Processo nº 5049365-85.2024.4.03.6301
ID: 257826188
Tribunal: TRF3
Órgão: 8ª Vara Gabinete JEF de São Paulo
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5049365-85.2024.4.03.6301
Data de Disponibilização:
16/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZA CAROLINE MION
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
ROMEU MION JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5049365-85.2024.4.03.6301 / 8ª Vara Gabinete JEF de São Paulo AUTOR: NEIDE DOS SANTOS CASARES Ad…
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5049365-85.2024.4.03.6301 / 8ª Vara Gabinete JEF de São Paulo AUTOR: NEIDE DOS SANTOS CASARES Advogados do(a) AUTOR: LUIZA CAROLINE MION - SP367748, ROMEU MION JUNIOR - SP294748 REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS S E N T E N Ç A Trata-se de ação ajuizada por NEIDE DOS SANTOS CASARES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, através da qual objetiva a condenação da autarquia ré à concessão de benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93. Contestação padrão anexada aos autos. É o relatório. Decido. Analiso primeiramente as preliminares. Afasto a alegação de prescrição quinquenal arguida pelo réu. Com efeito, a parte autora não pede prestações em período superior ao quinquênio de forma que não restou superado o lustro legal. No tocante à preliminar de prescrição total também deve igualmente ser afastada. Com efeito no Tema n° 57 da TNU restou assentado que não ocorre prescrição do fundo de direito quando, entre o cancelamento administrativo do benefício e o ajuizamento da ação, decorrem mais de 5 anos. No mérito. A Constituição da República em seu artigo 203, inciso V, estabelece: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: .... V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (grifei) A Lei n° 8.742/1993, por sua vez, regulamenta a norma constitucional e em seu artigo 20 dispõe: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020) § 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) § 2º-A. A concessão administrativa ou judicial do benefício de que trata este artigo a pessoa com deficiência fica sujeita a avaliação, nos termos de regulamento. (Incluído pela Lei nº 15.077, de 2024) § 2º-B. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 15.077, de 2024) § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021) I – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021) II - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) § 3º-A. O cálculo da renda familiar considerará a soma dos rendimentos auferidos mensalmente pelos membros da família que vivam sob o mesmo teto, ressalvadas as hipóteses previstas no § 14 deste artigo, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, vedadas deduções não previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 15.077, de 2024) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023) § 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia. (Incluído pela Lei nº 14.441, de 2022) § 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998) § 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998) § 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 14.809, de 2024) § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) § 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 12-A. Ao requerente do benefício de prestação continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional (CIN), do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nos termos de ato conjunto dos órgãos competentes. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024) § 12-B. Na impossibilidade de registro biométrico do requerente, ele será obrigatório ao responsável legal. (Incluído pela Lei nº 15.077, de 2024) § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. ' (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) § 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) – (g.n.) Como se vê, a teor do art. 20 da Lei 8.742/93 tem direito ao benefício assistencial de um salário mínimo a pessoa que provar, cumulativamente, que: tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas ou possui 65 (sessenta e cinco) anos ou mais; não possui meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, os quais devem ser analisados com supedâneo no conceito de núcleo familiar; desse modo, excluem-se os irmãos casados e os filhos e enteados casados, desde que não vivam sob o mesmo teto. Não acumula qualquer outro benefício, salvo o da assistência médica, e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. Percebe-se, pois, que o benefício assistencial somente é deferido ao deficiente ou ao idoso que comprovem viver em miserabilidade/vulnerabilidade social. Nesta linha, para aferição da miserabilidade importante consignar que o critério da renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, prevista no artigo 20, §3º, da Lei nº 8742/93, não impede o magistrado de aferir, por outros elementos, a sua existência. Não há, pois, parâmetro objetivo inflexível para a sua apuração. O próprio Supremo Tribunal Federal nos autos do RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 567.985, que se deu pelo rito de recursos repetitivos, com repercussão geral, frisou que é fundamental verificar, no caso concreto, se há ou não situação de miserabilidade, partindo dos critérios dispostos no artigo 20 e parágrafos, mas não se esgotando na letra fria da lei. Conclui-se, portanto, que, malgrado a renda familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo, é possível, diante do caso concreto, afastar a miserabilidade, levando-se em conta, v.g, as condições de moradia, parentes que morem com a parte autora, rendimentos obtidos em razão de atividades informais, não declarados, etc. Por outro prisma, com base nos mesmos elementos e levando-se em conta os dados do caso concreto, também é possível constatar a miserabilidade. Com relação aos “outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade”, dispõe o artigo 20 – B da Lei 8742/93: Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo; (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) I – o grau da deficiência; (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo SUAS, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (...) O Regulamento do benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso, Decreto nº 6.214/2007, acerca do tema dispõe: Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: (...) IV - família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso: aquela cuja renda mensal bruta familiar dividida pelo número de seus integrantes seja inferior a um quarto do salário mínimo; ... VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011) ... § 2o Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal bruta familiar: (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011) I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária; (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011) II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda; (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011) III- bolsas de estágio supervisionado; (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016) (Vigência) IV - pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, conforme disposto no art. 5o; (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011) V - rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011) VI - rendimentos decorrentes de contrato de aprendizagem. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016) (Vigência) ... Art. 19. O Benefício de Prestação Continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos neste Regulamento. Parágrafo único. O valor do Benefício de Prestação Continuada concedido a idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar a que se refere o inciso VI do art. 4o, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada a outro idoso da mesma família. Consigne-se, por oportuno, que o estatuto do idoso (Lei nº 10.741 de 2003) estabelece, em seu art. 34, par. único, que “o benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS”. Esse mesmo dispositivo é aplicado aos deficientes, porque onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito (“ubi eadem ratio, ibi eadem jus”). De acordo com o voto proferido pela Juíza Jaqueline Bilhalva nos autos do processo sob nº 2007.83.03.50.4325-3, julgado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: [...] A pauta de valor que justifica a existência do benefício assistencial é a garantia do mínimo existencial. Ora, a Assistência Social se destina à cobertura do mínimo existencial consubstanciado nos bens absolutamente necessários à sobrevivência de qualquer cidadão. E o mínimo existencial não varia em função deste ou daquele destinatário ou beneficiário, motivo pelo qual a apuração da renda do grupo familiar para verificar se há necessidade de assistência do Estado é pautada pelo fator econômico, pelo valor monetário que integra a renda do grupo familiar, e não propriamente pelo tipo de benefício por via do qual se dá o ingresso: assistencial ou previdenciário. Daí porque, em se tratando de valor correspondente a um salário mínimo, o benefício deve ser excluído da renda do grupo familiar, ainda que tenha natureza previdenciária. Aqui a diferença, entre a natureza dos benefícios, secunda o valor essencial, de cunho econômico. Como leciona Vladimir Novaes Martinez, a Assistência Social é técnica de proteção social, como exigência do bem-estar comum, aí também compreendidos o bem-estar individual e familiar, pautado na “necessidade da clientela” (Princípios de Direito Previdenciário, 4ª ed., São Paulo: LTr, 2001, p. 205). De sorte que havendo a mesma necessidade econômica, o tratamento normativo há de ser o mesmo. De qualquer sorte, considerando que a analogia prevista no art. 4º da LICC pressupõe a existência de uma lacuna involuntária, decorrente da impossibilidade do legislador prever todas as situações possíveis, impende ressaltar que a Lei nº 8.742/93, que tratou de todos os destinatários do benefício assistencial não previu a situação regulada pelo parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) em relação a qualquer um destes destinatários. Isto gerou uma lacuna acidental, por uma não previsão inconsciente do legislador. Já o Estatuto do Idoso, que é uma lei especial superveniente, o fez naturalmente apenas em relação aos idosos, pois naquele contexto especial não caberia tratar expressamente da situação dos deficientes. Assim sendo, afigura-se cabível a colmatação da mencionada lacuna pela analogia. Destarte, aplicando-se analogicamente o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), um benefício previdenciário de valor mínimo recebido marido (no caso uma aposentadoria por invalidez recebida por uma pessoa idosa) da autora (no caso também idosa), deve ser excluído da renda do grupo familiar para fins de apuração da renda per capita, assim como também deve ser excluída a própria pessoa do marido para fins de cálculo, o que significa que para fins de concessão do benefício a renda deverá ser aferida com base no grupo familiar composto apenas pela autora, que não possui renda. O Eg. Supremo Tribunal Federal assim decidiu a respeito da questão em tela: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013) Nesta linha, em atenção a orientação jurisprudencial, no ano de 2020, a Lei 8742/93, em seu parágrafo 14, definiu a matéria: § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) Anote-se, outrossim, que a respeito da condição de miserabilidade a Portaria Conjunta nº 3, de 21 de setembro de 2018, estabelece alguns padrões de aferição do requisito legal, vejamos: Art. 8º, inc. III - a renda familiar per capita será calculada utilizando as informações do CadÚnico bem como dados de outros registros administrativos, quando necessário, observando-se que: c) o salário de contribuição não integra a renda mensal bruta familiar quando o requerente do BPC, o beneficiário ou os demais membros do grupo familiar contribuírem como segurados facultativos do Regime Geral da Previdência Social – RGPS; f) serão deduzidos da renda mensal bruta familiar exclusivamente os gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência, não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (SUAS), desde que de natureza contínua e comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. (Alterado pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, de 7 de outubro de 2021) (...) Art. 8º, § 4º Os descontos, a que se referem a alínea f do inciso III do caput, ficarão condicionados à apresentação, no ato do requerimento, de: (Redação dada pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, de 7 de outubro de 2021) I – documentação médica que afirme a natureza contínua do tratamento e a comprovação de sua não disponibilização gratuita ou de sua negativa de disponibilização, no caso de desconto referente a tratamento não disponibilizado pelo SUS; ou (Redação dada pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, de 7 de outubro de 2021) II – documentação que demonstre a necessidade do requerente de utilização do Serviço de Proteção Especial para idosos, Pessoas com Deficiência e suas famílias (Centro-Dia) e de sua não disponibilização, no caso de desconto referente a serviço não prestado pelo SUAS. (Redação dada pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, de 7 de outubro de 2021) § 5º O desconto de que trata o § 4º será realizada para cada categoria uma única vez no valor médio do respectivo gasto previsto no Anexo III (Redação dada pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, de 7 de outubro de 2021) § 6º É facultada ao interessado a comprovação de que os gastos efetivos previstos no inciso I do § 4º ultrapassam os valores médios utilizados conforme o § 5º, caso em que deverá apresentar os recibos de cada um dos 12 (doze) meses anteriores ao requerimento ou em número igual ao tempo de vida do requerente caso a idade seja inferior a um ano. (Redação dada pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, de 7 de outubro de 2021) Art. 8º-A A informação sobre o exercício de atividade remunerada declarada no Cadastro Único pelo requerente não será considerada, de forma isolada, para o indeferimento ou suspensão do BPC na situação de que trata o art. 21-A da Lei nº 8.742, de 1993. (Incluído pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS nº 22, de 30 dezembro de 2022) Parágrafo único. Os valores eventualmente declarados no Cadastro Único como recebidos pelo requerente deverão compor o cálculo da renda familiar mensal per capita de que trata o art. 8º desta Portaria. (Incluído pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS nº 22, de 30 dezembro de 2022) Portanto, conforme o artigo 20-B acima citado e norma da Portaria conjunta referida, há rendimentos que não são considerados para a apuração da renda familiar bruta total e gastos que são dedutíveis de tal montante, para a apuração da renda per capita, desde que comprovado que são de uso contínuo e que são essenciais, sendo eles tratamentos de saúde e médicos, fraldas, alimentos especiais, medicamentos não disponibilizados pelo SUS e serviços assistenciais não prestados pelo SUAS. Em resumo, não devem ser incluídos como rendimento do cálculo da renda familiar: 1) Remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz ou estagiário; 2) Recursos de programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família (PBF) - Lei nº 14.601, de junho de 2023; 3) Benefícios e auxílios assistenciais eventuais e temporários; 4) BPC ou benefício previdenciário no valor de até 1 salário mínimo, desde que pagos a idoso com mais de 65 anos de idade ou deficiente. Ademais, devem ser descontados do total apurado, desde que de natureza contínua (superior a 12 meses) e desde que comprovada a necessidade para a preservação da saúde e a manutenção da vida: 1) Gastos dedutíveis com saúde, fraldas, alimentos especiais, medicamentos não disponibilizados pelo SUS; 2) Serviços não prestados pelo SUAS. Ainda, verifica-se da disciplina legal atualmente vigente que há benefícios previdenciários e assistenciais que podem ser cumulados com um BPC e outros que não podem, pelo mesmo beneficiário, conforme regra do § 4º do artigo 20 da Lei 8742/93. Por outro lado, o art. 20, par. 15, da LOAS, assim como o Decreto nº 6.214/2007, em seu art. 19, expressamente preveem a possibilidade de pagamento de mais de um BPC para diferentes indivíduos de um mesmo grupo familiar: Com relação aos componentes do núcleo familiar, o § 1º do artigo 20 da Lei 8742/93, já citado, dispõe que: “Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”. (g.n) Frise-se, família, para a lei, é aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Não se pode esquecer, porém, que o benefício de prestação continuada é subsidiário, ou seja, somente em casos específicos, de comprovada miserabilidade e de impossibilidade de subsistência própria ou por terceiros, que ele tem cabimento. Assim, o Estado somente pode ser acionado se as pessoas que possuem dever de alimento, na forma dos artigos 1.694 e seguintes do novo Código Civil, não conseguem fazê-lo. É certo que cabe ao Estado, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa, a busca da erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais, no entanto, há que se ter presente em tais casos que as dificuldades financeiras porventura enfrentadas pelo cidadão não são objeto do benefício assistencial, vale dizer, que o suporte estatal não prevê trazer maior conforto à parte autora e sim suprir sua falta. O caráter social do benefício busca aliviar de certa forma o grau de penúria em que se encontram os seus beneficiários, provendo o cidadão, na condição de deficiente ou pessoa idosa, das condições mínimas de sobrevivência que efetivamente não possui, não visando completá-la ou dar-lhe um “plus”. Nesse sentido, invoco a Súmula 23 da Turma Regional de Uniformização: “O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar alimentos previsto no Código Civil”. O benefício de prestação continuada objetiva alcançar situações de extrema pobreza, marcadas pela privação de acesso a bens básicos e indispensáveis ao atendimento das necessidades básicas, em prejuízo à dignidade. Não se presta, por conseguinte, ao auxílio na elevação do padrão de vida, como instrumento de complementação de renda, tampouco supre o desemprego formal, eventual e temporário de pessoas integrantes do núcleo familiar. O objetivo é retirar o necessitado da miséria, propiciada pela falta de meios essenciais à sobrevivência, com o grave comprometimento à dignidade humana, e não a mera complementação de renda para amenizar as dificuldades financeiras ou aumentar o conforto. Neste ponto, cumpre tratar da deficiência, já que desnecessários maiores esclarecimentos no que concerne à idade (65). Como visto, a definição de deficiência é encontrada no § 2º do artigo 20 da Lei 8742/93, que não mais trata da “incapacidade para a vida independente e para o trabalho”. Com as modificações introduzidas pela Lei nº 13.146 de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a LOAS passou a definir a deficiência como “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. A deficiência, para a Lei Orgânica, é bem mais ampla do que a simples capacidade para o trabalho, diz respeito à participação da vida em sociedade do indivíduo como um todo, o que inclui a capacidade de se locomover no espaço público, participar de atividades associativas, estabelecer relações comerciais, participar de atividades educativas, frequentar ambientes religiosos, etc. Ao tratar da definição de incapacidade para os fins da LOAS, o Decreto nº 6.214/2007 estabelece: Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: III - incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social; Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/2015) no art. 1º, par. 2º, dispõe: § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (Vigência) (Vide Decreto nº 11.063, de 2022) I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. Além disso, para que a deficiência apurada gere direito a um benefício assistencial, deve ela ser de tal grau que efetivamente repercuta na capacidade de plena e efetiva participação do indivíduo em sociedade. Por isso, o par. 6º do art. 20 da LOAS dispõe que: A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) Importante destacar, também, que quando a análise da presença de deficiência se dá para uma pessoa com menos de 16 anos, os critérios para que se apure se a condição médica constatada obstrui sua “participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” devem ser considerados levando em conta outras crianças e adolescentes de mesma faixa etária, v.g., possibilidade de frequentar escola, aprender, brincar, cuidar-se etc. Não se pode esquecer que para caracterização do impedimento de longo prazo a lei (§ 10 do artigo 20 da Lei 8742/93) exige que os efeitos perdurem pelo prazo mínimo de 2 anos. Por fim, o art. 12 do Decreto 11.016/2022 determina que as informações constantes do CadÚnico devem ser atualizadas ou revalidadas pela família a cada dois anos, contados da data de inclusão ou da última atualização ou revalidação, na forma estabelecida em ato do Ministro de Estado da Cidadania. No caso presente, a autora preenche o requisito idade, já que possui mais de 65 anos. Relativamente à hipossuficiência econômica, para o caso vertente, o estudo socioeconômico concluiu que a parte autora (75 anos) reside com seu marido, Sr. Laercio Casares, em imóvel próprio em boas condições de conservação e habitabilidade. Os móveis e eletrodomésticos oferecem conforto e praticidade no cotidiano do grupo familiar. Os vínculos familiares (filhos) são cultivados e presentes. O cônjuge possui veículo automotor. O tratamento de saúde do casal é realizado na rede privada (convênio médico). A subsistência é garantida pelo marido, titular do benefício de aposentadoria por idade (R$ 2.181,78). Por fim, concluiu a Sra. Perita que a parte autora não se encontra em estado de vulnerabilidade social, nos seguintes termos: "Concluindo a Perícia Social, tecnicamente podemos afirmar que o grupo familiar não está caracterizado estado de miserabilidade/vulnerabilidade social pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS ao idoso." (grifo nosso). Portanto, não restou demonstrado o alegado desamparo econômico da parte autora. Sob esse aspecto, afasto a impugnação da parte autora, pois além das despesas declaradas não superarem a Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de benefício assistencial de prestação continuada (art. 487, I, do NCPC). Não há reexame necessário (Lei 10.259/2001, art. 13) nem condenação em verba de sucumbência (Lei 9.099/95, art. 55). Defiro à autora os benefícios da justiça gratuita. Intime-se o Ministério Público Federal, nos termos do art. 75 da Lei 10.741/2003. Publique-se. Intimem-se. Registrada eletronicamente. SãO PAULO, data da assinatura eletrônica.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear