Processo nº 1000229-20.2025.8.11.0022
ID: 316561893
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE PEDRA PRETA
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 1000229-20.2025.8.11.0022
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE AUGUSTO MARTINS DE OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE PEDRA PRETA Processo: 1000229-20.2025.8.11.0022. AUTORIDADE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MA…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE PEDRA PRETA Processo: 1000229-20.2025.8.11.0022. AUTORIDADE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO INVESTIGADO: MARIANA ESTER FERNANDES ALVES REU: THIAGO RAFAEL DA SILVA Vistos etc. SENTENÇA I) - RELATÓRIO O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por intermédio de seu Ilustre Representante legal, ofereceu denúncia contra THIAGO RAFAEL DA SILVA e MARIANA ESTER FERNANDES ALVES, já qualificados nos autos, imputando-lhes a prática dos fatos delituosos previstos no artigo 33, “caput”, da Lei nº 11.343/2006, conforme descrito na denúncia (Id. 188197503). Os réus foram presos em flagrante no dia 25 de fevereiro de 2025 (Id. 187651895). Na audiência de custódia foi homologada e convertida em prisão preventiva do réu Thiago e concedida à liberdade provisória da ré Mariana, sendo posta em liberdade no dia 26/02/2025 (Id. 188577676). A decisão proferida em Id. 188261147 determinou a notificação dos acusados para apresentação de resposta à acusação no prazo legal. Os réus foram regularmente notificados (Id. 188798546 e 189814755). Os réus apresentaram suas defesas preliminares em Id. 193652844, por intermédio de advogado constituído. Em decisão proferida em Id. 194188139, por não concorrer nenhuma hipótese prevista no artigo 397 do Código de Processo Penal, a denúncia ofertada pelo representante do Ministério Público foi recebida e foi designada audiência de instrução e julgamento. No decorrer da instrução criminal (Id. 196276860) foi realizado a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, após passou aos interrogatórios dos acusados. Não foram requeridas diligências pelas partes, ocasião em que foi encerrada a instrução processual. Em alegações finais sob a forma de memoriais (Id. 197281100), o Ministério Público pugnou pela condenação dos acusados pela prática do delito tipificado no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, sustentando que a materialidade do tráfico restou comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante, Boletim de Ocorrência, Termo de Exibição e Apreensão, Laudo de Constatação Toxicológica e Relatório de Investigação, além dos depoimentos colhidos em juízo. Detalha que, na residência dos réus, foram recolhidos nove porções de maconha já embaladas, oito eppendorfs de cocaína e outra porção da mesma droga sobre prato de vidro, balança de precisão, rolo de plástico-filme, oito embalagens tipo “zip-lock” vazias, quatro chips telefônicos, vários aparelhos celulares, máquina de cartão de crédito, vinte e oito cartelas de bingo vinculadas pela Polícia Civil à facção Comando Vermelho e a quantia de R$ 72,60 em espécie. Ressalta que a dinâmica flagrada pelos policiais — movimento constante de usuários, fuga de motociclista ao receber ordem de parada, arremesso de celular contra o muro por THIAGO, disparo para conter um cão da raça pit-bull e busca domiciliar acompanhada pelos suspeitos — confirma o comércio ilícito de entorpecentes no local. O Ministério Público sublinha, ainda, a confissão extrajudicial do réu THIAGO, que admitiu “já ter vendido droga em 2019” e estar traficando para “complementar a renda”, argumento capaz de romper a tese defensiva de mero uso pessoal. Quanto à corré MARIANA, o Parquet sustenta que, embora ela alegue desconhecer a traficância, drogas e instrumentos típicos foram encontrados em locais de uso comum da casa (cozinha e quarto do casal), o que revela ciência e adesão consciente à atividade criminosa; frisa que a presença das filhas menores na residência reforça a gravidade da conduta. O Ministério Público dedica tópico específico às cartelas de bingo apreendidas, explicando que material idêntico fora recolhido dias antes durante a Operação “Narco Zero”, em Rondonópolis/MT, apontada como meio de lavagem de dinheiro da facção Comando Vermelho; junta fotografias e relatório policial que demonstram a correspondência gráfica das cartelas, concluindo que o casal também colaborava com o financiamento da organização criminosa. Por fim, o Órgão Ministerial assinala que não há prova de atividade comercial lícita capaz de justificar máquina de cartão, múltiplos chips, embalagens e balança; argui que imagens de rede social relativas a “esmaltaria” e “espetinho” são meramente ilustrativas e não comprovam funcionamento regular do negócio. Conclui pugnando pela procedência total da ação penal para condenar THIAGO RAFAEL DA SILVA e MARIANA ESTER FERNANDES ALVES, na forma do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006. Por fim, a defesa dos réus, em sede de alegações finais sob a forma de memoriais (Id. 198539249), preliminarmente, requer: (a) a restituição de um celular iPhone 12, cor branca, apreendido sob o código 8b4c3, alegando propriedade comprovada e ausência de interesse probatório; e (b) o reconhecimento da nulidade das provas decorrentes da “invasão” do domicílio, por violação do art. 5º XI da Constituição e do art. 240 §1º do CPP, com o consequente desentranhamento dos elementos ilícitos e absolvição dos denunciados. No mérito, sustenta que THIAGO é usuário crônico e trabalhador, sem vínculo com organização criminosa, tendo admitido posse de parte da droga apenas para consumo pessoal; pede, pois, sua absolvição ou, subsidiariamente, a desclassificação para o art. 28 da Lei 11.343/2006, com aplicação das atenuantes e regime diverso do fechado. Em relação a MARIANA, a defesa afirma inexistir prova de dolo ou participação: o simples fato de coabitar o imóvel não basta para imputar-lhe tráfico, delito que não admite modalidade culposa. Requer, portanto, sua absolvição; sucessivamente, o reconhecimento do tráfico privilegiado (§4º do art. 33) diante de sua primariedade e bons antecedentes, bem como redução máxima da pena, caso sobrevenha condenação. Por fim, postula, subsidiariamente, a fixação da pena-base no mínimo legal para ambos os réus. Vieram-me os autos conclusos para sentença. Eis o sucinto relatório. II) - FUNDAMENTAÇÃO. Trata-se de ação penal oferecida pelo representante do Ministério Público contra THIAGO RAFAEL DA SILVA e MARIANA ESTER FERNANDES ALVES, já qualificados nos autos, dando-os como incursos nas sanções previstas no artigo 33, “caput”, da Lei nº 11.343/2006. Após detida análise os autos, entendo que a denúncia deve ser julgada parcialmente procedente, pelos fundamentos em que passo a expor. DA PRELIMINAR DE NULIDADE DE PROVA ARGUIDA PELA DEFESA A Defesa, nos memoriais finais escritos, arguiu preliminarmente a nulidade de toda a prova sob o argumento de que o ingresso policial no domicílio dos réus apoiou-se apenas em denúncia anônima, sem prévia ordem de busca. O exame atento dos autos, entretanto, revela um quadro fático bem distinto. Os policiais militares Roberto Gomes e Welton Lima Santos declararam que, durante duas semanas, estacionaram a viatura em frente à loja Canova Materiais para Construção, realizando ponto-base e, desse local, observaram intenso fluxo de usuários que entravam e saíam rapidamente pelo portão dos fundos da casa monitorada. Destacaram que o mesmo “rapaz” abria o portão, recebia pessoas nos horários do almoço e depois das 16h, comportamento típico de ponto de venda de entorpecentes. Na tarde de 25 de fevereiro de 2025, quando um motociclista aproximou-se do imóvel e empreendeu fuga ao notar a aproximação da guarnição, Thiago Rafael da Silva lançou um telefone celular contra o muro, tentando destruir prova digital, enquanto o portão permanecia entreaberto, permitindo a entrada imediata dos agentes, ali mesmo foi contido Thiago, Mariana e Eudislene que fazia faxina na residência. Essa sequência objetiva, colhida por investigação prévia e corroborada por percepção sensorial direta no instante da abordagem, configura flagrante delito nos moldes do art. 302, I e III, do Código de Processo Penal, enquadrando-se na exceção constitucional que afasta a necessidade de mandado para ingresso em domicílio quando há estado de flagrância verificado por elementos externos e contemporâneos ao delito. A atuação policial, portanto, foi proporcional e necessária, pois a demora na obtenção de ordem judicial implicaria risco de perecimento da prova, situação que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou no Tema 280 da Repercussão Geral. Nessa linha, a alegação defensiva de ilicitude não prospera, pois a diligência policial estava amparada em fundada suspeita pré-constituída e confirmada pela conduta do réu no momento da intervenção, motivo pelo qual as provas subsistem hígidas. Desse modo, REJEITO a preliminar de nulidade da prova. DO MÉRITO. DO RÉU THIAGO RAFAEL DA SILVA A materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas está circunstanciada no boletim de ocorrência (Id. 187651897), do termo de exibição e apreensão (Id. 187651899) e do laudo pericial de constatação da natureza da droga (Id. 187651913). Quanto à autoria, do mesmo modo restou comprovada, pelo auto de prisão em flagrante (Id. 187651895), pelos depoimentos dos policiais militares (Id. 187651901 e 187651902), tanto na fase inquisitória como na instrução criminal, não havendo qualquer dúvida da autoria do réu no crime de tráfico de entorpecentes. As testemunhas ROBERTO GOMES e WELTON LIMA SANTOS, Policiais Militares, em seus depoimentos na Delegacia de Polícia (Id. 187651901 e 187651902), igualmente declararam: “QUE a GU PM sendo o depoente e SOLDADO WELTON LIMA, em cumprimento a OPERAÇÃO TOLERÂNCIA ZERO CONTRA AS FACÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DE MATO GROSSO, esse equipe diante de conhecimento prévio por meio de denúnca via 190, que na AVENIDA PRESIDENTE MÉDICI, CASA DE ESQUINA , estaria ocorrendo a comercialização de drogas, sendo que por vários dias fizemos o "PB" (PONTO BASE DA VIATURA), em frente à CANOVA MATERIAS PARA CONSTRUÇÃO e foi possível ver a movimentação na casa de esquina próximo, de onde visualizamos uma certa movimentação de pessoas, sendo entre e sai, pelo portão dos fundos, onde um rapaz abre o portão, entra pessoas e logo em seguida saem; Nas informações recebidas davam conta que a movimentação de usuários de drogas que sempre chegavam e saíam da residência, mais precisamente no horário do almoço e após as 16:00horas; QUE EQUIPE POLICIAL começou a realizar rondas mais frequentes no endereço citado a fim de confirmar sua veracidade; QUE na tarde de hoje os POLICIAIS iniciaram a movimentação nas proximidades e iniciou em um ponto de estacionamento em frente a CANOVA MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO, passamos a observar que um homem moreno, com camiseta do flamengo, saía e entrava na casa, E TAMBÉM FOI OBSERVADO QUE USUÁRIOS DE DROGAS APROXIMARAM DA CASA, EM SEGUIDA OS POLICIAIS MILITARES DERAM A VOLTA NA QUADRA E PROSSEGUIRAM SENTIDO O PORTÃO E TENTOU ABORDAR UM HOMEM CONDUZINDO UMA MOTOCICLETA HONDA BROZ DE COR ESCURA QUE, APÓS RECEBER ORDEM DE PARADA PARA ABORDAGEM, EMPREENDEU FUGA, foi possível que o portão da casa estava um pouco aberto, os POLICIAIS abriram e o suspeito com a camiseta do flamengo de imediato, pegou o telefone celular e arremessou contra o muro; QUE esse é um comportamento costumeiro de integrantes da facção criminosa comando vermelho; QUE após darmos órdem para que o suspeito de camiseta do flamengo, para que o mesmo fosse submetido à abordagem, um cachorro da raça pitbull que estava ao lado do suspeito THIAGO RAFAEL DA SILVA, tentou atacar o 3º sargento PM ROBERTO GOMES e o depoente, para garantir a integridade física dos agentes, efetuou um disparo de arma de fogo, que atingiu a região do focinho do animal; QUE a abordagem se deu na área do fundo da residência que dá acesso ao portão onde o suspeito THIAGO realizava a entrega da droga, e no ambiente também estava presente a companheira do suspeito, MARIANA ESTER FERNANDES ALVEZ, com suas filhas menores de idade, a pessoa de EUDISLENE, que disse aos POLICIAIS que estava no local apenas fazendo faxina na casa; QUE diante das fundadas razões e circunstâncias do fato os POLICIAIS iniciaram busca no local, sendo acompanhada pelos suspeitos THIAGO, MARIANA e EUDISLENE, sendo encontrado pelo soldado PM WELTON LIMA 09 (NOVE) PORÇÕES DE SUBSTÂNCIA ANÁLOGA A MACONHA EMBALADAS EM PACOTES PEQUENOS DE FECHO RÁPIDO, PRONTAS PARA SEREM COMERCIALIZADAS, NO INTERIOR DO REFRIGERADOR DA GELADEIRA, E UM PRATO DE VIDRO TRANSPARENTE COM UMA COLHER, CONTENDO PORÇÃO ESBRANQUIÇADA, SUBSTÂNCIA ANÁLOGA A COCAÍNA, DENTRO DO ARMÁRIO DA COZINHA; QUE NA GAVETA DE UM ARMÁRIO BRANCO DE COZINHA, O 3º SARGENTO ROBERTO GOMES encontrou UM ROLO DE PLÁSTICO FILME QUE É CATEGORICAMENTE UTILIZADO PARA EMBALAR ENTORPECENTES, 04 (QUATRO) CHIPS DA OPERADORA VIVO, 01 (UMA) PORÇÃO DE SUBSTÂNCIA ANÁLOGA A MACONHA EM SACOLA PLÁSTICA TRANSPARENTE, UMA MÁQUINA DE CARTÃO DO MERCADO PAGO, 28 CARTELAS DE BINGO E OITO PACOTES PLÁSTICOS TRANSPARENTE DE FECHO RÁPIDO, DOS MESMO QUE FORAM UTILIZADOS PARA EMBALAR A MACONHA, UMA BALANÇA DE PRECISÃO EM PLENO FUNCIONAMENTO DA MARCA TOMATE DE COR AZUL CLARO E MAIS 02 CELULARES CELULARES; QUE foi encontrado 08 (OITO) PINOS COM SUBSTÂNCIA ANÁLOGA A COCAÍNA DENTRO DE UMA CAIXA DE REMÉDIO, EM CIMA DO ARMÁRIO DA COZINHA; QUE foi encontrado no quarto do casal o valor de R$ 72,60 (SESSENTA E DOIS REAIS E SESSENTA CENTAVOS); QUE diante dos fatos foi dada voz de prisão a todos suspeitos, visto que as crianças estavam sendo expostas à comercialização de drogas no ambiente familiar, foi realizado contato com o conselho tutelar, que orientou entregar as crianças para algum familiar responsável, que ainda no local compareceu a senhora MARIALVA, avó das menores e mãe da suspeita MARIANA ESTER, que recebeu responsabilidade das crianças antes da condução para a delegacia; QUE THIAGO, MARIANA e EUDISLENE foram apresentados à autoridade policial para os devidos procedimentos, sem lesões corporais;” A testemunha Welton Lima Santos, em seu depoimento prestado na instrução processual, narrou que, com base em denúncias filtradas pela própria unidade policial e determinando prioridade a local apontado por moradores, sua guarnição posicionou-se em frente a uma Loja de depósito de materiais de construção, de onde passou a observar a residência de esquina onde, segundo informes, um indivíduo de pele morena vendia drogas. Relatou que, ao avistar a viatura, o suspeito Thiago Rafael da Silva abriu e fechou rapidamente o portão, fato que motivou a equipe a dar volta na quadra; já de retorno, viram um motociclista em uma Honda Broz preta encostar-se ao portão, presumindo tratar-se de usuário prestes a adquirir entorpecentes. No momento em que foi dada voz de parada, o motociclista fugiu e, ante o portão entreaberto da residência, os policiais ingressaram para abordagem, ocasião em que Thiago, sentado em uma cadeira, levantou-se e arremessou seu telefone celular contra o muro – conduta que o depoente qualificou como típica de integrantes do Comando Vermelho, quando realizaram a abordagem. Acrescentou que, ao colega Sargento Roberto Gomes aproximar-se do suspeito, um cão pit-bull investiu por trás, razão pela qual desferiu um único disparo para cessar a agressão do animal, evitando ataque pelas costas. Dentro do imóvel encontravam-se ainda a esposa do acusado, Mariana Esther Fernandes Alves, dois filhos menores e uma terceira pessoa que fazia faxina; Mariana permaneceu cooperativa e cuidou das crianças durante toda a ação. Perguntado sobre ilícitos, o casal negou; contudo, em revista dentro da residência, no congelador da geladeira, foram localizadas porções de maconha já fracionadas para venda, bem como mais maconha em uma gaveta da cozinha. Com a chegada da equipe de apoio, o Soldado Costa encontrou diversos pinos contendo cocaína dentro de uma caixa de remédios. Apreenderam-se também balança de precisão, máquina de cartão, dinheiro e cartelas de bingo cuja origem, segundo a Polícia Civil, é usualmente vinculada à captação de recursos para organização criminosa. Mencionou que vizinhos agradeceram a ação policial, pois não suportavam mais o fluxo constante de usuários naquela região. O depoente frisou que a entrada se deu porque o portão lateral fechado não estava trancado, deixando vão suficiente para acesso. Declarou que Thiago, enquanto era lavrada a ocorrência, confessou estar traficando havia pouco tempo, alegando dificuldades financeiras. Acrescentou que no cômodo frontal existiam vestígios de antiga clínica estética abandonada e uma pintura alusiva a “espetinho”, porém ambos inativos. Por fim, informou que, após a apreensão do material e acionamento de veterinário para o animal alvejado, conduziram Thiago e Mariana à Delegacia, onde apresentaram toda a materialidade relacionada ao crime de tráfico de drogas. A testemunha Roberto Gomes, em seu depoimento colhido em Juízo, narrou que a residência dos acusados já era alvo de várias denúncias relatando intenso entra e sai de usuários. Devido a isso, a guarnição intensificou rondas no local com o objetivo de abordar algum frequentador e obter materialidade para ingresso no imóvel. Relatou que, certa tarde, avistou uma motocicleta Honda Bros estacionada junto ao portão; quando a equipe tentou a abordagem, o motociclista fugiu e o portão estava semiaberto, permitiu acesso a residência. Nesse momento, o réu Thiago, que estava no fundo da área, quebrou o próprio celular arremessando-o sobre o muro, conduta que o depoente associou a facções criminosas, e tentou correr, sendo contido por ele, pelo soldado Welton Lima Santos e pelo sargento Siqueira. Afirmou que durante a contenção, um cão pit-bull investiu contra Lima, que efetuou um único disparo para cessar a agressão do animal; o depoente permaneceu segurando Thiago, solicitou apoio de outra viatura e, após a primeira varredura na residência feita por Lima, confirmou que havia porções de maconha dentro do congelador. Com a chegada do reforço, o próprio depoente localizou plástico filme, cartelas de bingo utilizadas para angariar recursos para a facção atuante, resquícios de maconha e saquinhos para embalar drogas, enquanto outro soldado encontrou pinos de cocaína sobre um armário; também apreenderam cerca de setenta reais em notas miúdas, uma balança de precisão, uma maquininha de cartão e a droga já fracionada. Disse que, apesar de não ter presenciado venda direta, notava aumento do fluxo de usuários, sobretudo ao fim da tarde, e que os acusados declararam vender espetinho nos fins de semana, atividade que ele jamais viu funcionar. Após a revista, algemou Thiago, acompanhou a busca realizada no interior da casa e, em seguida, conduziu o casal à Delegacia, apresentando toda a materialidade apreendida. Por sua vez, na fase inquisitória (Id. 187651910), o acusado THIAGO RAFAEL DA SILVA fez o uso do direito ao silêncio. O réu interrogado em Juízo negou as acusações do crime de tráfico, relatando que no dia dos fatos, em 25/02/2025, estava sentado na área dos fundos brincando com a filha, quando policiais abriram o portão fechado sem autorização, mandaram-no deitar e, ao entrarem, um deles atirou contra seu cão pit-bull, que morreu. Relatou ter sido chutado, jogado ao chão e algemado, negou ter arremessado o celular, segundo ele, o aparelho estava na sua mão e veio a cair quando foi chutado e jogado ao chão. Afirmou não ter visto motociclista algum porque o portão estava fechado para impedir a saída do animal. Indagado sobre a droga apreendida, o réu confirmou possuir para uso pessoal aproximadamente 25 a 30g de maconha, adquiridas de um total de 50g compradas por 250 reais, e pequena porção de cocaína disposta num prato de vidro, guardadas sobre um armário fora do alcance da família. Perguntado sobre o restante da droga apreendida, o réu respondeu que não sabe responder, afirmando que foram os policiais apareceram com essa droga, pois em sua residência não toda essa de droga. Alegou que balança de precisão, restante da maconha, pinos de cocaína e demais objetos foram apresentados pelos policiais sem acompanhamento de defensor ou dos acusados durante a revista. Explicou que a máquina de cartão servia aos pagamentos da esmalteria e do espetinho, que possuía, além do celular danificado, um Samsung próprio, um iPhone da esposa, um aparelho Positivo de teclas usado na antiga borracharia móvel e outros telefones quebrados das crianças. Indagado quanto às vinte e oito cartelas de bingo do “Dia das Mães”, afirmou que dez eram suas para uso em família na Estância Aquarius, local de eventos onde costuma colaborar vendendo cartelas, e as demais pretendia ajudar a comercializar. Negou qualquer vínculo com facção criminosa ou confissão de nova atividade de tráfico, insistindo que somente faz uso pessoal de entorpecente, que Mariana desconhecia o local exato onde ele guardava a maconha e que sempre fumava isolado nos fundos da casa, à noite, para não expor as filhas. Por sua vez, na fase inquisitória (Id. 187651906), a acusada MARIANA ESTER FERNANDES ALVES fez o uso do direito ao silêncio. A ré interrogada na instrução processual negou a acusação imposta na denúncia. Narrou que na tarde do dia dos fatos, dobrava e lavava roupas na área dos fundos da residência, enquanto Thiago brincava com as crianças, quando ouviu o estrondo do portão traseiro, acionado por controle, cujo motor estava estragado, mas mantinha-se destravado manualmente, e imediatamente os policiais ingressaram sem autorização, disparando contra o cão da família, Zeus, que correu ferido para dentro da esmalteria e posteriormente morreu. Afirmou que Thiago já foi jogado ao chão, nesse momento permaneceu de bruços todo o tempo, e que ela ficou sentada perto da porta, segurando suas filhas chorosas, ao lado da faxineira Eudislene, sem acompanhar a revista. Relatou desconhecer a origem dos 122g de maconha apreendidos, oito pinos de cocaína, balança de precisão, saquinhos tipo zip-lock e demais objetos apresentados pela guarnição, admitindo somente saber que Thiago guardava em local elevado um prato com resquícios de cocaína e cerca de 25 a 30g de maconha para uso pessoal, contra os quais já discutira com ele, preferindo que consumisse em casa e fora do alcance das crianças. Informou que não ser usuária de drogas. Indagada, a ré respondeu que o papel filme recolhido era utensílio doméstico, usando na sua cozinha, a máquina de cartão lhe pertencia e era utilizada, tanto na esmalteria quanto no espetinho, e dos quatro chips telefônicos dois haviam sido comprados para números comerciais desses empreendimentos e outros dois para uso pessoal, sendo dois para ela e dois que Thiago, pois ele usava um na antiga borracharia móvel. Confirmou que tinha conhecimento de Thiago que possuía droga dentro da residência, mas apenas para uso dele, esclarecendo que não chagava a mexer com a droga dele. Explicou que as 28 cartelas de bingo “Dia das Mães” da Estância Aquarius, casa de eventos com perfil no Instagram, foram adquiridas por dez para uso familiar e dezoito para revenda a conhecidos. Negou qualquer vínculo com organização criminosa ou atividade de tráfico, bem como afirmou jamais ter visto Thiago vender drogas no imóvel, onde, segundo ela, a polícia nunca estivera antes da ocorrência. Informou que após contrair chikungunya manteve a esmalteria fechada por cerca de duas semanas, período em que o réu continuou sozinho a atividade complementar de venda de espetinhos aos sábados, da qual retiravam em média R$ 1.000 a R$ 1.200 por fim de semana. Pois bem. Diante de tal conjunto probatório, é de rigor a condenação do acusado THIAGO RAFAEL DA SILVA nos termos da denúncia, pois restou demonstrado pelos elementos de provas colhidas na fase inquisitória e pelas provas colhidas na instrução processual em Juízo, sob crivo do contraditório e da ampla defesa, não deixam dúvidas quanto à autoria do acusado no delito de tráfico de drogas. A materialidade do crime de tráfico de drogas está suficientemente comprovada nos autos, ou seja, pelo Termo de Exibição e Apreensão n.º 2025.16.89803, que inventariou dez porções de maconha, oito pinos e uma porção avulsa de cocaína, balança de precisão, rolo de plástico-filme, máquina de cartão, chips telefônicos e R$ 72,60 em dinheiro trocado. O Laudo Pericial n.º 511.3.10.9151/2025 confirmou 122,63g de Cannabis sativa e 5,07g de cocaína, utilizando testes colorimétricos e espectroscopia FT-IR, além de registrar a preservação da cadeia de custódia sob lacres 08012870 e 03172083. As circunstâncias apontam para destinação comercial: a droga estava fracionada em invólucros de venda, guardada no refrigerador, acompanhada de material de pesagem e embalagem, bem como de meio eletrônico de cobrança, configuração incompatível com consumo próprio. Os depoimentos dos policiais, coerentes entre si, atribuem a autoria ao réu Thiago, declarando que foi ele quem abriu o portão para usuários, recebeu valores e tentou se desfazer do aparelho celular quando percebeu a presença estatal. Em juízo, o réu Thiago alegou guardar apenas “25 a 30 gramas” de maconha para uso pessoal, mas sua narrativa resta isolada diante da quantidade bem superior apreendida, da presença simultânea de cocaína e dos instrumentos de mercancia. A jurisprudência exige, para a desclassificação ao art. 28 da Lei 11.343/2006, um contexto probatório convergente em favor do consumo, o que manifestamente não ocorre aqui. Senão vejamos: “DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE DA BUSCA DOMICILIAR AFASTADA. ABSOLVIÇÃO PELO DELITO DE ASSOCIAÇÃO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR TRÁFICO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. I. Caso em exame 1. Apelações criminais defensivas interpostas contra sentença condenatória pela prática dos crimes de tráfico de drogas e associação ao tráfico, em concurso material (arts. 33, caput, e 35 da Lei nº 11.343/06 c/c art. 69 do CP). II. Questão em discussão 3. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve nulidade na realização da busca domiciliar, afetando a licitude das provas e, (ii) saber se os elementos probatórios autorizam a condenação das apelantes pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico, ou se devem ser absolvidas ou beneficiadas pela causa de diminuição de pena. III. Razões de decidir 4. A busca domiciliar foi considerada válida, pois precedida de investigação prévia e campana policial que detectou movimentações típicas de tráfico, além de ter ocorrido mediante consentimento das moradoras, afastando-se a alegada ilicitude das provas (STJ, AgRg no RHC n. 212.123/SC, Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 1/4/2025). 5. O “contexto fático em que se deu a apreensão da droga aliado à sua forma de acondicionamento e às declarações prestadas, em juízo, pelos policiais que efetuaram o flagrante, são provas suficientes para atestar a autoria do crime de Tráfico de drogas e afastar a possibilidade de absolvição ou de desclassificação desta conduta para a prevista no art. 28, da Lei 11.343/06” (TJMT, N.U 1002894-90.2023.8.11.0050, Relator: Des. Marcos Machado, Primeira Câmara Criminal, julgado em 22/04/2025). 6. A “reunião ocasional de duas ou mais pessoas não é suficiente para a configuração do delito de associação para o tráfico”, o qual exige a demonstração da estabilidade e permanência no vínculo entre os agentes (REsp n. 2.052.196/MG, Relatora: Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024). No caso, não se identifica provas substancialmente convencíveis acerca da associação, de forma habitual e convergente, em estrutura organizada e divisão de tarefas voltada ao narcotráfico, razão pela qual a absolvição é medida que se impõe – art. 386, inc. VII, do CPP - (TJMT, N.U 1027835-85.2022.8.11.0003, Relator: Des. Marcos Machado, Primeira Câmara Criminal, julgado em 3/10/2023). IV. Dispositivo 7. Recursos parcialmente providos para absolver as apelantes do crime de associação para o tráfico, mantida a condenação pelo crime de tráfico de drogas.” (N.U 1000299-93.2023.8.11.0026, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 06/06/2025, Publicado no DJE 06/06/2025) “DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PESSOAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, mantendo a condenação por tráfico de drogas. 2. A defesa pleiteia a desclassificação da conduta do réu para a prevista no art. 28 da Lei de Drogas, alegando que a quantidade de droga apreendida era para consumo pessoal e que não seria necessário o reexame de provas. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a conduta do réu pode ser desclassificada de tráfico de drogas para uso pessoal, considerando a quantidade de droga apreendida e as circunstâncias do flagrante. 4. Outra questão é saber se deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea. III. Razões de decidir 5. As instâncias ordinárias concluíram que a quantidade de droga apreendida, a forma como acondicionada a droga e o contexto probatório analisado em seu conjunto indicam a prática do crime de tráfico de drogas, não sendo cabível a desclassificação para uso pessoal. A revisão do entendimento para desclassificar a conduta do agravante implicaria em revolvimento fático-probatório, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ. 6. Considerando que o agravante assumiu a propriedade da drogas, mas não o tráfico de drogas, incide, no presente caso, o entendimento consolidado na Súmula n. 630 do STJ. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo desprovido. Tese de julgamento: "1. A desclassificação do crime de tráfico de drogas para uso pessoal demanda reexame de provas, vedado pela Súmula 7 do STJ." Dispositivos relevantes citados: Lei 11.343/2006, art. 28; Lei 11.343/2006, art. 33; CP, art. 65, III, "d".Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2671790/CE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10.12.2024; STJ, AgRg no AREsp 2658665/ES, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 18.03.2025.” (AgRg no AREsp n. 2.835.449/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 29/4/2025.) Assim, diante dos depoimentos dos policias, os quais se encontram em harmonia com as demais provas colhidas, tanto na fase inquisitorial quanto na fase instrutória, ficou clarividente que o denunciado Thiago comercializa entorpecentes, restando comprovado o crime tráfico de drogas. Ressalte-se que, no caso em tela, não há qualquer elemento concreto de suspeição do trabalho policial, inexistindo motivos para não se dar credibilidade aos depoimentos dos policiais militares, pois nada há nos autos indicando o propósito ou interesse deles em falsamente incriminar o réu. Ademais, nota-se que o depoimento prestado em Juízo pelo policial militar, é plenamente coerente e harmônico compatibilizando-se, ainda, com aqueles prestados perante a autoridade policial. As alegações defensivas não possuem lastro probatório e, em verdade, colidem frontalmente com os elementos colhidos na fase judicial e pericial. No tocante à pretendida incidência da atenuante da confissão em favor de Thiago, formulado pela defesa nas alegações finais, observa-se que sua autodefesa não guardou correspondência com a realidade fática comprovada nos autos, pois o réu assumiu apenas a posse de cerca de “25 a 30 gramas” de maconha e da cocaína sobre o prato, alegando uso pessoal, negando domínio sobre o restante da droga, sobre o fracionamento em embalagens e sobre os instrumentos de venda. Tal confissão é qualificada — porque tenta reduzir a gravidade da conduta — e parcial, pois rechaça o elemento essencial do crime (a finalidade mercantil). Assim, de acordo com a Súmula 630 do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante só deve ser reconhecida se a confissão, ainda que parcial, for apta a contribuir para a formação do convencimento judicial, quando, porém, ela se apresenta dissociada da prova ou visa apenas minimizar a responsabilidade, não gera a benesse. No caso, a versão defensiva resta isolada frente às porções fracionadas, à balança, aos chips, ao dinheiro trocado e aos depoimentos policiais de que o réu admitiu traficar para “superar dificuldades financeiras” enquanto era lavrado o flagrante. Consequentemente, a confissão não auxilia o esclarecimento dos fatos e não justifica aplicação da circunstância atenuante, devendo ser desconsiderada à luz do enunciado sumular mencionado. Desta forma, conforme exposto, dúvidas não pairam de que o réu THIAGO RAFAEL DA SILVA se encontra incurso nas penas do artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006. DA RÉ MARIANA ESTER FERNANDES ALVES Após detida análise ao acervo probatório constante nos autos, entendo que a imputação dirigida a Mariana Ester Fernandes Alves assenta-se, essencialmente, em sua condição de companheira de Thiago e de coabitante do imóvel onde se realizou a apreensão, sem que o conjunto de provas revele qualquer conduta dela voltada à posse, guarda ou comércio de entorpecentes. Os próprios policiais responsáveis pela diligência, ao descreverem o período de monitoramento, referiram ter observado “um rapaz” que abria o portão, atendia usuários e logo os dispensava, sem fazer menção a mulher ou a casal praticando a mercancia. No dia da prisão, quando a guarnição tentou abordar um motociclista que fugiu, os agentes viram Thiago quebrar o celular e, ao ingressarem no quintal, localizaram Mariana que ficou sentada com as filhas pequenas, não esboçando qualquer conduta que lhe coloque na ação criminosa do comércio de entorpecentes. Ainda, nenhuma narrativa policial atribuiu a ela participação em atendimento de usuários, manuseio e guarda de droga ou tentativa de ocultar provas. O termo de exibição e apreensão comprova que o único objeto pessoal vinculado à acusada foi um Iphone 12 apreendido “em posse de Mariana”, aparelho cuja perícia não foi realizada pela Polícia Civil ou pela POLITEC, mesmo após ter passado cinco meses do deferimento do pedido de quebra de sigilo dos dados do aparelho celular. Assim, por consequência, permaneceu sem qualquer indício de participação da ré no crime de tráfico. Já as substâncias e instrumentos típicos da venda — porções fracionadas de maconha, pinos de cocaína, balança de precisão, máquina de cartão, chips descartáveis e dinheiro miúdo — foram encontrados em locais de acesso comum, porém localizados, manipulados e descritos exclusivamente pelos policiais, sempre em conexão com a figura de Thiago, a quem eles já vinham investigando. O laudo pericial registrou a natureza e quantidade de droga, mas não traz qualquer elemento que individualize domínio de Mariana sobre o material apreendido. Em juízo, Mariana explicou que o marido guardava a maconha que fumava “longe dela e das crianças”, negou ciência da quantidade e afirmou desconhecer o restante dos objetos. Embora o Ministério Público sustente que os objetos estavam em ambientes de uso comum, a jurisprudência é pacífica em exigir demonstração concreta de que o cônjuge detinha poder de disposição ou, ao menos, atuava de forma consciente na cadeia delitiva. Senão vejamos: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. AMEAÇA. DESOBEDIÊNCIA. RECURSO DA DEFESA. NULIDADE DA BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. PROVAS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. APLICAÇÃO JÁ REALIZADA. RECURSO MINISTERIAL. PRETENDIDA CONDENAÇÃO DOS CORRÉUS POR TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME Recursos de apelação interpostos por Willian Gonçalves Gervazoni e pelo Ministério Público contra sentença proferida pela 3ª Vara Criminal da Comarca de Barra do Bugres-MT. O réu Willian foi condenado pelos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06), porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10.826/03), ameaça (art. 147 do CP) e desobediência (art. 330 do CP), sendo absolvido da imputação de associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/06). Os corréus Maria Aparecida, João Vitor e Tainá foram absolvidos dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. A defesa de Willian sustenta: (i) nulidade da busca pessoal e domiciliar; (ii) nulidade da prova em razão de suposta quebra da cadeia de custódia; (iii) absolvição por ausência de provas; e (iv) aplicação da atenuante da confissão espontânea. O Ministério Público, por sua vez, requer a condenação dos corréus absolvidos pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico, bem como a condenação de Willian por associação para o tráfico. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há cinco questões principais em discussão: (i) se é nula a prova obtida por meio de busca pessoal e domiciliar sem mandado judicial; (ii) se houve quebra da cadeia de custódia; (iii) se há provas suficientes para absolver Willian das imputações pelos crimes pelos quais foi condenado; (iv) se a confissão espontânea foi corretamente aplicada na dosimetria; e (v) se os corréus devem ser condenados pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico, como pretende o Ministério Público. III. RAZÕES DE DECIDIR Busca pessoal e domiciliar sem mandado: A entrada dos policiais no domicílio do réu foi precedida de fundada suspeita, corroborada por denúncias anônimas e pela fuga durante tentativa de abordagem. Tratando-se de crime permanente, como o tráfico de drogas, é dispensável mandado judicial, conforme entendimento consolidado do STF (Tema 280). Quebra da cadeia de custódia: A defesa alegou vício na cadeia de custódia em razão da forma de acondicionamento do entorpecente. Contudo, a documentação comprova a integridade do material apreendido, desde o boletim de ocorrência até os laudos periciais, não se verificando qualquer irregularidade capaz de macular a prova. Pedido de absolvição de Willian: A autoria e a materialidade dos crimes pelos quais Willian foi condenado encontram respaldo nos depoimentos firmes e coerentes dos policiais militares, corroborados por outras provas documentais, como laudos periciais e boletim de ocorrência. A negativa de autoria do réu é isolada e não encontra sustentação nos autos. Atenuante da confissão espontânea: A confissão foi reconhecida e valorada pelo juízo sentenciante, sendo devidamente compensada com a agravante da reincidência. Ausente interesse recursal nesse ponto. Recurso ministerial – pedido de condenação dos corréus: As provas constantes dos autos são insuficientes para comprovar que Maria Aparecida, João Vitor e Tainá concorriam com Willian para o tráfico ou mantinham vínculo estável e permanente para fins de associação. A simples coabitação no local onde havia entorpecentes não é suficiente, e os depoimentos policiais não apontam de forma segura a participação ativa dos corréus. Diante da dúvida quanto à autoria, aplica-se o princípio do in dubio pro reo. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos defensivo e ministerial desprovidos, mantendo-se integralmente a sentença de primeiro grau. Tese de julgamento: A busca pessoal e domiciliar sem mandado é válida quando fundada em suspeita objetiva e diante de crime permanente. Não há quebra da cadeia de custódia quando a documentação comprova a regularidade na preservação e remessa da prova. A condenação é válida quando as provas são firmes e coerentes, especialmente os depoimentos dos policiais, corroborados por outros elementos. A compensação entre confissão espontânea e reincidência é legítima, afastando eventual interesse recursal. A absolvição deve ser mantida quando a acusação não comprova de forma segura a autoria dos crimes imputados. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CPP, arts. 240, §2º, 244, 386, incisos V e VII; Lei n. 11.343/06, arts. 33 e 35; Lei n. 10.826/03, art. 16; Código Penal, arts. 147 e 330. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616/RO (Tema 280); STJ, AgRg no HC 718.028/PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 21/02/2022.” (N.U 1004039-16.2023.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 13/04/2025, Publicado no DJE 13/04/2025) “APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – CONDENAÇÃO – RECURSO DA DEFESA – ILEGALIDADE DA BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR – IMPROCEDÊNCIA – EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA E FUNDADAS RAZÕES QUE AUTORIZAM A AÇÃO POLICIAL E INGRESSO NA RESIDÊNCIA – ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS – POSSIBILIDADE – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO – NÃO COMPROVAÇÃO DA CIÊNCIA SOBRE AS DROGAS – MERA COABITAÇÃO – PRELIMINAR AFASTADA E RECURSO PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER. Não há nulidade da busca domiciliar e consequente apreensão da droga na posse do corréu, que após ver a chegada da polícia joga uma sacola contendo tais produtos, porquanto se trata de crime de natureza permanente a possibilitar o imediato ingresso dos policiais, independentemente de ordem judicial, dado o estado de flagrância antecedido por denúncia anônima e monitoramento que comprovou estar o corréu praticando tráfico de drogas. Ante a fragilidade de provas judiciais no tocante ao envolvimento da corré, ora apelante, na venda de drogas com o corréu, não se pode condená-la com base apenas em indícios e por residir no mesmo imóvel onde a droga foi apreendida, sendo vedada sua responsabilidade penal com base em mera suposição, fazendo-se impositiva a absolvição.” (N.U 1000316-06.2020.8.11.0101, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 22/02/2023, Publicado no DJE 22/02/2023) Assim, a mera coabitação, sem atos de adesão ao dolo, não autoriza condenação, sob pena de responsabilidade penal objetiva. A acusação sustenta a prova de autoria argumentando o suposto “esquema familiar”, mas os próprios autos evidenciam cenários incompatíveis com essa pretensa unidade de desígnios, pois a residência funcionava, no piso frontal, como clínica e espetaria desativadas, de modo que a movimentação observada pelos policiais se concentrava no portão dos fundos, controlado pelo corréu. Os relatos sugerem, portanto, atividade individualizada de Thiago e não ação conjunta dos conviventes. Ademais, Mariana é primária, possui bons antecedentes, cuida de duas crianças menores e não foi apontada por nenhuma das múltiplas denúncias anônimas que deram origem à investigação — circunstâncias que reforçam a dúvida razoável sobre sua efetiva participação. Nesse contexto, impõe-se o reconhecimento da insuficiência probatória quanto ao dolo de traficar por parte da ré Mariana, impondo absolvição com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, pois subsiste dúvida insanável acerca de sua adesão à atividade ilícita. III) - DISPOSITIVO. Isto posto, e por tudo que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão formulada na denúncia, para o fim de condenar o réu THIAGO RAFAEL DA SILVA, já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções prevista no artigo 33, “caput”, da Lei 11.343/2006, e ABSOLVER a ré MARIANA ESTER FERNANDES ALVES, já qualificada nos autos, por insuficiência de provas, em atenção ao princípio “In dubio pro reo”, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Passo a dosar a pena do réu THIAGO RAFAEL DA SILVA. A) - Circunstâncias judiciais. O delito de tráfico de entorpecentes, na modalidade qualificada, possui pena de reclusão de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de multa de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Consoante dispõe o artigo 42 da Lei n.º 11.343/2006, à natureza e a quantidade da droga, não há nada que se valorar. Quanto à culpabilidade verifica-se normalidade reprovabilidade da conduta. Quanto aos antecedentes, verifica-se possui uma sentença penal condenatória pelo crime de tráfico, transitada em julgado no dia 17/08/2020 nos autos da Ação Penal n. 0014622-79.2018.8.11.0064, sendo reconhecida o cumprimento da pena em 07/02/2023 nos autos do executivo de pena n. 2000121-18.2020.8.11.0064 . Quanto à conduta social não verifico a presença de nenhuma circunstância que indique ser o réu uma pessoa que provoque instabilidade social, além do delito perpetrado. Quanto à personalidade do agente também não existem registros indicativos de desvio de personalidade, não há nenhuma afinação especial do delito praticado com a personalidade do agente. Acerca dos motivos da prática do delito, veja-se que o acusado não se mostrou movido por motivos relevantes, além do comum, que seria a prática do delito para a obtenção de vantagem financeira fácil. Quanto às circunstâncias são sempre nocivas à sociedade, cuidando-se que o delito de tráfico de drogas alimenta não apenas o vício, mas também uma série de outros delitos associados, como furtos receptações e porte de armas, mesmo assim, não há nada que se valorar nesta fase da dosimetria. Quanto às consequências nada há que valorar. E, acerca do comportamento da vítima, tratando-se de crime contra a sociedade, nada pode ser dito abstratamente. Estabelece-se então, como medida razoável e necessária para a reprovação e prevenção do crime, a pena-base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão. b) - Circunstâncias legais. Ao contrário do sustentado pela defesa, verifica-se que não é caso de reconhecer a atenuante da confissão, pois o réu negou o crime de tráfico, alegando ser apenas usuário de entorpecentes. Ainda, não verifico circunstancias agravantes da pena. c) - Causas de aumento ou diminuição de pena. Não verifico também ser possível a aplicação da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, pois conforme se extrai dos antecedentes criminais do réu, verifica-se que o réu já foi condenado pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Assim, não verificando nenhuma causa de aumento ou diminuição de pena, tornando-a definitiva em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão. Da multa. Quanto à pena de multa, a julgar pelas bases lançadas na fundamentação supra do art. 59 do Código Penal Brasileiro, fixo a pena de multa em 630 (seiscentos e trinta) dias-multa, e, considerando a capacidade econômica da ré, fixo o valor do dia multa em um trigésimo do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Da detração penal. O artigo 387, dispõe o seguinte: “Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (....); § 2o O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)” Verifica-se que o réu foi preso em flagrante em 25 de fevereiro de 2025, cumprindo desta forma, até a presente data pouco mais de 04 (quatro) meses, devendo este tempo de prisão ser computado na pena definitiva. Desta forma, tendo em vista que a pena definitiva é de 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão, e o tempo cumprido de prisão preventiva e, considerando que o réu é reincidente, com fundamento no artigo 33, §3º, do Código Penal, estabeleço ao réu o REGIME FECHADO para o cumprimento da pena privativa de liberdade. O réu não jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a suspensão condicional da pena, eis que não preenche os requisitos subjetivos dos artigos 44, incisos I e III e 77, “caput” e inciso II. DO APELO EM LIBERDADE O sentenciado teve a prisão preventiva decretada no início do processo, para resguardar a ordem pública, ante a periculosidade social do agente em razão da reiteração criminosa, fundamentos que ainda se fazem presentes. No caso, o réu foi condenado ao regime inicial fechado, ante a presença da comprovação da materialidade e autoria do acusado, restando, portanto, preenchido o requisito do “fumus comissi delicti”. De outro lado, também está presente o “periculum libertatis”, o qual, face a possibilidade de reiteração da conduta criminosa, aferível pelos antecedentes criminais do réu. Deste modo, a segregação do réu se faz necessária para garantir a ordem pública. Em se tratando de réu que permaneceu preso durante toda a instrução processual e quando os motivos que ensejaram a prisão cautelar ainda permanecem incólumes, como ora se vê, os Tribunais Pátrios, estando a frente o Superior Tribunal de Justiça, têm preconizado que o réu não faz jus ao apelo em liberdade, uma vez condenado a pena que deverá ser cumprida em regime inicialmente FECHADO. Ante o exposto, NEGO, POIS, AO RÉU THIAGO RAFAEL DA SILVA O APELO EM LIBERDADE. IV) - DISPOSIÇÕES FINAIS. Condeno o réu ao pagamento das custas e taxas processuais. Oportunamente, após o trânsito em julgado desta sentença, tomem-se as seguintes providências: a) expeça-se guia de execução definitiva do condenado. Observe-se a detração penal, nos termos do artigo 42 Código Penal. b) em cumprimento ao disposto no art. 72, §2º, do Código Eleitoral, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando-o sobre esta decisão; c) oficie-se ao órgão estadual de cadastro de dados sobre antecedentes, inclusive ao INFOSEG, fornecendo as informações sobre este decisório. Determino a destruição da droga apreendida, (art. 32, §§ 1º e 2º da Lei 11.343/06). Com relação ao celular IPHONE 12 de cor branca de propriedade da ré, diante da absolvição da ré, DEFIRO o pedido da defesa, determinando a devolução do referido aparelho, independentemente da conclusão da quebra do sigilo dos dados concedida em fevereiro de 2025. Já com relação aos demais aparelhos celulares apreendidos, diante da ausência da conclusão da quebra do sigilo dos dados deferida, mantenho as suas apreensão até a conclusão da diligência, determinando a intimação da Polícia Civil e Politec, requisitando a conclusão em 30 (trinta) dias. Ademais, no tocante o dinheiro no valor total de R$ 72,60 apreendido no momento do flagrante do réu, considerando que não foi comprovada nos autos, a origem lícita dos bens apreendidos, declaro o perdimento do bem em favor da União, nos termos do artigo 63 da Lei n.º 11.343/06. Ainda, com relação aos objetos: balança de precisão, rolo de plástico filme e cartelas de bingo, determino a distribuição dos objetos. Por fim, com relação a maquina de cartão pequena de cor azul do Mercado Pago, tendo em vista que não há qualquer vinculação com a venda de droga narradas nos autos, DETERMINO a devolução a ré Mariana. Ciência ao Ministério Público e a defesa, dispensando a necessidade de intimação pessoal da ré solta, nos termos do artigo 392, do CPP. Determino a intimação pessoal do réu preso da sentença, nos termos do artigo 392, do CPP. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo o necessário. Às providências. Pedra Preta-MT, data da assinatura eletrônica. Márcio Rogério Martins Juiz de Direito
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