Processo nº 1009766-17.2024.8.11.0041
ID: 334947281
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1009766-17.2024.8.11.0041
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCIANA MARTINS DE AMORIM AMARAL SOARES
OAB/PE XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009766-17.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Obrigação de Fazer /…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009766-17.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Obrigação de Fazer / Não Fazer] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MILLANO DISTRIBUIDORA DE AUTO PECAS LTDA - CNPJ: 26.770.818/0001-87 (APELADO), FERNANDO HENRIQUE SANCHES DA COSTA - CPF: 010.848.981-79 (ADVOGADO), JESSICA GASPARINI MOLIN - CPF: 088.499.989-02 (ADVOGADO), PAULO CESAR BONACORCE CARMONA - CPF: 190.889.147-53 (APELADO), BANCO SAFRA S.A - CNPJ: 58.160.789/0001-28 (APELANTE), LUCIANA MARTINS DE AMORIM AMARAL SOARES - CPF: 051.936.964-57 (ADVOGADO), SUELLEN PONCELL DO NASCIMENTO DUARTE - CPF: 063.800.534-50 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): BANCO SAFRA S.A APELADO(S): MILLANO DISTRIBUIDORA DE AUTO PECAS LTDA EMENTA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCLUSÃO INDEVIDA DE GRAVAME DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM VEÍCULO DE TERCEIRO. FINANCIAMENTO FRAUDULENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO. AFASTAMENTO DE DANOS MORAIS À PESSOA JURÍDICA POR AUSÊNCIA DE ABALO À HONRA OBJETIVA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, diante da inclusão indevida de gravame de alienação fiduciária sobre veículo de propriedade da autora, decorrente de financiamento fraudulento realizado por terceiro, com pedido de baixa do gravame e indenização por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) definir se há descabimento do pleito de concessão da gratuidade de justiça à parte autora; (ii) estabelecer a legitimidade passiva do Banco Safra para responder à demanda; (iii) determinar a responsabilidade civil do banco diante da inclusão indevida de gravame de alienação fiduciária por financiamento fraudulento; (iv) verificar a existência de dano moral indenizável à pessoa jurídica autora. III. RAZÕES DE DECIDIR O pedido de impugnação à gratuidade de justiça não comporta conhecimento por ausência de interesse recursal, visto que a autora pagou as custas iniciais e não formulou pedido de assistência judiciária. A legitimidade passiva da instituição financeira se verifica in status assertionis, pois foi o banco quem incluiu o gravame sobre veículo da autora com base em contrato firmado com terceiro estranho à cadeia dominial do bem, devendo responder pelos efeitos decorrentes dessa conduta. A regularidade formal do financiamento celebrado com terceiro não exime o banco de responsabilidade objetiva, pois houve inclusão de gravame em veículo pertencente à autora, com violação do direito de propriedade, ficando evidenciada falha na prestação do serviço bancário. O banco, ao reconhecer administrativamente o erro e proceder à baixa do gravame após provocação da autora, confessa a irregularidade da operação, reforçando a caracterização do ilícito. Não restou comprovado abalo à honra objetiva, reputação ou imagem da pessoa jurídica autora, sendo incabível a condenação por danos morais, por ausência de prova do prejuízo extrapatrimonial exigido para a configuração do dano moral à pessoa jurídica. Prejuízos decorrentes da impossibilidade de negociação do bem, não comprovados nos autos, caracterizam lucros cessantes e danos materiais, não se confundindo com danos morais. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A inclusão indevida de gravame de alienação fiduciária sobre veículo de terceiro, em decorrência de financiamento fraudulento, configura falha na prestação do serviço e autoriza a determinação de baixa do gravame pela instituição financeira. A responsabilidade objetiva do banco por inclusão indevida de gravame não é afastada pela mera aparência de regularidade dos documentos apresentados por terceiro. A condenação ao pagamento de indenização por danos morais à pessoa jurídica exige prova de abalo à sua honra objetiva, imagem ou reputação, o que não se presume nem se configura pela simples restrição à disposição do bem. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 17, 85, 86, 996 e 373, I; CC, arts. 52, 186, 187 e 927. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, AgInt no REsp 1850992/RJ; TJMT, 1017626-69.2024.8.11.0041, 1002452-98.2024.8.11.0015, 0003860-57.2018.8.11.0111 e 1003819-87.2024.8.11.0006. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de apelação cível interposta por BANCO SAFRA SA contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da ação de obrigação de fazer cumulada com danos morais ajuizada por MILLANO DISTRIBUIDORA DE AUTO PEÇAS LTDA. A r. sentença julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: VISTOS, MILLANO DISTRIBUIDORA DE AUTO PECAS LTDA representado por PAULO CESAR BONACORCE CARMONA propôs AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADO COM DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA em desfavor de BANCO SAFRA S.A. Narra que comprou o veículo JEEP/COMPASS LONG TD, 2021/2022, PLACA RAU9I49/MT, COR PRETA, CHASSI 988675128NKK93018, RENAVAM 01270637964, junto à empresa FCA FIAT CHRYSLER AUTOMOVEIS BRASIL LTDA, efetuando o pagamento do valor total à vista no dia 13 de julho de 2021. Assevera que após mais de 02 (dois) anos de uso do veículo a empresa decidiu vendê-lo, momento em que foi surpreendida com a informação de que o mesmo havia sido alienado, em decorrência de financiamento realizado em outro Estado, pela pessoa de LEONARDO DOS SANTOS, CPF: 106.569.564-02, pessoa e situação que desconhece completamente. Afirma que foram realizadas ainda diversas tentativas de tratativa por contato telefônico, o que comprova com os números de protocolo 20240110027386, 20240205004899, 20240202022065, 20240124017214, onde o Réu inclusive confessou o erro na inclusão do gravame, porém se recusou a realizar a baixa, que permanece até o presente momento. Por fim, requer a concessão de tutela provisória com liminar, para que a Ré proceda com a imediata baixa do gravame no prazo máximo de 05 (cinco) dias. E no mérito, requer a procedência dos pedidos, para confirmar a tutela pretendida, consistente na obrigação de proceder à baixa no gravame do veículo e condenar o Réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Recolhimento das custas no ID. 144409552. Decisão de ID. 147846689, indeferindo a tutela de urgência, e determinando a citação do Requerido. Contestação apresentada pelo Requerido/Banco Safra no ID. 161501743, arguindo a preliminar de impugnação ao valor da causa, ilegitimidade passiva, denunciação a lide, e no mérito, a improcedência dos pedidos. Audiência de conciliação realizada no dia 10/07/2024, sem Êxito (ID. 162154166). Impugnação a contestação de ID. 164148735. Ato continuo as partes foram intimadas para especificar as provas que pretendem produzir, ocasião em que ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (ID. 166818350 e ID. 166905036). Após, vieram os autos conclusos. É O RELATÓRIO DECIDO. DAS PRELIMINARES IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA O Requerido suscitoupreliminar de impugnação ao valor da causa, alegando que este não refletiria corretamente a cumulação de pedidos, especialmente considerando o pedido de obrigação de fazer (baixa do gravame), cujo valor deveria ser mensurado ou acrescido ao valor pretendido por dano moral. Ocorre que o valor “exorbitante” impugnado pela Requerida não comporta qualquer redução, tendo em vista que corresponde ao montante pleiteado a titulo de indenização por danos morais, sendo que cabe ao juiz o seu arbitramento, levando-se em consideração o grau de culpa do agente, as condições socioeconômicas das partes, assim como o bem jurídico lesado, valendo-se de critérios de proporcionalidade e razoabilidade, definidospeladoutrina ejurisprudência. Assim, rejeito a preliminar. ILEGITIMIDADE PASSIVA O Requerido alega que não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, posto que figura apenas como prestador de serviços financeiros, sendo a sua atuação limitada a disponibilização do crédito, após a escolha do bem pelo cliente junto a revenda. A legitimidade passiva decorre da relação jurídica material existente entre as partes, ou seja, da pertinência subjetiva da ação. No caso em tela, a parte autora alega que o Banco Safra S.A. foi responsável pela inclusão indevida de gravame sobre seu veículo, o que lhe causou prejuízos. Assim, ainda que o negócio fraudulento tenha sido realizado por terceiros, a responsabilidade pela análise e conferência dos documentos e pela regularidade da operação é da instituição financeira, que deve arcar com os prejuízos causados ao consumidor em caso de falha na prestação do serviço. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao reconhecer a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por fraudes e delitos praticados por terceiros, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. (SÚMULA 479, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012) Assim, rejeito a preliminar. DO MÉRITO Com fulcro na permissão legal do artigo 370 do CPC, sobretudo considerando ser o juiz destinatário das provas, por estar suficientemente convencido sobre os pontos controvertidos, e ainda inexistindo preliminares suscitadas, tomando por base as provas carreadas no caderno processual, passo a sentenciar o feito, na forma do inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil. Pretendo a parte Autora, a condenação da Requerida na obrigação de realizar a baixa do gravame, e por consequência a condenação em danos morais, alegando, em síntese, que adquiriu e quitou à vista o veículo JEEP/COMPASS LONG TD 2021/2022, sendo surpreendida, anos depois, com a informação de que havia gravame de alienação fiduciária sobre o bem, oriundo de financiamento supostamente fraudulento realizado por terceiro (LEONARDO DOS SANTOS) em estado distinto. A Requerida, por sua vez, afirma que em momento algum participou da negociação do veiculo entre a empresa JL COMÉRCIO DE VEÍCULOS E LOCADORA LTDA e o Sr. LEONARDO DOS SANTOS, visto que figurou apenas como prestadora de serviços financeiros. A controvérsia reside em verificar se houve falha na prestação do serviço por parte do Banco Safra S.A. ao permitir a realização de financiamento fraudulento sobre o veículo de propriedade da parte autora e, em caso positivo, se restaram configurados os danos morais alegados. Compulsando os autos, verifico que a parte autora comprovou ser a legítima proprietária do veículo, conforme documentos apresentados na inicial. Por outro lado, o Banco Safra S.A. não apresentou qualquer prova de que a parte autora tenha participado da negociação fraudulenta ou autorizado a realização do financiamento em nome de terceiros. Cumpre destacar que a relação havida entre as partes se submete à regência das normas dispostas no Código de Defesa do Consumidor, consoante interpretação do artigo 2º, caput, e do artigo 3º, caput, ambos da Lei 8.078/90. Tratando-se de relação consumerista, milita em favor da parte autora a presunção de boa-fé quando alega desconhecer a alienação fiduciária do veículo em questão ao Banco réu efetuado por terceira pessoa. Assim, incumbia à parte contrária provar a existência de tal solicitação, seja por envolver fato negativo (art. 373, II do CPC), sendo difícil a produção de tal prova pela parte autora da ação, seja por força do disposto nos arts. 6º, VIII e 14, 'caput', do CDC. Ademais, a parte ré sequer apresentou documentos referentes ao autor, mas sim de terceiro estranho à lide, o que demonstra a fragilidade da defesa apresentada. Do exposto dos autos, depreende-se que o requerente foi vítima de fraude praticada em seu desfavor, mediante transação irregular com veículo de sua propriedade (ID. 144395201), foi financiado junto à instituição financeira ré (alienação fiduciária) por terceiro desconhecido, conforme consta na própria contestação apresentada pelo Requerido. Isto porque, o Certificado de Registro de Veículo de ID. 144395203 atesta o autor como proprietário do veículo JEEP/COMPASS LONG TD. Sobremais, o contrato juntado no ID. 161501744 se trata de negócio jurídico constituído pelo Requerido com o Sr. Leonardo dos Santos (estranho a lide) em 28/7/2022, registrado sob o nº 0121200011751, portanto, sem qualquer relação com o ora Autor. Logo, restou minimamente demonstrada pela documentação carreada com a inicial as alegações da parte autora. É o que basta para considerar indevida a manutenção da anotação do registro de gravame, sem qualquer contrato válido que autorizasse essa medida. Nesse contexto, o banco réu deverá proceder à baixa do gravame, nos termos do art. 18, parágrafo único da Resolução Contran nº 807/2020. Art. 18. A instituição credora deverá encaminhar ao órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de até 10 (dez) dias, a informação relativa à quitação das obrigações do devedor, a qual será averbada junto ao registro do contrato, comprovando o término da garantia vinculada ao veículo. Parágrafo único. A qualquer tempo, o credor poderá solicitar ao órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal a baixa definitiva da garantia, independentemente da quitação das obrigações do devedor. Portanto, houve a falha na prestação dos serviços, na medida em que concorreu diretamente para a possível fraude cometida, com sua desídia na conferência da formal propriedade sobre o bem e identidade do contratante. Nesse sentido: "AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZATÓRIA – INDEVIDA INSERÇÃO DE GRAVAME SOBRE VEÍCULO – DANOS MORAIS – QUANTUM – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – I - Sentença de parcial procedência – Apelo do banco réu – II- Caracterizada relação de consumo – Inversão do ônus da prova – Existência de gravame sobre veículo de propriedade do autor, decorrente de financiamento do automóvel concedido pelo banco réu para terceiro – Réu que não se desincumbiu de seu ônus probatório, não comprovando a regularidade da alienação fiduciária do veículo em questão – Autor que foi vítima de fraude praticada em seu desfavor, mediante transação irregular com veículo de sua propriedade, indevidamente dado em garantia de empréstimo celebrado junto à instituição financeira ré por terceiro desconhecido – Indevida a anotação do registro de gravame – Falha na prestação de serviços pelo banco réu, que deverá proceder à baixa do gravame – Responsabilidade objetiva – Danos morais caracterizados – Indenização devida, devendo ser fixada com critérios de razoabilidade e proporcionalidade – Indenização bem fixada em R$5.000,00, quantia suficiente para indenizar o autor e coibir o réu de atitudes semelhantes – III- Honorários advocatícios bem fixados pela sentença em 20% sobre o valor da condenação, levando-se em consideração o trabalho desenvolvido nos autos, revelando o zelo e a dedicação dos profissionais, embora a matéria não fosse de alta indagação – Obediência do disposto no art . 85, § 2º, do NCPC – IV- Sentença mantida pelos próprios fundamentos – Art. 252 do Regimento Interno do TJSP – Honorários advocatícios já fixados em percentual máximo – Impossibilidade de majoração em razão do trabalho adicional realizado em grau recursal – Vedação expressa – Art. 85, § 11, do NCPC – Apelo improvido." (TJ-SP - Apelação Cível: 10005208120228260515 Rosana, Relator.: Salles Vieira, Data de Julgamento: 22/07/2024, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/07/2024) Com efeito, havendo relação de consumo e reconhecimento da falha na prestação dos serviços, deve a parte requerida responder objetivamente pelos danos daí decorrentes. Ressalte-se que a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, que resultem danos a terceiros ou a correntistas, não afasta a responsabilidade civil da instituição financeira, na medida em que fazem parte do próprio risco do empreendimento, caracterizando fortuito interno. No mesmo sentido, o verbete nº 479, da Súmula de Jurisprudência daquela Corte Superior: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Cabe ao prestador do serviço conferir todos os documentos apresentados nos contratos celebrados, empregando o dever de segurança que lhe é exigido pela sistemática do Código de Defesa do Consumidor. Nesse contexto, restou evidenciada a falha na prestação do serviço por parte do Banco Safra S.A., que não adotou as cautelas necessárias para verificar a autenticidade dos documentos apresentados e a identidade das partes envolvidas na operação, permitindo a realização de financiamento fraudulento sobre o veículo de propriedade da parte autora. A conduta negligente do Banco Safra S.A. causou diversos prejuízos à parte autora, que teve seu veículo indevidamente gravado e foi impedida de realizar a venda do bem. Tais fatos, por si só, são suficientes para caracterizar o dano moral, que decorre da angústia, do sofrimento e da sensação de impotência causados pela impossibilidade de dispor livremente de seu patrimônio. No que tange ao quantum indenizatório, entendo que o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pleiteado pela parte autora é razoável e proporcional aos danos sofridos, levando em consideração a gravidade da conduta do Banco Safra S.A., a extensão dos prejuízos causados à parte autora e o caráter pedagógico da indenização, que visa desestimular a reiteração de condutas semelhantes. DIANTE DO EXPOSTO, diante da doutrina e da jurisprudência apresentada, e com fulcro no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado por MILLANO DISTRIBUIDORA DE AUTO PECAS LTDA representado por PAULO CESAR BONACORCE CARMONA, para DETERMINAR a baixa do gravame de alienação fiduciária incidente sobre o veículo de propriedade da parte autora, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária a ser fixada em caso de descumprimento, e CONDENAR o Requerido BANCO SAFRA S.A. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos monetariamente pelo IPCA desde a data desta sentença e acrescidos de juros de mora (SELIC) desde a data do evento danoso (data da inclusão indevida do gravame). CONDENO,a parte Requerida ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º do NCPC. (Grifos no original) Em suas razões recursais (ID. 296796970), a parte recorrente invoca os seguintes argumentos fático-jurídicos: 1. Descabimento do pleito de concessão da gratuidade de justiça; 2. Ilegitimidade passiva do Banco Safra; 3. Regularidade da contratação do financiamento e ausência de responsabilidade civil da instituição financeira; 4. Inexistência de dano moral. Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, julgando improcedentes os pedidos iniciais ou, subsidiariamente, reduzindo o valor da indenização por danos morais. Recurso tempestivo (Aba Expedientes – Sentença (39870710) – PJE 1º Grau) e preparo recolhido (ID 297888384). Contrarrazões (ID 296796975) pelo desprovimento recursal. Não houve manifestação da Procuradoria de Justiça em razão da matéria. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): BANCO SAFRA S.A APELADO(S): MILLANO DISTRIBUIDORA DE AUTO PECAS LTDA VOTO – PRELIMINAR EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: 1. Descabimento do pleito de concessão da gratuidade de justiça; A recorrente impugna o pedido de justiça gratuita supostamente deferido em favor da recorrida, sob fundamento que esta poderia realizar o pagamento das custas por meio do parcelamento. Sobre isso, apesar de a parte ré ter interposto apelação defendendo a necessidade de revogação ou indeferimento do pedido de justiça gratuita da parte autora, o pedido recursal não pode ser conhecido por falta de interesse recursal, nos termos do art. 996, caput, do Código de Processo Civil, uma vez que sequer houve qualquer pedido no curso dos autos nesse sentido. Pelo contrário, a parte autora quando da distribuição do feito efetuou o pagamento das custas iniciais (ID. 296796935), sendo que não apresentou recurso contra a sentença que justificasse a necessidade de pagamento do preparo recursal. A doutrina processual ensina que as preliminares devem guardar pertinência com a realidade fática e jurídica dos autos, sob pena de configurar tumulto processual. No caso em exame, a tentativa de impugnar benefício jamais requerido constitui estratégia processual inadequada e desprovida de qualquer respaldo jurídico. Em sentido similar, a jurisprudência: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL –- ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEIÇÃO - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS RESCINDIDO UNILATERALMENTE – APRESENTAÇÃO DE TERMOS DE QUIOTAÇÃO GENÉRICOS QUE NÃO SÃO HÁBEIS PARA A FINALIDADE A QUE SE DESTINAM - IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DAS CLÁUSULAS PARA RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS EM RAZÃO DA RESCISÃO CONTRATUAL – VIABILIDADE DO ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS PELO ESTADO-JUIZ – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 85, § 2º DO CPC e ARTIGO 22, § 2º DO ESTATUTO DA OAB – HONORÁRIOS FIXADOS DE ACORDO COM O TRABALHO REALIZADO PELO ADVOGADO ATÉ A RESCISÃO DO CONTRATO DE MANEIRA UNILATERAL – POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO EQUITATIVAMENTE – VIABILIDADE DO ARBITRAMENTO DO VALOR CONSTANTE DA SENTENÇA – ATENDIMENTO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – JUSTIÇA GRATUITA – AUSÊNCIA DE DEFERIMENTO E RECOLHIMENTO DAS CUSTAS PELA PARTE AUTORA – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL NESTE PONTO EM ESPECÍFICO – JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS E CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC MANTIDOS - RECURSO DESPROVIDO. Há que ser rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa, quando há elementos probatórios suficientes para a prolação da sentença, possibilitando o julgamento antecipado da lide. Os termos de quitação genéricos que não atendem aos requisitos do art. 320 do Código Civil, demonstram inidôneos para comprovar a quitação específica dos honorários referentes aos processos objeto da ação. Na hipótese de rescisão unilateral do contrato, mostra-se imperioso o arbitramento dos honorários, tendo-se em vista o trabalho desempenhado até a revogação do mandato, independentemente da implementação das condições contratuais então vigentes, à luz da função social do contrato e do princípio da boa-fé, eis que se tornou impossível o cumprimento, em razão de vontade unilateral da instituição bancária, sendo que a negativa de tal interpretação violaria o disposto no artigo 22, §2º, do Estatuto da OAB, sob pena de autorizar o contratante a enriquecer indevidamente com o trabalho desenvolvido pelo advogado. Os honorários devem ser arbitrados de acordo com o trabalho exercido pelo advogado até o momento da rescisão contratual. Em ação de arbitramento de honorários, deve o Magistrado pautar-se pela razoabilidade e proporcionalidade, fixando de maneira equitativa, e de acordo com as circunstâncias dos autos, tendo-se em vista a complexidade da causa, o tempo e trabalho realizado, bem como o valor econômico da questão, à luz do artigo 85, § 2º do CPC e do art. 22, §2º, do Estatuto da OAB, sendo que o montante fixado no caso de 5% sobre o valor das causas, considerando as ações relacionadas na inicial, atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não há falar em revogação da justiça gratuita quando se constata que sequer foi deferida, havendo falta de interesse recursal quanto a este ponto. Os juros de mora de 1% ao mês desde a citação e correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento devem ser mantidos haja vista que encontra-se conforme o entendimento jurisprudencial. (N.U 1017626-69.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Vice-Presidência, Julgado em 19/05/2025, Publicado no DJE 19/05/2025) (grifo nosso) Dessa forma, conclui-se pelo não conhecimento do pedido recursal quanto à impugnação ao pedido de justiça gratuita, por ausência de interesse recursal, nos termos do art. 996 do CPC. 2. Ilegitimidade passiva do Banco Safra; A parte Apelante alega que não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que atuou apenas como prestadora de serviços financeiros, limitando-se à disponibilização do crédito após negócio realizado entre o consumidor e a revenda JL Comércio de Veículos e Locadora Ltda. Como é cediço, pela teoria da asserção, a legitimidade de parte deve ser aferida com base nas alegações formuladas na petição inicial, observando-se a narrativa dos fatos apresentados pelo autor. Conforme disposto no artigo 17 do Código de Processo Civil, são legitimados a propor ação aqueles que possuem interesse processual e legitimidade para tanto. Sobre o tema, ensina a doutrina processual que as condições da ação devem ser aferidas in status assertionis, isto é, à vista das afirmações do demandante, sem tomar em conta as provas produzidas no processo. Havendo manifesta ilegitimidade para causa, quando o autor carecer de interesse processual ou quando o pedido for juridicamente impossível, pode ocorrer o indeferimento da petição inicial com extinção do processo sem resolução de mérito. Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte, da ausência de interesse do autor ou da impossibilidade jurídica do pedido, há resolução de mérito. Nesse passo, o que se afirma na exordial e a realidade vertente dos autos tratam do mérito e devem ser enfrentadas em sede de eventual procedência ou improcedência da demanda, à luz da teoria da asserção. A teoria da asserção defende que as questões relacionadas às condições da ação, como a legitimidade passiva, são aferidas à luz do que o autor afirma na petição inicial, adstritas ao exame da possibilidade, em tese, da existência do vínculo jurídico-obrigacional entre as partes, e não do direito provado. Ocorre que, no caso em tela, conforme a teoria da asserção, não há que se falar em manifesta ilegitimidade passiva, pois, verifica-se, in status assertionis, que a instituição financeira apelante é credora em contrato de mútuo com alienação fiduciária a envolver exatamente o veículo adquirido pela parte autora e em sua posse. Com efeito, a documentação carreada aos autos demonstra que a parte autora adquiriu o veículo JEEP COMPASS à vista, diretamente da concessionária FCA Fiat Chrysler Automóveis Brasil Ltda, em julho de 2021, conforme nota fiscal e comprovante de pagamento acostados (ID. 296796920). Também, o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo comprova que o automóvel se encontra regularmente registrado em nome da empresa autora desde a aquisição original (ID. 296796922). Por outro lado, o banco apelante reconhece ter celebrado contrato de financiamento com terceiro (Leonardo dos Santos) em julho de 2022, registrando gravame de alienação fiduciária sobre o mesmo veículo de propriedade da autora (ID. 296796957). Tal situação configura motivo legitimo para análise de risco de lesão a direito da parte autora a justificar a legitimidade passiva da instituição financeira. A circunstância de o banco alegar que não participou da negociação entre a revenda e o terceiro fraudador constitui questão de mérito relacionada à responsabilidade civil, não afetando sua legitimidade para integrar o polo passivo da demanda. Nesse sentido: E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO JURÍDICO C/C NULIDADE DE GRAVAME E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA – TEORIA DA ASSERÇÃO – BANCO QUE INSERIU O GRAVAME – MÉRITO – GRAVAME INDEVIDO EM VEÍCULO DE PROPRIEDADE DE TERCEIRO – AUSÊNCIA DE VÍNCULO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES – RELAÇÃO CONSUMERISTA POR EQUIPARAÇÃO – ART. 17 DO CDC – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – ART. 14 DO CDC E SÚMULA 479 DO STJ – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – RISCO DA ATIVIDADE – DANO MORAL CONFIGURADO – IN RE IPSA – QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL – SENTENÇA ESCORREITA – RECURSO DESPROVIDO. A legitimidade passiva da instituição financeira se perfectibiliza pela Teoria da Asserção, uma vez que a pretensão autoral se funda na conduta do banco de inserir indevidamente gravame sobre veículo de propriedade do autor, sem a existência de relação jurídica que a justifique. O proprietário de veículo gravado indevidamente por instituição financeira, mesmo sem ter sido parte do contrato de financiamento, equipara-se a consumidor por equiparação (art. 17 do CDC), estando, portanto, sob a égide das normas consumeristas. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, conforme Súmula 479 do STJ e art. 14 do CDC. A indevida inclusão de gravame de alienação fiduciária sobre veículo pertencente a terceiro, estranho à relação contratual, configura falha na prestação do serviço da instituição financeira e enseja o dever de indenizar. O dano moral decorrente da restrição indevida de veículo é in re ipsa, ou seja, presume-se pela própria ocorrência do fato, sendo desnecessária a comprovação do efetivo prejuízo. A fixação do quantum indenizatório deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como a extensão do dano e o caráter pedagógico da medida. (N.U 1002452-98.2024.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 07/06/2025, Publicado no DJE 07/06/2025) (grifo nosso) Em conclusão, a instituição financeira é parte legítima porque foi ela quem registrou o gravame sobre o veículo da autora, ainda que com base em contrato celebrado com terceiro. Deste modo, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. VOTO – MÉRITO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Reitero se tratar de recurso de Apelação cível apresentado em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação de obrigação de fazer cumulada com danos morais ajuizada por Millano Distribuidora de Auto Peças Ltda em face do Banco Safra SA, fundamentada na alegação de inclusão indevida de gravame de alienação fiduciária sobre veículo de propriedade da autora, decorrente de financiamento fraudulento realizado por terceiro (Leonardo dos Santos) em Estado diverso. A parte Apelante, em suma, defende a regularidade da contratação do financiamento com Leonardo dos Santos, formalizada por meio de plataforma digital com validação biométrica e observância da legislação pertinente. Argumenta que a aparência de regularidade dos documentos apresentados afasta sua responsabilidade civil, não havendo falha na prestação do serviço. Por fim, requer o afastamento da condenação por danos morais, alegando inexistência de ato ilícito e ausência de demonstração concreta de prejuízos extrapatrimoniais. Lado outro, a parte Apelada assevera que o banco é parte legítima para responder pela demanda, uma vez que foi responsável pela inclusão indevida do gravame sobre veículo que sempre pertenceu à autora. Contrapõe que houve grave equívoco na contestação apresentada pelo banco, o qual juntou documentos referentes a terceiro estranho à lide, confirmando a fraude denunciada. Destaca que a própria instituição financeira confessou a irregularidade ao realizar a baixa do gravame após solicitações da autora e que não há que se falar em aparência de regularidade, sustentando que o banco não adotou diligências mínimas para verificar a propriedade do veículo objeto da alienação fiduciária. Ao fim, pede o desprovimento recursal, sob o fundamento de que restaram configurados os danos morais decorrentes da impossibilidade de livre disposição do bem. 3. Regularidade da contratação do financiamento e ausência de responsabilidade civil da instituição financeira; O apelante argumenta que a contratação do financiamento que originou o gravame sub judice se deu de forma legitima, observando todos os procedimentos legais e regulamentares, incluindo validação biométrica, assinatura digital certificada e envio de documentação pessoal, motivo pelo qual inexiste responsabilidade civil. Da análise dos argumentos apresentados pela Recorrente, no entanto, é possível que a mesma busca desvirtuar o conceito de regularidade formal da operação com a licitude gravame realizado. Explico. A circunstância de o contrato ter sido celebrado com observância dos procedimentos exigidos para tanto não legitima a alienação fiduciária de bem pertencente a terceiro estranho à relação contratual. A questão central não reside na validade do contrato entre o banco e de terceiros, mas sim na ilegalidade do gravame registrado sobre veículo que jamais pertenceu ao contratante, notadamente pela robustez dos documentos apresentados pelo Recorrido com a exordial. Ainda que se reconheça a perfeição formal do ajuste, subsiste a violação ao direito de propriedade da parte autora, que constitui o fundamento da presente demanda. A alegação de que foram utilizados mecanismos avançados de autenticação biométrica e tecnologia de detecção de vivacidade não afasta a responsabilidade da instituição. Pelo contrário, demonstra que o banco dispõe de recursos tecnológicos sofisticados, o que torna ainda mais inexplicável a omissão na verificação da titularidade do bem objeto da garantia. Na espécie, restou demonstrado pela documentação carreada aos autos, que a Recorrida adquiriu o veículo JEEP COMPASS LONG TD 2021/2022, placa RAU9I49-MT, cor preta, chassi 988675128NKK93018, RENAVAM 01270637964, diretamente da concessionária FCA Fiat Chrysler Automóveis Brasil Ltda, efetuando o pagamento integral à vista em 13 de julho de 2021 (IDs. 296796920 e 296796922). Outrossim, a propriedade do veículo pela parte autora/recorrida restou incontroversa, não sendo objeto de impugnação específica pelo banco apelante. Em razão disso, às alegações da parte autora é conferida verossimilhança, na medida que mais de um ano da aquisição, em julho de 2022, a Apelante celebrou contrato de financiamento nº 0121200010001751 com terceiros completamente estranhos à cadeia dominial do veículo (ID. 296796957). Particularmente relevante é o reconhecimento expresso pela apelante de que "após as solicitações da parte autora, o banco demandado, prontamente, iniciou um procedimento de segurança para analisar o ocorrido, tendo realizado a baixa do gravame" (ID. 296796956 – p. 9), sendo que tal declaração constitui inequívoca confissão da irregularidade da operação, demonstrando que a instituição reconheceu administrativamente o erro na inclusão do gravame, embora tenha se recusado inicialmente a corrigi-lo de forma espontânea. Ademais, a circunstância de o financiamento ter sido realizado no Estado da Paraíba, enquanto o veículo encontrava-se registrado e licenciado em Mato Grosso, constituiu indício adicional que deveria ter alertado a instituição financeira para a necessidade de maior rigor na verificação documental. A distância geográfica entre o local da contratação e o registro do bem, associada à ausência de qualquer autorização de venda por parte do proprietário, evidenciava sinais claros de irregularidade que foram negligenciados pelo banco. Deste modo, inexistindo qualquer elemento capaz de demonstrar a participação da parte autora na negociação fraudulenta ou sua anuência com o financiamento em questão, a falha na prestação de serviços é evidente. O nexo causal entre a conduta omissiva da instituição financeira e os danos suportados pela parte autora restou plenamente demonstrado a partir da inclusão indevida do gravame, a qual impediu a concretização de negócio de venda que estava sendo encaminhado pela autora, inclusive com formalização cartorária (ID. 296796921), causando prejuízos econômicos diretos e constrangimentos que ultrapassaram o mero aborrecimento cotidiano. A responsabilidade objetiva da instituição financeira encontra-se configurada em todos os seus elementos essenciais: a conduta omissiva consistente na ausência de verificação da titularidade do bem, o dano representado pela impossibilidade de livre disposição da propriedade e o nexo causal direto entre a falha do serviço e os prejuízos suportados pela vítima. A alegação de aparência de regularidade dos documentos pessoais do contratante não elide a responsabilidade, porquanto a verificação da identidade do financiado constitui aspecto diverso e autônomo da conferência da legitimidade da garantia oferecida. Assim é a jurisprudência desta Corte na análise de casos semelhantes: SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0003860-57.2018.8.11.0111 APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A APELADO: CRISTYAN TOMBINI TURCATTO EMENTA RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – PARCIAL PROCEDÊNCIA – GRAVAME DE VEÍCULO JUNTO AO DETRAN – CONTRATO DE FINANCIAMENTO CELEBRADO COM TERCEIRO SUPOSTAMENTE FALSÁRIO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – AUSÊNCIA DE PROVAS DA REGULARIDADE DA INSERÇÃO DO GRAVAME – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CARACTERIZADA – DANOS MATERIAIS COMPROVADOS – DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM – REDUÇÃO NECESSÁRIA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A invocada tese de culpa exclusiva de terceiros não se mostra suficiente para afastar a responsabilidade civil da instituição financeira, porquanto deveria ter tomado todas as cautelas para que o financiamento fraudulento não ocorresse. 2. Inexistindo relação jurídica entre as partes, a indevida inclusão de gravame (alienação fiduciária sobre veículo) causa dano moral indenizável ao seu proprietário, não equiparável a mero aborrecimento. 3. Comprovado o distrato do contrato de compra e venda do veiculo a terceiro interssado, ensejando o pagamento da multa por dissolução contratual fixada em 20% sobre o valor total do contrato, ou seja, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), há que ser mantida a condenação pelos danos materiais sofridos. 4. Se o valor indenizatório foi fixado de forma excessiva, há que ser reduzido para R$ 7.000,00, obedecendo aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade. 5. Recurso parcialmente provido.- (N.U 0003860-57.2018.8.11.0111, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/03/2025, Publicado no DJE 11/03/2025) Do mesmo modo, não é demais ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de que a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por fraudes praticadas por terceiros não é afastada pela mera aparência de regularidade documental, conforme alegado pela Recorrente. Assim, escorreita a sentença que reconheceu a falha na prestação de serviços. 4. Inexistência de dano moral. A apelante diz, também, sobre a inexistência de danos morais, apontando que inexistiu provas acerca dos danos morais suportados pela Apelada em razão do gravame realizado. Pois bem. Verifica-se que, em 28 de julho de 2022, a Apelante, indevidamente, incluiu registro de gravame no veículo de propriedade da Apelada com base em contrato fraudulento, sendo que tal ato revela falha na prestação de serviço. Porém, em que pese a comprovação do ilícito, no caso em exame não há que se falar em condenação da apelante ao pagamento de indenização por danos morais à pessoa jurídica apelada. Primeiramente porque, sequer há qualquer prova nos autos de que tal situação tenha trazido impacto de grande monta ou ainda a existência de ofensa à honra da empresa recorrida. Ademais, apesar da inserção indevida do gravame assevera-se que a apelada postulou, em sua exordial, por danos morais à pessoa jurídica. Porém, não há provas de que a situação teria lesionado a honra objetiva ou a imagem da pessoa jurídica apelada. Para a configuração da responsabilidade civil por danos morais à pessoa jurídica, com fulcro no art. 52 do Código Civil e no enunciado da Súmula n.º 227 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário demonstrar, conforme tem entendido a jurisprudência do STJ e dos Tribunais de Justiça Estaduais, que o ilícito praticado tenha abalado significativamente a sua honra objetiva, com afetação à sua imagem, reputação e credibilidade, a fim de incidirem os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil Brasileiro. A corroborar o entendimento, cita-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO MORAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA NÃO PRESUMÍVEL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO OU ABALO À IMAGEM COMERCIAL. PRECEDENTES. 1. No caso dos autos, a Corte de origem, após ampla análise do conjunto fático-probatório, firmou que não ficou demonstrado nos autos nenhum dano que macule a imagem da parte autora. 2. A revisão da conclusão a que chegou o Tribunal de origem sobre a questão demanda o reexame dos fatos e provas constantes nos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial. Incide ao caso a Súmula 7/STJ. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de que o dano moral à pessoa jurídica não é presumível, motivo pelo qual deve estar demonstrado nos autos o prejuízo ou abalo à imagem comercial. Precedentes: REsp 1.370.126/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 14/4/2015, DJe 23/4/2015; AgRg no AREsp 294 .355/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 20/8/2013, DJe 26/8/2013; REsp 1.326.822/AM, Rel . Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/12/2012, DJe 24/10/2016. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1850992 RJ 2019/0164204-4, Relator.: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 25/05/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2020) Ocorre que, no caso em exame, não restou comprovado que a conduta da apelante causou abalo suficiente à honra objetiva da autora/recorrida, não se desincumbindo a autora do ônus probante previsto no art. 373, I, do Código de Processo Civil. Já houve o enfrentamento desta matéria por esta Câmara, a qual reconheceu que a inexistência de prova do abalo sofrido pela pessoa jurídica em caso de gravame indevido, não permite a condenação por danos morais: Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. BAIXA DE GRAVAME DE VEÍCULO. ATRASO NA EXCLUSÃO DA RESTRIÇÃO APÓS QUITAÇÃO DO FINANCIAMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. TEMA REPETITIVO Nº 1.078 DO STJ. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por PARREIRA AUTO CENTER E LOCADORA LTDA – ME contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais ajuizada em face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., determinando a baixa do gravame sobre veículo financiado no prazo de 15 dias, mas indeferindo o pedido de indenização por danos morais. 2. A parte apelante alega que, mesmo após a quitação integral do financiamento em 14/12/2023, o banco apelado manteve indevidamente a restrição do gravame por mais de quatro meses, impossibilitando a venda do bem e abalando sua credibilidade perante terceiros. Requer a reforma da sentença para condenar o apelado ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em determinar se a demora injustificada na baixa do gravame de alienação fiduciária, por si só, configura dano moral indenizável para pessoa jurídica. III. Razões de decidir 4. A instituição financeira tem a obrigação de efetuar a baixa do gravame no prazo máximo de 10 dias após a quitação do financiamento, nos termos do art. 18 da Resolução CONTRAN nº 807/2020. A manutenção da restrição por mais de quatro meses caracteriza falha na prestação do serviço. 5. Contudo, de acordo com o Tema Repetitivo nº 1.078 do STJ, “o atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação fiduciária no registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa”. 6. Para que a pessoa jurídica faça jus à indenização por dano moral, é necessária a comprovação da violação à sua honra objetiva, demonstrando-se efetivo abalo à sua reputação, credibilidade ou imagem perante terceiros, o que não foi comprovado nos autos. 7. A alegação da apelante de que não pôde vender o veículo devido à manutenção indevida do gravame configura mero aborrecimento, sem repercussão suficiente para caracterizar dano extrapatrimonial indenizável. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A manutenção indevida de gravame sobre veículo já quitado configura falha na prestação do serviço da instituição financeira, mas não caracteriza, por si só, dano moral indenizável. 2. Para a configuração do dano moral em favor de pessoa jurídica, é necessária a comprovação da violação à sua honra objetiva, com repercussão concreta e negativa na sua reputação, credibilidade ou imagem perante terceiros. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 373, I, e 85, § 11; Resolução CONTRAN n. 807/2020, art. 18. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo n. 1.078; STJ, Súmula n. 227; STJ, AgInt no AREsp n. 532.727/RN, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 12/09/2022; STJ, REsp n. 1.822.640/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 12/11/2019; TJ/MT, RAC 1000704-54.2023.8.11.0051, Rel. Des. Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 08/05/2024; TJ/MT, RecInom 1006822-88.2023.8.11.0037, Rel. Dra. Valdeci Moraes Siqueira, Terceira Turma Recursal, j. 18/03/2024. (N.U 1003819-87.2024.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/03/2025, Publicado no DJE 14/03/2025) Ademais, alegados prejuízos com supostas impossibilidades de adimplemento contratual com terceiros, sequer comprovados nos autos, seriam lucros cessantes e danos materiais que não se confundem com o instituto do dano moral. Desse modo, assiste razão à apelante quanto ao afastamento da condenação em indenização por danos morais. Conclusão. Por essas razões, conheço, em parte, do recurso de Apelação, rejeitando suas preliminares e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para afastar a condenação imposta à apelante ao pagamento de indenização por danos morais, mantendo-se, contudo, a determinação de baixa do grame de alienação fiduciária. Por fim, em razão da sucumbência recíproca quanto aos pedidos da exordial, redistribuo o ônus sucumbencial para que as custas, despesas processuais e honorários advocatícios sejam fixados na proporção de rateio de 50% para cada parte, sendo os honorários sucumbenciais arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos dos arts. 85 e 86 do Código de Processo Civil. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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