reconhecida a irretroatividade da norma mais benéfica advinda da Lei n. 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, o STF autorizou a aplicação da lei nova, quanto a tal aspecto,
aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada
.
3. A Primeira Turma desta Corte Superior, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, em 9/5/2023, firmou a orientação de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da LIA (com a redação da Lei n. 14.230/2021), adstrita aos atos ímprobos culposos
não transitados em julgado
, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199 do STF.
4. Acontece que o STF, posteriormente, ampliou a abrangência do Tema 1.199/STF, a exemplo do que ocorreu no ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, admitindo que a norma mais benéfica prevista na Lei n. 14.230/2021, decorrente da revogação (naquele caso, tratava-se de discussão sobre o art. 11 da LIA), poderia ser aplicada aos processos em curso.
5.
Tal como aconteceu com a modalidade culposa e com os incisos I e II do art. 11 da LIA (questões diretamente examinadas pelo STF), a conduta ímproba escorada em dolo genérico (tema ainda não examinado pelo Supremo) também foi revogada pela Lei n. 14.230/2021, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento.
6. Hipótese em que há outros pontos relevantes do processo em exame:
i) não se está a rever matéria fática para concluir pela existência ou não do dolo específico; ii) na espécie, o Tribunal de origem categoricamente entendeu não existir tal modalidade (dolo específico) de elemento subjetivo e, por isso, concluiu estar ausente o ato ímprobo; iii): não se está diante de hipótese em que houve condenação por dolo sem se especificar qual tipo (se genérico ou específico), mas sim diante da afirmação expressa da instância ordinária de que não houve dolo específico, não podendo haver condenação.
7. Recurso especial não provido. (STJ. 1ª Turma. REsp 2.107.601-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 23/4/2024, destaquei).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.230/2021. RESPONSABILIZAÇÃO POR DOLO GENÉRICO. REVOGAÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA. OMISSÃO RECONHECIDA. EFEITOS INFRINGENTES.
1. A questão jurídica referente à aplicação da Lei n. 14.230/2021
–
em especial, no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente
–
teve a repercussão geral julgada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 1.199 do STF).
2. A despeito de ser reconhecida a irretroatividade da norma mais benéfica advinda da Lei n. 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, o STF autorizou a aplicação da lei nova, quanto a tal aspecto, aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada.
3. A Primeira Turma desta Corte Superior, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, em 9/5/2023, firmou a orientação de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da LIA (com a redação da Lei n. 14.230/2021), adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199 do STF.
4. Acontece que o STF, posteriormente, ampliou a abrangência do Tema 1.199/STF, a exemplo do que ocorreu no ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, admitindo que a norma mais benéfica prevista na Lei n. 14.230/2021, decorrente da revogação (naquele caso, tratava-se de discussão sobre o art. 11 da LIA), poderia ser aplicada aos processos em curso.
5. Tal como aconteceu com a modalidade culposa e com os incisos I e II do art. 11 da LIA (questões diretamente examinadas pelo STF), a conduta ímproba escorada em dolo genérico (tema ainda não examinado pelo Supremo) também foi revogada pela Lei n. 14.230/2021, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento. Nesse sentido: REsp 2107601/MG, rel. Min. GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 02/05/2024.
6. Sobre a questão da presença da identificação do dolo pela instância de origem, existem três situações mais comuns que chegam a esta Corte: a) a primeira diz respeito aos casos em que o juízo a quo identifica a presença do elemento doloso, mas não explicita qual a modalidade do dolo (se específico ou genérico); b) a segunda hipótese se opera quando a decisão recorrida expressamente afirma que o dolo é genérico, seja se limitando a concluir dessa maneira (sem examinar a presença do dolo específico), seja afirmando categoricamente que não está presente o dolo específico; c) o terceiro caso é quando o julgado impugnado claramente fala que está presente o dolo específico.
7. Em cada um desses casos esta Corte deve adotar uma providência diferente: 1) na hipótese do item "a", os autos devem ser devolvidos à origem para que reexamine o caso e se manifeste expressamente sobre a presença do dolo específico que, se não estiver presente, deverá levar à improcedência do pedido
; 2) no caso do item "b", não há necessidade de retorno dos autos à instância originária, sendo possível que o pedido seja julgado improcedente no próprio STJ, porque ausente o elemento subjetivo especial necessário à configuração do ato ímprobo;
e 3) na situação do item "c", também não há necessidade de devolver os autos ao juízo a quo, cabendo a esta Corte entender presente o elemento subjetivo (pois a revisão da questão esbarraria no óbice da Súmula 7 do STJ) e examinar os demais pontos do recurso ou incidente processual em trâmite neste Tribunal.
8. No caso presente, o Tribunal de origem categoricamente entendeu presente o dolo genérico, e, ainda assim, concluiu pela presença do ato ímprobo, enquadrando-se na hipótese do item "2".
9. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes.
(STJ, 1ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 2422725/ SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, julgado em 09/12/2024, DJEN 28/01/2025).
As decisões acima demonstram que, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, a responsabilidade por atos de improbidade administrativa exige a comprovação do dolo específico. Mesmo as condutas antes enquadradas como dolo genérico foram revogadas, impondo um rigor maior na caracterização do elemento subjetivo. Portanto, a análise do caso concreto deve focar na presença do dolo específico, sem o qual não se configura o ato ímprobo.
2.3.
Sobre a Ausência de dano ao erário e de dolo específico
À luz de todo o arcabouço jurídico e jurisprudencial acima indicado, bem como das provas colacionadas aos autos, torna-se necessário apontar que o presente julgamento manterá o foco na
particularizada legislação
relativa à improbidade administrativa.
O objetivo nestes autos não é reparar situações que devam eventualmente ser aprumadas em outras searas, como no Tribunal de Contas da União (TCU), na esfera criminal ou em Tomada de Contas Especial (TCE) –
por exemplo
.
O norte deste julgamento é verificar se houve, ou não,
dolo específico
de se praticar atos ímprobos, em especial quanto à existência de dano ao erário ou atentado aos princípios da Administração Pública. Afinal, as penalidades da LIA são supletivas e independentes, regendo-se por regramento próprio que exige uma conduta indiscutivelmente ímproba.
A jurisprudência dominante de outrora, voltada para a presunção de prejuízo tão somente pela ausência de licitação (
dano in re ipsa)
, vem sendo adaptada à nova realidade legislativa.
Confira-se a atual jurisprudência pacífica do STJ, em sentido contrário ao defendido pelo ilustre
Parquet
:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PERMISSÃO DE USO DE BENS PÚBLICOS.
AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. ART. 10 DA LEI 8.429/1992. DOLO GENÉRICO E DANO PRESUMIDO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.230/2021. NECESSIDADE DE PERDA PATRIMONIAL EFETIVA E VONTADE LIVRE E CONSCIENTE DE ALCANÇAR O RESULTADO ILÍCITO TIPIFICADO NA LEI DE IMPROBIDADE
. PROVIMENTO NEGADO.
1. Ação de improbidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra agentes públicos e pessoas jurídicas distribuidoras de combustível em razão da outorga de permissões de uso de bens públicos do Município do Rio de Janeiro para instalação de postos de gasolina sem licitação nos idos de 1996 a 2000.
2. A atual redação do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, com as alterações advindas da Lei 14.230/2021,
passou a exigir a comprovação da perda patrimonial efetiva
para a configuração da improbidade administrativa e uma vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado na lei. Aplicação das teses firmadas para o Tema 1.199/STF aos elementos subjetivo e objetivo-normativo exigidos atualmente na Lei de Improbidade Administrativa em relação a atos ímprobos causadores de danos ao erário.
3.
Insubsistência da condenação com base apenas em vontade de outorgar as permissões sem a realização de licitação e na
presunção
do dano
ao erário evidenciadas na sentença e no acórdão recorrido e estampada pelos votos vencidos prolatados quando do julgamento dos embargos infringentes na origem,
não havendo evidência concreta
da má-fé dos agentes públicos e particulares ou do prejuízo ao erário.
4.
Diante da ausência de comprovação de dano efetivo e da ausência de dolo específico, mantém-se a improcedência do pedido condenatório.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ. AgInt no REsp n. 1.558.863/RJ, Relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 23/5/2025.)
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ANULAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE
INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
. CONDENAÇÃO NAS PENAS IMPOSTAS PELA LEI N. 8.429/92. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA A REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO, DE ACORDO COM AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N. 14.230/2021 À LIA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. SÚMULA N. 7 DO STJ.
I - Na origem, trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, objetivando a anulação do procedimento de
inexigibilidade de licitação
para contratação de apresentações musicais, além da condenação dos requeridos nas penas impostas pela Lei n. 8.429/92, em razão da prática de atos de improbidade administrativa, que causaram lesão ao erário. Na sentença, os pedidos foram julgados procedentes. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida.
II - A modificação dos elementos constitutivos do próprio ato de improbidade administrativa (arts. 9º, 10 e 11) incide desde logo em todas as ações de improbidade em curso, seja quando se imputar uma conduta culposa (Tema n. 1.199 do STF) ou dolosa, conforme a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, vencido o eminente Min. Luiz Edson Fachin. Nesse passo, em ações de improbidade administrativa em curso, importa perquirir se houve a efetiva extinção da reprovabilidade da conduta ilícita ou não.
Caso tenha ocorrido a extinção da reprovabilidade, a ação de improbidade deverá ser julgada improcedente, tendo em vista a aplicação retroativa das normas sancionatórias mais benéficas ao réu
. Agora se a conduta continuar descrita na Lei n. 8.429/1992, deve-se aplicar a continuidade típico-normativa já que inaplicável a tipicidade cerrada aos casos sentenciados antes da vigência da Lei n. 14.230/2021.
III - Nesta perspectiva, infere-se que a conduta imputada à parte ré, consistente em frustrar a licitude do processo licitatório, permanece legalmente vedada com a edição da Lei n. 14.230/2021, posto que continua descrita na LIA, tanto no art. 10, VIII, como no art. 11, V.
Nesse ponto, importa ressaltar que, para o adequado encaixe da conduta ao art. 10, VIII, da LIA, a novel legislação passou a exigir a comprovação da
efetiva perda patrimonial
para que esteja configurado o ato de improbidade, não bastando a presunção de dano (dano in re ipsa)
. Se não houver a efetiva perda patrimonial, a conduta poderá ser enquadrada como ato que atenta contra os princípios da administração pública na forma do art. 11, V, da LIA. Logo, com a edição da Lei n. 14.230/2021, não houve extinção da reprovabilidade na esfera cível, pelo contrário, a conduta de frustrar o procedimento licitatório continua descrita na LIA, tanto no art. 10, VIII como art. 11, V. A esse respeito, destaco o seguinte julgado da Primeira Turma, de lavra do eminente Ministro Benedito Gonçalves que admitiu a continuidade típico-normativa e, por conseguinte, reconheceu que a condenação fundada no art. 11, caput, permanece hígida após a edição da Lei n. 14.230/2021, já que a conduta de frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de processo licitatório está prevista no inciso V do mesmo dispositivo legal. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.611.566/SC, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 29/5/2024; AREsp n. 1.417.207/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/9/2024, DJe de 19/9/2024.
IV - Por fim, é importante frisar que, com as alterações da Lei n. 14.230/2021 à LIA, passou-se a exigir a constatação do dolo específico na conduta perpetrada pelos réus para fins de configuração dos atos de improbidade previstos nos arts. 9º, 10 e 11, do mesmo diploma, consoante preceitua o §2º do art. 1º, da LIA. “E, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal trazida no tema de repercussão geral supracitado [Tema 1199], é possível a aplicação desta inovação aos processos em curso, respeitando-se a coisa julgada”. Nesse sentido: AREsp n. 1.894.813/DF, Ministro Teodoro Silva Santos, DJe de 6/8/2024.
Significa dizer que “o agente perpetrador do fato ímprobo que viola os princípios administrativos, tipificando alguma das hipóteses legais, deverá ter visado fim ilícito, seja de ocultação de irregularidades, seja de obtenção de benefício indevido, não bastando a mera vontade de realizar ato em desconformidade com a lei
, consoante enuncia o § 2º do art. 1º da LIA: “Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Nesse sentido: REsp n. 2.061.719/TO, Ministro Paulo Sérgio Domingues, DJe de 29/2/2024.
(...)
VII - Agravo interno improvido.
(STJ. AgInt no AREsp n. 2.678.635/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TEMA 1.199/STF. ADVENTO DA LEI N. 14.230/2021. ART. 10 DA LIA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. INDEVIDA. DANO EFETIVO E DOLO AFASTADOS NA ORIGEM. DANO IN RE IPSA. IMPOSSIBILIDADE. POSTERIOR ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA N. 568/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(...)
3. Na espécie, ao julgar improcedente a ação de improbidade, a instância ordinária enfatizou
o dano presumido ao erário
e a ausência de comprovação do agir com dolo ou culpa grave.
4. Em atenção à alteração normativa trazida pela Lei n. 14.230/2021,
a Primeira Seção
desta Corte
afastou
a possibilidade de condenação pela conduta ímproba do art. 10 da Lei n. 8.429/1992 com lastro no dano in re ipsa, visto a atual exigência do
efetivo prejuízo
ao erário
.
(...)
6. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ. AgInt no AREsp n. 2.683.545/BA, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, julgado em 26/3/2025, DJEN de 1/4/2025.)
As decisões do Superior Tribunal de Justiça reiteram que a configuração do ato de improbidade, especialmente aqueles previstos no art. 10 da LIA, exige a comprovação de
perda patrimonial efetiva
, não bastando a mera presunção de dano (
dano in re ipsa
). Adicionalmente, as recentes alterações legislativas impõem a demonstração de
dolo específico
, ou seja, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, e não apenas a voluntariedade da conduta.
No caso concreto, o Ministério Público Federal aponta diversas irregularidades no procedimento licitatório, como o direcionamento da licitação, a ausência de pesquisa de preços de mercado e a habilitação de apenas uma empresa. Contudo, a sentença de primeira instância, em análise profunda das provas produzidas nos autos, afastou a tese de dano ao erário e de superfaturamento – com razão.
Conforme o detalhado relatório de auditoria conjunta do SUS e da CGU (vol. 2 do evento 2, p. 68/81 – dos autos conexos), que deu base à acusação, constatou-se que o valor total aprovado para a aquisição da Unidade Móvel de Saúde foi de R$70.000,00.
A empresa LEALMAQ ofertou o bem por esse mesmo valor de R$70.000,00, o que, conforme a sentença, está em linha com as próprias projeções da Controladoria Geral da União, que estimava o custo do veículo, com as especificações do edital, em
R$120.000,00 (cento e vinte mil reais)
.
Assim, a aquisição por R$ 70.000,00, um valor significativamente inferior à estimativa máxima do órgão de controle, descaracteriza a alegação de superfaturamento.
Nesse particular, observe-se o documento de p. 165 do vol. 2 do evento 2 (dos autos conexos), expedido pelo Ministério da Saúde, concordando expressamente com a
“Aquisição de Unidade Móvel de Saúde”
.
Analise Técnica
Após efetuada a análise da proposta apresentada pela Prefeitura Municipal de Cabeceira Grande/MG, referente a Reformulação no Plano de Trabalho pata aquisição de Unidade Móvel de Saúde do tipo Ônibus “Médico-Odontológico”, conclui-se que foram atendidas todas as solicitações para a sua conclusão.
Desta forma, nada temos a opor quanto à aprovação do presente pleito, no valor total de R$70.000,00 (Setenta mil reais).
Ressaltamos que a Unidade Móvel não devera ser inferior ao ano de 1996 e que a contrapartida de R$30.000,00 (Trinta mil reais) foi assumida pelo proponente!
Observamos que para efeitos de licitação dos equipamentos solicitados, deverão ser suprimidas quaisquer referências a marcas e modelos ou características que direcionem a especificação da unidade móvel para um único fabricante.
(destaquei)
Ou seja: havia concordância da UNIÃO e os ajustes prévios são normais em situações como a agora analisada.
Acrescente-se que a prova oral produzida, mediante depoimentos de servidores públicos municipais que efetivamente utilizaram a unidade móvel de saúde, foi determinante para demonstrar que o veículo foi entregue em perfeitas condições de uso, embora não fosse zero-quilômetro.
Com efeito, as testemunhas foram uníssonas em atestar a plena funcionalidade da unidade móvel. Elas confirmaram que o veículo era utilizado regularmente para atendimentos médicos e odontológicos na zona rural e nos distritos do Município de Cabeceira Grande/MG, e que, inclusive, serviu como posto de saúde provisório durante reformas em outras unidades, operando desde 2003 até meados de 2005, período que abrangeu o final do mandato do Réu ex-Prefeito JOÃO BATISTA ROMUALDO DA SILVA e o início da gestão subsequente.
Mesmo as testemunhas arroladas pelo MPF (as auditoras Edna Maria de Souza Oliveira e Verônica de Lourdes Carvalho das Neves, do DENASUS), embora tenham encontrado a unidade móvel desativada e sem funcionamento na fiscalização
de 2006
,
admitiram categoricamente não possuir elementos para afirmar se a unidade havia sido utilizada anteriormente
.
Por isso, a alegação do MPF/Recorrente, no sentido de que a unidade móvel foi encontrada sucateada em 2006, conforme relatório da CGU/DENASUS, é mitigada pela prova de que tal estado de deterioração ocorreu
após
a gestão dos Apelados.
A sentença, com acuidade, observou que tal relatório foi elaborado em 2006, mais de três anos após a aquisição do veículo (janeiro de 2003).
E as testemunhas ouvidas na instrução processual, inclusive na ação penal nº 1197-94.2012.4.01.3818, cuja prova foi emprestada para estes autos conexos, indicaram que o sucateamento resultou da falta de conservação e da retirada de peças na administração municipal
posterior
, evidenciando que o dano não pode ser imputado aos Réus.
Ademais, é crucial ressaltar que a própria Divisão de Convênio e Gestão do Ministério da Saúde
aprovou
a prestação de contas do Convênio nº 1904/2001 em 15 de abril de 2004, constatando que as impropriedades ocorridas foram
“mais por inobservância de exigências formais, que não comprometeram o objetivo pretendido pela administração, pois não configurada malversação na aplicação dos recursos públicos, nem tampouco prejuízo ao erário, merecendo, portanto, parecer favorável à APROVAÇÃO da prestação de contas”
.
Essa aprovação, que consta
expressamente
da p. 28 do vol. 3 do evento 2 (dos autos conexos), foi realizada por órgão competente e à época dos fatos e reforça a ausência de dano efetivo e a natureza meramente formal das irregularidades,
sem dolo
.
Quanto à alegada ausência de pesquisa de preços de mercado e ao prosseguimento do convite com apenas uma empresa habilitada, a sentença bem destacou que a Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93, art. 22, § 3º) exige que se convidem, no mínimo, três empresas – mas não que, necessariamente, três propostas válidas sejam apresentadas ou que todas as convidadas sejam habilitadas.
Afinal, essa era a redação da norma legal:
“§ 3º Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e
convidados
em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas”
(sublinhei).
Como visto, em sua Apelação o MPF defendeu que, por não ter havido repetição do Convite, em razão de não ter sido alcançado
“o número mínimo de licitantes,
a justificativa
para o prosseguimento da licitação era condição primordial para a sua validade legal, de modo que sua ausência configura a nulidade do procedimento licitatório”
(sublinhei).
Entretanto, a ausência de justificativa formal é somente uma irregularidade que não é capaz de comprovar o alegado dolo. Seria um reforço, se tivesse sido comprovado o dano efetivo.
Mas o próprio Ministério da Saúde terminou por entender que foi
regular
a aquisição. Não seria a ausência de um documento com justificativas (que até poderia ser entregue extemporaneamente) que convolaria em ilícita a compra de R$70.000,00 que, ao final, foi bem abaixo do valor considerado justo (R$120.000,00).
Condenar-se os Réus porque faltou uma justificativa formal, ainda que isso não mereça aplausos, seria o mesmo que classificar de ímprobo aquele que tão somente foi
negligente
. E a negligência é tão somente um tipo de
culpa
.
Trata-se de aspecto formal que, para compor o pretendido quadro de ilicitude, exigiria prova de superfaturamento (inexistente), além de desvio de valores a terceiros (também inexistente, visto que não houve quebra de sigilo bancário, indicando que eventual quantia teria saído dos cofres públicos e ido parar em patrimônios particulares – situação até difícil no caso concreto, em que o bem adquirido, repita-se, foi bem mais em conta).
Além disso, debateu-se nos autos que a inabilitação das duas empresas concorrentes se deu por não terem sido atendidas as exigências do Edital quanto à documentação habilitatória. Esse fato não foi rebatido formalmente na Apelação e nem há provas de que essa inabilitação das 2 outras empresas tenha sido fraudulenta, ou decorrente de conluio.
O simples fato de a licitação ter sido concluída com a participação de uma única empresa habilitada, sem prova de dolo ou direcionamento indevido na fase de habilitação, não descaracteriza a legalidade do certame ou a boa-fé dos agentes públicos (faltam mais provas para concretizar eventual alegação nesse sentido).
Diante de tudo isso, verifica-se que não prospera a tese do MPF/Recorrente, no sentido de que haveria
“acordo velado”
ou
“direcionamento”
da licitação, em razão de correspondências trocadas entre a LEALMAQ e o Ministério da Saúde, bem como com a Comissão de Licitação municipal, anteriores à formalização do convênio.
Pois, como visto, tratou-se de ajustes prévios
formalizados, feitos à luz do dia
. Improbidade pressupõe combinações espúrias destinadas a vender bens por quantias superiores à de mercado – não por quantia inferior à de mercado, como no caso dos autos.
Embora realmente algumas das condutas agora em análise possam indicar negligência (e tão somente isso), a prova dos autos não demonstrou que foram motivadas por dolo específico de causar prejuízo ao erário ou de obter benefício indevido.
Tanto que a própria PRR1 – Procuradoria Regional da República da 1ª Região, em Parecer que foi
reiterado
pela ilustre PRR6 – Procuradoria Regional da República da 6ª Região (autos conexos), afirmou textualmente
“que houve efetivamente dolo,
ao menos genérico
, no sentido de fraudar procedimento licitatório”
.
Isto é: nem o próprio
Parquet
em 2ª Instância – costumeiramente eficiente no cumprimento de seu mister –, foi hábil em apontar categoricamente a existência de
dolo específico
.
Ao contrário, a PRR1 (corroborada recentemente pela PRR6), buscou defender que,
“para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 10 da Lei nº 8.429/1992,
prescinde-se do dolo, bastando que se faça presente a culpa como elemento subjetivo do tipo
”
(sublinhei).
E também pontuou que
“o formalismo no procedimento previsto pela Lei de Licitações tem como razão de ser justamente dar efetividade aos princípios da Administração Pública, buscando
a melhor contratação para o ente público, o que não ocorreu no presente caso
, motivo pelo qual a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992, inclusive o ressarcimento ao erário, é medida que se impõe em face da prática de ato de improbidade administrativa”
(destaquei)
.
Mas – como já dito à exaustão – as provas dos autos demonstram exatamente o contrário: houve a melhor contratação para o ente público. A própria UNIÃO administrativamente admitiu isso (como já visto acima). Seria até inapropriado determinar ressarcimento quando o bem foi adquirido de forma muito mais econômica – a despeito de ter existido irregularidades formais na licitação.
Viu-se nos autos que a modificação do Plano de Trabalho para a aquisição de um ônibus de maior porte, em vez de um reboque, foi justificada pela real necessidade do Município, dada a extensão territorial e a dispersão da população rural, conforme atestado por servidores do próprio Ministério da Saúde.
Conclui-se, assim, que as provas constantes dos autos não permitem afirmar a existência de prejuízo ao erário ou atentado aos Princípios da Administração Pública, pois não houve perda patrimonial efetiva. Na verdade, a aquisição se mostrou altamente vantajosa para o erário municipal.
A falta de prova quanto ao dolo específico de causar dano ou atentar contra princípios, em consonância com as exigências da Lei nº 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa e passou a exigir o dolo específico para todos os tipos de improbidade, impede a condenação.
Inclusive, veja-se que o parágrafo único do art. 11 da LIA, alterado pela nova lei, é categórico:
“
Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público
o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade
.”
(destaquei)
Enfim: administrador
ineficiente
não corresponde exatamente a gestor
ímprobo
.
A improbidade não se confunde com mera irregularidade formal ou má gestão, exigindo-se uma conduta qualificada pelo elemento subjetivo do dolo específico e, nos casos de lesão ao erário, o efetivo prejuízo.
O Ministério Público Federal pleiteou, também, a condenação dos réus em danos morais difusos, sob a alegação de que os supostos atos ímprobos teriam causado
“descrédito para as instituições públicas”
e
“abalo da confiança dos cidadãos no próprio regime democrático”
.
A sentença de primeiro grau, ao julgar improcedente o pedido principal de improbidade administrativa, de forma coerente, afastou também a condenação em danos morais difusos, o que está em consonância com a jurisprudência consolidada e com a fundamentação acima.
Afinal, a reparação por danos morais difusos em ação civil pública tem cabimento quando há efetiva lesão a interesses ou direitos transindividuais. No entanto, tal categoria não abarca o alegado dano à imagem da própria instituição ou o mero abalo à confiança, quando não demonstrado o ato ímprobo que justifique a reparação de natureza moral.
No presente caso, não se comprovou que a conduta dos Réus visava a um fim ilícito, como a ocultação de irregularidades ou a obtenção de benefício indevido. As irregularidades formais, embora indesejáveis, não se mostraram revestidas do dolo específico necessário à configuração do ato ímprobo.
Portanto, todos os pedidos são improcedentes.
Em casos análogos o TRF1 já se posicionou em sentido semelhante, conforme os precedentes abaixo, cujos fundamentos também adoto como razão de decidir –
respeitadas as alterações que se fizerem necessárias
:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. PREGÃO ELETRÔNICO. PROGRAMA PROJOVEM. FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. ARTS. 10 E 11 DA LEI 8.429/92.
AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. AGRAVO DESPROVIDO.
(...)
5. Da leitura da petição inicial da ação originária, verifica-se que o FNDE imputa ao referido agravado a responsabilidade pela autorização ao início do procedimento licitatório para contratação de empresa para execução do “Programa Projovem Urbano”, no período de 2008 a 2010, sendo que sua conduta configuraria “grave omissão” e “dolo genérico”.
6. Segundo aponta a autarquia agravante, a tipificação da conduta do agravado estaria pautada pelo fato de que, à época dos fatos, ocupava ele o cargo de Governador do Estado do Piauí, sendo, portanto, seu dever acompanhar e fiscalizar o desempenho dos servidores ocupantes de cargos de gestão, dentre eles a então Coordenadora Geral da CCEL/PI, agente responsável pela realização de todas as licitações no âmbito do Estado do Piauí.
7. Contudo, em nenhum momento o FNDE imputa ao agravado a prática direta de atos na intenção clara de frustrar o caráter competitivo do Pregão nº. 024/2007, limitando-se a apontar falha em seu “dever” de fiscalizar e acompanhar os trabalhados desenvolvidos pelos demais requeridos.
8. Logo, tratando-se de imputação da prática de ato de improbidade na modalidade culposa, e diante das modificações introduzidas pela Lei nº. 14.230/2021, que passou a exigir o dolo para tipificação da conduta, a manutenção da decisão agravada que rejeitou a inicial em relação ao agravado, é medida que se impõe.
9. Agravo de instrumento do FNDE a que se nega provimento.
10. Prejudicado o agravo interno interposto pela autarquia.
(TRF1. AGTAG 1035839-06.2020.4.01.0000, 3ª Turma, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL NEVITON DE OLIVEIRA BATISTA GUEDES, PJe 19/11/2024)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. LEI 8.666/1993, ART. 89. PECULATO. CP, ART. 312. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO PARA DOIS APELANTES. PREJUÍZO AO ERÁRIO E DOLO NÃO DEMONSTRADOS. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.
(...)
II
–
Atribui-se à acusada ter concorrido para o crime de dispensa irregular de licitação das empresas contratadas para execução do PROJOVEM e o crime de peculato, em virtude de exercer o cargo de assessora-chefe da Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer do município de Salvador, ao argumento de que teria atestado diretamente capacidade técnica e notável reputação das empresas contratadas.
III
–
Na instrução criminal, ficou demonstrado que o Projovem foi executado, inexistindo prejuízo ao erário, e que não cabia à acusada decidir sobre a dispensa de licitação, tampouco ostentava responsabilidade com a prestação de contas, não sendo comprovada sua atuação dolosa. Revertida a sentença para absolver a apelante, com fulcro no art. 386, V, do CPP.
IV
–
A Terceira Turma decidiu que não se pode ter a conduta retratada nos autos como suficiente para caracterização do crime de peculato (...)
quando a análise minuciosa das provas deixa clara a inexistência de dolo na conduta
, ante a constatação inequívoca da ausência de prejuízo ao erário, uma vez que o objeto do convênio, ainda que com pequena ressalva, foi prestado,
e não se comprovou nenhum desvio de dinheiro público em proveito de quem quer que seja
. (...) Embora haja vícios no procedimento licitatório, em razão da dispensa de licitação (...) para ocorrência do crime do art. 89 da Lei 8.666/1993 é necessária comprovação do
dolo específico, ou seja, da intenção dos agentes em causar dano à Administração, e também do prejuízo ao erário
. Precedente.
V
–
Apelação da defesa a que se dá provimento.
(TRF1. ACR 0034984-14.2015.4.01.3300, 3ª Turma, Relatora DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, PJe 04/10/2024)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, XI E ART. 11, I, TODOS DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. ART. 11, I, DA LEI 8.429/92. REVOGAÇÃO PELA LEI 14.230/2021. EX-PREFEITOS E EX-SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO DO
MUNICÍPIO DE VÁRZEA GRANDE/MT. REPASSE DE VERBA PÚBLICA FEDERAL. FNDE. PROGRAMA PROJOVEM. DESVIO DE FINALIDADE. OCORRÊNCIA. UTILIZAÇÃO DA VERBA FEDERAL EM DESPESAS QUE DEVERIAM SER CUSTEADAS COM RECURSOS DO MUNICÍPIO. PREJUÍZO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. DOLO NA CONDUTA DOS
REQUERIDOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO
.
MERA IRREGULARIDADE
. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDAS.
1. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que regulamentou o art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, tem como finalidade impor sanções aos agentes públicos pela prática de atos de improbidade nos casos em que: a) importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário (art. 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.
2. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92,, com a redação data pela Lei 14.230/2021, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente".
(…)
4. No caso, pelo contexto probatório carreado aos autos, está demonstrado que, de fato, houve desvio de finalidade na aplicação das verbas públicas repassadas pelo FNDE ao Município de Várzea Grande/MT, destinadas ao Programa Projovem.
A verba foi aplicada em fins diversos do pactuado pelos entes públicos
.
5. Embora tenha havido desvio de finalidade na aplicação dos recursos, pela prova dos autos, verifica-se que
a verba foi toda utilizada em benefício da comunidade do Município
,
e não há nos autos prova de desvio dessas verbas em proveito próprio dos réus ou de terceiros ou de efetivo prejuízo ao erário público
.
6.
O desvio de finalidade, no caso, não pode ser considerado como ato de improbidade, mas mera irregularidade
, tendo em vista não ter decorrido de dolo específico, indispensável para configurá-lo, o que, em relação aos réus, não ficou evidenciado nos autos.
7. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade
qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo
. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada.
8. O ato de improbidade administrativa não pode ser entendido como mera atuação do agente público em desconformidade com a lei. A intenção do legislador ordinário na produção da norma (Lei n. 8.429/92), em observância ao texto constitucional (CF, art. 37, § 4º), não foi essa. Mas sim a de impor a todos os agentes públicos o dever de, no exercício de suas funções, pautarem as suas condutas pelos princípios da legalidade e moralidade, sob pena de sofrerem sanções por seus atos considerados ímprobos.
9. A Lei de Improbidade Administrativa visa a punir atos de corrupção e desonestidade. É a moralidade administrativa que está sendo defendida.
10. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular,
mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade
.
11. Para a condenação do agente público à restituição de prejuízo, a Lei de Improbidade Administrativa exige a demonstração da existência de efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público que, no caso, não pode ser presumido.
12. Eventual restituição de valor, no caso, caso ainda não tenha ocorrido, deve ser feita pelo próprio Município que foi quem se beneficiou da verba federal para o pagamento de despesas que deveriam ter sido custeadas com verba da municipalidade.
13. Apelações dos réus providas para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido inicial, ficando, consequentemente, revogada a liminar de indisponibilidade de bens.
(TRF1. AC 0008281-19.2015.4.01.3600, 4ª Turma, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA, PJe 04/05/2023.)
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO DE MANAUS/AM. PROJOVEM
–
PROGRAMA NACIONAL DE INCLUSÃO DE JOVENS. TRANSFERÊNCIA DE VALORES DO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) AO MUNICÍPIO DE MANAUS/AM. FORNECIMENTO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS.
DISPENSA DE LICITAÇÃO. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DA CONDUTA ÍMPROBA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO
. DESPROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
1. Segundo a inicial, o FNDE transferiu ao Município de Manaus/AM, em 2005, à conta do PROJOVEM (Programa Nacional de Inclusão de Jovens), o montante de R$5.161.052,16 (cinco milhões, cento e sessenta e um mil, cinquenta e dois reais e dezesseis centavos), tendo sido, entretanto, verificadas as seguintes irregularidades na prestação de contas destes recursos: “a) Não aplicação do valor de R$1.897.758,72 no mercado financeiro, durante o período de 19/12/2005 a 29/12/2005, perfazendo o total de R$6.391,59 de rendimentos não auferidos (fl. 166 - PR/AM); b) Atraso na devolução do saldo remanescente do convênio, no valor de R$96.985,55, perfazendo o valor principal da correção monetária de R$1.449,84 de prejuízo ao erário (fl. 166 - PR/AM); c) Contratação irregular da Fundação de Apoio institucional Rio Solimões por meio de inexigibilidade de licitação, com fulcro no art. 25, II da Lei 8.666/93, para o fornecimento de gêneros alimentícios (fl. 166v), extrapolando assim a prestação de serviços técnicos de natureza singular que caracterizam aludida inexigibilidade.” (fl. 04), atos estes que estariam a caracterizar as condutas previstas nos arts. 10, VIII e 11, II, da Lei 8.429/92, e que resultariam na condenação do requerido nas sanções do art. 12, II e III, da mencionada lei.
2. A inicial fora rejeitada com relação aos valores relacionados ao atraso na devolução do saldo remanescente do convênio e de não aplicação dos recursos no mercado financeiro (itens a e b), ali consignando que “(...) Não se pode inferir que tais condutas decorram de conduta desonesta do agente público e, dos elementos de provas colhidos pelo MPF em sede extrajudicial não há qualquer indício de dolo ou culpa grave, nesse sentido”; independente desta decisão a amparar o ex-gestor, os valores questionados foram devidamente recolhidos, com a devida atualização. Assim, a controvérsia diz respeito somente à contratação da UNISOL para o fornecimento de gêneros alimentícios,
com a dispensa de licitação, o que, segundo o autor, teria causado dano ao erário, visto que tal aquisição poderia ter sido realizada por intermédio das distintas modalidades licitatórias, o que propiciaria uma melhor contratação para a Administração Pública
.
3. A sentença julgou improcedente o pedido por não ter sido demonstrado dano ao erário ou violação aos princípios da administração pública, destacando que restou comprovada a execução do objeto do Convênio 839022/2005 e aprovadas as contas apresentadas pelo FNDE.
4. Sustentam o Ministério Público Federal e o FNDE que o convênio firmado entre FNDE e a prefeitura de Manaus, no âmbito da execução do PROJOVEM, previa três ações distintas e independentes (apesar de relacionadas) a serem levadas a cabo no projeto, quais sejam: a) aquisição de gêneros alimentícios para os alunos do Projovem; b) formação inicial e continuada de educadores e coordenadores locais do Projovem, e; c) pagamento de educadores, pessoal de apoio e coordenadores locais do Projovem. Ressaltam que as ações elencadas nos tópicos "b" e "c" são diretamente relacionadas ao objetivo de qualificação profissional de jovens, possuindo caráter eminentemente técnico especializado e, portanto, enquadrando-se na hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no artigo 25, II, da Lei n. 8.666/93, mas que a ação mencionada no tópico "a", de aquisição de gêneros alimentícios, foge ao objeto da inexigibilidade, sendo indevida sua contratação junto à UNISOL, no contexto do aludido programa, por intermédio de inexigibilidade. Esta aquisição, dizem, poderia ter sido feita por intermédio das distintas modalidades licitatórias, o que propiciaria uma melhor contratação para a Administração Pública, mas a indevida dispensa do processo licitatório causou dano ao erário (Lei n. 8.429/92, art. 10, VIII). Afirmam que caso não se entenda pela prática de ato causador de dano ao erário, deve ser reconhecida a prática de atos atentatórios contra os princípios da administração pública, pois configurada a violação à legalidade pela indevida aplicação da inexigibilidade de licitação.
5. O Parecer 44/2012
–
DIESP/COAPC/CGCAP/DIFIN/FNDE/ MEC recomendou a aprovação parcial com ressalva das contas, ali
consignando que apesar da inconformidade constatada (inexigibilidade de licitação quanto aos gêneros alimentícios),
não restou evidenciado dano ao erário
, atestando também que a área técnica concluiu pela aprovação da execução física devido ao bom desempenho geral do programa.
6. Todo o conjunto informativo dos autos permite concluir, com razoabilidade, que as condutas ali descritas,
a despeito da possibilidade de terem sido formalmente contrárias, pelo menos em parte, ao que determina a lei de licitações, em um ou em outro ponto, não se deu por dolo, o elemento subjetivo da improbidade, palavra que evoca necessariamente a ideia de desonestidade
. O objetivo do convênio foi cumprido, sem que tenha havido lesão ao erário.
7. A sentença, examinando a causa de pedir da ação de improbidade, deu ao caso, com a análise circunstanciada da prova documental, o diagnóstico correto, afastando acertadamente as imputações de improbidade.
8. Apelações do MPF e do FNDE desprovidas.
(TRF1. AC 0019625-04.2013.4.01.3200, 4ª Turma, Relator Convocado JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, e-DJF1 08/03/2022)
E também em caso análogo (e até mais agudo, relativo a dispensa de licitação), assim já se posicionou o STJ, conforme fundamentação que igualmente adoto como razão de decidir,
guardadas as devidas adaptações necessárias
:
DECISÃO NO RECURSO ESPECIAL Nº 2062076/MG, Relator o Ministro
ANTÔNIO SALDANHA PALHEIRO
, DJEN de 08/05/2025.
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por MARISOL RIBEIRO NAZARETH e MARIA APARECIDA SOARES com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a e c, da Constituição da República contra acórdão prolatado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (Apelação Criminal n. 1.0145.10.044462-2/001).
Consta dos autos que a primeira recorrente foi condenada, em primeiro grau, à pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de multa de 3% do valor total de R$ 1.990.920,00, pela prática do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93, e a segunda recorrente foi condenada, em primeiro grau, à pena de 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e multa a 3 % (três por cento) do valor total de R$ 995.460,00 (novecentos e noventa e cinco mil, quatrocentos e sessenta reais) pela prática do crime previsto no artigo 89 da Lei no 8.666193.
(...)
Neste recurso especial, as recorrentes alegam violação ao artigo 89 da Lei 8.666/1993, ao argumento de que a condenação pelo
delito de dispensa indevida de licitação
foi fundamentada sem considerar a ausência do necessário dolo específico e do prejuízo ao erário.
(...)
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo “provimento dos recursos especiais, para absolver os recorrentes quanto ao crime previsto no art. 89 da Lei nº (fls.8.666/1993 (por duas vezes), restando prejudicadas as demais teses defensivas.” (e-STJ fl. 3.107).
É o relatório.
Decido.
Nestes autos, proferi decisão no Recurso Especial interposto por CARLOS ALBERTO BEJANI.
De tal decisão, colaciono o seguinte trecho:
Sobre as alegações recursais de que a conduta de CARLOS ALBERTO BEJANI de
dispensar indevidamente licitação
foi amparada em parecer jurídico (erro provocado por terceiro) e de que não foi movida pela intenção de causar prejuízo ao erário (ausência de dolo específico), assim se pronunciara o acórdão recorrido (e-STJ fls. 2.848/2.856):
(...)
In casu, ficou provado, documentalmente, todas as quatro contratações diretas, mediante indevida dispensa de licitação (contratos dos itens 1 e 11) e mediante ilícitos aditivos (contrato do item 111).
(…)
O douto parecer ofertado pelo MPF nesta instância especial já notara que, sem revolver fatos e provas, constata-se o descompasso entre a inteligência adotada nas instâncias ordinárias e a jurisprudência deste Tribunal Superior.
Segue trecho do indigitado parecer (e-STJ fls. 3.105/3.107):
Não há qualquer referência a conluio, mancomunação, fraude, ou qualquer outra conduta específica a revelar o
dolo específico
de causar dano ao erário por meio de dispensa indevida do processo licitatório. Registre-se, ademais, que houve parecer favorável do assessor jurídico do Poder Executivo Municipal (o qual, inclusive, foi absolvido por ausência de má-fé, cf. e-STJ, fls. 2.858 e 2.869) quanto à legalidade da dispensa, o reforça a tese defensiva de atipicidade por ausência de especial fim de agir por parte dos recorrentes.
Desse modo, a conclusão não é outra senão a de que as instâncias antecedentes decidiram em descompasso com a jurisprudência consolidada desse egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante ilustram os seguintes julgados:
[...]
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimento dos recursos especiais, para absolver os recorrentes quanto ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 (por duas vezes), restando prejudicadas as demais teses defensivas.
Impõe-se, com efeito, o provimento do presente recurso com absolvição do recorrente porque sua condenação deu-se em contrariedade à jurisprudência desta Corte, que exige dolo específico, finalidade de causar prejuízo ao erário, para configuração do crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/1993, elemento subjetivo expressamente dispensado pelas instâncias ordinárias.
Representativos dessa orientação jurisprudencial do STJ, colaciono os dois seguintes julgados:
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. CONTRATAÇÃO DIRETA DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS POR MUNICÍPIO. DISPENSA DE LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DO CERTAME. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO DO RECURSO E ABSOLVIÇÃO. I. CASO EM EXAME [...]
5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a tipificação do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 exige demonstração de dolo específico de causar dano ao erário e efetivo prejuízo aos cofres públicos, inexistentes no caso.
6. A inexistência de comprovação de dolo específico ou de efetivo prejuízo ao erário afasta a caracterização da conduta como criminosa, prevalecendo o princípio da tipicidade estrita e a presunção de boa-fé na contratação do advogado.
7. Não houve, no particular, descumprimento expresso de nenhuma lei, assim como não houve o apontamento do descumprimento de algum dos novos critérios estabelecidos pelo STF para que o procedimento licitatório fosse considerado inexigível.
IV. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(AREsp n. 2.401.666/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 27/12/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS DO DOLO ESPECÍFICO. SÚMULA N. 7/STJ. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO VERIFICADA QUANTO AO CRIME REMANESCENTE. ART. 115 DO CP. INAPLICABILIDADE AO CASO DOS AUTOS. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL.
1. A Corte de origem aplicou o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça acerca do crime então previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 e considerou comprovada, de forma fundamentada, a presença do dolo específico de causar dano ao erário, de forma necessária e suficiente para a subsunção típica. A reversão do entendimento proferido pelo colegiado local, sob o enfoque pretendido pela defesa, demandaria imprescindível reexame dos elementos fático-probatórios constantes dos autos, o que é defeso em recurso especial, em virtude do que preceitua a Súmula n. 7 desta Corte.
[...]
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.820.397/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 25/3/2025.)
Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso especial para absolver CARLOS ALBERTO BEJANI quanto ao crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/1993, restando prejudicado seu recurso especial no remanescente.
Constato serem idênticas as razões de fato e de direito trazidas como tese principal no presente recurso de MARISOL e MARIA APARECIDA, o que impõe o empréstimo da fundamentação e da conclusão adotadas no recurso de CARLOS ALBERTO BEJANI.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para absolver MARISOL RIBEIRO NAZARETH e MARIA APARECIDA SOARES do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993, ficando prejudicado seu recurso especial no remanescente.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 06 de maio de 2025.
Ministro
ANTÔNIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
2.4.
Conclusão
Diante de todo o exposto, a sentença de primeira instância deve ser mantida, pois os elementos probatórios não confirmam a presença de dolo específico na conduta dos Apelados, nem a ocorrência de dano efetivo ao erário ou enriquecimento ilícito, exigidos na pacífica jurisprudência do STF e do STJ.
Sendo assim, incumbe ao integrante do Tribunal, titular da relatoria de recursos ou de ações originárias, negar ou lhes dar provimento quando a pretensão ou a decisão recorrida for contrária a jurisprudência consolidada do STF, do STJ ou do próprio TRF6 (tudo cf. artigo 932, V, “a”, “b” e “c”, c/c 1.011, I, do CPC/2015 e inciso I do art. 22 do Regimento Interno deste Tribunal).
III – DISPOSITIVO
3.1.
Nos termos de toda a fundamentação supra, conheço da Apelação e da Remessa Necessária tida por interposta e lhes NEGO PROVIMENTO.
3.2.
Intimem-se
as partes para ciência (pessoa física em 15 dias úteis; entidade pública e MPF em 30 dias úteis).
3.3.
Não havendo interesse em recorrer,
solicita-se às partes
, em homenagem aos princípios da cooperação, eficiência e razoável duração do processo, que, ao tomarem ciência desta Decisão, manifestem expressamente a renúncia ao prazo recursal conforme rotina deste sistema
eproc
(mediante simples
“clique”
).
3.4.
Nada requerido,
certifique-se
o trânsito em julgado e
devolvam-se
os autos à Primeira Instância, sem necessidade de novas intimações quanto a este item.
Cumpra-se.
Belo Horizonte/MG, data no sistema.
Desembargador Federal
GRÉGORE MOURA
Relator
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