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Dilma Santana Valenca e outros x Odontolapa Clinica Odontologica Da Lapa Sociedade Simples Ltda

ID: 313185469

Tribunal: TJBA Órgão: 2ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0373101-62.2012.8.05.0001

Data de Disponibilização: 02/07/2025

Polo Ativo:

DILMA SANTANA VALENCA THAíS PéREZ IGLESIAS

Polo Passivo:

ODONTOLAPA CLINICA ODONTOLOGICA DA LAPA SOCIEDADE SIMPLES LTDA

Sentença

Advogados:

ANA PAULA DIDIER STUDART

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JAIRA LIMA ANDRADE

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IVANILDO DE JESUS DOS SANTOS JUNIOR

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª Vara de Relações de Consumo - Salvador 1º Cartório Integrado das Varas de Relações de Consumo de Salvador Rua do Tingui, s/n, Campo da Pólvora, Fórum Prof. O… TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª Vara de Relações de Consumo - Salvador 1º Cartório Integrado das Varas de Relações de Consumo de Salvador Rua do Tingui, s/n, Campo da Pólvora, Fórum Prof. Orlando Gomes, 1º Andar, Nazaré, Salvador - Bahia. CEP 40.040-380. salvador2vrconsumo@tjba.jus.br / 1cartoriointegrado@tjba.jus.br Processo n. 0373101-62.2012.8.05.0001 INTERESSADO: DILMA SANTANA VALENCA INTERESSADO: ODONTOLAPA CLINICA ODONTOLOGICA DA LAPA SOCIEDADE SIMPLES LTDA AÇÃO INDENIZATÓRIA EM DECORRÊNCIA DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CDC. ALEGADA NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA ODONTOLÓGICA. LAUDO PERICIAL. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. DILMA SANTANA VALENÇA, devidamente qualificada na peça vestibular, por meio de advogado regularmente constituído, ajuizou a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face de ODONTOLAPA CLINICA ODONTOLOGICA SA LTDA , também qualificados na exordial, pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir, aduzidos em estreita síntese: Narra a autora que, em Maio de 2010, teria se dirigido à Clínica/ré com o objetivo de realizar reparações na arcada dentária. Após à avaliação pelo Dr. Otávio Guedes, CRO 7474, especialista em ortodontia, a suplicante teria sido informada de que necessitaria utilizar aparelho ortodôntico. Afirma que, no momento em que fora fazer a transação junto à Srª. Jane, administradora da Clinica, teria sido advertida que no caso de desistência do tratamento teria de pagar o valor de um salário mínimo, no qual a requerente não exitou e no mesmo dia deu início ao tratamento, efetuando o pagamento de R$100,00 (cem reais), colocando o aparelho ortodôntico na parte superior. Relata que, depois de um ano e quatro meses de tratamento, e em face de tantas reclamações por conta da falta de instalação de aparelho na parte inferior, foi emitido pelo Dr. Breno Guedes, CRO 6815, laudo para extração do dente canino. Discorre que teria procurado um técnico em prótese dental para fazer a referida extração, e teria sido por ele informada que o dente em questão não poderia ser extraído, por se tratar de dente canino, o responsável por perfurar e rasgar os alimentos, mesmo assim foi realizado a extração solicitada com base no laudo de solicitação. Aduz que insatisfeita com o tratamento dentário da demandada, um vez que a requerente não identificava resultado com o tratamento, procurou outra Clínica, a fim de dar continuidade ao tratamento ortodôntico, ficando à autora revoltada ao fazer uma nova avaliação e sendo informada pelo novo dentista que não houve melhoras no quadro Clínico dentário da autora e que a mesma teria que proceder com um implante dentário do dente que havia sido extraído de forma indevida. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que a parte ré arcasse com o plano dentário da mesma, sendo orçamento, no valor de de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), que por sua vez foi indeferida por este juízo em id 318367099. Requereu, ainda, a concessão do benefício da justiça gratuita; a inversão do ônus da prova; a condenação das rés ao pagamento de indenização dos danos materiais e morais no valor de R$ 29.000,00 (vinte e nove mil reais) e o deferimento da produção de provas por todos os meios em direito admitidos. Com a inicial, a autora carreou prova documental (fls. 43 a 44). Devidamente citados, o réu apresentou contestação em id. 318367408. No mérito assevera ausência de responsabilidade da ré, uma vez que os profissionais em questão seguiram os procedimento de forma coesa, bem como a parte autora consentiu a utilização de técnicas, tendo obedecido os critérios profissionais inerentes ao tratamento. Destaca que por questões de ordem biológica da resposta celular da paciente, a força mecânica exercida pelo aparelho ortodôntico é milimétrica e gradual para que o organismo se adaptasse á nova posição da raiz á nova posição da raiz dos dentes e permaneça ali disposto. Relata que a autora possuía ausência de alguns dentes, além da perda óssea generalizada de grau leve, levando ao acometimento de enfermidade DOLICOCEFÁLICO - CLASSE I ESQUELETAL, CLASSE II DETÁRIO, afirma que diante do quadro foi proposto o tratamento de corrigir as falhas e preparar a paciente para procedimento de prótese. Relata ainda que o tratamento da paciente era de 36 (trinta e seis) meses, alega que a autora se queixou do tratamento antes mesmo de findar, afirma que a demandante assinou o contrato de prestação de serviços odontológicos, destaca ainda da que a autora ficou com uma via do referido documento. Discorre que sem a retirada de um dos dentes da arcada inferior, não se faria uma perfeita oclusão, assim sendo, os dentes aptos a serem extraídos seria o de número de 34, que por sua vez estava saudável e o de número 33, que estava comprometido, por isso a escolha da extração do dente de número supracitado. Salienta a partir disso, que a indicação de prótese que trata o contrato de serviços diz respeito aos dentes ausentes da autora. Alega que a autora está buscando meio fraudulento para obter implante de um dente da qual a mesma já apresentou ausência. Destaca que todos os esforços e meios técnicos compatíveis foram utilizados no tratamento a que se submeteu a Autora, com toda a atenção necessária. Ademais, a parte ré destaca a inexistência de danos morais, uma vez que o dente extraído 33, tinha indicação médica para ter sido extraído e era necessário para fazer o ajuste da arcada dentária inferior que possuía mais dentes que a arcada superior. Juntou documentos em fls. 88 a 104. A parte autora manifestou-se sobre a contestação em id 318367808, reitera a má prestação de serviços da ré, e dano causado a autora decorrentes do procedimento, destaca que as justificativas apresentadas pela parte ré não fora repassada para a Autora. Informa mais uma vez, a desnecessidade da extração do dente canino, influi que houve culpa da parte ré, na modalidade de imprudência. A parte ré juntou documentos referentes a artigos científicos, com o fim de demonstrar que o procedimento adotados pela acionada é o recomendado e utilizado na ortodontia. (id 318368311) A parte ré e a parte autora apresentaram quesitos, respectivamente em id 318368344 e id 318368351. Foi apresentado laudo pericial em id 405090038/ id 405090045. De inicio, destacou a perita que foi feito uma entrevista com a autora, na qual a mesma influiu que a motivação para o presente processo foi a indicação da extração do dente 33, que foi sinalizada por outra dentista no decorrer do seu tratamento na clínica reclamada. Ademais, relatou também insatisfação na demora em instalar o aparelho inferior. O exame clinico analisou as condições ósseas da autora, destacando que há perda óssea leve generalizada nos arcos maxilar e mandibular e condições mais acentuadas de perda óssea limitadas às áreas edêntulas da pericianda. A perita destaca que "a indicação exodôntica do dente 33 foi questionada inicialmente por um Técnico em Prótese Dental e é importante ressaltar que, devido à complexidade do caso, apenas um Ortodontista poderia fazer planejamento ou julgamento do tratamento". Relata ainda que nos exames iniciais da paciente fica claro que deveriam ser realizadas extrações no arco inferior. Influi que a extração do dente 33 é classificada como uma extração atípica e foi motivada pelo comprometimento estético e funcional decorrente de acentuada recessão gengival no início do tratamento. Em conclusão o lado pericial apontou que l) No momento do ato pericial a Requerente tinha o espaço da unidade 33 (canino inferior esquerdo), motivo da atual reclamação, fechado por tratamento ortodôntico. II) Não há prejuízo oclusal, estético ou funcional oriundo da substituição do dente 34 (primeiro prémolar inferior esquerdo) pelo dente 33 (canino inferior esquerdo). Outrossim, os quesitos foram devidamente respondidos. A parte manifestou-se acerca do laudo pericial, alegando nulidade da perícia em razão da parcialidade da perita. (id 438208678) Ademais, a parte autora também se manifestou destacando os quesitos respondidos na perícia. (id 439744599) É o relatório, tudo examinado, passo a decidir: MÉRITO: O primado a orientar a tarefa do aplicador da lei, como não poderia deixar de ser, atrela-se ao fato do direito consistir em um sistema complexo, um conjunto unitário, que é o ordenamento jurídico, não uma mera justaposição de normas excludentes e que possam ser consideradas isoladamente, ao revés as fontes do direito estão em diálogo para que se possa alcançar o resultado justo para o caso concreto. Preambularmente, impende gizar que os fatos descortinados nos autos e as questões apresentadas estão submetidas aos regramentos da legislação consumerista. No caso em apreço, a parte autora requer o implante dentário perante a parte ré, bem como o pagamento de indenização dos danos materiais e morais no valor de R$ 29.000,00 (vinte e nove mil reais). Ocorre que a análise dos autos e dos documentos colacionados demonstra inexistente prova de que os profissionais em questão tenham agido com imprudência, negligência ou imperícia. Nesse mesmo sentido, a autora não trouxe provas concretas para convencer este juízo de que houve falha na prestação de serviços. Laudo realizado por técnico em prótese dental. A partir do laudo apresentado pela autor, este deixa em evidência que o laudo em questão fora realizado por técnico em prótese dental, além de não trazer outros laudos/opiniões de profissionais especializados no caso em questão, a exemplo do profissional de ortodontia. Além disso, foi posto em evidência no laudo pericial que apenas um Ortodontista poderia fazer planejamento ou julgamento do tratamento. Da irregularidade da extração do dente 33. A partir do laudo pericial apresentado, foi demonstrado que a extração do dente 33 é atípico, mas necessário no caso em questão, devido as condições fisiológicas da autora, sendo o tratamento respaldado pela literatura, e não tendo, portanto, incorrido erro pela parte ré. Inexistente a falha na prestação dos serviços Conseguindo a parte ré desconstituir os fatos narrados na inicial (art. 333, II, do CPC), no sentido de que houve a extração do dente de forma correta, bem como a duração normal do tratamento, que, inexistente a falha na prestação dos serviços que pudesse ensejar a indenização por dano moral. Diante da ausência de negligência, imprudência ou imperícia, não há que se falar em reparação civil. É importante destacar que segundo o entendimento pericial não havia impedimento para a remoção do canino da autora, uma vez que a condição gengival do dente estava muito desfavorável, com comprometimento estético e funcional da paciente. Isto posto, entendo que o tratamento foi feito de forma correta, estando de acordo com a ciência e seguindo os moldes da literatura. Tendo sido comprovado a partir dos documentos carreados pela parte ré, bem como o laudo pericial favorável, que foi capaz de sanar as incertezas aqui apresentadas, trazendo imagens e prova documental coesa com o que foi alegado pela parte ré em sede de contestação. É sabido que no direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob duas faces: a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Pela última, desde que exista um dano, deve ser ressarcido, independentemente da ideia de culpa. Uma e outra consagram, em última análise, a responsabilidade sem culpa, a responsabilidade objetiva. No caso em questão, entendo que não houve dano por parte da ré, uma vez que não foram apresentados quaisquer irregularidades, no que tange ao oferecimento do serviço, bem como a forma de realização do tratamento, não podendo acarretar em qualquer responsabilidade pelos mesmo. APLICAÇÃO CDC. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3°: O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Ademais, a jurisprudência nacional possui o mesmo entendimento em razão da temática, senão vejamos: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO CARACTERIZAÇÃO - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - EXTRAÇÃO DE DENTE "DE LEITE" DE CRIANÇA - INTERVENÇÃO NECESSÁRIA - RELATIVIZAÇÃO DA NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO CONFIGURADA - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não há que se falar em nulidade da sentença, ante o julgamento antecipado da lide, pois inocorre cerceamento de defesa quando as provas coligidas aos autos são suficientes para formar a convicção do Juízo acerca da matéria posta sub judice. 2. Na hipótese, não se visualiza falha na prestação dos serviços prestados pela profissional que realizou o procedimento de extração do dente da paciente, tampouco a ocorrência de dano, desencadeada por ação/omissão voluntária, nexo de causalidade ou qualquer elemento que leve à pretendida indenização, uma vez que, como dito, as provas colacionadas aos autos demonstram que intervenção foi necessária, visando o melhor interesse da criança. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1008940-35.2017.8.11.0041, Relator: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 21/10/2020, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2020) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TRATAMENTO ODONTOLÓGICO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL - SUBJETIVA - CONTUDA ILÍCITA - INEXISTÊNCIA - ERRO CLÍNICO - AUSÊNCIA DE PROVAS - RESPONSABILIDADE CIVIL DA OPERADORA DE PLANO ODONTOLÓGICO - CONDUTA ILÍCITA DO PROFISSIONAL CREDENCIADO - NECESSIDADE. Por inteligência da norma insculpida no art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, é subjetiva a responsabilidade do dentista, profissional liberal, por falhas na prestação de seus serviços. A operadora de plano odontológico responde solidariamente pelos danos causados por profissionais credenciados, desde que provada a atuação culposa ou dolosa do dentista. Inexistente prova de que o cirurgião-dentista tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia, ao realizar procedimento de extração de dentes, descabe a pretensão indenizatória. (TJ-MG - AC: 10000205840242001 MG, Relator: Octávio de Almeida Neves, Data de Julgamento: 17/02/2022, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/02/2022) Portanto, compreendo que não houve defeito na presatação do serviço, por isso, nesse quesito dou razão a parte ré. Da ilegitimidade do laudo pericia A parte autora contestou a legitimidade do laudo pericial em questão, relatando que houve irregularidade na sua forma, pedindo ainda, a sua anulação. Nesse contexto, a parte autora não traz provas concretas de que houve parcialidade ou que o laudo em questão não foi realizado de forma coesa. Logo, para este juízo o laudo pericial é completo e sem omissões, havendo mero inconformismo da parte quanto ao resultado desfavorável da prova produzida. Dos danos materiais e morais A visto disso, diante de tudo que foi dito, haja vista que foi comprovado que não houve erro odontológico, é afastada a existência de danos morais e materiais. RESPONSABILIDADE CIVIL Erro odontológico Efeitos negativos do tratamento Problemas clínicos e estéticos Ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos Sentença de parcial procedência Condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais Apelação da ré Intempestividade afastada Preliminar rejeitada Tratamento odontológico não concluído e existência anterior de desvio de linha mediana Equívoco não evidenciado Dever de indenizar não configurado Apelação provida (TJ-SP - AC: 00310215320078260000 SP 0031021-53.2007.8.26.0000, Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan, Data de Julgamento: 16/02/2012, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/02/2012) Diante do exposto, além do mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, com supedâneo nos dispositivos legais supramencionados, condenando, ainda, o requerente nos ônus sucumbenciais - custas judiciais e honorários advocatícios, estes arbitrados R$ 1.000.00 (um mil reais), o que se faz com fulcro no art. 85, do CPC. Extingue-se o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transcorrido o prazo recursal ou com a renúncia deste, transitada em julgado a sentença e não havendo requerimento de cumprimento de sentença, arquivem-se os autos, dando-se baixa no sistema. Cumpra-se. SALVADOR, 30 de junho de 2025 Roberto José Lima Costa Juiz de Direito

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Processo nº 1001898-76.2025.8.26.0318

ID: 275845145

Tribunal: TJSP Órgão: Foro de Leme - 3ª Vara Cível Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1001898-76.2025.8.26.0318

Data de Disponibilização: 22/05/2025

Polo Ativo:

APARECIDA ELENIR FIORAMONTE TURATTI

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

NATALIE BARBOSA DO NASCIMENTO

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

ADV: Natalie Barbosa do Nascimento (OAB 258981/RJ) Processo 1001898-76.2025.8.26.0318 - Procedimento Comum Cível - Reqte: Aparecida Elenir Fioramonte Turatti - Vistos. Defiro os benefícios da justiça… ADV: Natalie Barbosa do Nascimento (OAB 258981/RJ) Processo 1001898-76.2025.8.26.0318 - Procedimento Comum Cível - Reqte: Aparecida Elenir Fioramonte Turatti - Vistos. Defiro os benefícios da justiça gratuita à parte autora, ante a declaração que acompanha a inicial. Anote-se. Existem elementos suficientes para a concessão da tutela antecipada de urgência. Da análise dos autos, constatou-se que a beneficiária idosa, foi diagnosticada com demência frontotemporal (doença de Pick) em 2017, apresentando atualmente quadro de sintomas psiquiátricos graves (ansiedade, agitação psicomotora, ansiedade, medo importante, ideações suicidas), além de declínio cognitivo, sem resposta terapêutica positiva às terapias previamente ofertadas, além de apresentar diversos efeitos colaterais graves devido ao uso de polifarmácia neurológica (fls. 36), sendo-lhe, então, recomendado o uso sistêmico contínuo do extrato de Cannabis em uso do laboratório Medkaya rico em CBD full spectrum 6.000mg /30ml por frasco (200mg/mL), associado ao extrato de Cannabis equilibrado THC+CBD 300+300mg/30mL por frasco do mesmo laboratório, com o intuito de minimizar os impactos da doença que o acomete. Conforme consta do relatório médico (fls. 36/37), a beneficiária iniciou tratamento com extrato de Cannabis de espectro completo rico em CBD em abril de 2022, apresentando resposta muito positiva ao tratamento, com melhora significativa do quadro comportamental, de humor e até cognitivo, sem efeitos colaterais significativos e, além disso, permitindo a redução e retirada de medicamentos controlados que estavam trazendo diversos efeitos colaterais prejudiciais para o quadro. É inegável, portanto, a imprescindibilidade do tratamento da doença nos moldes do que fora prescrito, visto que a apelada não apresentou resposta terapêutica positiva às terapias previamente ofertadas, além dos diversos efeitos colaterais graves gerados pelo uso de polifarmácia neurológica, sendo, portanto, o tratamento fundamental na busca da qualidade de vida ou, ao menos, para minimizar os impactos da doença que a acomete. Desta forma, considerando o quadro fático e as particularidades do caso, imperioso reconhecer que a exclusão de cobertura ao tratamento medicamentoso constitui cláusula abusiva, ainda mais por se tratar de doença que possui cobertura pelo plano de saúde, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem excessiva e atenta contra a própria natureza do contrato. Depreende-se dos autos que a autora é beneficiária de plano de saúde operado pela ré e esta negou cobertura ao tratamento, conforme pgs. 38/41. Trata-se de relação jurídica que envolve a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, conforme dispõe a Súmula 469 do C. Superior Tribunal de Justiça: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde". Assim, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas em favor da parte hipossuficiente, qual seja, a beneficiária, visando estabelecer o equilíbrio do contrato. É necessário se estabelecer a irrelevância de que o plano de saúde da parte autora tenha sido contratado eventualmente antes da vigência da Lei nº 9.656/98 e a ela não tenha sido adaptado. Os contratos envolvendo planos de saúde são de trato sucessivo, renovando-se automaticamente, sujeitando-se suas cláusulas e condições às modificações posteriores introduzidas por novas leis. Apropriada, nesta quadra, a abalizada lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES no sentido de que "Os contratos de planos e seguro-saúde são contratos cativos de longa duração a envolver por muitos anos um fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, assegurar para o consumidor o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a saúde deste, de sua família, dependentes ou beneficiários. Neste tipo contratual é normal que, com o passar dos anos, modifique-se a lei especial aplicável ou edite-se lei especial ao lado da lei geral já existente. É o que ocorre no caso em estudo, com o Código de Defesa do Consumidor como lei geral ratione materiae e a Lei 9.656/98, como lei especial ratione materiae. Face a reiterada jurisprudência brasileira, indiscutível, pois, hoje, que aos contratos de seguro e planos de saúde assinados antes da entrada em vigor da nova lei (e suas modificações) aplica-se somente o Código de Defesa do Consumidor e a legislação anterior especial aos seguros. A aplicação retroativa a estes contratos da nova Lei 9.656/98 somente poderá se dar por força do próprio Código de Defesa do Consumidor em um verdadeiro diálogo de fontes, como especificou Erik Jayme". De todo modo, a questão está pacificada pela Súmula nº 100 do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: "O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais". Ademais, vejamos o que dizem as Súmulas 96 e 102 do mesmo TJ/SP: "Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento." "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou por não está previsto no rol de procedimentos da ANS." Outrossim, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que sob determinadas condições pode o plano definir quais doenças serão cobertas, porém não a forma de diagnóstico ou tratamento, prevalecendo a prescrição médica. Considerando que houve expressa indicação médica para o exame, não poderia a ré negar a cobertura, nos moldes pleiteados pelo médico que assiste o beneficiário. Confiram-se os seguintes precedentes da Colenda Corte Superior citada acima: "O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico. O fato do procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, tendo em vista que se trata de rol meramente exemplificativo. (AgInt no AREsp 1345913/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 25/02/2019, DJE 27/02/2019)" (negritos meus) "O fato de o procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo, não se admitindo restrição imposta no contrato de plano de saúde quanto à obtenção de tratamento necessário à completa recuperação da saúde do beneficiário. (AgInt no AgInt no AREsp 1134753/CE, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES, Quarta Turma, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018)" (negritos meus) "O fato de o procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo. (AgInt no AREsp 1036187/PE, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)" (negritos meus) Outrossim, cabe destacar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por intermédio de sua Diretoria Colegiada, fez publicar a Resolução nº 660, de 30 de março de 2022, definindo os critérios e procedimentos necessários para a importação do produto derivado da Cannabis, por pessoa física, para uso próprio e mediante prescrição de profissional legalmente autorizado. A autorização da ANVISA é medida que, embora não substitua o devido registro do fármaco em questão, revela controle estatal severo, evitando-se, deste modo, o consumo indiscriminado e potencialmente lesivo impedindo, inclusive, o enquadramento da conduta nas hipóteses do art. 10, inciso IV, da Lei 6.437/1977 e dos artigos 12 a 66 da Lei 6.360/1976. Neste ponto, relacionando-se ao caso em questão, importante mencionar que houve autorização excepcional (autorização de importação nº 036687.8028561/2025, validade até 10.04.2027) para a importação do produto derivada da Cannabis (Medkaya USA CBD) emitida pela ANVISA, devidamente colacionada aos autos pela autora (fls. 42/43). Assim, a despeito do C. Superior Tribunal de Justiça ter estabelecido no Tema 990, deve ser aplicado ao caso o instituto do distinguishing, visto que o caso concreto não se encarta nos parâmetros de incidência do precedente vinculante, tendo em vista que, apesar de não ter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o remédio teve sua importação excepcional autorizada pela agência. Neste sentido: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE A OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE CUSTEAR MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO NA ANVISA. TEMA 990. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) ENTRE A HIPÓTESE CONCRETA DOS AUTOS COM A QUESTÃO DECIDIDA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Ação cominatória ajuizada em 17/12/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/02/2020 e atribuído ao gabinete em 25/02/2021. Julgamento: CPC/15. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a operadora de plano de saúde está obrigada a custear medicamento importado para tratamento da doença que acomete a beneficiária, o qual, apesar de não registrado pela ANVISA, possui autorização para importação em caráter excepcional. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/2015. 5. Segundo o entendimento consolidado pela 2ª Seção no julgamento do REsp 1.712.163/SP e do REsp 1.726.563/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos, "as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA" (Tema 990 - julgado em 01/09/2020, DJe de 09/09/2020). 6. A autorização da ANVISA para a importação excepcional do medicamento para uso hospitalar ou sob prescrição médica, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da Agência Reguladora quanto à sua segurança e eficácia, além de excluir a tipicidade das condutas previstas no art. 10, IV, da Lei 6.437/77, bem como nos arts. 12 c/c 66 da Lei 6.360/76. 7. Necessária a realização da distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no precedente vinculante e a hipótese concreta dos autos, na qual o medicamento (Thiotepa/Tepadina) prescrito à beneficiária do plano de saúde, embora se trate de fármaco importado ainda não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional, sendo, pois, de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde. 8. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1923107 SP 2021/0052340-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/08/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/08/2021)" (negritos meus) É importante estabelecer ainda que, embora a Lei nº 9.656/98, no art. 10, VI, desobrigue os planos de saúde de fornecer medicamento para tratamento domiciliar, a situação deve ser entendida de forma excepcional, considerando-se a existência de rigorosa regulamentação em relação ao fornecimento do fármaco, diferenciando-o, inclusive, dos medicamentos que não se enquadram como antineoplásicos exceção legal à regra supracitada. Neste sentido, o entendimento perfilhado pelo E. TJSP: PLANO DE SAÚDE AUTORA PORTADORA DE FIBROMIALGIA REFRATÁRIA E OUTRAS COMORBIDADES ASSOCIADAS - RECOMENDADO MEDICAMENTO À BASE DE "CANABIDIOL" - MOLÉSTIA COBERTA PELO CONTRATO - TRATAMENTO RECOMENDADO POR MÉDICO ABUSIVIDADE DA RECUSA INTELIGÊNCIA DO INCISO IV DO ART. 51 DO CDC. PECULIARIDADE DE UM PROCEDIMENTO NÃO CONSTAR DO ROL DA ANS NÃO ISENTA A SEGURADORA DO DEVER DE CUSTEÁ-LO - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 102 DO TJSP APROVAÇÃO DO "CANABIDIOL" PELA ANVISA (RDC 335 e 372, DE 2020) AUTORIZAÇÃO DE USO QUE EQUIVALE A REGISTRO MEDICAMENTO A SER MINISTRADO COM SUPERVISÃO DE PROFISSIONAL DE SAÚDE INAPLICABILIDADE DO TEMA 990 DO STJ FIRMADO EM SEDE DE RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS - ALTERAÇÃO DOS ARTS. 10, §§ 12 E 13 DA LEI Nº 9.656/98, COM REDAÇÃO DA LEI Nº 14.454/2022 - NÃO APONTADA A EXISTÊNCIA DE OUTRO TRATAMENTO EFICAZ, EFETIVO E SEGURO LISTADO NO ROL DE PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS DA ANS (RECURSOS ESPECIAIS 1.886.929/SP E 1.889.704/SP) SENTENÇA MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1000816-09.2022.8.26.0223; Relator (a): Theodureto Camargo; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2024; Data de Registro: 30/04/2024)" (negritos meus) PLANO DE SAÚDE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Parcial procedência decretada Inconformismo da operadora Não acolhimento Custeio do medicamento à base de canabidiol à autora (Promediol 200 mg/ml) Admissibilidade Mudança de entendimento jurisprudencial, no sentido de que derivados do canabidiol já possuem autorização especial, produção e venda no Brasil pela ANVISA, o que significa que estão devidamente regulamentados pela agência de saúde (ainda que inexistente registro formal) Circunstância que, conforme recentes posicionamentos, inclusive desta Câmara, autoriza a cobertura de medicamentos desta natureza, especialmente para controle de sintomas relacionados a esclerose múltipla, como o caso dos autos Inaplicabilidade do Tema 990 ao caso concreto Alegada ausência de previsão junto ao rol da ANS que também não afasta a cobertura que é devida Taxatividade do Rol que não é absoluta, admitindo exceções quando comprovada a necessidade do tratamento, aqui incontroversa, diante da própria autorização da ANVISA (além da clareza do relatório médico que instrui a petição inicial, acerca da situação de urgência e insucesso do tratamento com medicação convencional) Prevalecimento dos princípios da função social do contrato e boa-fé contratual Sentença mantida Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1038719-08.2022.8.26.0602; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/04/2024; Data de Registro: 15/04/2024)" (negritos meus) Por outro lado, poderá haver risco de dano irreparável ou de difícil reparação, já que sem o fornecimento deste tratamento, o próprio autor, que ainda é um frágil bebê de quatro meses de vida, poderá ter agravado seu problema de saúde, se tiver de aguardar o normal trâmite do processo. No confronto entre os bens jurídicos envolvidos, sem dúvida que o direito à saúde e à vida digna do cidadão, obrigação estatal imposta pela Constituição Federal (artigos 1º inciso III e 196), deve prevalecer sobre interesses patrimoniais. E de acordo com o art. 7º, II, da Lei nº 8.080/90, o SUS (Sistema Único de Saúde) garante a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva para atender cada caso em todos os níveis de complexidade. Assim, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da saúde e da vida do paciente, deverá ele ser fornecido. Saliente-se que não há perigo de irreversibilidade fática do provimento antecipatório, não incidindo a vedação do artigo 300, § 3º, do CPC de 2015. Já se decidiu em hipótese semelhante: "Apelação - Plano de saúde - Obrigação de fazer - Fornecimento de medicamento a base de canabidiol (Volcanic Full 6.000mg CBD) - Segurada diagnosticada com transtorno misto de depressão e ansiedade (CID 10F 41.2) e insônia (G 47.7), síndrome do pânico (CID 10 F41.0) e fibromialgia (CID 10 M 79.7), com fortes dores em todas as partes do corpo, além da fadiga crônica física e mental (F48.0), agravadas pelo desenvolvimento de doenças autoimunes como a Síndrome Desjogrem (CID M35.0) - Procedência do pedido - Apelo da ré - Exclusão de cobertura, sob o fundamento de não previsão contratual ou do rol da ANS, ou para uso domiciliar, que não se sustenta - Escolha do tratamento médico mais adequado à paciente que compete ao profissional que assiste a segurada - Aplicação da Súmula 102 desta Corte - Medicamento imprescindível ao tratamento somado ao fato de que a autora obteve autorização da ANVISA, conforme suas RN nº 335/2020 e 327/2019, para importar o medicamento - Rol taxativo da ANS que admite exceções - Ausência de demonstração de que medicamentos incorporados ao rol apresentam eficácia similar para a patologia - Lei n.º 14.454/22, recém editada, que corrobora a cobertura pela operadora do plano - Falta de registro na ANVISA que não serve de justificativa apta a embasar o pedido da ré - Ausência de previsão contratual sobre coparticipação nos custos de medicamentos - Confirmação da sentença - Majoração dos honorários do patrono da autora (art. 85, §11 do CPC) - Não provimento.(TJSP; Apelação Cível 1017000-94.2023.8.26.0032; Relator (a):Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba -4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/08/2024; Data de Registro: 05/08/2024)" (negritos meus) Assim, com base nos artigos 300 e 536 do Código de Processo Civil, e 51, inciso IV do CDC (Código de Defesa do Consumidor), DEFIRO a tutela antecipada de urgência, para que a requerida proceda à liberação e fornecimento à autora em endereço desta Comarca de Leme os medicamentos "extrato de cannabis espectro completo MEDKAYA rico em CBD 6000mg 30mL (200mg/mL) - 40 gts/mL, total de 36 embalagens; e "gummie de cannabis full spectrum MEDKAYA equilibrada CBD+THC -10+10 mg por gummie (30 gummies por frasco)", total de 24 embalagens (conforme laudo de pgs. 34/37), no prazo de dez (10) dias contados da intimação desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 em favor da parte autora, limitada ao teto de R$ 50.000,00 para não se tornar abusiva e fonte de enriquecimento ilícito. Comunique-se à requerida por qualquer meio. A parte autora, pelo que descreve na inicial, ao menos por enquanto está expressando desejo de não estar interessada na audiência de conciliação ou mediação, conforme lhe faculta o inciso VII do artigo 319 do Novo CPC. Assim, deixo de designar tal audiência, ou de enviar os autos ao CEJUSC para tal fim, pois seria absoluto contrassenso e atentaria contra a duração razoável do processo ocupar pauta do Juízo ou do CEJUSC para realização de audiência quando já se sabe de antemão que a parte autora não tem interesse na auto composição. Cite(m)-se, ficando o(s) réu(s) advertido(s) do prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a defesa, cujo termo inicial será contado na forma do artigo 231 do Novo CPC, de acordo com a forma em que for operada a citação, sob pena de serem presumidos como verdadeiros os fatos articulados na inicial, nos termos do artigo 344 do Novo Código de Processo Civil.Servirá a presente decisão, por cópia assinada digitalmente, como carta precatória e mandado classificado como URGENTE, para fins de citação e intimação. Int.

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Hapvida Assistência Médica S/A x Aparecida Elenir Fioramonte Turatti e outros

ID: 308989421

Tribunal: TJSP Órgão: Processamento 4º Grupo - 8ª Câmara Direito Privado - Pátio do Colégio, 73 - 4º andar Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 2183543-98.2025.8.26.0000

Data de Disponibilização: 27/06/2025

Polo Ativo:

HAPVIDA ASSISTêNCIA MéDICA S/A

Polo Passivo:

APARECIDA ELENIR FIORAMONTE TURATTI TIAGO ROBERTO TURATTI

Despacho

Advogados:

NATALIE BARBOSA DO NASCIMENTO

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

NATALIE BARBOSA DO NASCIMENTO

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

ANDRE MENESCAL GUEDES

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

DESPACHO Nº 2183543-98.2025.8.26.0000 - Processo Digital. Petições para juntada devem ser apresentadas exclusivamente por meio eletrônico, nos termos do artigo 7º da Res. 551/2011 - Agravo de Inst… DESPACHO Nº 2183543-98.2025.8.26.0000 - Processo Digital. Petições para juntada devem ser apresentadas exclusivamente por meio eletrônico, nos termos do artigo 7º da Res. 551/2011 - Agravo de Instrumento - Leme - Agravante: Hapvida Assistência Médica S/A - Agravado: Aparecida Elenir Fioramonte Turatti (Por curador) - Agravado: Tiago Roberto Turatti (Curador(a)) - DESPACHO Agravo de Instrumento Processo nº 2183543-98.2025.8.26.0000 Relator(a): CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado Agravante: Hapvida Assistência Médica S/A Agravada: Aparecida Elenir Fioramonte Turatti Comarca: Leme Vistos. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Hapvida Assistência Médica S/A contra a r. decisão de fls. 49/59 que, nos autos de ação de obrigação de fazer que lhe foi ajuizada por Aparecida Elenir Fioramonte Turatti, deferiu a antecipação de tutela, nos seguintes termos: Vistos. Defiro os benefícios da justiça gratuita à parte autora, ante a declaração que acompanha a inicial. Anote-se. Existem elementos suficientes para a concessão da tutela antecipada de urgência. Da análise dos autos, constatou-se que a beneficiária idosa, foi diagnosticada com demência frontotemporal (doença de Pick) em 2017, apresentando atualmente quadro de sintomas psiquiátricos graves (ansiedade, agitação psicomotora, ansiedade, medo importante, ideações suicidas), além de declínio cognitivo, sem resposta terapêutica positiva às terapias previamente ofertadas, além de apresentar diversos efeitos colaterais graves devido ao uso de polifarmácia neurológica (fls. 36), sendo-lhe, então, recomendado o uso sistêmico contínuo do extrato de Cannabis em uso do laboratório Medkaya rico em CBD full spectrum 6.000mg /30ml por frasco (200mg/mL), associado ao extrato de Cannabis equilibrado THC+CBD 300+300mg/30mL por frasco do mesmo laboratório, com o intuito de minimizar os impactos da doença que o acomete. Conforme consta do relatório médico (fls. 36/37), a beneficiária iniciou tratamento com extrato de Cannabis de espectro completo rico em CBD em abril de 2022, apresentando resposta muito positiva ao tratamento, com melhora significativa do quadro comportamental, de humor e até cognitivo, sem efeitos colaterais significativos e, além disso, permitindo a redução e retirada de medicamentos controlados que estavam trazendo diversos efeitos colaterais prejudiciais para o quadro. É inegável, portanto, a imprescindibilidade do tratamento da doença nos moldes do que fora prescrito, visto que a apelada não apresentou resposta terapêutica positiva às terapias previamente ofertadas, além dos diversos efeitos colaterais graves gerados pelo uso de polifarmácia neurológica, sendo, portanto, o tratamento fundamental na busca da qualidade de vida ou, ao menos, para minimizar os impactos da doença que a acomete. Desta forma, considerando o quadro fático e as particularidades do caso, imperioso reconhecer que a exclusão de cobertura ao tratamento medicamentoso constitui cláusula abusiva, ainda mais por se tratar de doença que possui cobertura pelo plano de saúde, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem excessiva e atenta contra a própria natureza do contrato. Depreende-se dos autos que a autora é beneficiária de plano de saúde operado pela ré e esta negou cobertura ao tratamento, conforme pgs. 38/41. Trata-se de relação jurídica que envolve a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, conforme dispõe a Súmula 469 do C. Superior Tribunal de Justiça: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde". Assim, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas em favor da parte hipossuficiente, qual seja, a beneficiária, visando estabelecer o equilíbrio do contrato. É necessário se estabelecer a irrelevância de que o plano de saúde da parte autora tenha sido contratado eventualmente antes da vigência da Lei nº 9.656/98 e a ela não tenha sido adaptado. Os contratos envolvendo planos de saúde são de trato sucessivo, renovando-se automaticamente, sujeitando-se suas cláusulas e condições às modificações posteriores introduzidas por novas leis. Apropriada, nesta quadra, a abalizada lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES no sentido de que "Os contratos de planos e seguro-saúde são contratos cativos de longa duração a envolver por muitos anos um fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, assegurar para o consumidor o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a saúde deste, de sua família, dependentes ou beneficiários. Neste tipo contratual é normal que, com o passar dos anos, modifique-se a lei especial aplicável ou edite-se lei especial ao lado da lei geral já existente. É o que ocorre no caso em estudo, com o Código de Defesa do Consumidor como lei geral ratione materiae e a Lei 9.656/98, como lei especial ratione materiae. Face a reiterada jurisprudência brasileira, indiscutível, pois, hoje, que aos contratos de seguro e planos de saúde assinados antes da entrada em vigor da nova lei (e suas modificações) aplica-se somente o Código de Defesa do Consumidor e a legislação anterior especial aos seguros. A aplicação retroativa a estes contratos da nova Lei 9.656/98 somente poderá se dar por força do próprio Código de Defesa do Consumidor em um verdadeiro diálogo de fontes, como especificou Erik Jayme". De todo modo, a questão está pacificada pela Súmula nº 100 do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: "O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais". Ademais, vejamos o que dizem as Súmulas 96 e 102 do mesmo TJ/SP: "Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento." "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou por não está previsto no rol de procedimentos da ANS." Outrossim, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que sob determinadas condições pode o plano definir quais doenças serão cobertas, porém não a forma de diagnóstico ou tratamento, prevalecendo a prescrição médica. Considerando que houve expressa indicação médica para o exame, não poderia a ré negar a cobertura, nos moldes pleiteados pelo médico que assiste o beneficiário. Confiram-se os seguintes precedentes da Colenda Corte Superior citada acima: "O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico. O fato do procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, tendo em vista que se trata de rol meramente exemplificativo. (AgInt no AREsp 1345913/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 25/02/2019, DJE 27/02/2019)" (negritos meus) "O fato de o procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo, não se admitindo restrição imposta no contrato de plano de saúde quanto à obtenção de tratamento necessário à completa recuperação da saúde do beneficiário. (AgInt no AgInt no AREsp 1134753/CE, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES, Quarta Turma, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018)" (negritos meus) "O fato de o procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo. (AgInt no AREsp 1036187/PE, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)" (negritos meus) Outrossim, cabe destacar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por intermédio de sua Diretoria Colegiada, fez publicar a Resolução nº 660, de 30 de março de 2022, definindo os critérios e procedimentos necessários para a importação do produto derivado da Cannabis, por pessoa física, para uso próprio e mediante prescrição de profissional legalmente autorizado. A autorização da ANVISA é medida que, embora não substitua o devido registro do fármaco em questão, revela controle estatal severo, evitando-se, deste modo, o consumo indiscriminado e potencialmente lesivo impedindo, inclusive, o enquadramento da conduta nas hipóteses do art. 10, inciso IV, da Lei 6.437/1977 e dos artigos 12 a 66 da Lei 6.360/1976. Neste ponto, relacionando-se ao caso em questão, importante mencionar que houve autorização excepcional (autorização de importação nº 036687.8028561/2025, validade até 10.04.2027) para a importação do produto derivada da Cannabis (Medkaya USA CBD) emitida pela ANVISA, devidamente colacionada aos autos pela autora (fls. 42/43). Assim, a despeito do C. Superior Tribunal de Justiça ter estabelecido no Tema 990, deve ser aplicado ao caso o instituto do distinguishing, visto que o caso concreto não se encarta nos parâmetros de incidência do precedente vinculante, tendo em vista que, apesar de não ter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o remédio teve sua importação excepcional autorizada pela agência. Neste sentido: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE A OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE CUSTEAR MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO NA ANVISA. TEMA 990. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) ENTRE A HIPÓTESE CONCRETA DOS AUTOS COM A QUESTÃO DECIDIDA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Ação cominatória ajuizada em 17/12/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/02/2020 e atribuído ao gabinete em 25/02/2021. Julgamento: CPC/15. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a operadora de plano de saúde está obrigada a custear medicamento importado para tratamento da doença que acomete a beneficiária, o qual, apesar de não registrado pela ANVISA, possui autorização para importação em caráter excepcional. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/2015. 5. Segundo o entendimento consolidado pela 2ª Seção no julgamento do REsp 1.712.163/SP e do REsp 1.726.563/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos, "as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA" (Tema 990 - julgado em 01/09/2020, DJe de 09/09/2020). 6. A autorização da ANVISA para a importação excepcional do medicamento para uso hospitalar ou sob prescrição médica, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da Agência Reguladora quanto à sua segurança e eficácia, além de excluir a tipicidade das condutas previstas no art. 10, IV, da Lei 6.437/77, bem como nos arts. 12 c/c 66 da Lei 6.360/76. 7. Necessária a realização da distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no precedente vinculante e a hipótese concreta dos autos, na qual o medicamento (Thiotepa/Tepadina) prescrito à beneficiária do plano de saúde, embora se trate de fármaco importado ainda não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional, sendo, pois, de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde. 8. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1923107 SP 2021/0052340-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/08/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/08/2021)" (negritos meus) É importante estabelecer ainda que, embora a Lei nº 9.656/98, no art. 10, VI, desobrigue os planos de saúde de fornecer medicamento para tratamento domiciliar, a situação deve ser entendida de forma excepcional, considerando-se a existência de rigorosa regulamentação em relação ao fornecimento do fármaco, diferenciando-o, inclusive, dos medicamentos que não se enquadram como antineoplásicos exceção legal à regra supracitada. Neste sentido, o entendimento perfilhado pelo E. TJSP: PLANO DE SAÚDE AUTORA PORTADORA DE FIBROMIALGIA REFRATÁRIA E OUTRAS COMORBIDADES ASSOCIADAS - RECOMENDADO MEDICAMENTO À BASE DE "CANABIDIOL" - MOLÉSTIA COBERTA PELO CONTRATO - TRATAMENTO RECOMENDADO POR MÉDICO ABUSIVIDADE DA RECUSA INTELIGÊNCIA DO INCISO IV DO ART. 51 DO CDC. PECULIARIDADE DE UM PROCEDIMENTO NÃO CONSTAR DO ROL DA ANS NÃO ISENTA A SEGURADORA DO DEVER DE CUSTEÁ-LO - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 102 DO TJSP APROVAÇÃO DO "CANABIDIOL" PELA ANVISA (RDC 335 e 372, DE 2020) AUTORIZAÇÃO DE USO QUE EQUIVALE A REGISTRO MEDICAMENTO A SER MINISTRADO COM SUPERVISÃO DE PROFISSIONAL DE SAÚDE INAPLICABILIDADE DO TEMA 990 DO STJ FIRMADO EM SEDE DE RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS - ALTERAÇÃO DOS ARTS. 10, §§ 12 E 13 DA LEI Nº 9.656/98, COM REDAÇÃO DA LEI Nº 14.454/2022 - NÃO APONTADA A EXISTÊNCIA DE OUTRO TRATAMENTO EFICAZ, EFETIVO E SEGURO LISTADO NO ROL DE PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS DA ANS (RECURSOS ESPECIAIS 1.886.929/SP E 1.889.704/SP) SENTENÇA MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1000816-09.2022.8.26.0223; Relator (a): Theodureto Camargo; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2024; Data de Registro: 30/04/2024)" (negritos meus) PLANO DE SAÚDE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Parcial procedência decretada Inconformismo da operadora Não acolhimento Custeio do medicamento à base de canabidiol à autora (Promediol 200 mg/ml) Admissibilidade Mudança de entendimento jurisprudencial, no sentido de que derivados do canabidiol já possuem autorização especial, produção e venda no Brasil pela ANVISA, o que significa que estão devidamente regulamentados pela agência de saúde (ainda que inexistente registro formal) Circunstância que, conforme recentes posicionamentos, inclusive desta Câmara, autoriza a cobertura de medicamentos desta natureza, especialmente para controle de sintomas relacionados a esclerose múltipla, como o caso dos autos Inaplicabilidade do Tema 990 ao caso concreto Alegada ausência de previsão junto ao rol da ANS que também não afasta a cobertura que é devida Taxatividade do Rol que não é absoluta, admitindo exceções quando comprovada a necessidade do tratamento, aqui incontroversa, diante da própria autorização da ANVISA (além da clareza do relatório médico que instrui a petição inicial, acerca da situação de urgência e insucesso do tratamento com medicação convencional) Prevalecimento dos princípios da função social do contrato e boa-fé contratual Sentença mantida Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1038719-08.2022.8.26.0602; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/04/2024; Data de Registro: 15/04/2024)" (negritos meus) Por outro lado, poderá haver risco de dano irreparável ou de difícil reparação, já que sem o fornecimento deste tratamento, o próprio autor, que ainda é um frágil bebê de quatro meses de vida, poderá ter agravado seu problema de saúde, se tiver de aguardar o normal trâmite do processo. No confronto entre os bens jurídicos envolvidos, sem dúvida que o direito à saúde e à vida digna do cidadão, obrigação estatal imposta pela Constituição Federal (artigos 1º inciso III e 196), deve prevalecer sobre interesses patrimoniais. E de acordo com o art. 7º, II, da Lei nº 8.080/90, o SUS (Sistema Único de Saúde) garante a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva para atender cada caso em todos os níveis de complexidade. Assim, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da saúde e da vida do paciente, deverá ele ser fornecido. Saliente-se que não há perigo de irreversibilidade fática do provimento antecipatório, não incidindo a vedação do artigo 300, § 3º, do CPC de 2015. Já se decidiu em hipótese semelhante: "Apelação - Plano de saúde - Obrigação de fazer - Fornecimento de medicamento a base de canabidiol (Volcanic Full 6.000mg CBD) - Segurada diagnosticada com transtorno misto de depressão e ansiedade (CID 10F 41.2) e insônia (G 47.7), síndrome do pânico (CID 10 F41.0) e fibromialgia (CID 10 M 79.7), com fortes dores em todas as partes do corpo, além da fadiga crônica física e mental (F48.0), agravadas pelo desenvolvimento de doenças autoimunes como a Síndrome Desjogrem (CID M35.0) - Procedência do pedido - Apelo da ré - Exclusão de cobertura, sob o fundamento de não previsão contratual ou do rol da ANS, ou para uso domiciliar, que não se sustenta - Escolha do tratamento médico mais adequado à paciente que compete ao profissional que assiste a segurada - Aplicação da Súmula 102 desta Corte - Medicamento imprescindível ao tratamento somado ao fato de que a autora obteve autorização da ANVISA, conforme suas RN nº 335/2020 e 327/2019, para importar o medicamento - Rol taxativo da ANS que admite exceções - Ausência de demonstração de que medicamentos incorporados ao rol apresentam eficácia similar para a patologia - Lei n.º 14.454/22, recém editada, que corrobora a cobertura pela operadora do plano - Falta de registro na ANVISA que não serve de justificativa apta a embasar o pedido da ré - Ausência de previsão contratual sobre coparticipação nos custos de medicamentos - Confirmação da sentença - Majoração dos honorários do patrono da autora (art. 85, §11 do CPC) - Não provimento.(TJSP; Apelação Cível 1017000-94.2023.8.26.0032; Relator (a):Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba -4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/08/2024; Data de Registro: 05/08/2024)" (negritos meus) Assim, com base nos artigos 300 e 536 do Código de Processo Civil, e 51, inciso IV do CDC (Código de Defesa do Consumidor), DEFIRO a tutela antecipada de urgência, para que a requerida proceda à liberação e fornecimento à autora em endereço desta Comarca de Leme os medicamentos "extrato de cannabis espectro completo MEDKAYA rico em CBD 6000mg 30mL (200mg/mL) - 40 gts/mL, total de 36 embalagens; e "gummie de cannabis full spectrum MEDKAYA equilibrada CBD+THC -10+10 mg por gummie (30 gummies por frasco)", total de 24 embalagens (conforme laudo de pgs. 34/37), no prazo de dez (10) dias contados da intimação desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 em favor da parte autora, limitada ao teto de R$ 50.000,00 para não se tornar abusiva e fonte de enriquecimento ilícito. Comunique-se à requerida por qualquer meio. (...) Sustenta a recorrente o equívoco da r. decisão agravada. Defende a ausência dos requisitos necessários à concessão da tutela, argumentando que o medicamento é de uso domiciliar, não registrado na Anvisa e não incorporado ao Rol de Procedimentos da ANS, cuja eficácia clínica não foi comprovada por evidência científica robusta. Prossegue discorrendo acerca do artigo 10, inciso VI da Lei 9.656/98, ressaltando que os fármacos requisitados são de fornecimento expressamente excluídos, na medida em que não possuem natureza quimioterápica, sendo, ainda, de uso extra-hospitalar. 2. Verifica-se a presença dos requisitos constantes do artigo 995, § único do CPC, a autorizar a suspensão da decisão agravada, sendo mesmo controversa a obrigatoriedade de cobertura, pela operadora de saúde, de medicamentos que não aqueles incluídos no artigo 12, inciso I, alínea c e inciso II, alínea g, ambos da Lei 9.656/98. Lado outro, também controversa a presença do perigo da demora, na medida em que a prescrição do medicamento remonta a janeiro de 2025 e o ajuizamento da ação somente ocorreu após 04 meses, em maio. Defiro, portanto, a atribuição do efeito suspensivo pleiteado. 3. Reputo desnecessária a vinda de informações. 4. Intime-se a parte contrária para apresentação de contraminuta. 5. Após, conclusos. São Paulo, 23 de junho de 2025. CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER Relatora - Magistrado(a) Clara Maria Araújo Xavier - Advs: Andre Menescal Guedes (OAB: 324495/SP) - Natalie Barbosa do Nascimento (OAB: 258981/RJ) - 4º andar

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Processo nº 1004996-80.2021.8.11.0042

ID: 261512589

Tribunal: TJMT Órgão: 13ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS Nº Processo: 1004996-80.2021.8.11.0042

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

KAIK RENNER SOUZA DA SILVA RONALDO SILVA DO ESPIRITO SANTO

Sentença

Advogados:

BARTOLOMEU GARCIA DUARTE FILHO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 13ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ SENTENÇA Ação Penal n. 1004996-80.2021.8.11.0042 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Réus: KAIK RENNER SOUZA DA SILVA… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 13ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ SENTENÇA Ação Penal n. 1004996-80.2021.8.11.0042 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Réus: KAIK RENNER SOUZA DA SILVA RONALDO SILVA DO ESPIRITO SANTO Vistos, etc. Trata-se de Ação Penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em desfavor de KAIK RENNER SOUZA DA SILVA, brasileiro, feirante, nascido em 19/08/1996, natural de Cuiabá/MT, portador do RG 27473392 SSP/MT e inscrito CPF nº 036.734.811-00, filho de Marcos Roberto da Silva e Cristiane Bispo de Souza, residente na Rua Três, nº 292, Quadra 27, Bairro Osmar Cabral, ou Rua Das Mangueiras, n° 4, bairro Jardim Liberdade Cuiabá/MT, Telefones: (65)99237-3135 e (65) 98171-9887; e RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO, brasileiro, servente, nascido em 23/01/1998, natural de Cuiabá/MT, portador do RG 25866508, filho de José Ronaldo do Espírito Santo e Wanda da Silva Ferreira, residente na Rua Um, nº 47, Quadra 02, Bairro Osmar Cabral ou Rua Rubens Pinto, s/n, bloco: E 208, bairro Vista Alegre, ambos em Cuiabá/MT, Telefones: (65) 99213-1342 e (65) 99301-7076, ambos como incursos pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, “caput”, da Lei n. 11.343/06. Diz a peça acusatória, em síntese, que: “Conforme Inquérito Policial, no dia 06 de fevereiro de 2021, por volta das 14h30min, na Rua “NI”, em zona rural no Condomínio Campestre Manuá, atrás do Condomínio Belvedere, nesta cidade, o denunciado Ronaldo Silva do Espírito Santo trazia consigo, para outros fins que não o consumo pessoal, 10 (dez) porções de cocaína, com massa total de 9,23g (nove gramas e vinte e três centigramas), vendidas pelo denunciado Kaik Renner Souza Silva, que também tinha em depósito, para outros fins que não o consumo pessoal, 02 (duas) porções de cocaína, com massa total de 1,86 g (um grama e oitenta e seis centigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (laudo definitivo 3.14.2021.72996-01)”. “Na referida data, policiais militares receberam denúncia anônima de que um indivíduo havia atravessado o rio e entrado no Condomínio Campestre Manuá. Deslocando-se até o endereço, os agentes abordaram o denunciado Ronaldo e encontraram em sua posse 10 (dez) porções de cocaína. Indagado a respeito do entorpecente, Ronaldo afirmou que havia comprado de Kaik, no Bairro Osmar Cabral, dessa forma a guarnição acionou as equipes do referido bairro para prestarem apoio.” “Já na residência de Kaik, os agentes encontraram Keandl sentado em uma cadeira de fio em frente a casa, e realizaram abordagem e busca pessoal, sendo encontrado sob sua posse a quantia de R$ 645,00 (seiscentos e quarenta e cinco reais). O denunciado Keandl informou que Kaik estava no interior da residência, e, após autorização, a guarnição policial adentrou na casa e procedeu a busca domiciliar, sendo encontrados na estante da sala, em um recipiente plástico, 01 (um) rolo de plástico filme, 01 (uma porção de maconha), 02 (duas) porções de cocaína e um pedaço de embalagem com resquícios de entorpecentes. No interior da casa estavam Kaik e sua esposa Juliane.” “Em seu interrogatório, a indiciada Juliane negou o tráfico de drogas, informou que seu esposo Kaik é usuário, e estavam na casa da avó de Kaik no momento da abordagem. Alegou que Keandl havia chegado na residência com um “brau” para que ele e o denunciado Kaik fumassem, e que o entorpecente encontrado era a maconha que Keandl levou. Disse que conhecia Ronaldo de vista no bairro.” “Em seu interrogatório, o denunciado Ronaldo afirmou ser usuário de drogas há mais de um ano, e que havia comprado 10 (dez) porções de cocaína na casa de Kaik para consumo pessoal, mas nega o tráfico de drogas.” “Por sua vez, em seu interrogatório, o denunciado Kaik relatou que tinha acabado de chegar na casa da avó para buscar Juliane e seus filhos, quando Keandl, seu primo, chegou com maconha para que ambos usassem. Disse que a equipe policial abordou Keandl e encontrou dinheiro entorpecente, sendo que o dinheiro era proveniente no trabalho do primo na Transportadora Transete. Alegou que os policiais queriam mais drogas e revistaram a casa. Nega conhecer Ronaldo ou ter vendido drogas para ele.” “Foi expedida a Ordem de Serviço nº 83/2021 para apurar o envolvimento dos denunciados com o tráfico de drogas, assim, conforme o Relatório de Investigação nº 274/2021, sendo constatado que Juliane, Kaik e Keandl são usuários de drogas, sendo que Juliane e Kaik se mudaram do endereço no Bairro Osmar Cabral após o acontecido.” “Como relatado pelos investigadores, os vizinhos e moradores da região tiveram receio de falar sobre Kaik, diante do envolvimento dele com o tráfico de entorpecentes e com a facção criminosa Comando Vermelho. Sobre o indiciado Keandl, os moradores disseram que o mesmo é usuário de drogas e recebeu um “salve” do Comando Vermelho após a prisão, por ter falado demais.” “Confrontando as alegações iniciais dos denunciados, percebe-se que a residência do Bairro Osmar Cabral onde foram encontrados os entorpecentes era, de fato, do denunciado Kaik, sendo que durante o interrogatório policial, Ronaldo manteve a afirmação de que os entorpecentes foram adquiridos naquele local. Do depoimento dos agentes também não restou comprovado que os filhos dos denunciados estavam na residência no momento.” “As diligências realizadas após a prisão em flagrante também apontam que os denunciados, além de usuários de drogas, realizam a comercialização de entorpecentes.” “Conforme folhas de antecedentes criminais juntadas, o denunciado Kaik é reincidente específico, pois possui condenação por tráfico de drogas (processo executivo nº 15439-20.2015.811.0042).” “Da análise dos elementos presentes no Inquérito Policial, há materialidade do crime de tráfico de drogas, considerando que as substâncias apreendidas constam na Portaria SVS/MS 344/1998, e indícios suficientes de autoria, pois os entorpecentes estavam em posse dos denunciados e também no interior de suas residências.” “Noutro giro, as circunstâncias observadas desvirtuam o propósito de consumo pessoal, diante da natureza danosa dos entorpecentes apreendidos, da quantidade de porções, aliados a quantia de dinheiro encontrada e petrechos utilizados para embalo, apreendidos na oportunidade do flagrante (...)”. A denúncia (Id. 55778191) veio instruída do inquérito policial n. 209.4.2021.4558 (Id. 52525712). Os denunciados foram presos em flagrante delito no dia 06/02/2021 (Id. 52525713) e autuados no APF n. 1002120-55.2021.8.11.0042 (Id. 52621684, fls. 42/46 e 52/56), no qual foram beneficiados com a liberdade provisória, mediante aplicação de cautelares diversas, inclusive monitoração eletrônica por período de até seis meses. O laudo definitivo da droga veio encartado no Id. 52526294. Por via de patrono constituído nos autos, o acusado KAIK, apresentou defesa prévia no Id. 89263200, onde requereu a desclassificação para o delito de uso, previsto no art. 28 da Lei de Drogas, e arrolou uma testemunha exclusiva. Assistido pela Defensoria Pública, o acusado RONALDO, apresentou defesa prévia no Id. 117511374, postergando a análise do mérito para a fase de memoriais e arrolando, ao final, as testemunhas em comum com a acusação. A denúncia foi recebida em 07/03/2024 (Id. 88054175), com designação de audiência de instrução e julgamento para o dia 01/08/2024, às 14h, a ser realizada por videoconferência. Em audiência realizada no dia 01/08/2024 (Id. 164498464), procedeu-se com interrogatório dos acusados KAIK e RONALDO e a inquirição de três testemunhas arroladas em comum pelo Ministério Público e pela defesa do réu RONALDO. Com relação às testemunhas ausentes, inclusive a testemunha arrolada exclusivamente pela defesa do réu KAIK, houve concordância das partes pela desistência, o que foi homologado. Por fim, não havendo outras provas a serem produzidas, foi encerrada instrução processual. O d. representante do Ministério Público apresentou seus memoriais finais no Id. 166300341, requerendo a procedência da denúncia, com a condenação de ambos denunciados pelo crime tipificado no artigo 33, “caput” da Lei de Drogas. Requereu, ainda, o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4° da Lei de Drogas, em relação ao acusado KAIK, por ser ele reincidente específico. A defesa do acusado KAIK apresentou os memoriais finais no Id. 167279187, onde requereu a absolvição do acusado, ante a ausência de provas para indicar a traficância, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. No mérito, requereu a desclassificação da conduta para o ilícito tipificado no art. 28 da Lei de Drogas, com a concessão dos benefícios da justiça gratuita. A Defensoria Pública, por sua vez, apresentou os memoriais finais do denunciado RONALDO no Id. 169069920, requerendo a desclassificação para o delito de uso, previsto no art. 28 da Lei de Drogas. Já na hipótese de condenação, requereu a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. As folhas de antecedentes criminais dos denunciados foram juntadas no Id. 88068705, Id. 88068716; Id. 169486419 e Id. 169500092. Em seguida, vieram-me os autos conclusos para sentença em 18/09/2024. Eis a síntese do necessário relatório. FUNDAMENTO. DECIDO. DAS PRELIMINARES E QUESTÕES PREJUDICIAIS Não há preliminares ou questões prejudiciais a serem decididas, passo à análise do mérito da causa. DO MÉRITO Pretende-se, nestes autos, atribuir a KAIK RENNER SOUZA DA SILVA a prática do delito capitulado no artigo 33, “caput” da Lei n. 11.343/2006, por estar no dia 06/02/2021, vendendo e mantendo em depósito e RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO trazendo consigo substância entorpecente, com fito mercantil, tudo sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. Em análise aos procedimentos realizados durante a persecução criminal, nada há que se possa ter comprometido o bom andamento processual, ou mesmo, que porventura tenha gerado alguma nulidade passível de observância ex officio. A materialidade do crime tipificado na Lei de Tóxicos (art. 33, “caput”) encontra-se comprovada inicialmente pelo auto de exibição e apreensão (Id. 52525718) e, em seguida, pelo laudo toxicológico definitivo (Id. 52526294), não restando dúvidas que a substância apreendida se tratava de cocaína e maconha, a qual era ao tempo do fato e ainda são de uso, porte e comercialização proibida no Brasil, em conformidade com RDC n°. 13 de 26.03.2010, o qual regulamenta a Portaria n°. 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, sendo inclusa respectivamente na lista “F1” e “F2”/“E” de substâncias proscritas. No que concerne à autoria delitiva vejamos o que as provas colhidas na audiência instrutória subsidiam a respeito: O réu RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO, quando interrogado em juízo declarou que: “(Lida a denúncia) O senhor fazia o quê nesse condomínio no qual o senhor foi abordado, senhor Ronaldo? Estava fazendo uso de entorpecentes, senhor. Tá, mas o senhor tinha 10 porções, você estava fazendo uso de uma? De quantas? Isso daí pra mim, usar lá no Rio. Aí, chegou lá, eu passei mal, fiquei ruim, usando essa droga. Certo. E aí? Aí, fui atrás de ajuda. Alguém que pudesse me ajudar. Aí, um amigo de casa, com essa de lá, né? Aí, ele me abordou. Ele chamou a polícia pra mim. Tá. Mas essa droga, o senhor tinha comprado onde, senhor Ronaldo? Eu tinha comprado ao lado de casa, lá. Num bairro Osmar Cabral. Por que o senhor está falando isso agora, se lá na delegacia... O senhor falou que comprou de Kaik, num bairro Osmar Cabral, e indicou até endereço pros policiais? Pois é. Isso daí é a história que eu falei quando eu estava ruim, né, senhor? Tipo assim, eu estava drogado nessa hora. Tá, mas por que o senhor... Por que o senhor incriminou Kaik, então? Porque assim, não estava querendo aceitar, porque eu estava falando assim, ele não está querendo aceitar que... que eu não soubesse o paradeiro da droga. E eu não tinha nenhum dono de droga alguma. Porque eu... Porque eu não podia entregar o cara da droga. Entendeu? É. O senhor não podia entregar, mas entregou. Que história é essa? Foi... Então... Assim... Eu estava perguntando de quem que era a droga. E esse Kaik, eu não conheço... Não conhecia ele. Aí ele foi abordado... Na mesma região que eu estava sendo preso, ele foi abordado. Aí os caras falaram, é esse cara aí? É esse cara? Me pressionaram. Aí na pressão, drogado, eu fui e falei, é esse cara mesmo. Olha... Deixa eu te falar. Osmar Cabral é muito longe do Belvedere. Primeira conversa. Não vem com papo furado. Entendeu? É muito longe. Eu sei. O senhor foi abordado perto do Belvedere. O Kaik estava na casa avó dele, no Osmar Cabral. Eu quero saber, de onde você tirou essa ideia que a droga você tinha comprado do Kaik? A troco de que? O senhor conhecia Kaik de onde? Tipo, eu não conhecia ele. Mas aí, eles ficaram andando comigo, me pressionando. Entendeu? Tá bom. Perguntas Acusação: Pegaram o senhor no Belvedere e foram levar o senhor lá no outro bairro? Foi. Foi. Foi o bairro que eu morava. Lá é tudo pertinho. Mas deixa eu falar para o senhor uma coisa. Com toda humildade, com todo respeito. Naquele tempo, eu usava droga. Mas hoje em dia, eu sou um cara mudado. Eu estou aqui na clínica Centro Terapêutico Paraíso, aqui na Estrada do Manso. Estou aqui tratando minha dependência química, não tem? Tudo bem. Aqui não é permitido celular. Estou falando com o celular do monitor aqui. Tá bom. Outra coisa. Você, além de usuário, você estava vendendo também? Não, senhor. Eu não estava vendendo. É isso que eu estou tentando explicar. Não, eu sei. Eu estou entendendo. Mas eu estou te perguntando se o senhor estava vendendo um entorpecente também? Não. Eu fui... Eu fui lá para mim ficar isolado. Mas aí, chegou lá, eu não aguentei a neura, a droga. Eu estava totalmente fora de mim. Hoje em dia, eu sou um cara mudado. Perguntas Defesa: Olha, eu estou sentindo o Ronaldo bastante nervoso, né, Ronaldo? Tranquilidade, não adianta. Parece que ele está com efeito de remédio, né? Sei lá, alguma coisa. Eu acho que ele está com efeito de remédio e mostra que realmente ele está querendo mudar de vida. Ronaldo, você já teve alguma passagem? Você usa a droga desde quando? Eu tenho 27 anos, né? Eu uso desde os 20 anos, 21 anos, que eu comecei a usar a droga. Mas hoje em dia eu estou limpo, estou aqui fazendo tratamento. Me diga uma coisa, os policiais, essa droga que acharam com você, você o que queria fazer? Consumir isso aí na beira de rio? Curtir, como que é a coisa aí? Pelo jeito era isso, né? Era isso, porque eu não... Quando eu fazia esse uso de droga, eu não costumava ficar no meio de pessoas. Só eu e eu lá, entendeu? Não tinha como eu vender droga se não fosse por lá no meio do nada. Perguntas Defesa Kaik: Ronaldo, pelo que a gente fez se fez uma pesquisa, me disseram que seu irmão também é viciado e que você tinha roubado essas drogas do seu irmão? Não. Não sei, não sei do que o senhor está falando (...).” (Mídia sob Id. 164498460). O réu KAIK RENNER SOUZA DA SILVA, quando interrogado em juízo declarou que: “(Lida a denúncia) Como é que foi essa situação, Kaik? Essa casa é de sua avó? Sim, casa lá da minha avó. Quando a polícia chegou lá, quanto tempo o senhor tinha chegado? Eu tinha acabado de chegar lá, assim que eu cheguei em casa, meu primo chegou também, né? Aí demorou cinco minutos, eles chegaram lá. Essa droga que foi encontrada, essa porção de maconha e duas de cocaína é sua? Não, é só a maconha que era do meu primo, que ele trouxe para nós consumir. A maconha foi encontrada com o seu primo ou foi encontrada na casa? Foi encontrada com o meu primo. Aqui a polícia diz que entrou na casa, encontrou um recipiente plástico na sala, aliás, (inaudível) foi encontrada no estante da sala, um recipiente plástico, um rolo de papel filme e uma porção de maconha e duas de cocaína, além de um pedaço de embalagem com resquícios de droga, ou seja, foi encontrada na sala? Não, mas nem tanto que, porque eles, essa droga era do guri, né? Que nem o senhor viu aí, encontrou o guri lá no Rio, né? Então, lá de casa, até lá de casa. Foi encontrada na sala da casa onde o senhor estava, eu tô perguntando dessa, não é do guri que o senhor fala que não conhece, é do Ronaldo. Não, mas não foi encontrada nada lá em casa, não, foi encontrada... O Ronaldo, o senhor conhecia ele, não? Não. A sua esposa... Ele mora no Liberdade, ele mora no Cabral, minha esposa morava no Cabral, né? Ela deve ter conhecido ele de vista, né? Peraí, só mais um pouquinho, eu só quero ver aqui a parte da investigação. Relatório, os investigadores, os vizinhos, os moradores da região tiveram receio de falar sobre a pessoa do senhor, diante do envolvimento do senhor com tráfico e com a facção Comando Vermelho. Inclusive, o seu primo já tinha usado droga e teria sido até um salve do Comando Vermelho após prisão por ter falado demais. E essa suspeita que recai sobre o senhor aí, os vizinhos falarem que o senhor é ligado com o Comando, têm medo de falar sobre o senhor, procede isso aí também ou não? Não, senhor (...).” (Mídia sob Id. 164498459). A testemunha arrolada pela acusação, policial militar JONNY MOURA BOAVENTURA, quando depôs em juízo declarou o seguinte: “(Lida a denúncia) Em fevereiro de 2021 o senhor estava lotado em qual batalhão? Em qual região o senhor trabalhava o senhor lembra? Eu estava no terceiro, terceiro batalhão. Osmar Cabral é pelo terceiro batalhão? Não, pro lado de cá, é base moinho. O senhor participou de qual abordagem, o senhor lembra se foi do primeiro, do Ronaldo ou do outro? Na verdade, a gente foi acionado via CIOSP, que o pessoal de segurança lá do Condomínio de Chácara, tinha é abordado um menino lá, e que ele tinha atravessado o rio, aí chegamos ao local, a gente abordou ele, fez a busca pessoal e foi encontrado entorpecente. Indagado ele, ele falou que tinha comprado, ele falou, não lembro se era morador, que é lá da área do Vigésimo Quarto, que é Osmar Cabral, aí a gente pediu apoio ao adjunto do Vigésimo Quarto, aí deu apoio até a casa do rapaz lá, que ele falou que tinha comprado e feito abordagem. Jhonny, nesse, o Ronaldo que foi abordado perto do Campestre, ele falou pro senhor o nome da pessoa que ele havia comprado lá do Osmar Cabral ou não? Se eu me recordo, Kaik, é um rapaz que ele sempre comprava, ele falou. Ele estava bem alterado ele também. O senhor não foi a casa desse Kaik, então? Não, a gente foi sim com adjunto, mais as viaturas do vigésimo quarto. E o senhor chegando lá, o senhor participou da busca na residência, desse Kaik ou não? Não só a minha guarnição, como as outras guarnições também de apoio. O senhor lembra se foi encontrado entorpecente, nessa casa? Kaik estava com a mulher parece na casa? Com a mulher, com os filhos um rapaz lá na frente, se não me engano, irmão dele. E foi encontrado droga na casa do Kaik, o senhor sabe dizer? Não me recordo, mas acredito que sim. Perguntas Acusação: Esse indivíduo que vocês abordaram depois, ele foi conduzido para delegacia, também né? Foi. E vocês chegaram ao endereço dele através desse primeiro cidadão que vocês abordaram? Sim. O senhor se recorda se ele chegou a mencionar o nome da pessoa lá? Se eu não me engano, ele falou apelido, eu não vou recordar do rapaz, nome, não lembro. Perguntas Defesa Ronaldo: O senhor acabou de falar, que quando vocês chegaram lá, e pegaram o Ronaldo, ele estava bem alterado. Ele estava bem drogado, meio locão, alguma coisa assim? Estava muito alterado com vestígios no nariz (...)” (Mídia sob Id. 164498454). A testemunha arrolada pela acusação, policial militar MAICKON PEREIRA BORGES, quando depôs em juízo declarou o seguinte: “(Lida a denúncia) O senhor participou da abordagem do Ronaldo ou do Kaik na casa deles? O senhor se lembra Maickon? Olha, eu não lembro qual dos dois, assim, eu participei da abordagem no condomínio Campestre Manauá, tendo em vista que o residencial lá fazia parte da base onde eu trabalhava, né? Certo. E foi encontrado, na abordagem, foi encontrado entorpecendo com esse menino aí, com o Ronaldo? Positivo. O senhor se lembra, Maickon, aliás, você se lembra, vocês teriam ido até lá atrás desse rapaz, porque houve uma denúncia de tráfico por parte desse rapaz, é isso? Não, a princípio, de início, a gente recebeu do pessoal lá do residencial que havia um indivíduo dentro do residencial e esse rapaz estava lá portando drogas. Aí, de pronto, a guarnição deslocou até o local para averiguar. No momento da abordagem, quando o parceiro que estava com ele no dia abordamos, a gente conseguiu encontrar com ele lá uma porção, não me lembro a quantia, mas conseguimos encontrar uma porção de uma substância análoga à pasta base. O senhor chegou a ouvir do Ronaldo lá, onde ele havia comprado esse entorpecendo, ele disse de alguém ou não? Citou nomes? No momento da abordagem, acredito, meu parceiro, ele é uma graduação acima, então, pelo militarismo, ele faz as perguntas, ele que indaga, acredito, ele fez as perguntas. Enquanto eu estava fazendo minha vistoria pela parte de onde ele foi abordado para ver se encontrava mais alguma coisa, não me recordo da pergunta exata que o parceiro fez ao indagado. O senhor sabe dizer se a guarnição que o senhor estava solicitou apoio da guarnição lá do Osmar Cabral, e por que motivo? Positivo, assim que a gente fez a prisão do suspeito, o parceiro de viatura informou que tinha perguntado para ele onde ele tinha conseguido, e aí ele, o parceiro informou que a gente ia precisar deslocar até o Osmar Cabral, porque lá ele tinha informado que ele tinha comprado essa quantia de substância lá. Certo, mas o senhor sabe dizer se ele citou o nome da pessoa que ele tinha comprado no Osmar Cabral ou não? Não, como eu disse ao senhor, no momento eu estava fazendo uma varredura pelo local para ver se encontrava mais alguma coisa, não cheguei a escutar nenhum nome mencionado. E o Osmar Cabral fica longe de onde vocês abordaram o rapaz nesse condomínio campestre? Não, pela localização do condomínio, somente precisa atravessar o rio Coxipó, e não tenho certeza de uma distância exata do lugar onde ele atravessou até o bairro para informar para o senhor com exatidão. Perguntas Defesa Ronaldo: o Ronaldo estava muito drogado? Estava falando coisa com coisa? Você sentiu lá? Você é um cara experiente, pelo que a gente vê? No momento da abordagem, a princípio, parecia ele não ter utilizado nenhuma substância. Estava normal, no momento da abordagem, ele não parecia ter utilizado nenhuma droga. Desculpa pela palavra, nenhuma substância (...).” (Mídia sob Id. 164498457). A testemunha arrolada pela acusação, investigadora de polícia FLÁVIA ALESSANDRA DE FARIA POUSO, quando depôs em juízo declarou o seguinte: “(Lida a denúncia) A senhora lembra dessa ordem de serviço? Sim, nós fizemos, nós deslocamos a rua três, do bairro Osmar Cabral, onde era o endereço citado no boletim de ocorrência. E, em buscas de informações, em relação ao Kaik e parece que nesse endereço morava a Juliane, o endereço citado, não foi encontrado na época, não sei se ele estava incompleto ou teve algum erro, mas nos entrevistamos algumas pessoas, que confirmaram, que o investigado Kaik, tinha familiares com comércio, se eu não me engano uma frutaria ali no Jardim Liberdade, e aí, fomos até lá, em busca de informações. E os familiares nós informaram que ambos eram usuários e estavam passando por uma acompanhamento no CAPS, mas que nunca foram vistos, pelos familiares, como traficantes. Na época, alguém ligou pro Kaik, ele foi até lá nos encontrar, e, ele foi até o local nós encontrar, no comércio. E ele disse que não conhece o Ronaldo, e que era apenas usuário. Após essa conversa, nós fomos em busca de informações no bairro, entrevistamos moradores, sempre a gente busca entrevistar mais de três pessoas, para ter informações mais completas, para não sermos injustos. porque nossa função não é colocar fatos inverídicos no nosso relatório. Os vizinhos entrevistados, não quiseram falar nada sobre o fato, foi percebido que eles tem um certo receio, porque fala-se, que eles tem alguma relação com a facção Comando Vermelho, esse foi o resultado das entrevistas. Em relação ao Ronaldo, nós apuramos que ele, após a prisão ele foi solto, após o período do flagrante foi solto, e que ficaram sabendo, no bairro Osmar Cabral, que ele recebeu um Salve do Comando. Essa foi as informações que nós levantamos na época dos fatos. O Ronaldo recebeu um salve ou foi o primo do Kaik de nome Keandl? Na época, que a gente colocou no relatório foi o Ronaldo, que recebeu salve por ter falado demais (...)” (Mídia sob Id. 164498453). Da conduta do réu KAIK RENNER SOUZA DA SILVA Da análise dos autos, verifica-se que em seu interrogatório judicial o réu KAIK negou qualquer envolvimento com a traficância. Afirmou que havia acabado de chegar na casa de sua avó, e que a porção de maconha encontrada com seu primo Keandl, era para ambos consumirem. Com relação à cocaína, relatou que não houve o encontro de tal substância tóxica na residência. Ressaltou que não conhecia o corréu RONALDO, e que pode ser que à sua esposa o conhecia de vista. Na Delegacia de Polícia, o acusado KAIK, igualmente negou os fatos, afirmou ser usuário de drogas, explicando que: “(...) que saiu do serviço e foi direto para a casa de sua avó, buscar sua esposa Juliane e seus filhos; que logo depois chegou seu primo Keandl com uma porção de maconha para consumo, num mato próximo; que logo em seguida chegou uma viatura da polícia militar já abordando seu primo Keandl que estava na frente da casa, com a porção de maconha e dinheiro; que seu primo havia recebido dinheiro do seu trabalho; que Keandl trabalha como descarregador na transportadora transete; que os policiais queriam mais droga e fizeram revista na casa; que não conhece a pessoa de Ronaldo, e nunca o viu antes; que nega ter vendido as porções de pasta base ao Ronaldo (...)” – Depoimento de Id. 52525727. Por outro lado, o codenunciado RONALDO SILVA DO ESPIRITO SANTO ao ser interrogado na fase policial (Id. 52525724), relatou que havia adquirido as dez porções de cocaína que trazia consigo na casa do réu KAIK, pagando a quantia de R$ 100,00 (cem reais) pelas porções. No mais, relatou ter receio de sofrer represálias. Muito embora o acusado KAIK sustente sua condição de usuário, e negue o encontro de entorpecentes (cocaína) na residência, afirmando que possui apenas maconha para o exclusivo consumo, é certo que há provas concretas apontando a mercancia. Os policiais Jonny e Maickon, ouvidos em juízo, relataram com detalhes toda ocorrência, ressaltando o encontro de drogas com acusado Ronaldo, destacando que foi o próprio quem indicou o endereço do acusado Kaik, onde havia adquirido os entorpecentes, local onde também se logrou apreender mais entorpecentes do tipo cocaína, além de maconha. Insta salientar que as duas porções de cocaína encontradas na residência do acusado KAIK, eram idênticas às apreendidas na posse do corréu Ronaldo, conforme bem constou do laudo toxicológico definitivo da droga (Id. 5252629): “(...) 10 (dez) porções de material sólido, de tonalidade amarelada na forma de grânulos e pó, envoltas individualmente em fragmentos plásticos de cores brancas, fechadas por nós de linhas têxteis pretas, formando embalagens do tipo "trouxa"; e no interior de envelope plástico, fechado por grampos metálicos, contendo dentre outras as seguintes inscrições: “Susp: Ronaldo”. “(...) 02 (duas) porções de material sólido, de tonalidade amarelada na forma de grânulos e pó, envoltas individualmente em fragmentos plásticos de cores brancas, fechadas por nós de linha têxtil preta e do próprio plástico, formando embalagens do tipo "trouxa"”. Ainda, com relação a versão do acusado KAIK de que a maconha apreendida pertencia ao seu primo Keandl, referida versão não se confirma com o contexto probatório. Disso isso, pois, bem descreveram os policiais que a porção de maconha foi encontrada junto com duas porções de cocaína, em uma estante da residência. Além disso, foi encontrado resíduo de maconha na fita adesiva apreendida, o que reforça a finalidade de preparação para comercialização. Anote-se que embora o acusado KAIK insista em sua condição de usuário, é importante destacar que nenhum item relacionado ao uso pessoal foi apreendido no contexto da abordagem (a exemplo: dichavador, papel de seda, etc.), não merecendo, assim, credibilidade. Além disso, a alegação defendida pelo acusado KAIK, de que não foram encontrados entorpecentes na residência de sua avó, é completamente refutada pelos depoimentos dos policiais que participaram da ocorrência que, bem descreveram que as drogas foram localizadas na estante da residência, o que foi corroborada pelo testemunho do corréu Ronaldo, que indicou o endereço de Kaik aos policiais e afirmou ter adquirido os entorpecentes no local, diretamente com referido acusado. De mais a mais, foi expedida a ordem de serviço nº. 83/2021 para apurar possível envolvimento do acusado com o tráfico de drogas e bem constou do relatório policial de Id. 52525712, págs. 80/85, que ao entrevistarem diversos moradores da região, puderam perceber certo receio em falar do denunciado KAIK e sua esposa Juliane, já que durante as conversas, foi possível levantar que eles possuem envolvimento com uma facção criminosa, e que seria faccionados com “Comando Vermelho” do bairro Osmar Cabral, os quais praticavam a mercancia de entorpecentes na região. Acrescentou, inclusive, que o corréu Ronaldo, é usuário de entorpecentes e que após a prisão, teria levado um “salve” do Comando Vermelho, por ter falado demais no Bairro. Referido relatório investigativo foi confirmado em Juízo pela investigadora Flavia Alessandra, conforme depoimento audiovisual de Id. 164498453. Corroborando os depoimentos dos policiais militares, consta do termo de apreensão de Id. 52525718 e do laudo de constatação preliminar e toxicológico definitivo n. 3.14.2021.72996-01 (Id. 52526294), a apreensão de 12 porções de substância que apresentou resultado positivo para COCAÍNA e que juntas somadas pesou cerca 11,09g (onze gramas e zero nove centigramas) e uma porção de material vegetal seco, que testou positivo para presença de MACONHA e que somada pesou cerca de 11,10g (onze gramas e dez centigramas), além da apreensão de frasco de vidro com tampa, recipiente de plástico, rolo de plástico filme e fragmento de fita adesiva com resquícios de entorpecente. Há de se observar que a cocaína após o processo de refino pode atingir ao menos 10 (dez) vezes o seu peso, de modo que o volume de 11,09g (onze gramas e zero nove centigramas) pode se transformar em até 110,90g (cento e dez gramas e noventa centigramas) de cocaína pura, segundo conclusões científicas de pesquisas acadêmicas (ALVES, Timóteo Ribeiro. A atuação dos Pelotões Especiais de Fronteira do Comando de Fronteira Solimões/8º BIS no combate ao tráfico de drogas e armas - Disponível em: /bdex.eb.mil.br/). A propósito, valho-me do seguinte ensinamento de Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio: “Lembremo-nos de que a noção de grande ou pequena quantidade varia de substância para substância. Por exemplo, no caso da cocaína consumida por via endovenosa, uma dose equivale a 0,01 grama, enquanto por aspiração a dose corresponde a 0,1 grama; diferentemente, em um cigarro de maconha há 0,33 gramas da citada substância entorpecente.” (MORAES, Alexandre de, & SMANIO, Gianpaolo Poggio, Legislação Penal Especial, Atlas, 8ª ed., 2005, fls. 137) (negritei). Logo, a quantia total de 11,09g (onze gramas e zero nove centigramas) de COCAÍNA e 11,10g (onze gramas e dez centigramas) de MACONHA, no contexto da abordagem, em que houve delação do acusado Ronaldo de que havia comprado entorpecentes com o réu Kaik, inclusive, apontando o endereço completo aos agentes de policia, e ainda, apreensão de entorpecentes na residência do acusado com petrechos relacionados a mercancia ilícita, corroboram que o quantum apreendido diverge do sugerido pelo art. 28, §2º, da Lei n. 11.343/06, demonstrando, por si, a finalidade mercantil. Conclui-se, portanto, que a versão do réu KAIK de que é apena usuário e que a droga apreendida destinava-se ao consumo próprio exclusivo, além de divergente do contexto probatório, encontra-se isolada nos autos, não tendo sido produzida pela defesa nenhuma prova nesse sentido. Desse modo, conclui-se que os depoimentos prestados pelos policiais militares estão em perfeita harmonia e consonância com as provas dos autos, devendo, pois, ser recebidos como meio idôneo de prova, máxime quando não há indícios de que estes tenham interesse em prejudicar o réu, como ocorre in casu. Lembro que os depoimentos dos Policiais Militares não servem para descrédito pelo simples fato de serem policiais, ainda mais quando não há provas em contrário, trazendo outra verdade para os fatos. Nesse sentido é como ensina o mestre NUCCI: “(...) para a comprovação da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (e de outros tipos penais previstos nesta Lei), exigia-se, no passado, prova testemunhal considerada isenta, vale dizer, distinta dos quadros da polícia, pois esta, através dos seus agentes, seria a responsável pela prisão ou investigação, logo teria interesse em mantê-la, justificando seus atos e pretendendo a condenação do réu. Não mais vige esse pensamento, como majoritário, nos tribunais brasileiros. Preceitua o art. 202 do CPP que ‘toda pessoa poderá ser testemunha’, logo, é indiscutível que os policiais, sejam eles os autores da prisão do réu ou não, podem testemunhar, sob o compromisso de dizer a verdade e sujeitos às penas do crime de falso testemunho (...)” (Nucci, Guilherme de Souza - Leis penais e processuais penais comentadas -, 7. Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 319). E mais: “Nos chamados ‘crimes de tóxicos’, que têm início com flagrante lavrado por policiais, a palavra desta tem força probante, salvo comprovação em contrário”. (TJMT – Ac 255/79 – Relator Desembargador MILTON FIGUEIREDO FERREIRA MENDES – RT 54/408) “Enunciado n°. 08-TJMT: Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (TJMT - Turma de Câmaras Criminais Reunidas- Incidente de Uniformização de Jurisprudência n°. 101532/2015 – Classe CNJ – 433) De outro norte, não há sequer informação de que os policiais que participaram da ocorrência fossem desafetos do acusado, tivessem hostil prevenção contra ele ou quisessem indevidamente prejudicá-lo, motivo pelo qual, a eficácia probatória dos seus testemunhos não pode ser desconsiderada. Ainda, convém ressaltar que a só condição de usuário sustentada pelo réu KAIK não impede responder pelo delito de tráfico de entorpecente, porquanto nada impede que, simultaneamente, pratique o comércio de drogas, circunstâncias não incompatíveis entre si, e comum, muitas vezes utilizadas como forma de manter o próprio vício. Assim, não há como se conceber uma eventual desclassificação do delito, como pretende a Defesa em seus memoriais finais. A propósito, a simples condição de usuários do réu KAIK não exclui a de traficante, como reiteradamente tem se posicionado nossa Jurisprudência. Destaco aresto deste e. Tribunal (TJ/MT): “[...] a alegada condição de usuário de substância estupefaciente não exclui, de nenhuma forma, a caracterização do tráfico ilícito de entorpecentes, pois, como é sabido, a desclassificação para o crime descrito no art. 28 da Lei Antidrogas exige prova robusta acerca da propalada dependência química e verificação inequívoca de que o alucinógeno apreendido em poder do insurgente não se destinava ao tráfico, mas, sim, ao consumo próprio.” (Apelação Criminal nº 84764/2011 – Relator: Des. Luiz Ferreira de Souza – 28.11.2012). E mais. Enunciado n.º 3. “A condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, “caput”, da Lei n. 11.343/06” (enunciado aprovado no incidente de uniformização de jurisprudência n. 10532/2015 – TJMT). Ora, o simples argumento de que o réu é somente usuário de drogas, não autoriza, por si só, o afastamento do delito de tráfico, tampouco pode desprezar a figura tão comum de traficante/usuário. É que geralmente, a realidade tem demonstrado que, em muitos casos, é extremamente difícil identificar se a conduta típica configura hipótese de porte para consumo pessoal ou de tráfico de pequena quantidade, já que as quadrilhas do tráfico comercializam a droga em doses ou porções reduzidas e utilizam, para a execução desse sinistro, pequenos traficantes que são também consumidores, pagando, estes, o preço de seu vício com o trabalho sujo de repassar a droga a outros. Importa consignar que após os fatos narrados nos presentes autos, o acusado KAIK novamente se envolveu com o delito de tráfico de drogas e responde aos autos de n. 1012581-52.2022.8.11.0042, além de ostentar uma condenação definitiva na ação penal de n. 0003801-87.2015.811.0042, pela prática do mesmo delito de tráfico de drogas, conforme se vê em sua folha de antecedentes criminais (Id. 169486419), o que demonstra sua contumácia neste tipo de prática delituosa. Por isso, entendo que sobejam elementos para a condenação do acusado KAIK RENNER SOUZA DA SILVA pelo crime de tráfico ilícito de entorpecente, pois infringiu o núcleo do art. 33, “caput”, da Lei de Drogas, no que se refere às condutas de vender e manter em depósito drogas de uso proscrito no país, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Da conduta do réu RONALDO SILVA DO ESPIRITO SANTO: Data vênia o que entendeu o “Parquet”, segundo os depoimentos acima transcritos, as provas não se mostraram conclusivas o suficiente para embasar a condenação do denunciado RONALDO pela prática do crime de “tráfico de entorpecentes”, com base na materialidade apreendida nos autos. Denota-se que o réu RONALDO ao ser ouvido em juízo, admitiu a propriedade dos entorpecentes apreendidos consigo, contudo, alegou servir para consumo próprio, negando a traficância. Relatou que teria ido ao condomínio que estava próximo para pedir ajuda, pois estava sob efeitos de entorpecentes, oportunidade em que foi chamada a policia. Ressaltou que havia comprado à droga no bairro Osmar Cabral. Na fase policial, o acusado RONALDO apresentou a seguinte versão para os fatos: “(...) Que é usuário de cocaína e comprou as dez porções de pasta base de cocaína com na casa do Kaik, pagando por elas a importância de R$ 100,00 (cem reais); Que está com medo de sofrer represálias depois; Que comprou a droga para consumo, alegando ser usuário do entorpecente há um ano; Depoimento de Id. 52525724.” Conquanto em juízo tenha modificado sua versão dos fatos, para se retratar dessa delação quanto ao fornecedor do entorpecente, indicando que só apontou o corréu Kaik por estar sendo pressionado pelos policiais, o certo é que o mesmo confirmou a apreensão de drogas em seu poder e ratificou a versão de que serviria para seu exclusivo consumo, inclusive, que estava sob efeitos de entorpecentes no momento da abordagem policial. Em juízo o PM JONNY, relatou que se deslocaram até o endereço para apurar uma ocorrência que chegou via CIOSP, onde o pessoal de segurança de um Condomínio de Chácaras, havia abordado um indivíduo que teria atravessado o rio, e quando chegou ao local, realizada abordagem e busca pessoal no acusado RONALDO, logrou apreender 10 porções de pasta base de cocaína. Consignou que indagou o acusado Ronaldo, acerca dos entorpecentes apreendidos, o qual relatou que teria comprado do acusado Kaik, e que sempre comprava dessa pessoa. Relatou que o denunciado Ronaldo, estava bastante alterado e havia vestígios de entorpecente no nariz, como se estivesse consumindo entorpecente. Veja que a materialidade delitiva é matéria incontroversa nos autos, porquanto não bastasse a confissão do acusado neste particular, também se comprova por meio do termo de apreensão de Id. 52525718 e Laudo Pericial n. 3.14.2021.72996-01 (Id. 52526294). Por outro lado, o mesmo não se pode dizer sobre a finalidade da droga apreendida em poder do réu RONALDO. Ainda que tenha sido apreendido entorpecente de forma fracionada, cerca de 10 porções de entorpecente, as quais pesaram cerca de 9,23g, é certo que no contexto em que se deu abordagem, nada indica o tráfico de entorpecentes, e diferente disso, o próprio policial ouvido em juízo, relatou que o acusado RONALDO, apresentava sinais de alteração e vestígios de entorpecente no nariz, o que indica situação de uso de entorpecentes e não de venda. Insta acrescentar que nada foi produzido para corroborar a mercancia de entorpecentes praticada pelo acusado Ronaldo. Ao contrário, o próprio relatório investigativo encartado no Id. 52525712, págs. 80/85, concluiu que o acusado é usuário de entorpecentes e que teria levado um "Salve" da Facção Criminosa Comando Vermelho, por ter falado demais no bairro Osmar Cabral quando da abordagem referente a esses fatos. Assim, pela conjuntura probatória em que se deu abordagem, ao qual não foi visualizado pelos policiais nenhum ato de mercancia, e muito menos a denúncia informava que havia o tráfico de entorpecentes no local onde houve abordagem do acusado Ronaldo, e aliado ao próprio depoimento do acusado em fase policial, que relatou ser usuário de entorpecentes e que havia comprado entorpecentes com acusado Kaik para seu consumo, pelo valor de R$ 100,00 (cem reais), não vejo como suficiente para embasar uma condenação no tráfico de drogas. Desse modo, o conjunto probatório não revela certeza da traficância realizada pelo acusado Ronaldo, ou até mesmo que houvesse qualquer participação do acusado Ronaldo, na traficância realizada pelo corréu Kaik. E mais. A folha de antecedentes criminais do acusado Ronaldo (Id. 169500092) revela que, apesar de possuir uma condenação pelo crime de roubo e de ter sido registrado um termo circunstanciado pelo delito de uso de entorpecente em seu desfavor no ano de 2024, tal circunstância somente reforça sua condição de usuário. Desse modo, conclui-se que, de fato, houve a apreensão de entorpecente em poder do corréu RONALDO, contudo, não ressai prova segura de que referido material ilícito seria destinado a comercialização ilícita. Ainda que seja pacífico o entendimento de que a condição de usuário de drogas não afasta o crime de tráfico, o arcabouço probatório não traz segurança para a condenação do réu RONALDO. É cediço que para haver uma condenação penal é necessária prova certa e segura, não existindo lugar para condenação com base tão somente em presunções. Assim, tenho que as provas constantes dos autos são precárias e insuficientes em apontar qualquer indício de mercancia de drogas pelo acusado RONALDO. Desse modo, o que se tem contra o referido denunciado são meros indícios de traficância e quanto a isto, nosso Mestre Nelson Hungria assim adverte: “A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” (in COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL, vol. V, Ed. Forense, p. 65). Nessa esteira, traz-se a lição de Heleno Cláudio Fragoso, para quem “a condenação exige a certeza e não basta, sequer, a alta probabilidade, que é apenas um juízo de incerteza de nossa mente em torno à existência de certa realidade”. (in ‘Jurisprudência Criminal, vol. 2, Ed. Bushatsky, 3ª ed., p. 806). Destarte, não há como se sustentar uma condenação pela prática de tráfico de substâncias entorpecente, sob pena de vulnerar, a um só tempo, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e aquele oriundo do brocardo latino “in dubio pro reo”. Aliás, entendimento nesse sentido já foi adotado por nosso Egrégio Tribunal de Justiça, senão vejamos: “EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - INCONFORMISMO DEFENSIVO - PRELIMINAR - INÉPCIA DENÚNCIA - INADMISSIBILIDADE - PREENCHIDO OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP- MATÉRIA PRECLUSA - ALEGAÇÃO APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO - POSSIBILIDADE - TRAFICÂNCIA NÃO CARACTERIZADA - APLICAÇÃO DO PRINCIPÍO IN DUBIO PRO REO - APREENSÃO DE QUANTIDADE ÍNFIMA DE COCAÍNA - IMPOSIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE - RECURSO PROVIDO. Não há que falar que falar em inépcia da denúncia se a peça acusatória é especifica e descreve com clareza e objetividade o fato típico, cuja autoria é atribuída ao Acusado em conformidade com o artigo 41 do Código de Processo Penal. A oportunidade para argui-la exaure-se com a prolação da sentença condenatória, tratando-se de alegação preclusa. Existindo nos autos de que a droga encontrada, não seria para comercialização, mas sim para uso, impõe-se a desclassificação para o artigo 28 da Lei n° 11.343/06 em atenção ao princípio do in dubio pro reo. Ademais a posse de quantidade ínfima de cocaína por parte de usuário de droga não induz traficância, a teor da Lei nº 11.343/2006. Constatada a condição de usuário impõe-se a aplicação de pena alternativa consistente em prestação de serviços a comunidade, nos termos do art. 28, III, § 3º da Lei nº 11.343/2006” (Ap, 90755/2008, DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data do Julgamento 25/08/2009, Data da publicação no DJE 03/09/2009) (negritei). Assim, valorando o interrogatório prestado pelo réu RONALDO SILVA DO ESPIRITO SANTO, de sua condição de usuário de droga e que estava no local apenas para fazer o consumo, aliada a precariedade de provas do envolvimento dele com a traficância exercida pelo corréu Kaik, tenho comigo que a dúvida deve ser interpretada em seu favor, se mostrando adequada a desclassificação da conduta de tráfico para aquela tipificada no artigo 28 da Lei de Tóxico. ISTO POSTO e por tudo mais que dos autos consta, com as fundamentações necessárias, nos moldes do art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR o denunciado KAIK RENNER SOUZA DA SILVA, brasileiro, feirante, nascido em 19/08/1996, natural de Cuiabá/MT, portador do RG 27473392 SSP/MT e inscrito CPF nº 036.734.811-00, filho de Marcos Roberto da Silva e Cristiane Bispo de Souza, residente na Rua Três, nº 292, Quadra 27, Bairro Osmar Cabral, ou Rua Das Mangueiras, n° 4, bairro Jardim Liberdade Cuiabá/MT, Telefones: (65)99237-3135 e (65) 98171-9887, nas sanções do art. 33, “caput”, da Lei n.º 11.343/06, bem como, DESCLASSIFICAR para o art. 28 da Lei n. 11.343/06 o delito de tráfico de drogas imputado ao réu RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO, brasileiro, servente, nascido em 23/01/1998, natural de Cuiabá/MT, portador do RG 25866508, filho de José Ronaldo do Espírito Santo e Wanda da Silva Ferreira, residente na Rua Um, nº 47, Quadra 02, Bairro Osmar Cabral ou Rua Rubens Pinto, s/n, bloco: E 208, bairro Vista Alegre, ambos em Cuiabá/MT, Telefones (65) 99213-1342 e (65) 99301-7076. · Réu: RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO Nos termos do art. 383, §2º, do Código de Processo Penal, DETERMINO o encaminhamento de cópia dos autos ao Juizado Especial Criminal desta Capital para que, em face da referida desclassificação, aplique sanção ao condenado RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO pela prática de infração penal de menor potencial ofensivo. Considerando que o sentenciado RONALDO responde ao processo em liberdade, PERMITO-LHE aguardar também em liberdade o processo e julgamento de eventual recurso. Por fim, considerando que o sentenciado RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO responde o processo em liberdade e teve sua conduta desclassificada para o art. 28 da Lei de Drogas, REVOGO a cautelar de monitoramento eletrônico imposta pela decisão de Id. 52621684, págs. 52/56, por se revelar incompatível com o delito imputado. Dosimetria do art. 33, “caput”, da Lei de Drogas: · RÉU: KAIK RENNER SOUZA DA SILVA Primeira fase: Destaco que, a pena cominada para o crime do art. 33, caput, da Lei de Drogas, é de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) dias-multa. De acordo com o artigo 68 do Código Penal, a aplicação da pena ocorre em três fases. Na primeira delas, deve o Magistrado avaliar as circunstâncias judiciais trazidas no artigo 59 do mesmo codex (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e consequências do crime; e o comportamento da vítima) e fixar a pena-base, a qual, por sua vez, servirá de marco inicial para a próxima fase da dosimetria. Em se tratando de tráfico de drogas, o Magistrado também deverá observar o art. 42 da Lei 11.343/06, que orienta: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e quantidade da substância ou do produto, personalidade e a conduta social do agente". Observando, pois, com estrita fidelidade, as regras do art. 42 da Lei n. 11.343/06, que impõe ao Juiz levar em consideração, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga, na fixação da pena base, não há qualquer razão para redimensionar-se a reprimenda, lembrando que o entorpecente pesou apenas 11,10g (onze gramas e dez centigramas) de MACONHA e 11,09g (onze gramas e zero nove centigramas) de COCAÍNA. Quanto à culpabilidade, tem-se, que nesta etapa, deve-se abordar o menor ou maior índice de reprovabilidade do agente, não só em razão de suas condições pessoais, mas também levando-se em consideração a situação em que o fato delituoso ocorreu. Após um estudo detalhado dos autos, entendo que a conduta do condenado não deve ser tida com grande reprovabilidade, sendo, pois, normal, à espécie. No que tange aos antecedentes criminais, in casu, não se recomenda a majoração da pena base, porquanto a condenação definitiva oriunda dos autos n. 0003801-87.2015.811.0042, com trânsito em julgado em 20/05/2015, embora já extinta a pretensão executória em 25/01/2022, permanecem seus efeitos secundários inalterados, inclusive, a reincidência[1], a ser valorado na segunda fase, nos termos da súmula 241 do STJ. Anote-se que em relação à ação penal n. 1012581-52.2022.8.11.0042, que se encontra em andamento, não será valorada por encontrar expressa vedação pela Súmula 444 STJ. Acerca da conduta social e personalidade da agente, não há elementos e respaldo técnico apto a lastrear consideração em prejuízo do condenado. As demais circunstâncias judiciais (motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima), são peculiares ao delito em comento e nada influenciou para prática do crime em apreço, por isso, DEIXO de pronunciar a respeito. Diante desses fatos, FIXO a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão e em 500 (quinhentos) dias-multa. Segunda Fase: Não há circunstância atenuante a ser considerada. Por outro lado, pesa em desfavor do condenado a agravante da reincidência específica, porquanto ostenta condenação pelo mesmo delito de tráfico de drogas nos autos n. 0003801-87.2015.811.0042, cujo trânsito em julgado se deu em 20/05/2015 e a extinção da pretensão executória em 25/01/2022. Assim sendo e por se tratar de reincidência específica, MAJORO a pena nesta fase em 01 (um) ano e 100 (cem) dias-multa, para FIXÁ-LA nesta fase intermediária em 06 (seis) anos de reclusão e em 600 (seiscentos) dias-multa. Terceira fase: Concernente ao redutor do §4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, o condenado não faz jus a essa benesse, já que não é primário, não ostenta bons antecedentes e se dedica às atividades criminosas (Id. 169486419 e 88068716). Neste sentido, é como se posiciona nosso Egrégio Tribunal de Justiça: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – DOSIMETRIA DA PENA QUESTIONADA – REQUERIDA A INCIDÊNCIA DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – IMPOSSIBILIDADE – SENTENCIADO POSSUIDOR DE MAUS ANTECEDENTES – INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS QUANDO DESATENDIDOS OS REQUISITOS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL – RECURSO DESPROVIDO. Impossível o reconhecimento da causa de diminuição especial prevista no art. 33, § 4º, da Lei Antidrogas, quando desatendidos os requisitos constantes do dispositivo legal, ainda que tenha sido declarada a extinção de punibilidade em razão da prescrição da pretensão executória, posto que, apesar de extinto o efeito principal da condenação, os efeitos secundários penais e extrapenais remanescem, tais como a reincidência e os antecedentes negativos (...). (Ap 156595/2016, DES. PEDRO SAKAMOTO, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 01/02/2017, Publicado no DJE 06/02/2017). Desta feita e por não haver causa de aumento de pena a ser considerada, TORNO A PENA CONCRETA E DEFINITIVA em desfavor KAIK RENNER SOUZA DA SILVA, brasileiro, feirante, nascido em 19/08/1996, natural de Cuiabá/MT, portador do RG 27473392 SSP/MT e inscrito CPF nº 036.734.811-00, filho de Marcos Roberto da Silva e Cristiane Bispo de Souza, residente na Rua Três, nº 292, Quadra 27, Bairro Osmar Cabral, ou Rua Das Mangueiras, n° 4, bairro Jardim Liberdade Cuiabá/MT, Telefones: (65)99237-3135 e (65) 98171-9887, no patamar de 06 (seis) anos de reclusão. Levado pelos mesmos critérios, APLICO a pena de multa em 600 (seiscentos) dias, que atento ao art. 60, caput, do Código Penal e ponderando a situação socioeconômica do réu, fixo valor do dia-multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1052700/MG, referente ao Tema 972 da repercussão geral, cuja publicação se deu em 01/02/2018, declarou a inconstitucionalidade do §1º, do art. 2º, da Lei n. 8.072/90, faço a fixação do regime inicial para cumprimento da pena de acordo com o disposto pelo art. 33 do Código Penal Brasileiro. Por isso, em observância aos critérios previstos no art. 59 c/c art. 33, §2º, alínea “b”, ambos do Código Penal e art. 42 da Lei de Drogas e ainda, por se tratar de reincidente específico, FIXO o regime prisional de início em FECHADO. Considerando que o condenado deverá cumprir sua pena no regime fechado e considerando que já responde ao processo em liberdade, PERMITO-LHE aguardar em liberdade o processo e julgamento de eventual recurso. Para tanto e considerando o regime inicial fixado no fechado, MANTENHO a cautelar de monitoração eletrônica e demais cautelares fixadas no Id. 52621684, fls. 42/46, para melhor vinculação nos autos. DISPOSIÇÃO FINAL: · DESCLASSIFICADA a conduta imputada na denúncia ao réu RONALDO SILVA DO ESPÍRITO SANTO para aquela tipificada no art. 28 da Lei n. 11.343/06, e determinada à remessa de cópia dos autos ao Juizado Especial Criminal desta comarca, para as providências cabíveis, com revogação do monitoramento eletrônico; · CONDENADO o réu KAIK RENNER SOUZA DA SILVA nas sanções dos artigos 33, “caput”, da Lei n.º 11.343/06, com pena definitiva fixada em 06 (seis) anos de reclusão e 600 (quinhentos) dias-multa, com regime inicial fixado no fechado e permitindo recorrer em liberdade, com manutenção das cautelares, inclusive, monitoração eletrônica. DETERMINO a destruição das substâncias entorpecentes apreendidas, bem como a destruição de frasco de vidro, recipiente de plástico, rolo de plástico filme e embalagem com resquícios. Com relação ao telefone celular Samsung e a quantia de R$645,00 (seiscentos e quarenta e cinco reais), DEIXO de deliberar a respeito, porquanto já vinculada a apreensão nos autos de n 1008940-56.2022.8.11.0042. Por se tratar de processo em que o condenado KAIK aguardará solto até o julgamento de eventual recurso, nos termos do art. 8ª da Resolução n.º 113/2010 do CNJ, DEIXO de determinar a expedição de Guia de Execução Provisória. Da sentença, intimem-se o Ministério Público e o defensor, assim como, o condenado KAIK e o sentenciado RONALDO pessoalmente, por estar sendo monitorado eletronicamente (TJMT – HC n. 1022759-21.2024.8.11.0000 – Rel. Des. Wesley Sanches Lacerda). Certificado o trânsito em julgado: 1) Proceda-se o recolhimento do valor atribuído a título de pena de multa em conformidade com os artigos 50 do CP e 686 do CPP; 2) Oficie-se ao Cartório Distribuidor Local; 3) Oficie-se ao Instituto de Identificação Estadual e Federal; 4) Oficie-se ao TRE/MT; 5) DETERMINO, primeiramente, a expedição de mandado de prisão em relação ao réu KAIK e, só então, depois de seu cumprimento, deverá ser expedida a Guia de Execução Penal Definitiva, nos termos do art. 518 da CNGC e art. 675 e 105, respectivamente, do CPP e da LEP, encaminhando-a ao Juízo Competente; 6) Encaminhem-se as drogas apreendidas para fins de destruição, nos termos dos artigos 32, §1º e 72 da Lei n. 11.343/06. Por fim, CONDENO os réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais, em proporções iguais, com isenção apenas em relação ao réu RONALDO, que foi defendido pela Defensoria Pública, o fazendo com respaldo no disposto pelo art. 98, §3º, do Código de Processo Civil. P.R.I.C. Cuiabá/MT, data e hora do sistema. Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto JUIZ DE DIREITO (documento assinado digitalmente) [1] “EMENTA APELAÇÃO CRIMINAL – (...) DOSIMETRIA DA PENA – PENA-BASE PROPORCIONAL – PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA – MANUTENÇÃO DOS EFEITOS SECUNDÁRIOS – REINCIDÊNCIA – (...) Ainda que as condenações tenham sido atingidas pelo período depurador de 5 anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, não impedem o reconhecimento dos maus antecedentes. O reconhecimento da prescrição da pretensão executória impossibilita o Estado de executar a pena aplicada, sem, contudo, rescindir a sentença penal condenatória, razão pela qual seus efeitos secundários - entre eles, a reincidência – permanecem inalterados (...)” (Ap. 32376/2017, Des. PAULO DA CUNHA, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 29/08/2017, Publicado no DJE 01/09/2017).

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