Processo nº 0000004-63.2019.4.01.3603
ID: 317722896
Tribunal: TRF1
Órgão: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0000004-63.2019.4.01.3603
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
ORLANDO CESAR JULIO
OAB/SP XXXXXX
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JONAS EDU GRUEN
OAB/MT XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT Avenida Alexandre Ferronato, nº 2082, R-38, CEP: 78.557-267, Sinop/MT - Fone (66) 3901-1250 - e-mai…
JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT Avenida Alexandre Ferronato, nº 2082, R-38, CEP: 78.557-267, Sinop/MT - Fone (66) 3901-1250 - e-mail: 01vara.sno.mt@trf1.jus.br Sentença Tipo D PROCESSO Nº: 0000004-63.2019.4.01.3603 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: Ministério Público Federal (Procuradoria) REU: MARCELI SILVIA MASS, ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO, HALIL IBRAHIM ILHAN Advogado do(a) REU: ORLANDO CESAR JULIO - SP122800 Advogado do(a) REU: JONAS EDU GRUEN - MT17876/O SENTENÇA Tipo D 1. RELATÓRIO O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Halil Ibrahim Ilham, Marceli Silvia Mass e Alexandra Aparecida Perinoto imputando-lhes a prática do crime tipificado no artigo 1º, inciso I, da Lei 9.613/98. Segundo a acusação, “no dia 11/02/2009, no Município de Sinop/MT, HAIL IBRAHIM ILHAM, MARCELI SILVIA MASS e ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO, conscientes e voluntariamente e em unidade de desígnios, dissimularam a propriedade de bens provenientes, direta ou indiretamente, do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes”. A denúncia foi recebida em 18/12/2018 (180956874 - Pág. 103). A defesa de Alexandra Aparecida Perinoto apresentou resposta à acusação no evento 180956874 - Pág. 112. Juntou cópia da ação penal 7616-67.2010.4.01.3603 e requereu sua absolvição sumária. Marceli Silvia Mass apresentou resposta à acusação no evento 180987359 - Pág. 226. Em análise dos pedidos de absolvição sumária, determinou-se a suspensão da presente ação penal até o trânsito em julgado da ação 7616-67.2010.4.01.3603 (352554535 - Pág. 1). Com a informação sobre o julgamento definitivo da ação penal 7616-67.2010.401.3603 (2153588619 - Pág. 1), o Ministério Público Federal apresentou parecer pela absolvição dos réus (2154712036). As defesas requereram, de igual modo, a absolvição dos réus (2170617461, 2173338493). É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Reconheço presentes os pressupostos processuais e as condições da ação penal, razão pela qual passo ao exame do mérito. O Ministério Público Federal imputa aos réus Halil Ibrahim Ilham, Marceli Silvia Mass e Alexandra Aparecida Perinoto a prática do crime tipificado no artigo 1º, inciso I, da Lei 9.613/98, a seguir reproduzido: Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. A estrutura do delito de lavagem de capitais exige a existência de um delito antecedente do qual se originem os recursos financeiros – bens, direitos ou valores – objeto da ocultação ou dissimulação destinada a dar-lhes aparência de licitude. A lei dispõe como requisito para oferecimento da denúncia do delito de lavagem de capitais que existem indícios suficientes da infração penal antecedente, conforme disposto no artigo 2º, §1º, segundo o qual são “puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. Nota-se que a lei exige indícios do delito antecedente para o oferecimento da denúncia, o que não significa que tais indícios sejam suficientes para sustentar a condenação penal, que demanda maior juízo de certeza sobre os fatos imputados, inclusive quanto à existência de um crime anterior gerador dos recursos objeto da lavagem de capitais. Com efeito, conquanto haja relação de autonomia entre o crime de lavagem de capitais e a infração penal antecedente – não se exigindo condenação prévia pelo crime anterior para configuração do delito derivado –, a lei define as balizas para a condenação: os fatos serão puníveis ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, não havendo qualquer ressalva no tocante à prova da materialidade do delito antecedente. Dito de outro modo, a lei não exige prova da autoria, mas isso não significa que seja dispensável elementos probatórios que convençam da materialidade do delito antecedente. Essa é a lição de Sérgio Fernando Moro, citado por Leandro Pausen no ACR 5019149-02.2011.4.04.7100, segundo o qual “para o recebimento da denúncia, basta "prova indiciária, ou seja, ainda não categórica, do crime antecedente e, a bem da verdade, do próprio crime de lavagem, como é a regra geral para o recebimento da denúncia em qualquer processo criminal”. Todavia, de acordo com o referido Juiz Federal, “para a condenação, será necessária prova categórica do crime de lavagem, o que inclui prova convincente de que o objeto desse delito é produto de crime antecedente”. Senão, veja-se: Afinal, qualquer crime pode ser provado exclusivamente por meio de prova indireta. Vale, no Direito brasileiro, o princípio do livre convencimento motivado do juiz, conforme o art. 157 do CPP, o que afasta qualquer sistema prévio de tarifação do valor probatório das provas. O conjunto probatório, quer formado por provas diretas ou indiretas, ou exclusivamente por uma delas, deve ser robusto o suficiente para alcançar o "standard" de prova própria do processo penal, de que a responsabilidade criminal do acusado deve ser provada, na feliz forma anglo-saxã, "acima de qualquer dúvida razoável". Nestas condições, é certo que o termo "indícios" foi empregado no referido dispositivo legal não no sentido técnico, ou seja, como equivalente a prova indireta (art. 239 do CPP), mas sim no sentido de uma carga probatória que não precisa ser categórica ou plena, à semelhança do emprego do mesmo termo em dispositivos como o art. 12 e o art. 212 do CPP. Portanto, para o recebimento da denúncia, basta "prova indiciária, ou seja, ainda não categórica, do crime antecedente e, a bem da verdade, do próprio crime de lavagem, como é a regra geral para o recebimento da denúncia em qualquer processo criminal. Já para a condenação, será necessária prova categórica do crime de lavagem, o que inclui prova convincente de que o objeto desse delito é produto de crime antecedente. Tal prova categórica pode, porém, ser constituída apenas de prova indireta. (MORO, Sérgio Fernando. O processo criminal no crime de lavagem. In: lavagem de Dinheiro. Comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 120-121; citado em TRF4, ACR 5019149-02.2011.4.04.7100, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 20/07/2015) Com base nessa premissa, assim se fundamentou no acórdão do ACR 5019149-02.2011.4.04.7100: A condenação pelo crime de lavagem de capitais exige sólido substrato probatório de que os recursos inseridos de forma aparentemente lícita no mercado tenham derivado da prática de determinados crimes (atualmente a legislação nacional permite a condenação pelo branqueamento de capitais independentemente da natureza do crime antecedente). Tal solidez probatória, todavia, não pressupõe padrões tão rígidos como aqueles exigidos para prolação de sentença condenatória direta acerca do crime antecedente. O que se exige é a demonstração de que os recursos movimentados pelo agente ostentem, acima de qualquer dúvida razoável, procedência ilícita. (TRF4, ACR 5019149-02.2011.4.04.7100, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 20/07/2015) Essa é a conclusão que também pode ser extraída do seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: CRIMINAL. HC. LAVAGEM DE DINHEIRO. AÇÃO PENAL DISTRIBUÍDA A RELATOR DE PROCESSO-CRIME REFERENTE A FORMAÇÃO DE QUADRILHA. DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DOS CRIMES ANTECEDENTES. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA. REUNIÃO OU SEPARAÇÃO DOS PROCESSOS. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. AUTONOMIA OBRIGATÓRIA DOS FEITOS. REUNIÃO IRRESTRITA. TEMPERANÇA DAS REGRAS. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO, NA SITUAÇÃO EM TELA. ANULAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS. DESNECESSIDADE. ECONOMIA PROCESSUAL. ORDEM CONCEDIDA. [...] A Lei 9.613/98 tipificou o delito de lavagem de dinheiro como crime autônomo, independente, embora tenha exigido, de outro lado, a demonstração da existência da materialidade de um crime antecedente. Presente a prova da materialidade do crime antecedente, o delito de lavagem de dinheiro é punível ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime antecedente, até porque, se não verificados os elementos indicadores da autoria, de fato não se poderá instaurar a persecução penal quanto ao delito anterior. [...] (HC 59.663/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 279) Quanto ao crime antecedente necessário à configuração do delito de lavagem de capitais, o Ministério Público narra que a venda das Fazendas Espanha ocorreu como forma de ocultar dinheiro proveniente de tráfico de drogas internacional e como forma de ocultar a compra ilícita dessas fazendas. Senão, veja-se o que se afirmou na denúncia: Os denunciados HALIL IBRAHIM ILHAM e MARCELI SILVIA MASS adquiriram no ano de 2.002, em nome desta, as Fazendas Espanha I, Espanha II e Espanha III, também denominadas inicialmente como Fazenda Marceli, com área total de 2.442 ha (dois mil quatrocentos e quarenta e dois hectares), localizadas no Município de Cláudia/MT, com valores oriundos do tráfico de drogas praticado pelo denunciado HALIL IBRAHIM ILHAM, o qual foi definitivamente condenado no ano de 2.000 pela Justiça da Espanha. Referida dissimulação dos ganhos ilícitos e da propriedade de bens está sendo processada perante a Subseção Judiciária de Sinop/MT nos autos de n° 7616-67.2010.4.01.3603. Na data da propositura daquela ação penal (26/07/2010— data do protocolo), este Órgão Ministerial também requereu a decretação de sequestro dos referidos bens imóveis, cuja medida foi distribuída sob o n" 5105- 96.2010.4.01.3603 e deferida em 31/08/2010. Ocorre que, prementes da possibilidade de serem processados pelo aludido ilícito e de terem seus bens declarados perdidos por serem oriundos do proveito do crime de tráfico de drogas, os denunciados HALIL IBRAHIM ILHAM e MARCELI SILVIA MASS, os quais já detinham pleno conhecimento de que estavam sendo investigados pela aquisição das propriedades, agindo em conluio com VANDERLEI FIALHO SOTTI (já falecido) e ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO, a fim de dissimular a propriedade dos referidos imóveis e de evitar eventual perdimento destes, simularam um negócio jurídico em 11/02/2009, por meio de contrato de compra e venda, no qual, os dois últimos, supostamente, adquiriram os referidos bens imóveis de MARCELI SILVIA MASS, com intervenção e anuência de HALIL IBRAHIM ILHAM (fls. 91/93), adicionando mais uma camada de "branqueamento" do produto e proveito do tráfico de drogas. O aparente negócio jurídico foi inicialmente realizado mediante o pagamento de 200.000,00 (duzentas mil) sacas de soja, parceladas em quantias a serem entregues entre 30/03/2009 e 30/03/2013, equivalente a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), valendo, cada um dos imóveis, a quantia de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Porém, de forma a nitidamente evidenciar a fraude perpetrada, o suposto negócio jurídico só foi registrado nas respectivas matrículas tempos depois e, estranhamente, com várias alterações perante as matrículas originárias e novas registradas no Cartório de Registro de Imóveis de Cláudia/MT', inclusive, com novas condições de pagamento (fls. 16/31v e 87/112v). Quanto a denominada "Fazenda Espanha I", foi inicialmente realizada, em 07/04/2009, escritura pública de compra e venda deste imóvel referente a matrícula inicial de n° 502, pelo valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), devidamente quitado anteriormente (fls. 88/90). Ainda na matrícula de n° 502, foi registrado, em 13/05/2009, compromisso de compra e venda referente ao instrumento particular firmado em 11/02/2009, referente a este imóvel e os imóveis denominados "Fazenda Espanha II e III", com as condições estipuladas no contrato de compra e venda de fls. 91/93, com prestações em sacas de soja parceladas entre 30/03/2009 e 30/03/2013 (fls. 30/31v). Já na matrícula posterior, de n° 2.894, foi averbado, em 24/08/2010, o referido compromisso de compra e venda deste e dos demais imóveis denominados "Fazenda Espanha II e III", registrado em 13/05/2009, com as mesmas condições de pagamento referidas no• contrato de compra e venda realizado às fls. 91/93, com prestações em sacas de soja que se estendiam até 30/03/2013. Por fim, no dia 26/08/2010, é realizado o registro de compra e venda deste imóvel, referente a escritura pública lavrada em 07/04/2009, pelo valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), o qual já teria sido quitado anteriormente à data do registro (fls. 24/25). Quanto a denominada "Fazenda Espanha II", foi inicialmente realizada, em 12/05/2009, escritura pública de compra e venda deste imóvel referente a matrícula inicial de n" 850, pelo valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), devidamente quitado anteriormente, (fls. 94/96). Ainda na matrícula de n" 850, foi retificada, no dia 28/05/2009, a escritura pública mencionada, para o fim de alterar a forma de pagamento, passando a ser de it$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) parcelados em duas vezes, uma parcela de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em 30/03/2010 e outra de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em 30/03/2011 (fls. 97/98). Por fim, na matricula de n° 850, foi registrado, em 13/05/2009, compromisso de compra e venda atinente ao instrumento particular firmado em 11/02%2009, referente a este. imóvel e os imóveis denominados "Fazenda Espanha I e III", com as condições estipuladas no contrato de compra e venda de fls. 91/93, com prestações em sacas de soja que se estendiam até 30/03/2013 (fls. 28/29). Já na matrícula posterior, de n° 2.895, foi averbado, em 24/08/2010, referido compromisso de compra e venda deste e dos demais imóveis denominados "Fazenda Espanha I e III", registrado em 13/05/2009, com as mesmas condições de pagamento referidas no contrato de compra e venda realizado às fls. 91/93, com prestações em sacas de soja que se estendiam até 30/03/2013. Posteriormente, no dia 26/08/2010, é realizado o registro de compra e venda deste imóvel, referente a escritura pública lavrada em 12/05/2009 e retificada em 28/05/2009, pelo valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), parcelados em duas vezes, uma parcela de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em 30/03/2010 e outra de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em 30/03/2011 (fls. 22/23). Por fim, no dia 04/02/2011, é realizada nova averbação, na qual MARCELI SILVIA MASS, no dia 10/12/2010, dá quitação da condição resolutiva sobre este imóvel (fls. 22/23). Quanto a denominada "Fazenda Espanha III", foi registrado inicialmente, em 13/05/2009, na matrícula de n° 851, compromisso de compra e venda alusivo ao instrumento particular firmado em 11/02/2009, referente a este imóvel e os imóveis denominados "Fazenda Espanha I e II", com as mesmas condições estipuladas no contrato de compra *e venda de fls. 91/93, com prestações em sacas de soja que se estendiam até 30/03/2013 (fls. 26/27). Já na matrícula posterior, de n°2.896, foi averbado, em 24/08/2010, referido compromisso de compra e venda deste e dos demais imóveis denominados "Fazenda Espanha I e II", registrado em 13/05/2009, com as mesmas condições de pagamento referidas no contrato de compra e venda realizado às fls. 91/93, com prestações em sacas de soja que se estendiam até 30/03/2013. Posteriormente, no dia 04/02/2011, é realizada nova averbação, na qual MARCELI SILVIA MASS, no dia 10/12/2010, dá quitacão da condição resolutiva sobre este imóvel (fls. 20/21). Veja, pois, que a intenção dolosa de dissimular a verdadeira propriedade destes bens imóveis é clara. Diversas são as formas de fraude utilizadas pelos denunciados. O Ministério Público narra que a venda das Fazendas Espanha I, II e III para ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO e VANDERLEI FIALHO SOTTI seria mais uma camada de lavagem de capitais já ocorrida em uma primeira etapa, em fatos apurados no processo penal 7616-67.2010.4.01.3603, em que se imputou a MARCELI SILVIA MASS e a HALIL IBRAHIM ILHAN a lavagem de capitais envolvendo as mesmas fazendas em uma compra anterior. A suposta lavagem de capitais da presente ação penal sustenta-se, portanto, nos fatos alegados na ação penal anterior e na suposta origem ilícita da compra dessas fazendas. Ocorre que, na ação penal em comento, os réus foram absolvidos por inexistência de prova convincente da materialidade delitiva do crime antecedente e por inexistência de provas a respeito da lavagem de capitais no Brasil, em relação à venda de lotes rurais e à compra das Fazendas Espanha I, II, e III. Vale trazer à colação todos os fundamentos que levaram à absolvição dos réus, conforme sentença juntada no evento 2153588957: Quanto ao crime antecedente necessário à configuração do delito de lavagem de capitais, o Ministério Público Federal relatou que “no ano de 2000, HALIL IBRAHIM ILHAM foi definitivamente condenado pelo crime de tráfico de entorpecentes pela Justiça da Espanha, mas manteve-se foragido utilizando-se de nomes falsos”, o que culminou no pedido de extradição do réu pelo governo espanhol, tendo o pedido sido negado por razões formais, segundo o Parquet. O processo de extradição juntado aos autos revela que o pedido inicial de extradição não se baseou em condenação definitiva, mas sim em procedimento deflagrado em 1991 para investigar uma suposta organização criminosa destinada à prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. O processo judicial espanhol foi identificado como Sumário 17/1991, cujas peças juntadas ao pedido de extradição (Nota Verbal n. 140) relatam suposto envolvimento do réu Halil Ibrahim Ilham na prática criminosa, sem informar qual seria a participação do réu nos fatos, nem a data do crime ou outros elementos que permitissem a individualização segura da conduta do acusado (fls. 55/151). A obscuridade da imputação feita pela justiça espanhola gerou questionamento por parte do Ministério Público Federal no âmbito do processo de extradição no sentido de que “a nota verbal 140 é absolutamente vaga e imprecisa quanto ao modus operandi do extraditado e da organização criminosa de que supostamente faz parte, além de não indicar os fatos que deram origem à prisão de pronúncia” (fl. 319 do apenso I, volume II). Assim, as informações contidas no processo judicial espanhol Sumário 17/1991 não são minimamente seguras a respeito da materialidade do delito antecedente. Já a Nota Verbal n. 160 representa um pedido de ampliação do processo de extradição em relação a outro processo deflagrado perante o poder judiciário espanhol, cujo objeto seria a apuração da suposta prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes por uma organização criminosa da qual o réu hipoteticamente faria parte. De acordo com o pedido de ampliação, o réu poderia ter participado da provável comercialização de heroína em março de 1999, cuja quantidade poderia alcançar 300 quilogramas, segundo suposições feitas justiça espanhola nos documentos em destaque. Trata-se do processo identificado como Sumario 10/1999 (fls. 4/48). De fato, a conduta do réu foi melhor individualizada no Sumário 10/1999 , de sorte que os documentos juntados à Nota Verbal n. 160 poderiam configurar indícios do crime antecedente para embasar o oferecimento da denúncia pela prática do crime de lavagem de dinheiro. Todavia, tais documentos apenas fazem referência a alguns elementos de investigação que levaram à deflagração do processo penal perante a autoridade judicial espanhola, o que não se mostra suficiente para operar-se um juízo de certeza da materialidade do delito antecedente acima de qualquer dúvida razoável no bojo da presente ação penal. Conquanto não se exija condenação definitiva a respeito do delito antecedente, decerto deve haver provas nos autos que permitam uma conclusão segura de que tal crime, de fato, ocorreu, o que não se verifica na hipótese dos autos, uma vez que a Nota Verbal n. 160 não veio acompanhada de mínimo lastro probatório, como exemplo, de ao menos algumas provas colhidas no curso da investigação promovida na Espanha das quais se pudesse inferir a materialidade delitiva com certo grau de segurança. Frise-se, no ponto, que a insegurança quanto à materialidade de delito antecedente é reforçada pelo completo desinteresse da Espanha em dar continuidade ao processo de extradição. Com efeito, é no mínimo estranho que o Estado requerente abandone as tentativas de processamento e punição do acusado pela prática de crime tão grave como a comercialização de quantidade surpreendentemente elevada de substância entorpecente. Com efeito, o abandono inexplicável do processo de extradição pela Espanha exprime seu desinteresse no exercício do poder punitivo, o que imprime dúvida fundada sobre se os fatos imputados ao acusado no Sumário 10/1999 de fato ocorreram. Isso posto, não se pode dar maior credibilidade às referidas imputações nesta etapa processual, em que não bastam meros indícios de autoria e materialidade delitiva para a condenação penal. Restaria apenas a Nota Verbal n. 229, relativa ao último pedido de ampliação do pedido de extradição, esta sim, decorrente de uma condenação transitada em julgado no ano de 1996 pela prática de crime contra a saúde pública, previsto na lei penal espanhola, em razão do transporte de seis quilos de heroína no ano de 1992 (fls. 229/241 apenso I, volume I), conduta que, em tese, configura o crime de tráfico ilícito de entorpecentes tipificado no Brasil, ao tempo dos fatos, por meio da Lei n. 6.368/76. Por outro lado, nota-se dos fatos narrados na Nota Verbal n. 229 que o réu teria sido surpreendido no transporte de substância entorpecente, do que se presume que a droga tenha sido apreendida pela polícia, obstando, em tese, a obtenção de lucro com sua comercialização. Especialmente quanto a esse ponto, a instrução processual não resultou na demonstração de que os réus tenham adquirido patrimônio de vulto no Brasil a ponto de relevar uma conexão entre o transporte de entorpecentes feito pelo réu em 1992 com os ganhos patrimoniais auferidos pelo acusado e por sua esposa depois de sua chegada ao Brasil sete anos depois. De igual modo, não ficou demonstrada, de forma indene de dúvidas, que os réus tenham se utilizado de manobras para ocultar ou dissimular alguma vantagem patrimonial de origem ilícita. De um lado, o Ministério Público Federal sustenta que Marcelli Silva Mass não tinha patrimônio suficiente para adquirir as Fazendas Espanha I, II e III, no ano de 2002, compradas por aproximadamente R$ 600.000,00. De outro lado, a defesa sustenta que as propriedades foram adquiridas a partir da venda de imóveis rurais comprados nos anos anteriores, que teriam sofrido valorização proveniente da boa localização dos imóveis, da mecanização da área e da preparação do solo para o cultivo de grãos. Alegaram, ainda, que venderam veículo e imóvel urbano para complementação do valor necessário à compra das Fazendas Espanha I, II e III. De fato, as declarações de imposto de renda de Marceli Silvia Mass juntadas à quebra de sigilo fiscal n. 2007.36.00.013547, que compreendem os anos-calendários 1999 a 2005, revelam que a ré possuía um imóvel urbano – denominado Lote 14 –, além de um veículo AUDI 94. As declarações de imposto de renda demonstram também a propriedade de imóveis rurais – lotes 39, 38-A, 37, 40, que totalizavam aproximadamente 330 hectares – , sendo que dois deles faziam parte do rol patrimonial da acusada pelo menos desde 1999, enquanto os imóveis remanescentes foram acrescentados a partir do ano 2000. As matrículas imobiliárias juntadas às fls. 161/175 confirmam que os imóveis rurais em destaque foram adquiridos pela ré entre fevereiro de 1997 e fevereiro de 2000. Todos os bens elencados acima deixaram progressivamente de figurar na declarações de imposto de renda da ré Marceli Silvia Mass nos anos seguintes, a partir da declaração ano-calendário 2000, tendo sido incluídas no patrimônio da acusada as Fazendas Espanha I, II e III, a partir da declaração do ano-calendário 2002 (fl. 82), o que imprime verossimilhança à alegação dos réus, de que as últimas propriedades citadas foram compradas com os recursos provenientes da venda de propriedades e de bens que possuía anteriormente. O contrato de compra e venda juntado às fls. 157/159, que contém chancela oficial datada de 21/09/2001, revela que a venda dos lotes rurais 37, 38-A, 39 e 40, concretizou-se em 20/09/2001, mas com parcelamento do valor em dinheiro e em sacas de soja, ajustando-se o último pagamento para março de 2003, o que corrobora as provas acima. É verdade que o Ministério Público Federal questiona o valor da venda ao afirmar que o preço constante no contrato de compra de venda, de R$ 828.000,00, não corresponde ao preço de mercado do hectare praticado à época. Sustenta que imóveis comprados até o ano 2000 pelo preço total de R$ 69.500,00 não alcançariam a valorização alegada pelos réus ao final do ano 2001, que é quase oito vezes superior ao valor da venda efetivamente registrado na escritura dos imóveis, correspondente a R$ 115.000,00, montante que, segundo o Parquet, é mais verossímil e mais se aproxima ao real valor de mercado do hectare. Apesar de não ter sido realizada perícia para estimar o valor do hectare dos lotes 39, 38-A, 37, 40, no momento da venda concretizada ao final do ano 2001, as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa foram questionadas sobre os fatos e sobre os possíveis motivos da discrepância entre o preço de aquisição originária e de venda das referidas propriedades. Também foram questionadas sobre se o dinheiro proveniente da venda de um imóvel de 330 hectares – total da área dos lotes acima – , situado na Estrada Rosa em Sinop, seria suficiente para a aquisição de um imóvel rural de aproximadamente 2.500 hectares situado no município de Cláudia, a saber, as Fazendas Espanha I, II e III. Luiz Antonio Giroldo, que intermediou a compra das Fazendas Espanha I, II e III, relatou fl.s 659/660 que Marceli Silvia Mass enviava dinheiro da Espanha, com o qual foram comprados inicialmente dois tratores de esteira utilizados pelos irmãos dela. Relatou que a acusada também foi comprando chácaras que totalizaram aproximadamente “duzentos e poucos hectares”, em cuja área seus irmãos trabalharam utilizando-se dos tratores. Ainda de acordo com a testemunha, as chácaras foram abertas e trabalhadas após a compra, sendo que uma empresa chamada Transterra foi contratada para auxiliar na derrubada das árvores. Relatou ainda que, na época da compra das Fazendas Espanha I, II e III, Marceli vendeu as chácaras, uma casa e os tratores para levantar o valor necessário. De acordo com a testemunha, as chácaras localizadas em Sinop – lotes 39, 38-A, 37, 40 – valiam muito na época em que foram vendidas, porque estavam produzindo e porque a venda foi feita no período em que o setor da agricultura estava aquecido, diante do incentivo à produção, circunstância que influenciou a valorização dos imóveis rurais na região. Questionado sobre a diferença de preço entre as Fazendas Espanha I, II e III e as chácaras que foram vendidas para custeá-la, afirmou que nas fazendas em questão só havia mata, ao passo que as chácaras ficavam a dois ou três mil metros do asfalto e estavam mecanizadas e preparadas para o plantio. Afirmou que uma propriedade de mata fechada valia de 200 a 250 hectares na época. Se houvesse madeira explorável no local, o valor do hectare dobrava. Se havia pasto, a terra ficava ainda mais cara e, se houvesse lavoura, o preço subia ainda mais. Estimou que enquanto uma terra de mata fechada valia 200 reais o hectare, uma terra de lavoura valia de 1000 a 1500 o hectare. De acordo com a testemunha, Marceli vendeu suas chácaras por aproximadamente R$ 600.000,00, e que valiam esse preço porque estavam produzindo. Ao ser perguntado sobre a produção agrícola das propriedades do réu, afirmou que ele produzia acima da média de mercado, porque utilizada produto agrícola que estimulava o desenvolvimento das plantas. Neri José Chiarelo, produtor rural e proprietário de um armazém de depósito de grãos, relatou que os réus foram seus clientes de 1999 até 2004, quando uma crise assolou a região atingindo a atividade de agricultura. Relatou que seu armazém foi aberto em 1999 e que no mesmo ano o réu firmou contrato de depósito com a testemunha para depositar sua produção de arroz advinda das propriedades de Sinop. Perguntado se já assinou contrato de venda antecipada de produção com os réus, em que há a venda de safra futura, afirmou que sim, que isso se deu em várias safras, de 1999 até 2004. Questionado sobre a compra das Fazendas Espanha I, II e III, afirmou que o réu vendeu sua propriedade rural que ficava próxima à cidade de Sinop e adquiriu um imóvel rural em Cláudia, de mata fechada. Perguntado se havia diferença de preço de um imóvel rural localizado em Sinop em relação a uma propriedade inserida no município de Cláudia que justificasse a discrepância entre o valor dos lotes de pequena dimensão situados em Sinop em relação ao valor das Fazendas Espanha, que possuíam área muito maior, a testemunha afirmou que havia diferença real de preços à época dos fatos, tanto porque a fazenda dos acusados situada em Sinop ficava perto do asfalto quanto pelo fato de que a área já estava aberta e produzindo, ao passo que o imóvel de Cláudia era constituído apenas de mata fechada. Relatou que comprou seu primeiro imóvel em Sinop em 1994 pelo preço de 7,5 sacas de soja o hectare e que no ano de 2013 (data da audiência) o preço de sua propriedade estava estimada em 500 sacas de soja, aproximadamente vinte mil reais por hectare, sendo este o preço médio de uma terra bem localizada, mecanizada e pronta para o plantio atualmente. Já Adilson José Perlin afirmou às fls. 735/736 que começou a trabalhar na empresa SELVAPLAN – escritório de planejamento agrícola – no mesmo período em que os réus contrataram os serviços do escritório, em 1999. Afirmou que foi às chácaras dos acusados, de aproximadamente 330 hectares, situadas na Estrada Rosa, em Sinop – MT, para fazer uma demarcação de curva de nível. Relatou que a acusada Marceli contraía empréstimos no Banco do Brasil e que as chácaras foram compradas com recursos provenientes desses financiamentos também. Afirmou, ainda, que se lembra de a ré ter contratado um financiamento de R$ 200.000,00 no ano de 2002, montante que não sabe em que foi empregado. Questionado se os réus utilizavam de recursos de empresas de insumos agrícolas para plantio de safra após safra, afirmou que sim, que o negócio era feito com as empresas Agromaster, Amazônia Máquinas, Agronorte, entre outras. Perguntado sobre a produção agrícola dos acusados, afirmou que quando realizou o trabalho de assessoria na propriedade do acusado pôde ver a dedicação do acusado Halil Ibrahim Ilham nas lavouras, o que rendia ao acusado uma produção de sacas de grãos acima da média da região. Perguntado se havia muita diferença de preço entre os imóveis de Sinop e de Cláudia, afirmou que a propriedade rural que Marceli possuía em Sinop já estava aberta e produzindo, o que aumentava o preço do hectare. Afirmou também que um imóvel de mata fechada pode valer três vezes menos que um imóvel mecanizado. Nadir Rudolfo Klein, por sua vez, comprador dos lotes 39, 38-A, 37, 40, afirmou às fls. 735/736 que comprou um imóvel rural de 333 hectares dos acusados. Afirmou que um dos sítios que compunham o imóvel pertenceu a um de seus irmãos no passado. Relatou que depois que os réus compraram a propriedade em questão, trabalharam na terra e deixaram-na pronta para agricultura. Depois disso, a testemunha comprou o imóvel dos réus. Questionado sobre a diferença de preço do hectare entre o imóvel de Sinop e o imóvel comprado em Cláudia pelos acusados, afirmou que a propriedade de Sinop estava aberta e produzindo e ficava próxima ao asfalto, enquanto o imóvel de Cláudia era composto por mato apenas. Relatou que comprou os lotes da Estrada Rosa porque tinha propriedade vizinha à área e que pagou aproximadamente R$ 800.000,00. Questionado sobre a forma de pagamento, afirmou que pagou uma parte em dinheiro – aproximadamente R$ 300,000,00 – e outra parte pagou em grãos, ajustando-se o pagamento de forma parcelada até o ano de 2003. A escritura dos imóveis foi passada para a testemunha depois do segundo pagamento. Perguntado se declarou a compra em seu imposto de renda, afirmou que sim. Informado de que o valor das transações feitas por ele foram registradas na matrícula dos imóveis em montante consideravelmente menor que R$ 800.000,00, a testemunha afirmou que as transações registradas na matrícula seguem o valor venal do imóvel para menor tributação. Perguntado se os réus trabalhavam diretamente na lavoura ou se o serviço era executado por terceiros, afirmou que sempre que visitava a fazenda, via o réu “tocando a lavoura”. Nélio Luiz Klein, de seu turno, afirmou às fls. 735/736 que comprou o imóvel de 333 hectares juntamente com seu irmão Nadir Rudolfo Klein. Relatou que o preço da transação foi aproximadamente R$ 800.000,00 e que hoje o preço do hectare está estimado em aproximadamente R$ 30.000,00. Ao ser informado de que o preço que pagou no hectare na época dos fatos foi de R$ 2.600,00, a testemunha afirmou que o imóvel realmente valia esse preço. Questionado se era possível comprar um imóvel de 2.400 hectares em Cláudia com o dinheiro proveniente da venda de uma área muito menor em Sinop (330 hectares), afirmou que sim, porque os imóveis da região de Cláudia valiam menos. Acrescentou que o imóvel adquirido no município de Cláudia pelo pelos réus era composto de mata fechada, circunstância que também influenciava no preço do hectare. Já Flávio Carlos Bonatto, proprietário de uma fazenda localizada em frente às Fazendas Espanha I, II e III, afirmou fls. 758/759 que os réus compraram a fazenda com mata fechada, na época em que já não havia madeira para ser explorada no imóvel. De acordo com a testemunha, a fazenda em questão foi objeto de plano de manejo florestal nos anos anteriores à aquisição feita pelos réus. Relatou que o acusado desmatou aproximadamente 900 hectares da propriedade e plantou arroz na área nos dois primeiros anos, seguindo-se de plantação de soja no terceiro ano. Afirmou que os próprios acusados plantavam e colhiam sua produção. Perguntado a respeito da produção dos réus, afirmou que o rendimento era alto e que a testemunha não conseguia alcançar tal nível de produção provavelmente porque a propriedade dos acusados nunca fora plantada, ao passo que a da testemunha fora utilizada nos anos anteriores na atividade de pastagem, o que enfraquece o solo. Questionado sobre o valor do imóvel situado em Cláudia, relatou que o réu pagou aproximadamente R$ 400.000,00. Perguntado sobre a variação de preços dos imóveis rurais na região, afirmou que os preços começaram a subir a partir de 2002 e 2003 e variavam de acordo com as características dos imóveis – se ficava perto do asfalto, se a fazenda ficava próxima a alguma empresa de secagem de grãos etc. De acordo com testemunha, uma área aberta hoje vale aproximadamente 600 sacas de soja por hectare, enquanto que uma área fechada pode ter seu hectare ser estimado em aproximadamente 200 sacas. Marcelo Martins Miguel, engenheiro agrônomo, também foi questionado sobre a diferença de preços dos imóveis rurais dos municípios de Cláudia e Sinop, tendo afirmado que a diferença chegava a 1:20 e que hoje a diferença é menor, de aproximadamente 1:2. A testemunha deu detalhes acerca da evolução histórica de preços na época da venda do imóvel rural de Sinop e da compra das Fazendas Espanha I, II e III no município de Cláudia - MT. De acordo com a testemunha, a partir de 1996, o preço dos imóveis caiu, porque foi criada a tributação progressiva do ITR para imóveis improdutivos e porque a área de uso alternativo do solo foi reduzida de 50% para 20%. Relatou que ninguém, nesse época, queria continuar com a titularidade de propriedade de mata fechada, em razão do ITR progressivo. Nesse período, lembra-se de um produtor que tinha uma propriedade próxima à do réu, que tentara vender seu imóvel por aproximadamente um milhão de reais, mas acabou vendendo por trezentos mil, em virtude da desvalorização decorrente dos fatores acima. Seguiu relatando que, em meados de 2001 a 2004, o preço do hectare novamente subiu em decorrência do “boom” do preço das commodities, época em que houve fomento à agricultura. A partir de 2005, os preços caíram novamente, por causa da crise que assolou o setor da agricultura. Questionado se era possível comprar os imóveis denominados Fazendas Espanha com o dinheiro adquirido da venda dos imóveis dos réus situados em Sinop, afirmou que sim. Acrescentou que chegou a acompanhar a vistoria do imóvel de Cláudia. Conquanto não se possa tomar como absoluta verdade os relatos das testemunhas a respeito da diferença de preços dos imóveis que pertenceram aos acusados, não se pode olvidar que os fatos narrados são bastante verossímeis. Realmente, é de conhecimento notório que o setor da agricultura sofreu significativas oscilações ao longo dos anos no país em razão dos mais variados fatores: política cambial, variação exacerbada dos preços internacionais das commodities agrícolas; variação da demanda de exportação desses produtos, especialmente da soja, demanda esta que também é influenciada pela variação dos preços praticados internamente, dentre outros fatores; crise internacional; variação da quantidade de crédito rural disponibilizado pelo governo, entre outros fatores. Dado que o preço das terras de lavouras sofre influência direta de todos os elementos acima acima, decerto a definição do preço real do hectare de um imóvel é um dado complexo e sujeito, sim, a variações extremadas conforme a conjuntura que se fizer presente no momento. E a conjuntura relatada pelas testemunhas, em sua maioria produtores rurais e profissionais do setor, conhecedoras da evolução do setor da agricultura ao longo dos anos, é um elemento relevante para o qual não se pode fechar os olhos. Dos relatos, é possível extrair que os imóveis rurais sofreram desvalorização a partir de 1997 e a partir de 2001 passaram por significante valorização, decorrente do momento econômico especialmente no tocante ao setor da agricultura, o que pode ter surtido efeito no preço de venda dos lotes 39, 38-A, 37, 40, ao final do ano 2001. Além de todos os fatores acima, que tornam a definição do preço de um imóvel um dado realmente complexo, ainda existem outras variáveis envolvidas e que foram mencionadas pelas testemunhas. Conforme se depreende dos depoimentos acima, os lotes comprados pelos réus em Sinop de 1997 até o ano 2000 eram compostos de mata fechada, a qual foi posteriormente mecanizada, adubada e plantada diretamente pelos acusados pelo menos de 1999 até o ano de 2002, quando os imóveis foram transferidos para o novo comprovador, em razão do contrato entabulado no final do ano de 2001. Segundo as testemunhas, o preço de um imóvel rural mecanizado e pronto para o plantio é o maior do que o preço de uma terra destinada à pastagem, que é maior que uma terra destinada à exploração florestal apenas, e assim sucessivamente, sendo que a propriedade de menor valor seria aquela composta somente de mata fechada, sem potencial madeireiro. A terra agricultável, portanto, é a mais cara, segundo relatado pelas testemunhas. Assim, os lotes 39, 38-A, 37 e 40, podem ter sofrido valorização tanto pela conjuntura econômica quanto pela própria mecanização e enriquecimento do solo, o que dá verossimilhança ao fato de que tais propriedades podem ter sido vendidas por alto preço. Notadamente quanto ao que diz respeito às diferenças de preços de propriedades rurais localizadas em Sinop e em Cláudia, as regras de experiência tem demonstrado que, de fato, há grande diferença de valor ainda hoje. Observa-se nas ações de desapropriação em curso perante este juízo que geralmente o preço do hectare das propriedades localizada em Sinop é muito superior ao preço das propriedades localizadas no município de Cláudia. É plausível, portanto, a afirmação feita pelas testemunhas nesse sentido. Somado a isso, as Fazendas Espanha I, II e III, eram compostas de mata fechada, sendo este outro fator que, em tese, desvalorizaria o imóvel à época da aquisição. A conclusão que deflui das considerações acima é que subsiste uma dúvida fundada acerca do real preço dos lotes 39, 38-A, 37 e 40, não havendo elementos de prova que permitam uma conclusão segura de que o preço praticado no contrato de compra e venda de fls. 157/160 tenha destoado significativamente do preço médio de mercado. Diante da complexidade inerente ao cálculo do valor do hectare de uma terra de lavoura, especialmente quando se tem notícia de que na época da venda dos imóveis estes já teriam passado por benfeitorias que implicariam sua valorização – desmatamento, adubação e plantio – e, além disso, se vislumbrava, segundo as testemunhas, uma situação econômica no país que acabou alavancando consideravelmente o setor da agricultura naquela época, não se pode ter uma definição segura do preço do imóvel apenas com base na razoabilidade, conforme pretende o Ministério Público Federal. Saliente-se, ademais, que o comportamento adotado pelos réus no exercício de sua atividade rural não sugere que tenham utilizado os lotes n. 39, 38-A, 37 e 40, para acobertar dinheiro ilícito. Com efeito, o aumento do preço dessas propriedades não se pautou em simples especulação, que se verificaria caso os réus se limitassem a negociar as terras e a reaplicar o dinheiro em bens e investimentos financeiros. As testemunhas dão conta de que os réus compraram um imóvel de mata fechada e trabalharam diretamente na abertura da terra, nos plantios e nas colheitas antes da entrega efetiva dos imóveis aos novos proprietários em 2002, em decorrência da venda entabulada no segundo semestre de 2001. Também declararam que os réus buscavam financiamentos bancários e de insumos agrícolas, realizavam contratações de venda antecipada de produção, para garantir recursos para o plantio, entre outras medidas necessárias ao desempenho da atividade de agricultura no local. As declarações de imposto de renda juntadas à quebra sigilo fiscal, por sua vez, revelam a existência de diversos financiamentos de maquinários agrícolas, bem como de empréstimos bancários tomados pelos réus (fls. 32, 38, 45 do processo n. 2007.36.00.013547-1). O percurso tomado pelos acusados no momento anterior à venda dos lotes 39, 38-A, 37 e 40 não é o que se espera de quem pretenda apenas mascarar o lucro de uma atividade criminosa embutindo o dinheiro ilícito na comercialização dos imóveis simulando uma valorização inexiste. O modus operandi adotado pelos réus foge daquele esquema seguidamente descrito pela doutrina: operações sucessivas e complexas, tendentes a esconder a origem ilícita do dinheiro. È difícil imaginar que alguma pessoa se disponha a trabalhar em serviço pesado com o intuito de lavar dinheiro. Há algo aqui que está fora do script. Talvez esteja aí a explicação do desinteresse do Estado espanhol na extradição. Em conclusão, diante de todas as dúvidas que resultaram da instrução processual, impõe-se a absolvição dos réus, por efeito do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, tendo o acórdão transitado em julgado em 25/10/2022 (2153589234). Nada de novo foi trazido à presente ação penal, de modo que o conjunto probatório sobre os crimes antecedentes e sobre a suposta lavagem de capitais anterior é o mesmo que levou à absolvição dos réus no processo penal 7616-67.2010.4.01.3603. Assim, não há prova segura da materialidade do crime antecedente, bem como não há prova de que a aquisição das Fazenda Espanha I, II e III foi objeto de lavagem de capitais, de modo que não se pode afirmar, com segurança, que a origem da compra das referidas fazendas seja ilícita. Essas circunstâncias afetam diretamente a presente ação penal, já que, nela, o Parquet alega nova lavagem de capitais na venda dessas mesmas fazendas. Não havendo prova da origem ilícita da compra das Fazendas Espanha I, II e III, não se pode falar de lavagem de capitais na venda desses imóveis. Este, aliás, foi o parecer do Ministério Público Federal, o qual trago à colação: Sem prejuízo da profunda discordância deste signatário, objetivamente houve trânsito em julgado da decisão absolutória naqueles autos de nº 0007616-67.2010.4.01.3603, e, não existindo revisão criminal pro societate, deve produzir todos os seus efeitos intra e extraprocessuais. A respeito, cumpre relembrar que esta ação penal imputa uma suposta nova lavagem a envolver os mesmos bens tratados 0007616-67.2010.4.01.3603 (Fazendas Espanha I, II e III), pelos mesmos agentes (Halil Ibrahim Ilham, e Marceli Silvia Mass), com a participação de uma nova agente (Alexandra Aparecida Perinoto). Nas palavras da denúncia, os acusados nesta ação teriam adicionado “mais uma camada de ‘branqueamento’ do produto e proveito do tráfico de drogas”. A premissa desta ação penal, portanto, é que os bens referidos naquela ação penal são bens lavados. Como houve uma nova operação suspeita, interpretável como mais uma lavagem, houve apresentação de denúncia, resultando nesta ação penal. A absolvição pela lavagem anterior, desse modo, gera uma certa quebra lógica, já que não se pode lavar [novamente] um bem que é de origem lícita. Por mais suspeita que tenha sido a operação denunciada nestes autos (e, de fato, tem de ser reconhecido que há alguns sinais típicos de lavagem, conforme apontado na denúncia), por uma questão lógica, não se poderia reconhecer lavagem de bem de origem lícita. Não se desconhece que naqueles autos a absolvição foi pela inexistência de provas do fato acusado (art. 386, inciso II, do CPP), e não por estar provado que o fato não existiu (art. 386, inciso I, do CPP), nem que o estrito fato concreto denunciado nestes autos é diverso do fato denunciado naqueles autos. No entanto, no presente caso, pelas circunstâncias, insistir no prosseguimento desta ação penal caracterizaria uma tentativa de revisão criminal pro societate ou bis in idem por via transversa. Admitindo que as Fazendas Espanha I, II e III não são bens provenientes, direta ou indiretamente, da prática de crime, eventual transmissão desses bens de Halil Ibrahim Ilham e Marceli Silvia Mass para Alexandra Aparecida Perinoto não pode caracterizar uma lavagem de dinheiro. Eventuais irregularidades nessa transmissão, podem caracterizar outras infrações legais, mas não a lavagem de capitais. Em conclusão, os réus devem ser absolvidos com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA DENÚNCIA e ABSOLVO OS RÉUS HALIL IBRAHIM ILHAM, ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO e MARCELI SILVIA MASS, com fulcro no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. Quanto aos bens apreendidos, determino a liberação da máquina de escrever apreendida no termo de apreensão 10/2009 (180956855 - Pág. 30), se estiver sob a guarda deste juízo. Considerando não se tratar de bem de valor, não sendo reclamado no prazo de noventa dias previsto no artigo 123 do Código de Processo Penal, realize-se sua doação a alguma entidade beneficente cadastrada. Fixo a remuneração do advogado dativo nomeado para a defesa da ré Marceli Sílvia Mass no valor máximo previsto nas tabelas da Resolução CJF 305/2014. Requisite-se o pagamento após a publicação da sentença. Intime-se. Datado e assinado eletronicamente. JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL DA SSJ DE SINOP
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