Processo nº 5002180-65.2024.8.08.0000
ID: 292462152
Tribunal: TJES
Órgão: 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5002180-65.2024.8.08.0000
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO BAPTISTA DA CUNHA NETO
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 5002180-65.2024.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: JOSE ALVES OLIVEIRA AGRAVADO: DANIEL ANTONIO FARIA RELATOR: DES. FÁBIO BRASIL NE…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 5002180-65.2024.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: JOSE ALVES OLIVEIRA AGRAVADO: DANIEL ANTONIO FARIA RELATOR: DES. FÁBIO BRASIL NERY ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO E OMISSÃO NO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. REJEIÇÃO. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração opostos por Daniel Antônio Faria contra acórdão da 2ª Câmara Cível que, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento interposto por José Alves Oliveira, reformando decisão de primeiro grau e indeferindo pedido liminar de reintegração de posse. O embargante alega contradição no acórdão quanto ao reconhecimento simultâneo da posse de ambas as partes sobre a mesma área, em momentos temporalmente incompatíveis, e omissão na análise da ata notarial e de imagens do Google Earth. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se o acórdão embargado contém contradição interna ao reconhecer a posse de ambas as partes sobre o mesmo imóvel em momentos distintos; e (ii) examinar se houve omissão na análise da ata notarial e das imagens do Google Earth apresentadas pelo embargante como provas da posse. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A contradição que autoriza o acolhimento de embargos de declaração é aquela interna ao julgado, e não eventual divergência com fatos externos ou com a tese da parte, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. O acórdão embargado não apresenta contradição, pois reconhece que a propriedade do imóvel foi adquirida pelo embargante por usucapião, mas conclui que, na data do suposto esbulho (12/12/2023), não há comprovação efetiva de posse, exigindo dilação probatória. 5. A alegada omissão quanto à ata notarial e às imagens do Google Earth não se sustenta, pois o julgador não está obrigado a se manifestar sobre todas as provas apresentadas quando já há fundamentação suficiente para a decisão, conforme jurisprudência do STJ. 6. A ata notarial, embora possua presunção de veracidade, não é prova absoluta e pode ser elidida por outros elementos probatórios constantes dos autos. 7. Os embargos de declaração não são via adequada para rediscutir o mérito da decisão, sendo evidente o inconformismo do embargante com o resultado desfavorável. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: 1. A contradição que justifica embargos de declaração deve ser interna ao acórdão, não podendo se basear em divergência com fatos externos ou teses das partes. 2. O julgador não é obrigado a analisar individualmente todas as provas quando já houver fundamentação suficiente para a decisão. 3. A ata notarial tem presunção relativa de veracidade e pode ser afastada por outros elementos probatórios. 4. Os embargos de declaração não servem para rediscutir o mérito da decisão impugnada. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022. Jurisprudência relevante citada: STJ, EDcl no AgInt na SLS n. 3.294/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, j. 07/02/2024, DJe 14/02/2024; STJ, AgRg no AREsp n. 1.551.087/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 23/03/2023, DJe 30/03/2023. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: Por maioria, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Órgão julgador vencedor: 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY Composição de julgamento: 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY - FABIO BRASIL NERY - Relator / 029 - Gabinete Desª. HELOISA CARIELLO - HELOISA CARIELLO - Vogal / 002 - Gabinete Des. FABIO CLEM DE OLIVEIRA - FABIO CLEM DE OLIVEIRA - Vogal VOTOS VOGAIS 029 - Gabinete Desª. HELOISA CARIELLO - HELOISA CARIELLO (Vogal) Acompanhar 002 - Gabinete Des. FABIO CLEM DE OLIVEIRA - FABIO CLEM DE OLIVEIRA (Vogal) Proferir voto escrito divergente ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº 5002180-65.2024.8.08.0000 EMBARGANTE: DANIEL ANTONIO FARIA EMBARGADO: JOSÉ ALVES OLIVEIRA RELATOR: DES. FÁBIO BRASIL NERY VOTO Trata-se de embargos de declaração opostos por DANIEL ANTONIO FARIA em face do acórdão (id. 9778261) proferido por esta 2ª Câmara Cível que, à unanimidade de votos, deu provimento ao agravo de instrumento manejado por JOSÉ ALVES OLIVEIRA. Em suas razões (id. 10137352) o embargante sustenta, em suma, que o acórdão incorre em contradição interna, porquanto considera simultaneamente a posse do embargado e do embargante em uma mesma área, em momentos incompatíveis. Defende ter sido declarado proprietário da área objeto do litígio por meio de sentença em ação de usucapião transitada em julgado em maio de 2018, com base no exercício de sua posse mansa e pacífica desde novembro de 1987. Pontua, ainda, que o exercício da referida posse foi reforçado pela ata notarial lavrada em março de 2021, atestando a continuidade da posse pelo embargante. Reforça que apesar de o acórdão reconhecer a aquisição da propriedade na ação de usucapião com base no exercício da posse mansa e pacífica, reconheceu também a posse alegada pelo embargado, que afirma ter a posse do imóvel há 21 (vinte e um) anos, estabelecendo sua residência nos últimos 08 anos, sendo referida alegação amparada em documentos unilaterais e contas de telefone em endereço diverso do objeto da lide. E mais: o decisum impugnado foi omisso quanto: i) à ata notarial apresentada, que comprova o exercício contínuo e pacífico da posse sobre o bem; ii) as imagens retiradas do Google Earth, datadas de 14/02/2023, que demonstram a presença de vegetação no imóvel, corroborando a alegação de que a área é mantida e cuidado pelo embargante. Preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, passo a analisar o mérito do recurso. De início, destaco que os presentes autos foram a mim distribuídos, ante a remoção do eminente Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy para a Terceira Câmara Cível. Os embargos de declaração constituem espécie recursal de fundamentação vinculada, de modo que a sua utilização deve estar adstrita ao disposto no art. 1.022 do Código de Processo Civil, ou seja, quando houver na decisão combatida vício de obscuridade, omissão e/ou contradição, ou ainda para correção de erros materiais. Especificamente acerca da contradição apontada pela embargante, entende o Superior Tribunal de Justiça que “a contradição que enseja o acolhimento dos declaratórios é aquela interna no julgado que contém proposições inconciliáveis entre si, e não entre a decisão embargada e fato externo ou entre a tese defendida pela parte e a adotada em outros julgados”.(EDcl no AgInt na SLS n. 3.294/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 7/2/2024, DJe de 14/2/2024). Extrai-se, então, do voto proferido pelo eminente Relator, Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy: Na instância originária, o agravado DANIEL ANTÔNIO FARIA ajuizou ação de reintegração de posse em desfavor do ora recorrente sob a alegação de que este invadiu área cuja titularidade foi reconhecida na ação de usucapião nº 0000004-60.2005.8.08.0035, que tramitou na 5ª Vara Cível de Vila Velha – Comarca da Capital. De uma análise detida dos documentos que instruem à inicial, percebe-se que embora a gleba de terra objeto da ação possessória integre o imóvel usucapido, conforme evidencia o mapa acostado neste instrumento no evento nº 8305983, os registros fotográficos juntados no evento nº 7371775 demonstram que a área contestada não se encontrava delimitada, assim como que estava tomada por vegetação, indicando que o autor não exercia posse sobre esta. (grifos meus) Os vídeos cujos links foram indicados na petição inicial (Id nº 36141577, do processo de origem) corroboram o aparente abandono da área, já que o autor somente manifestou-se como possuidor somente após o agravado suprimir a vegetação existente na área e promover a instalação de uma cerca no local. Desse modo, refluindo no entendimento adotado em sede de cognição sumária, reputo que embora o agravante tenha comprovado a aquisição da referida área por meio de sentença proferida em ação de usucapião na data de 06/05/2020 (Id nº 36141597), tal circunstância não se revela suficiente para a demonstração de sua posse sobre a gleba ocupada pelo agravante, que, repita-se, apresentava-se em aparente situação de abandono. (grifos meus) Como é cediço, a demonstração da titularidade do bem não se afigura suficiente para a obtenção da tutela possessória, conforme assentado nos julgados abaixo colacionados: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO LIMINAR C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. JUÍZO A QUO QUE INDEFERIU A CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Posse velha. Ausência de demonstração dos requisitos do art. 300, do código de processo civil. Existência de dúvida acerca da área da propriedade em discussão. Necessidade de dilação probatória. Decisão mantida. Recurso conhecido e não provido. Unanimidade. (TJAL; AI 0801021-10.2024.8.02.0000; Passo de Camaragibe; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Orlando Rocha Filho; DJAL 31/07/2024; Pág. 199) AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Ação de força nova. Arts. 561 e 562 do CPC. Liminar deferida. Reforma da decisão. Conforme interpretação conjunta dos arts. 1.210 do CC, e 560 e 561 do CPC, o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, devendo, para tanto, demonstrar: I) a sua posse; II) a turbação; III) a data da turbação; e IV) a perda da posse. Ainda, tratando-se de ação de natureza possessória, é irrelevante a propriedade detida pela parte autora para aferição da posse sobre o bem, consoante dicção dos arts. 557, parágrafo único do CPC e 1.210, § 2º, do CC. No caso, a prova produzida nos autos até o momento não ampara a tese autoral de posse anterior exercida pelo autor sobre a área de terras, visto que amparada somente na matrícula do imóvel. Existência de dúvida, também, a respeito da data em que o pretenso esbulho teria ocorrido, considerando a insuficiência de elementos concretos nesse sentido. Por outro lado, o réu/agravante assevera residir no local há cerca de onze anos, circunstância que, embora dependa de maior demonstração, fragiliza a informação de que a invasão seria recente. Recurso provido para revogar a decisão que concedeu a liminar de reintegração de posse. Agravo de instrumento provido. (TJRS; AI 5266167-17.2023.8.21.7000; Décima Nona Câmara Cível; Relª Desª Mylene Maria Michel; Julg. 24/11/2023; DJERS 30/11/2023) Portanto, no caso concreto, a controvérsia acerca do exercício da posse sobre a área objeto da ação originária indica a necessidade de dilação probatória, o que inviabiliza a concessão da tutela possessória em caráter liminar. Pelo exposto, CONHEÇO do recurso de agravo de instrumento e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a r. decisão recorrida a fim de indeferir o pedido liminar formulado na inicial. Prejudicado o agravo interno. Nesse cenário, tem-se por evidente a ausência de contradição entre a motivação delineada e a conclusão adotada pelo aresto questionado. Isso porque, apesar de reconhecer que o embargante tenha comprovado o seu exercício possessório para aquisição da propriedade por meio de sentença proferida em ação de usucapião, tal situação não significa dizer que à época do suposto esbulho atribuído ao embargado, ou seja, 12/12/2023, exercia a posse sobre o referido bem. Da análise da sentença de usucapião, datada de 30/10/2018, vislumbra-se que restou comprovada a posse mansa e pacífica do autor/embargante desde a data de 1987, por período superior a 15 (quinze) anos. Não obstante, deixou o acórdão assentado que não houve comprovação de que na data de 12/12/2023 o embargante exercia a posse sobre a parte ocupada pelo embargado, sendo necessária maior dilação probatória a respeito. Por outro lado, em que pese o recorrente alegar que o voto condutor não considerou a ata notarial lavrada em 03/2021 ou imagens retiradas do aplicativo Google Earth, é pacífico o entendimento do STJ de que “o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão” (AgRg no AREsp n. 1.551.087/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/3/2023, DJe de 30/3/2023). Ademais, a ata notarial lavrada pelo tabelião, com informações fornecidas pelo autor da ação, possui presunção de veracidade, não sendo, portanto, absoluta. Não se sustenta, pois, a alegada omissão/contradição se, da detida análise do acervo fático-probatório, os julgadores que à época compunham este órgão fracionário concluíram, fundamentadamente, pelo provimento do recurso a fim de indeferir o pedido liminar formulado na inicial. Verifica-se, portanto, que não se trata da existência de vícios, mas de inconformismo da parte com o resultado do acórdão contrário aos seus interesses, situação que não permite o acolhimento deste recurso de fundamentação vinculada. Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO. É como voto. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5002180-65.2024.8.08.0000 EMBARGANTE: DANIEL ANTÔNIO FARIA EMBARGADO: JOSÉ ALVES OLIVEIRA RELATOR: DESEMBARGADOR FÁBIO BRASIL NERY VOTO: DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA VOTO Senhor Presidente. Cuida-se de embargos de declaração opostos por Daniel Antônio Faria em face do acórdão (Id. 9778261) proferido por esta 2ª câmara cível que, à unanimidade de votos, deu provimento ao agravo de instrumento manejado por José Alves Oliveira para reformar decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Vila Velha proferida nos autos de ação de reintegração de posse nº 5000451-93.2024.8.08.0035 ajuizada por Daniel Antônio Faria contra José Alves Oliveira, e indeferir o pedido de tutela de urgência deferido em primeiro grau. Sustenta em suas razões (Id. 10137352) (1) que o acórdão incorre em contradição interna, porquanto considera simultaneamente a posse do embargado e do embargante em uma mesma área, em momentos incompatíveis; (2) defende ter sido declarado proprietário da área objeto do litígio por meio de sentença em ação de usucapião proferida em 2018, com base no exercício de sua posse mansa e pacífica desde novembro de 1987; (3) pontua, ainda, que o exercício da referida posse foi reforçado pela ata notarial lavrada em março de 2021, atestando a continuidade da posse pelo embargante; (4) reforça que apesar de o acórdão reconhecer a aquisição da propriedade na ação de usucapião com base no exercício da posse mansa e pacífica, reconheceu também a posse alegada pelo embargado, que afirma ter a posse do imóvel há 21 (vinte e um) anos, estabelecendo sua residência nos últimos 08 (oito) anos, sendo referida alegação amparada em documentos unilaterais e contas de telefone em endereço diverso do objeto da lide; (5) aduze que a decisão impugnada foi omissa quanto (I) à ata notarial apresentada, que comprova o exercício contínuo e pacífico da posse sobre o bem; (II) as imagens retiradas do Google Earth, datadas de 14/02/2023, que demonstram a presença de vegetação no imóvel, corroborando a alegação de que a área é mantida e cuidado pelo embargante. Contrarrazões apresentadas pelo embargado (Id. 11242390) pelo desprovimento do recurso. O Eminente Relator, Desembargador Fábio Brasil Nery, negou provimento aos embargos de declaração. Pedi vista dos autos e hoje apresento meu voto para continuação do julgamento, com a seguinte fundamentação. O Embargante ajuizou ação de usucapião autuada sob o nº 0000004-60.2005.8.08.0035, que tramitou perante a 5ª Vara Cível de Vila Velha, tendo como objeto uma área de 3.323,70 m² (três mil trezentos e vinte e três metros quadrados e setenta centésimos de metro quadrado), situada na Rua Antunes Nunes Siqueira, Bairro Brisamar, Vila Velha/ES, registrado sob a matrícula 38.557, tendo sido reconhecido que possuía a posse do imóvel pelo prazo da prescrição aquisitiva de 15 (quinze) anos, conforme sentença acostada aos autos (Id. 8305982 - Fl. 79/88). Colhe-se que adquiriu a posse do imóvel de terceiro no ano de 1987, mas, como estes não possuíam toda a documentação para a transferência do registro, ajuizou a supramencionada ação de usucapião em 03/01/2005, cuja sentença de procedência do pedido foi prolatada em 30/10/2018. Posteriormente, em 2016, o embargado passou a residir no imóvel vizinho situado de frente para a Rua Beco Timbuí, lado direito com os lotes 01 e 02, fundos com partes dos lotes 03,06, 07 lado esquerdo com lotes da área “C” e parte da área B, da Quadra Z, loteamento Brisamar, Vila Velha, construindo um prédio para aluguel de apartamentos ao lado do imóvel objeto da presente ação, objeto da ação de usucapião, e em 12/12/2023 o invadiu parcialmente. Tomando conhecimento da invasão do seu imóvel no dia seguinte ao esbulho, ou seja, no dia 13/12/2023, procurou a Polícia Militar do Estado do Espírito Santo e registrou o Boletim de Ocorrência nº 53146185, narrando a invasão pelo embargado. Fez vídeos retratando a invasão e na data de 09/01/2024 ajuizou a ação de reintegração de posse contra o embargado, sendo que o MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Vila Velha, lhe concedeu a liminar de reintegração de posse. Comprovou por Ata Notarial de Verificação de Fatos do Cartório 2º Ofício de Notas de Vila Velha, Livro 372, folhas 134/150, datada de 23/03/2021, na qual a Tabeliã Gerusa Corteleti Ronconi declarou que ambos estiveram no imóvel e que a frente do imóvel estava murado, o lado esquerdo estava em parte murado e em parte cercado com cerca de arame farpado, fundo com construções e vegetação nativa e o lado direito murado com murro de blocos (Id. 8306190 - Fl. 92). Comprovou a sua posse sobre o imóvel, a data do esbulho, bem como a perda da posse, tendo, por consequência, direito à proteção possessória conforme os artigos 560 e 561 do CPC: “Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho. Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.” Todavia, o Eminente Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy, então relator do agravo de instrumento, deu provimento ao presente interposto pelo embargado, em acórdão assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – COMPROVAÇÃO DE TITULARIDADE DO BEM – INSUFICIÊNCIA – EXERCÍCIO POSSESSÓRIO NÃO DEMONSTRADO – ÁREA DESOCUPADA E NÃO DELIMITADA – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DA LIMINAR POSSESSÓRIA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. De uma análise detida dos documentos que instruem à inicial, percebe-se que embora a gleba de terra objeto da ação possessória integre o imóvel usucapido, conforme evidencia o mapa acostado neste instrumento, os registros fotográficos também juntados demonstram que a área contestada não se encontrava delimitada, assim como que estava tomada por vegetação, indicando que o autor não exercia posse sobre esta. 2. Os vídeos cujos links foram indicados na petição inicial corroboram o aparente abandono da área, já que o autor somente manifestou-se como possuidor somente após o agravado suprimir a vegetação existente na área e promover a instalação de uma cerca no local. 3. Refluindo no entendimento adotado em sede de cognição sumária, reputo que embora o agravante tenha comprovado a aquisição da referida área por meio de sentença proferida em ação de usucapião na data de 06/05/2020, tal circunstância não se revela suficiente para a demonstração de sua posse sobre a gleba ocupada pelo agravante. 4. Recurso conhecido e provido. Agravo interno prejudicado.” (TJES – Agravo de Instrumento nº 0034786-38.2019.8.08.0024, Relator Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy, Segunda Câmara Cível, publicado no dia 05/09/2024) Conforme o voto condutor do acórdão o fato do embargante comprovar que adquiriu o imóvel por sentença de usucapião não autoriza concluir que possuía a posse sobre a gleba ocupada pelo embargado. Aduziu, outrossim, que o embargante somente manifestou-se como possuidor após o embargado suprimir a vegetação existente na área e promover a instalação de uma cerca no local. A supressão da vegetação existente na gleba de terra parte do imóvel usucapido, não comprova a posse legítima do embargado. Ao contrário, comprova a denunciada invasão (esbulho), permitindo inferir que por ser vizinho do imóvel do embargante, de forma clandestina o embargado foi suprimindo a vegetação a partir do imóvel que ocupa e que é diverso do imóvel em litígio, até consumar a invasão do imóvel adquirido pelo embargante através da ação de usucapião no dia 12/12/2023 e já no dia 17/12/2023 cercar a parte da área invadida. Em apoio a tal argumentação, confira-se precedente da jurisprudência. “EMENTA: APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CERCAMENTO IRREGULAR. EDIFICAÇÃO DE CERCA QUE AVANÇOU SOBRE A PROPRIEDADE DA PARTE AUTORA. POSSE E ESBULHO DEMONSTRADOS. CONCESSÃO DA TUTELA PRETENDIDA. RECURSO DESPROVIDO. Preenchidos os requisitos previstos nos incisos do art. 561, do CPC, na medida em que a parte autora demonstrou a sua posse em relação à faixa de terras sobre a qual recai a sua pretensão reintegratória, bem como o esbulho praticado pela parte ré, atrelado à construção de uma cerca que avançou sobre a área então ocupada pela parte requerente, impõe-se a concessão da tutela possessória pretendida (art. 560, do CPC). Recurso desprovido.” (TJ-MG - AC: 10000205923444002 MG, Relator.: Amauri Pinto Ferreira, Data de Julgamento: 01/02/2023, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2023) Como forma de legitimar o esbulho praticado o embargado alega ser possuidor do imóvel há mais de 21 (vinte e um anos) e que estabeleceu sua moradia sobre o imóvel há mais de 8 (oito) anos, bem como que o embargante ajuizou a ação de usucapião e incluiu o seu imóvel no objeto da ação, mas não requereu sua citação na ação de usucapião. Ocorre que o contrato de compra e venda (Id. 7371770) celebrado pelo embargado com Pedro Raimundo Malta versa sobre um lote de aproximadamente 1.000 m² (mil metros quadrados), enquanto que o imóvel em litígio possui 3.323,70 m² (três mil trezentos e vinte e três metros e setenta centésimos de metro quadrado). Conforme as fotografias e vídeos acostados aos autos há comprovação de que a vegetação estava sendo derrubada no período entre 12/12/2023 e 17/12/2023 e que apenas nesta última data é que o imóvel foi por ele cercado, condutas típicas de esbulho possessório recente para efeito de concessão de medida liminar. Ressalte-se que o contrato de compra e venda celebrado pelo embargado com Pedro Raimundo Malta data do ano de 2002, enquanto que a sentença transitada em julgada na ação de usucapião reconheceu a posse do embargante sobre toda área desde o período de 1987, ou seja, quando o embargado celebrou o contrato de compra e venda do seu próprio imóvel o embargante já era possuidor da área total usucapida de 3.323,70 m² (três mil trezentos e vinte e três metros e setenta centésimos de metro quadrado), pois embora a ação de usucapião tenha sido ajuizada em 03/01/2005, a sentença que a reconhece tem efeito declaratório até a data 1987, data do início da posse. Desse juízo, confira-se precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO - AUSÊNCIA - REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1.238 DO CPC - PRESENÇA - SENTENÇA DE USUCAPIÃO - NATUREZA DECLARATÓRIA COM EFEITOS EX-TUNC - SENTENÇA MANTIDA. - Não verificadas as nulidades suscitadas, deve ser rejeitada a preliminar arguida - Para a aquisição da propriedade por meio de usucapião é necessária a demonstração da existência da posse mansa e pacífica, com ânimo de dono, pelo tempo previsto na lei - A sentença de usucapião tem natureza declaratória e não constitutiva e, por esse motivo, não constitui a propriedade em favor do possuidor, mas apenas declara a ocorrência da aquisição pelo decurso do tempo. Sendo assim, o imóvel objeto de usucapião é adquirido no momento em que o possuidor preenche os requisitos legais para tanto e não na data da sentença proferida na ação de usucapião - Comprovada pelo autor a posse com animus domini, deve ser mantida a sentença que concedeu o pedido de usucapião do imóvel indicado nos autos.” (TJ-MG - AC: 10720070383313002 Visconde do Rio Branco, Relator.: Maria Lúcia Cabral Caruso, Data de Julgamento: 27/07/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 16ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 28/07/2022) “REIVINDICATÓRIA – Sentença de procedência – Insurgência da ré – Alegação da necessidade de sobrestamento do julgamento deste feito até o julgamento da ação de usucapião que corre em paralelo – Acolhimento – Eventual sentença de procedência da ação de usucapião é prejudicial a este processo, visto que a sentença terá efeito ex tunc e retroagirá à data do início da posse – Causa de prejudicialidade externa evidenciada – Aplicação do art. 313, V, a, do CPC – Suspensão determinada com prazo máximo de um ano – Precedentes deste Tribunal – Sentença anulada, a fim de que o processo permaneça suspenso até o julgamento da ação de usucapião ou o decurso do prazo – RECURSO PROVIDO, com determinação.” (TJ-SP - AC: 10002328620218260348 SP 1000232-86.2021.8.26.0348, Relator.: Miguel Brandi, Data de Julgamento: 29/06/2022, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/06/2022) Afora isso, os documentos acostados aos autos pelo embargado para comprovar a sua posse são do ano de 2023 e referem-se a imóvel vizinho ao imóvel invadido. E embora tenha apresentado recibo de compra e venda do imóvel, este não consta regularizado conforme Certidão expedida pela Oficiala de Registro de Imóveis, Registros de Pessoas Naturais, Registros de Títulos e Documentos e Tabelião de Protesto de Título do Cartório do 1º Ofício da 1ª Zona do Juízo de Vila Velha da Comarca da Capital, que inclusive ressalvou a possibilidade do imóvel do embargado fazer parte de outro imóvel já registrado (Id. 73771774 - Fl. 26). Ademais, certificou que “o loteamento Brisamar NÃO CONSTA regularizado o lote medindo 1.000,00 m² (mil metros quadrados) sito Rua Beco Timbuí, pelo lado direito com os lotes 01 e 02, pelos fundos com parte dos lotes 03,06 e 07, pelo lado esquerdo com os lotes da área C e parte da área B, da Quadra Z, do loteamento BRISAMAR, tudo em conformidade com a Planta, fornecida, que fica arquivada neste Ofício.” (Id. 73771774 - Fl. 26). Acresça-se que as fotos acostadas aos autos embora demonstrem a existência de uma construção realizada pelo embargado sobre o seu imóvel não demonstra que a área objeto da ação de reintegração de posse também estivesse sobre sua posse.. Em síntese, o fato do embargado comprovar sua posse sobre a edificação construída em imóvel ao lado da área invadida, não autoriza concluir que tivesse a posse de todo o terreno objeto da ação de reintegração de posse. Tal fato corrobora a versão do embargante de que o embargado, de forma clandestina, suprimiu a vegetação e invadiu o imóvel que lhe pertence. Um dado a ser considerado, embora seja normal rever-se uma decisão judicial que concede tutela de urgência, por haver comprovado sua posse sobre o imóvel, o esbulho, a data do esbulho e a perda da posse sobre parte do imóvel que lhe pertence, motivando-o a ajuizar a ação de reintegração de posse, na qual lhe foi deferida liminar foi pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Vila Velha, razoável que a decisão que a deferiu prevalecesse até o julgamento final da ação de reintegração de posse (CPC, art. 561 do CPC). Desse juízo, confiram-se precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS DEMONSTRADOS. ALTERAÇÃO DE CERCA. INVASÃO DO TERRENO. - Compete ao proponente da ação de reintegração de posse provar, nos termos do art. 561 do CPC, sua posse sobre o imóvel, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu e a perda da posse - Demonstrado nos autos que o primeiro requerido construiu uma cerca dentro do terreno pertencente aos autores, impõe-se a reintegração destes na área esbulhada.” (TJ-MG - AC: 50062448720198130313, Relator.: Des.(a) Cláudia Maia, Data de Julgamento: 30/06/2023, 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/06/2023) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - REQUISITOS PRESENTES. Para a concessão da liminar de reintegração de posse se faz necessário demonstrar a posse anterior, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. Preenchidos os requisitos indicados no art. 561 do Código de Processo Civil, deve o juiz deferir a liminar de reintegração de posse.” (TJ-MG - AI: 10000220263966001 MG, Relator.: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 12/05/2022, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/05/2022) No mesmo sentido, transcrevo precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA NO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. ARTIGO 300 DO CPC. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE. ARTIGO 561 DO CPC. 1. Para o deferimento da tutela provisória de urgência faz-se imprescindível a presença concomitante da probabilidade do direito invocado e do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, consoante preleciona o artigo 300, do Código de Processo Civil. 2. Conforme o disposto no artigo 561, do CPC, para que o pedido liminar de reintegração de posse seja deferido, aquele que se diz esbulhado deve, obrigatoriamente, comprovar determinados requisitos, quais sejam, a posse, ocorrência do esbulho, sua data e a efetiva perda da posse. 3. Comprovados os requisitos estabelecidos nos artigos 300 e 561 do CPC, está patente o direito do autor/agravante de ter concedida a liminar pleiteada de reintegração de posse do bem móvel. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.” (TJ-GO - AI: 03042249320208090000 GOIÂNIA, Relator: Des(a). JAIRO FERREIRA JUNIOR, Data de Julgamento: 25/01/2021, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 25/01/2021) “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPROVAÇÃO DA POSSE. REQUISITOS ESSENCIAIS DEMONSTRADOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. I - Nos termos dos artigos 560 e 561 do Código de Processo Civil, o possuidor tem o direito de ser mantido ou reintegrado em sua posse no caso de turbação ou de esbulho, impondo-se a prova do fato para que se defira o pedido de manutenção ou de reintegração. II - A posse decorre de um poder de fato sobre a coisa e independe do título jurídico que a liga a seu possuidor (poder de direito), não obstando à reintegração de posse a alegação de domínio (artigo 557 parágrafo único do CPC). III - Comprovados os requisitos previstos no artigo 561 do CPC, bem como a inexistência de autotutela da posse, impõe-se a reintegração de posse do autor no imóvel descrito na petição inicial, bem como a condenação do réu à indenização dos danos materiais e morais decorrentes do esbulho por ele praticado. Recurso conhecido e desprovido.” (TJ-GO - APL: 02503612120158090152, Relator.: ORLOFF NEVES ROCHA, Data de Julgamento: 14/10/2019, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 14/10/2019). Entendimento diverso significa proteger o apontado invasor na posse e deixar sem proteção o possuidor do imóvel, que tão logo soube da invasão ajuizou a ação de reintegração de posse para a proteção do seu direito. A propósito, lembre-se que o art. 1.208 do Código Civil dispõe que: “Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.” Sobre a violência e clandestinidade ensina Francisco Eduardo Loureiro: “Violência e clandestinidade. A segunda parte do artigo em exame diz que ‘não autorizam a sua (a posse) aquisição os atos violentos, ou clandestinidade, senão depois de cessar a violência e clandestinidade’. É o que se denomina detenção autônoma ou interessada. Note-se que é autônoma, mas ilícita, ao contrário dos casos de servidão de posse, de permissão e de tolerância que são detenções dependentes, mas lícitas. O preceito gera importante cissão doutrinária. A doutrina tradicional, seguindo a lição de Clóvis Bevilaqua, afirma que tais casos versam sobre detenção, mas sim de posse injusta e inábil para usucapião. Ensina o autor, em lição que fez história, que ‘em face deste artigo, os vícios da violência e clandestinidade são temporários, quando por Direito Romano prevalecia a regra: quod ab initio vistosum et non potest tractu. Pelo CC, desde que a violência ou clandestinidade cessem, a posse começa a firmar-se utilmente, de modo, que passados anos, não seja o possuidor despojado dela simplesmente por vício originário’ (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1930, V. III, p. 24). Os demais autores, com pouca variação atestam que a violência ou clandestinidade, enquanto perduram tornam a posse injusta. Cessados os vícios, nasce a posse injusta. Cessado os vícios, nasce a posse justa; ela convalesce como nunca tivesse sido viciada. Sílvio Rodrigues vai mais longe, afirmando que, passado um ano e dia da cessação da violência e da clandestinidade, a coisa não mais pode ser retomada por ação possessória, mas por ação petitória, o que não parece exato. Sofreu a doutrina tradicional consistente crítica de Moreira Alves, para quem, com razão a parte final do art. 1.208 não alude à posse injusta ou à posse inábil para usucapião, mas, em vez disso é clara ao dispor que os atos violentos ou clandestinos, não autorizam a aquisição da posse, enquanto não cessarem os ilícitos. Trata-se de mais um obstáculo que degrada uma situação aparentemente possessória, aviltando-a em detenção. O erro dos autores tradicionais foi buscar interpretação do preceito no Código italiano e no francês, que, embora, contenham regras semelhantes à ora em estudo seguem a doutrina de savigny. Via de consequência, nos exatos termos da segunda parte da doutrina enquanto perdurarem a violência ou clandestinidade, não há posse, mas simples detenção. No momento em que cessem os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas injusta porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro modo, a posse injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados à sua causa ilícita. São vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da origem. Isso porque, como acima visto, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos, nem posse haverá mas mera detenção. Causa perplexidade o fato de os ocupantes violentes ou clandestinos, porque meros detentores não tem defesa possessória contra terem defesa possessória contra agressão de terceiros. Como porém alerta Nelson Ronselvad, essa é a única hipótese em que o detentor, por ser mero instrumento de posse de terceiro, tem a tutela possessória contra o ataque injusto de terceiros, que não a vítima, de quem obteve o poder imediato de modo vicioso (No sentido do texto, além da lição de Moreira Alves, cf. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1955, t. X, p. 351, Gonçalves, Marcus Vinícius Rios. Dos Vícios da posse. São Paulo, Oliveira Mendes, 1998, p. 31; e Nascimento. Tupinambá Miguel de Castro do. Posse e propriedade. 3 Ed., São Paulo, Saraiva, 1987, p. 79).” (In Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cesar Peluso, 14ª edição, Editora Manole, São Paulo, 2020, p. 1134) Negritei Desse juízo: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA. INVASÃO. POSSE CLANDESTINA E DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. vigendo em nosso ordenamento jurídico a regra do artigo 1208 CC, a invasão, que é necessariamente clandestina ou violenta não pode, assim, gerar posse. 2. Indicando o conjunto probatório que a posse do réu sobre o imóvel em litígio é clandestina e de má-fé, a reintegração de posse requerida pelos proprietários/autores esbulhados é medida que se impõe. 3. Os atos clandestinos, a teor do art. 1.208 do CC, não induzem posse, inviabilizando a aquisição da propriedade imóvel pela usucapião. 4. No caso aplica-se o art. 1.202 do CC, uma vez que a parte recorrente sabia que possui a área indevidamente, pois tinha plena ciência de quem era o proprietário. 5. Sentença mantida. 6. Recurso desprovido.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10127495720228110041, Relator.: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 25/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2024) Registre-se, ainda, que a posse aduzida com vistas a possibilitar a aquisição da propriedade mediante a usucapião extraordinária, requer o preenchimento dos pressupostos elencados em lei, quais sejam: (1) o bem deve ser suscetível de ser usucapido; (2) o possuidor deve exercer a posse como se dono fosse, ou seja, com animus domini; (3) a posse deve se prolongar pelo decurso do prazo de quinze anos; (4) o autor da usucapião deve possuir o bem imóvel sem interrupção e sem oposição e (5) independentemente de justo título e boa-fé. Desse juízo, confira-se precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE AD USUCAPIONEM. REQUISITOS DEMONSTRADOS. PRESENÇA DO ANIMUS DOMINI. ÔNUS DA PROVA DEMONSTRADO. ARTIGO 373, I, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Cuidam os presentes autos de recurso de apelação cível visando a reforma da sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 19ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza que julgou improcedente a Ação de Usucapião Extraordinária por não vislumbrar a implementação dos requisitos que autorizam o reconhecimento do direito almejado. 2. A controvérsia recursal consiste em saber se agiu corretamente o juízo de piso ao julgar improcedente a ação de usucapião extraordinária. 3. Feitas essas considerações, como se vê, a posse aduzida com vistas a possibilitar a aquisição da propriedade mediante a usucapião extraordinária, requer o preenchimento dos pressupostos elencados em lei, quais sejam: 1) o bem deve ser suscetível de ser usucapido; 2) o possuidor deve exercer a posse como se dono fosse, ou seja, com animus domini; 3) a posse deve se prolongar pelo decurso do prazo de quinze anos; 4) o autor da usucapião deve possuir o bem imóvel sem interrupção e sem oposição e 5) independentemente de justo título e boa-fé, o que se verifica dos autos. 4. Nesse sentido, depreende-se que a parte autora comprovou nos autos que exerce a posse pelo prazo exigido no Código Civil, assim como demonstrou fato constitutivo do seu direito, consoante disciplina o artigo 373, I, do CPC, qual seja, a comprovação do lapso temporal do efetivo exercício da posse. 5. Recurso de apelação conhecido e provido. Sentença reformada.” (TJ-CE - Apelação Cível: 0914580-77.2014.8.06.0001 Fortaleza, Relator.: CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, Data de Julgamento: 14/02/2024, Data de Publicação: 14/02/2024). Concluo, portanto, que há contradição interna, eis que o voto condutor do acórdão embargado a invasão (ato de esbulho) foi reconhecido como ato que em tese externaria a posse do embargado sobre o imóvel, quando na verdade, a a supressão da vegetação e a construção da cerca apenas comprovam o esbulho possessório praticado pelo embargado. A prevalecer o acórdão embargado, ainda que em tese, seria reconhecido que no mesmo período em que o embargante exercia a posse sobre o imóvel o embargado dele também seria possuidor, o que também constitui uma contradição interna que necessita ser esclarecida. Registre-se, ao fim, que embora o embargado sustente que reside no imóvel ha 8 (oito) anos, em verdade reside no imóvel vizinho ao pertencente ao imóvel do embargante que comprovou que em 2019 o edifício pertencente do embargado ainda estava em construção, conforme imagem do Google Maps tirada em setembro de 2019 (Id. 12640242 - Fl. 161). Por estas razões, com a mais respeitosa vênia ao Eminente Relator, dou provimento aos embargos de declaração, atribuindo-lhes efeitos modificativos, para esclarecer as contradições internas e reconhecer que houve esbulho possessório praticado pelo embargado, para, em consequência, negar provimento ao agravo de instrumento interposto, mantendo a decisão liminar proferida em favor do embargante nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada contra o embargado. É como voto. Desembargador Fabio Clem de Oliveira
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