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Banco Bmg S.A x Salete Dos Santos

ID: 338320807

Tribunal: TJRS Órgão: Secretaria da 12ª Câmara Cível Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 5001898-45.2023.8.21.0050

Data de Disponibilização: 30/07/2025

Polo Ativo:

BANCO BMG S.A

Polo Passivo:

SALETE DOS SANTOS

DECISÃO MONOCRÁTICA

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

PEDRO MARCON DE JESUS

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

LUCAS MARCON DE JESUS

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

Apelação Cível Nº 5001898-45.2023.8.21.0050/RS TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado RELATOR : Desembargador JOSE VINICIUS ANDRADE JAPPUR APELANTE : BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO(A) : DENNER DE BARROS … Apelação Cível Nº 5001898-45.2023.8.21.0050/RS TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado RELATOR : Desembargador JOSE VINICIUS ANDRADE JAPPUR APELANTE : BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO(A) : DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA (OAB RS110803) APELADO : SALETE DOS SANTOS (AUTOR) ADVOGADO(A) : LUCAS MARCON DE JESUS (OAB RS111227) ADVOGADO(A) : PEDRO MARCON DE JESUS (OAB RS106951) EMENTA DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. negócios jurídicos bancários. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONTRATO VÁLIDO. PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME: 1. Apelação cível interposta pela instituição financeira contra sentença julgando parcialmente procedentes os pedidos da autora, determinando a conversão do contrato de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC) em contrato de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado e compensação dos valores pagos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: 1. Há três questões em discussão: (i) preliminar de existência de indícios de fraude e atuação predatória por parte dos advogados da autora; (ii) preliminar de inépcia da inicial por falta de comprovação do interesse de agir; (iii) no mérito, a validade do contrato de cartão de crédito consignado com RMC e a inexistência de vício de consentimento. III. RAZÕES DE DECIDIR: 1. A preliminar de remessa dos autos ao NUMOPEDE, à OAB/RS e ao Ministério Público foi rejeitada, pois não há indícios de que o procurador da parte autora esteja atuando sem poderes, e o fato de atuar em ações similares não configura, por si só, ilícito. 2. A preliminar de inépcia da petição inicial foi rejeitada, pois a autora expôs de forma clara os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, e a ausência de comprovação de tentativa de solução administrativa não constitui requisito para o exercício do direito de ação. 3. O banco demandado juntou aos autos contrato contendo assinatura de próprio punho da autora, cuja autenticidade não foi impugnada, comprovando o cumprimento do dever de informação, com todas as informações atinentes à modalidade de mútuo contratada. 4. A efetiva e reiterada utilização do crédito disponibilizado pela autora, não limitada ao saque inicial, mas incluindo saques complementares e compras em estabelecimentos comerciais, afasta a tese de vício de consentimento. 5. A alegação de que a dívida se tornou "perpétua" é consequência inerente à própria sistemática do cartão de crédito, quando o usuário opta por não quitar integralmente as faturas e continua a utilizar o limite de crédito. 6. A prática contratual encontra amparo legal na Lei n.º 10.820/2003, que prevê a possibilidade de descontos em folha para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito, e na Instrução Normativa do INSS n.º 28/2008, que exige expressa autorização do consumidor aposentado. IV. DISPOSITIVO E TESE: 1. Recurso provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com exigibilidade suspensa em razão da gratuidade judiciária. Tese de julgamento: 1. O contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável é válido quando a instituição financeira comprova que informou adequadamente o consumidor sobre a natureza da operação, especialmente quando há utilização reiterada do crédito disponibilizado. ___________ Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 85, §2º, 319, 330, 373, II; Lei nº 10.820/2003, art. 6º, §5º; Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, art. 3º, III. Jurisprudência relevante citada: TJRS, Apelação Cível nº 50927792120238210001, 12ª Câmara Cível, Rel. Oyama Assis Brasil de Moraes, j. 19-12-2024; TJRS, Apelação Cível nº 50296182920228210015, 12ª Câmara Cível, Rel. Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, j. 19-12-2024. DECISÃO MONOCRÁTICA Com fundamento no art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, e Súmula nº 568 do STJ, procedo ao julgamento de forma monocrática. De início, a fim de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença ( evento 45, SENT1 ): "Vistos. Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Antecipação de Tutela, cumulada com Declaração de Nulidade de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC), Inexistência de Débito e Restituição de Valores em Dobro, ajuizada por SALETE DOS SANTOS em face de BANCO BMG S.A. , partes já devidamente qualificadas nos autos. A parte autora narrou, em sua petição inicial (Evento 1, INIC1), ser aposentada junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), percebendo mensalmente a quantia bruta de R$ 1.810,48 (mil oitocentos e dez reais e quarenta e oito centavos). Alegou que, em janeiro de 2020, contratou com o réu um empréstimo consignado no valor de R$ 1.347,00 (mil trezentos e quarenta e sete reais). Sustentou que, posteriormente, verificou que os descontos em seu benefício previdenciário estavam ocorrendo sob a rubrica de "EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC" e, ao buscar esclarecimentos junto à instituição financeira, foi informada de que se tratava de uma retirada de valores via cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC). A parte autora asseverou que jamais solicitou ou contratou serviços de cartão de crédito, sendo sua intenção a de pactuar um empréstimo consignado tradicional, e que nunca recebeu, desbloqueou ou utilizou o suposto cartão. Afirmou que, desde a data da contratação, tem sido descontada indevidamente a importância de R$ 73,56 (setenta e três reais e cinquenta e seis centavos) mensais, totalizando, até a data da propositura da ação, a quantia de R$ 3.015,96 (três mil, quinze reais e noventa e seis centavos). Fundamentou sua pretensão na violação das normas da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008 e do Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que tange ao dever de informação, à transparência e à prática de vantagem manifestamente excessiva. Ao final da petição inicial, postulou a concessão do benefício da gratuidade da justiça, a tramitação preferencial do feito, a inversão do ônus da prova, a antecipação dos efeitos da tutela para suspensão dos descontos, a total procedência dos pedidos para readequação/conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado, utilizando os valores pagos para amortizar o saldo devedor, e a repetição em dobro dos valores pagos a maior. No despacho inicial (Evento 4, DESPADEC1), foi deferido o benefício da gratuidade da justiça e a prioridade de tramitação à autora, além de deferir a tutela de urgência pleiteada, determinando a suspensão dos descontos do benefício previdenciário ou de qualquer conta de titularidade da autora, sob pena de multa diária de 01 (um) salário-mínimo. A parte ré informou o cumprimento da liminar (Evento 10, PET1). Devidamente citado, o BANCO BMG S.A. apresentou contestação (Evento 9, CONT1). Em sede de preliminares, arguiu a falta de um ou mais pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e a inépcia da petição inicial por suposta falta de interesse de agir, ante a ausência de prévia reclamação administrativa. Defendeu a legalidade da contratação, sustentando que a parte autora celebrou, de forma legítima e consensual, um contrato de cartão de crédito consignado, produto legal e regulamentado. Afirmou que o valor mencionado na inicial tratava-se do limite de saque averbado à margem consignável do cartão, e que a autora anuiu com os termos propostos e, inclusive, solicitou novos saques vinculados ao cartão de crédito consignado , tendo o valor sido disponibilizado em conta de sua titularidade. Negou a existência de qualquer vício de consentimento, falha no dever de informação ou prática abusiva que pudesse macular o negócio jurídico. Impugnou o pedido de justiça gratuita, bem como os pedidos de repetição do indébito e de indenização por danos morais (embora não pleiteados pela autora em sua inicial), por ausência de ato ilícito, e requereu a aplicação de litigância de má-fé contra a parte autora e seus patronos, alegando a propositura de "ações idênticas promovidas pelo patrono da parte autora" e indícios de adulteração de documentos. Ao final, pugnou pelo acolhimento das preliminares ou, no mérito, pela total improcedência dos pedidos formulados na inicial. Houve réplica da parte autora (Evento 14, RÉPLICA1), na qual impugnou as teses defensivas, reiterou os argumentos e pedidos da exordial, reforçando sua condição de hipossuficiência e a falha do réu em prestar informações claras sobre a natureza do contrato, e requereu a aplicação de litigância de má-fé em face do réu. Em decisão saneadora (Evento 17, DESPADEC1), este Juízo afastou as preliminares de impugnação à justiça gratuita, de inépcia da inicial (quanto à ausência de interesse de agir) e de "ações idênticas promovidas pelos patronos da parte autora". Na mesma decisão, deferiu a inversão do ônus da prova, indeferiu o pedido de depoimento pessoal da autora e deferiu a expedição de ofício ao INSS para informar sobre os descontos. A parte ré, no Evento 23, PET1, manifestou não ter interesse na produção de outras provas e reiterou o pedido de julgamento antecipado do feito. A parte autora não se manifestou quanto às provas, e, no Evento 26, DESPADEC1, foi declarada encerrada a fase de instrução processual, vindo os autos conclusos para sentença. Posteriormente, o réu peticionou (Evento 34, PET1) para se manifestar sobre o recentíssimo julgamento do IRDR nº 0103417-61.2020.8.21.7000 – Tema nº 28 do TJRS, requerendo a conformação do posicionamento à tese jurídica fixada. Em face de nova determinação judicial (Evento 36, DESPADEC1), a parte ré acostou aos autos cópia do contrato objeto do presente feito (Evento 39, OUT2). A parte autora se manifestou sobre o referido contrato (Evento 42, PET1), reiterando seus argumentos iniciais. Após, vieram os autos novamente conclusos para sentença." O dispositivo da decisão foi redigido nos seguintes termos: "Ante o exposto, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por SALETE DOS SANTOS em face de BANCO BMG S.A. , para: a) DETERMINAR ao réu que se abstenha de realizar os descontos a título de Reserva de Margem Consignável do contrato de cartão de crédito consignado ( evento 39, OUT2 ), determinando o aproveitamento da avença como contrato de empréstimo pessoal consignado . b) APLICAR a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN, para empréstimo pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS, vigente na data da contratação da operação original (janeiro de 2020), tomando como referência o código 25468 (Empréstimo consignado - INSS - Pessoa física) . c) POSSIBILITAR a compensação dos valores já pagos pela parte autora a título de RMC com o saldo devedor apurado após a readequação do contrato. Em caso de eventual saldo remanescente em favor da autora após a liquidação da sentença, determinar a repetição na forma simples. Em face da sucumbência recíproca, condeno a parte autora a pagar 20% (vinte por cento) das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte requerida que arbitro no valor total de R$ 500,00 (quinhentos reais). Condeno o requerido, por sua vez, a pagar o restante das custas processuais (80% - oitenta por cento) e honorários ao procurador da parte autora, que arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando os mesmos critérios, conforme disposto no artigo 82, §2º e artigo 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade das verbas sucumbenciais em relação à autora, pois litigou sob o amparo da assistência judiciária gratuita. Havendo recurso(s), intime(m)-se, independentemente de conclusão (ato ordinatório – arts. 152, VI, CPC, e 567, XX da Consolidação Normativa Judicial), a(s) contraparte(s) para ofertarem contrarrazões, querendo, remetendo-se em seguida os autos ao Tribunal de Justiça (art. 1010 § 3º CPC). Transitada em julgado, arquive-se com baixa. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Agendada intimação eletrônica." Inconformada, apela a instituição financeira demandada. Em suas razões ( evento 53, APELAÇÃO1 ), sustenta, preliminarmente, a existência de indícios de fraude e atuação predatória por parte dos advogados da autora, destacando a propositura em massa de ações semelhantes, suposta adulteração de comprovantes de endereço e documentos, e menciona recomendações do CNJ e comunicado do NUMOPEDE sobre práticas fraudulentas. Sustenta, ainda, inépcia da inicial por falta de comprovação do interesse de agir, ausência de prova de tentativa de solução administrativa e irregularidade nos documentos. No mérito, afirma que o contrato celebrado preenche todos os requisitos exigidos pelo IRDR nº 28 do TJRS, destacando que foram fornecidas informações claras, inclusive com Termo de Consentimento Esclarecido, não havendo qualquer vício de consentimento, sendo legal a modalidade de cartão consignado conforme Lei nº 10.820/2003 e Instruções Normativas do INSS. Alega que a autora anuiu expressamente às condições, realizou saques e usufruiu do crédito disponibilizado, inexistindo má-fé ou falha na prestação de serviços, o que afasta qualquer direito à restituição, seja simples ou em dobro. Argumenta que a sentença contrariou jurisprudência consolidada e a tese fixada no IRDR nº 28, a qual reconhece a validade da modalidade quando atendidos os requisitos legais. Requer, ao final, a reforma integral da decisão para julgar improcedentes os pedidos, afastando a restituição de valores e condenando a autora ao pagamento das verbas sucumbenciais, além da comunicação aos órgãos competentes (OAB, MP e NUMOPEDE) sobre indícios de fraude. Com contrarrazões ( evento 55, CONTRAZAP1 ), vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. Decido. Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Preliminarmente, não prospera a pretensão da parte recorrente de que os autos sejam remetidos ao NUMOPEDE, à OAB/RS e ao Ministério Público, porquanto não há indícios de que o procurador da parte autora esteja atuando sem poderes para tanto. A procuração acostada na origem não contém indícios de que esteja fraudada. Ainda, o fato de o procurador atuar em ações similares não configura, por si só, ilícito. De qualquer sorte, entendendo a parte apelante estarem presentes irregularidades, não há impeditivo legal para que proceda à alguma reclamação junto à OAB/RS ou Ministério Público, se assim entender por direito. Rejeito, portanto, a preliminar arguida. De igual forma, a preliminar de inépcia da petição inicial vai rejeitada, porquanto a autora expôs de forma clara os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, indicando a causa de pedir e o objeto da demanda, nos termos dos artigos 319 e 330, do Código de Processo Civil. Ademais, a ausência de comprovação de tentativa de solução administrativa não constitui requisito para o exercício do direito de ação, por não encontrar respaldo na legislação processual, tampouco afasta o interesse de agir, que se configura pela necessidade de provimento jurisdicional para a solução da controvérsia. Nesse contexto, verifica-se que a inicial preenche os requisitos legais, inexistindo qualquer vício capaz de ensejar a extinção do feito sem resolução de mérito. No mérito, adianto, o recurso da parte ré prospera. O banco demandado juntou aos autos contrato contendo assinatura de próprio punho da autora ( evento 39, OUT2 ), cuja autenticidade não foi impugnada. O dever de informação foi devidamente cumprido pela ré, porquanto nos documentos, assinados de próprio punho pela autora, constam todas as informações atinentes à modalidade de mútuo que estava sendo contratado (um saque por meio de cartão de crédito). Constou, ainda, que o valor total do empréstimo deveria ser pago na data do vencimento da primeira fatura, sob pena de ser aplicado um financiamento automático, incidindo, neste caso, os juros do cartão de crédito. No documento também constou claramente e com realce a contratação de Cartão de Crédito Consignado, inclusive com figuras ilustrativas na mesma página em que foi firmada a assinatura, não deixando margem para dúvidas quanto ao tipo de contrato que estava sendo firmado. O ponto fulcral que afasta de maneira contundente a tese de vício de consentimento é a efetiva e reiterada utilização do crédito disponibilizado pela autora, não se limitando ao saque inicial do valor de R$ 1.279,65, ocorrido em janeiro de 2020. Conforme se extrai das faturas detalhadas juntadas pela instituição financeira no evento 9, OUT5 , a apelada realizou diversas outras operações ao longo da relação contratual. A título de exemplo, constata-se a realização de um "Saque Complementar" no valor de R$ 224,80 em 28 de setembro de 2020, além de compras em estabelecimentos comerciais, como "HNA*OBOTICARIO", "LIVRARIA IDEAL" e pagamentos mensais de serviços como "PAPCARD PAGTO MENSAL-24 MESES". Tal comportamento, prolongado no tempo, é absolutamente incompatível com a alegação de que a consumidora acreditava ter contratado um empréstimo consignado com parcelas fixas e prazo determinado. A realização de novas transações, sejam saques ou compras, demonstra a plena ciência e aceitação da natureza de crédito rotativo do produto, em que o limite é recomposto à medida dos pagamentos e pode ser novamente utilizado. A conduta da autora, ao se beneficiar continuamente da linha de crédito, para depois alegar desconhecimento sobre sua natureza, configura comportamento contraditório ( venire contra factum proprium ), o qual é vedado pelo ordenamento jurídico por violar o princípio da boa-fé objetiva. A alegação de que a dívida se tornou "perpétua" é uma consequência inerente à própria sistemática do cartão de crédito quando o usuário opta por não quitar integralmente as faturas e, concomitantemente, continua a utilizar o limite de crédito. As faturas mensais, as quais foram devidamente apresentadas pelo banco, discriminavam o saldo devedor total, o valor do pagamento mínimo (descontado em folha) e os encargos incidentes sobre o saldo remanescente, oportunizando à consumidora a quitação integral do débito a qualquer momento, o que interromperia a incidência de juros rotativos. Merece relevo o fato de que essa prática contratual encontra amparo legal, pois a Lei n.º 10.820/2003 dispõe sobre autorizações de descontos em folha de pagamento, onde prevê em seu artigo 6º e respectivo parágrafo 5º (atualizado pela Lei nº 13.172/2015): "Art. 6 º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1 o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (...) § 5 o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou; II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito." Além disso, a utilização da Reserva de Margem Consignável (RMC) exige expressa autorização do consumidor aposentado, seja por escrito ou via eletrônica, conforme prevê expressamente o art. 3º, III, da Instrução Normativa do INSS n.º 28/2008, alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009, conforme segue: "Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que: (...) III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência." Assim, nos termos da referida lei de regência, os aposentados e pensionistas do INSS, além do percentual relativo a empréstimos consignados, podem comprometer, mediante autorização expressa, 5% de seu benefício para pagamento de despesas com cartão de crédito ou para saques por meio de cartão de crédito. A parte autora firmou o contrato por liberalidade e em expressão de sua vontade, de modo que não pode agora se insurgir contra aquilo que firmou, sob pena de violação aos princípios do venire contra factum proprium (que veda o comportamento contraditório) e pacta sunt servanda (que ordena o cumprimento dos pactos assumidos). Assim, não há como reconhecer vício de consentimento a autora, com a simples alegação de que teria sido induzido à erro em relação à modalidade de contratação. Nesse sentido: "APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO NA MODALIDADE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. REGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO. PARTE RÉ QUE SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO, NOS TERMOS DO ARTIGO 373, II, CPC. AUSENTE PROVA MÍNIMA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONTRATO ASSINADO PELA PARTE AUTORA EXPRESSO QUANTO AOS SERVIÇOS CONTRATADOS, NOTADAMENTE NO QUE DIZ RESPEITO AO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO . DESCONTOS LASTREADOS EM CONTRATO REGULARMENTE CONSTITUÍDO, COM DISPONIBILIZAÇÃO DOS VALORES CONTRATADOS. INEXISTE IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO, MOSTRANDO-SE CORRETA A EXIGÊNCIA DA CONTRAPRESTAÇÃO AJUSTADA O QUE DETERMINA A IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. O BANCO DEMANDADO DEFENDE QUE O PROCURADOR QUE SUBSCREVE A INICIAL ESTARIA ATUANDO DE FORMA ABUSIVA JUNTO AO PODER JUDICIÁRIO E PRATICANDO UMA ADVOCACIA PREDATÓRIA. NO CASO, A FORMA DE ATUAÇÃO DO PROCURADOR NARRADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, POR SI SÓ, NÃO JUSTIFICA SEJA OFICIADO O NUMOPEDE. ENTENDENDO OCORRER EXERCÍCIO IRREGULAR DA ATIVIDADE PROFISSIONAL POR PARTE DO ADVOGADO EM TELA, PODERÁ SE SOCORRER DIRETAMENTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA POLÍCIA CIVIL, PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL INFRAÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA."(Apelação Cível, Nº 50927792120238210001, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Oyama Assis Brasil de Moraes, Julgado em: 19-12-2024) "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO EM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. I. CASO EM EXAME. 1. Apelação interposta contra sentença de improcedência dos pedidos formulados em ação anulatória cumulada com pedido de indenização por danos morais e repetição de indébito, na qual se discute a validade da contratação de cartão de crédito em reserva de margem consignável (RMC). A parte consumidora alega vício de consentimento na celebração do contrato , afirmando que teria sido induzida a erro. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO. 2. Há duas questões em discussão nos autos: (i) verificar a má-fé da instituição financeira, ao fim de justificar a repetição do indébito; e (ii) verificar a ocorrência de dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR. 4. O contrato de cartão de crédito consignado com RMC foi validamente celebrado, tendo a parte autora sido informada adequadamente sobre a natureza do contrato , conforme os termos expressos no documento assinado e nos seus anexos. 5. A parte ré cumpriu o dever de informação, nos termos do art. 373, II, do CPC, afastando a alegação de erro substancial, o que também vem confirmado pela efetiva utilização do cartão de crédito para compras. 6. À luz do entendimento fixado no IRDR n.º 28 do TJRS, não estão presentes os requisitos para a conversão da operação de cartão de crédito em RMC para empréstimo consignado . 7. A regularidade da contratação impede que dela exsurja dano moral indenizável. IV. DISPOSITIVO E TESE. 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável é válido quando a instituição financeira comprova que informou o consumidor de forma prévia e adequada sobre a natureza da operação, afastando-se a alegação de vício de consentimento. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 373, II. Jurisprudência relevante citada: TJRS, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, n.º 70084650589, Quarta Turma Cível, rel. Mylene Maria Michel, julgado em 06.11.2023; TJRS, Apelação Cível nº 5017285-58.2020.8.21.0001, 12ª Câmara Cível, Des.ª Claudia Maria Hardt, julgado em 02.07.2021." (Apelação Cível, Nº 50296182920228210015, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, Julgado em: 19-12-2024)" Desta forma, imperiosa a reforma da sentença, ao efeito de julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Diante do resultado do julgamento, redistribuo os ônus sucumbenciais, condenando a parte autora a pagar a integralidade das custas judiciais e honorários advocatícios devidos ao procurador da parte ré, os quais, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando a matéria repetitiva ventilada e o curto período de tramitação da lide. A exigibilidade, no entanto, fica suspensa em razão da gratuidade judiciária deferida ( evento 4, DESPADEC1 ). Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação. Intimem-se. Transitada em julgado, arquive-se.

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