Processo nº 5457349-47.2017.8.09.0110
ID: 304478828
Tribunal: TJGO
Órgão: 10ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5457349-47.2017.8.09.0110
Data de Disponibilização:
23/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLAYTON CESAR DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Av. Assis Chateaubriand, 195 - St. Oeste, Goiânia - GO, 74130-012
10ª Câmara Cível
Gabinete do Desembargador Altamiro Garcia Filho
APELAÇÃO…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Av. Assis Chateaubriand, 195 - St. Oeste, Goiânia - GO, 74130-012
10ª Câmara Cível
Gabinete do Desembargador Altamiro Garcia Filho
APELAÇÃO Nº: 5457349-47.2017.8.09.0110
COMARCA: Mozarlândia
APELANTE: Rodrigo Resende Lobo
APELADO: Espólio Sérgio Stamato Filho e outros
RELATOR: Desembargador Altamiro Garcia Filho
APELAÇÃO ADESIVA Nº: 5457349-47.2017.8.09.0110
COMARCA: Mozarlândia
APELANTE: Rodrigo Resende Lobo
APELADO: Espólio Sérgio Stamato Filho e outros
RELATOR: : Desembargador Altamiro Garcia Filho
Ementa: DIREITO AGRÁRIO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E APELAÇÃO ADESIVA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL IMPRESCINDÍVEL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO COMPLEMENTAR. SENTENÇA CASSADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de rescisão contratual cumulado com indenização por suposta inadequação das condições de pastagem em contrato de arrendamento rural. O apelante sustentou cerceamento de defesa em razão do indeferimento de prova pericial previamente requerida para esclarecimento de questões técnicas sobre o objeto do contrato.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em cerceamento de defesa ao indeferir prova pericial sobre a suficiência da pastagem, condições do rebanho e presença de área de preservação ambiental, apesar da existência de controvérsia fática relevante sobre tais elementos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A produção de prova pericial, quando voltada à verificação de fatos controvertidos que dependem de conhecimento técnico, é assegurada pelas normas processuais como meio essencial à formação do convencimento judicial, não podendo ser indeferida sob o fundamento de decurso de prazo, quando é possível, através de imagens de alta resolução de satélite, verificar se a pastagem era nativa ou plantada.
4. A decisão de indeferimento da perícia, seguida de julgamento meritório amparado apenas em provas testemunhais indiretas e laudos unilaterais, afronta o princípio da ampla defesa, notadamente quando o ponto controvertido diz respeito à suficiência nutricional da pastagem fornecida e seu impacto na saúde do rebanho, matéria eminentemente técnica e cuja valoração judicial, isoladamente, não pode suprir.
5. A sentença fundamentada em elementos unilaterais e indiretos, com exclusão de prova pericial requerida previamente à decisão de saneamento, incorre em error in procedendo, por cerceamento de defesa, devendo ser oportunizada a produção de prova pericial com participação de ambas as partes, incluindo apresentação de quesitos técnicos, nos termos do contraditório, do princípio da comunhão das provas e do artigo 373 do CPC.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Recurso de apelação conhecido e provido para cassar a sentença recorrida por cerceamento de defesa, com retorno dos autos à origem para complementação da instrução probatória. Recurso adesivo prejudicado.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CPC, arts. 7º, 369, 370, 373, 464, 469; STJ, REsp 1.012.306/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 07.05.2009.
Jurisprudência relevante citada: TJGO, Apelação Cível 5005409-26.2023.8.09.0134, Rel. Des. Vicente Lopes da Rocha Júnior, 2ª Câmara Cível, DJe 09/08/2024; STJ, AgInt no AREsp 1.826.545/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 11/05/2022.
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VOTO
Presentes os pressupostos recursais extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), bem como os intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo), conheço do recurso.
Nos termos do relato, os presentes recursos debruçam-se sobre sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos em ação para resolução contratual c/c indenização por perda e danos, movida pelo Espólio de Sérgio Stamato Filho contra Rodrigo Resende Lobo.
A resolução pretendida debruçava-se sobre contrato de locação de pastagens no imóvel denominado como Fazenda Vale dos Bois, situado no município de Mozarlândia-GO, de propriedade de Rodrigo Resende Lobo, este que se comprometeu ao aluguel área de pastagens à parte de Sérgio Stamato Filho, o qual utilizaria da região para recria e cultura de 2.000 mil cabeças de gado. O preço da locação (clausula 4º, contrato) ficou estabelecido em R$ 21,00 por cabeça de gado, e perduraria por 12 meses, contados da data de assinatura, marco temporal da entrada do gado na fazenda (11/05/2016).
A resolução, por sua vez, foi motivada, segundo Espólio Sérgio Stamato Filho, pois, após entrada do gado, verificou-se que as pastagens, ao contrário do pactuado, não suportavam a quantidade de semoventes, resultando em perda de peso dos animais, ressaltada pelo fato de que o arrendatário Rodrigo Resende Lobo, durante a vigência do contrato, retomou parte do imóvel e transferiu o rebanho para outra propriedade igualmente inadequada, provocando-lhe prejuízos estimados em R$ 1.022.320,00.
No primeiro recurso, este interposto por Rodrigo Resende Lobo, o apelante discorre, em sede de preliminar, sobre eventual cerceamento de defesa por indeferimento de provas periciais e de inspeção judicial, arguindo que estas seriam imprescindíveis para o julgamento da lide.
No mérito, rebate as teses de que o pasto arrendado não atendia qualitativamente a parte, dizendo que “não restou provado, pela instrução processual, quiçá pelos documentos juntados aos autos, que a suposta situação a que estariam os animais, ocorreu em razão de não condições físicas dos pastos”, mas, sim, pelo manejo irregular da alimentação do gado, pontuando, ao avesso, que a prática de resolução intentada estaria amparada em testemunhas e provas compradas, em prática comum do apelado que, em contratos outros (não especificados), repetia os argumentos de ausência de condições do local para retirar os animais e lucrar com a resolução.
No apelo adesivo do Espólio Sérgio Stamato Filho, por sua vez, o recorrente discute acerca da improcedência operada em seu desfavor quanto ao pedido de lucros cessantes, voltando argumentar que, segundo provas produzidas na origem, o prejuízo sofrido com a perda de peso do gado decorreu da má qualidade do terreno e pastagem arrendados, de modo que caberia a condenação do apelante principal ao pagamento dos lucros cessantes no montante de R$ 1.022.320,00 (um milhão, vinte e dois mil, trezentos e vinte reais), valor correspondente ao prejuízo gerado pela perda de peso dos animais e a consequente redução nos lucros esperados com a venda e criação do rebanho.
Feitas as ponderações fáticas, passo ao exame da preliminar levantada no apelo principal que, de antemão, merece acolhimento. Explico.
Nos termos do artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, caberá ao juiz determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, ou indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, em decisão fundamentada, in verbis,.
"Art.370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte. determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada as diligências inúteis ou meramente protelatórias
Da mesma forma, o artigo 369 do CPC determina que
"Art. 369. AS partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.'
As previsões normativas em questão escoram-se na pretensão processual de que a lide deve guiar-se pela verdade real dos fatos, sendo as provas relativas aos fatos discutidos destinadas ao cumprimento dessa premissa. Se a condução do processo e, pois, a (in)ocorrência do próprio fato, dependem de elementos que fundamentem sua (in)existência, revela-se como correta a assunção de que fatos diversos exigem comprovação igualmente distinta, os quais ora podem se bastar por prova única que satisfaz a reconstrução da narrativa, ora por provas múltiplas que constituem o quebra-cabeça do fato.
Dessa colocação, decorre, por exemplo a possibilidade de serem indeferidas as provas que pouco ou nada contribuem para o deslinde (art. 370, p.u, CPC), juízo de admissão esse que, por sua vez, não tem o predicado de cercear a defesa de qualquer das partes, mas, sim garantir polidez ao processo.
No caso dos autos, em se tratando de lide acerca de rescisão contratual, a ilação lógica aqui comentada é melhor orientada pelo art. 464 do CPC, o qual:
Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação. $ 1° O juiz indeferirá a pericia quando: I-a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico I- for desnecessária em vista de outras provas produzidas Ill- a verificação for impraticável.
Em se tratando de controvérsia debruçada sobre cumprimento de disposições contratuais, embora esta Corte, via de regra, compreenda ser despicienda a produção pericial, o caso dos autos merece tratamento distinto. Fala-se isso, pois, na espécie, a apuração da responsabilidade civil derivada das previsões contratuais debatidas reivindica a análise de circunstâncias factuais que extrapolam o simples exame documental, uma vez que paira, como questão central de mérito, dúvida com relação à suportabilidade de vegetação e pastagem fornecidas em contrato de arrendamento rural. Ambas as partes concordam que houve perda de peso nos animais apascentados. Para o autor, a culpa é o réu dada a insuportabilidade da área arrendada. Para o réu, a culpa é do autor em razão do manejo inadequado.
Aquela questão, inclusive, fora fixada na decisão de saneamento (mov. 43), que, na ocasião, delimitou as questões de fato relevantes para o processo, incluindo, como núcleo lógico da lide, a temática acerca da adequação da pastagem para a alimentação do rebanho, as condutas das partes em concorrerem para o resultado e o manejo do rebanho. Nessa mesma ocasião, muito embora tenha o apelante requerido, previamente, prova pericial tendente a esclarecer as referidas questões, a magistrada a quo, paradoxalmente, indeferiu a realização das respectivas provas, somente para mais tarde fundamentar a sentença em provas outras que, embora tenham potencial probabilístico, são ora frágeis – prova testemunhal coletada de informantes – ora unilaterais – laudos periciais feitos exclusivamente pelo autor, ou ambas.
Nestas últimas, há de se considerar o caráter nitidamente unilateral com o qual produzidos os laudos, cuja própria confecção, inclusive, peca em qualidade. A esse respeito, deve-se ter em mente que, se o laudo pretende servir à elucidação de fato que interessa a ambas as partes, a sua elaboração não pode, via de regra, partir de iniciativa isolada que venha, no seu percurso, a excluir a participação da parte adversa a quem também importa a conclusão.
O fato jurídico, se considerado na sua bilateralidade, invoca que seus interessados dele participem, sobretudo processualmente, quando de sua instrução. A ilação lógica, nesse caso, firma-se no princípio basilar do contraditório, sem o qual o processo não pode ser conduzido, justamente porque há um dever de que a lide se desenvolva pela “conversação” entre as teses e suas partes. Se o processo, por si próprio, tem como institutos fundantes a jurisdição, a ação, a defesa e o processo, é evidente que, na vertente da defesa, haja uma presunção de participação conjunta das partes que alcance, inclusive, a produção probatória, malgrado possa se entender que a instrução probatória não seja, necessariamente, um conflito.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Não é por menos, aliás, que o próprio CPC, ao dispor sobre a prova pericial, menciona a necessidade de que a produção da prova seja precedida da apresentação de quesitos por ambas partes, mormente porque, novamente, a ambas interessa a prova, esta que, por sua vez, interessa ao processo, de maneira homogênea (princípio da comunhão das provas).
Art. 469. As partes poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento
Um laudo, nesse caso, confeccionado por terceiro, mesmo que formalmente imparcial, não carrega essa fundamentação. O apelante, nesse caso, deveria ter participado da confecção, ainda mais porque o objeto da perícia – pastos da fazenda de sua propriedade – lhe dizem respeito.
Em segundo juízo, convém a análise de que a fundamentação da sentença, trabalhada apenas em provas indiretas – testemunhos – e laudos unilaterais fere, de maneira implícita, a segurança probatória que a própria natureza da demanda reivindica. Fala-se isso pois, dentro da teoria geral das provas, “certas definições favorecem a escolha de alguns critérios em detrimentos de outros, e certos critérios se afinam mais a certas definições de verdade do que outras” (Os fatos no Direito – Bases Argumentativas da Prova – Ed. 2024, pág. 116).
Na prática forense, o enunciado transcrito significa, por equivalência, dizer que certas lides processuais favorecem a escolha de certas provas em detrimento de outras, porquanto a diferente estrutura da prova permite, epistemologicamente, chegar-se a resultados que outros meios não poderiam.
No caso dos autos, por exemplo, os testemunhos indiretos e os laudos periciais unilaterais esbarram justamente nessa preceito, isso porque, se pretendia-se responder ao quesito de “(in)suficiência dos pastos” para fins de valoração do cumprimento – ou não – das obrigações contratuais, a única forma de atingir o resultado seria, evidentemente, o periciamento da pastagem para analisar (I) tipo de capim dos pastos fora da (suposta) reserva, (II) a existência ou não de capoeira ou declive acentuado que torne inapropriado o apascentamento do gado, (III) o tamanho de cada pasto e (IV) as condições tanto dos pastos usados quanto dos não utilizados, pontos estes somente alcançáveis mediante perícia para identificação de pastagens nativa e monitoramento de alterações de uso, com auxílio de imagens de satélite de alta resolução espacial (abaixo de 1 metro).
Além da análise pormenorizada das pastagens, cujo parecer individual de testemunhas, ou mesmo eventual expertise do judicial, é incapaz, por si só, de valorar, a própria previsão do contrato juntado no processo exibia, como obrigação de uma das partes – arrendatário – os cuidados com a alimentação do gado, fator esse também concorrente na lide para avaliação dos prejuízos para com o rebanho. Essa variável deveria ser alvo de prova documental, notadamente porque, junto ao pasto, caberia avaliar o tipo de sal e prova do trato do gado, tanto no mês de dezembro de 2016 (no ano que retirou o gado), como no mês de maio de 2016 na entrada do gado, permitindo que, por exclusão ou comunhão de hipóteses, chegasse-se a valoração de qual dos referidos eventos (a pastagem ou a alimentação artificial inadequada) concorreu, de fato, para o resultado danoso (perda de peso do gado).
A avaliação dos deveres contratuais, nesse sentido, exigia trabalho cooperativo rumo a uma produção probatória eficiente que acomodasse, dentro do ônus de cada litigante, o saneamento dos referidos pontos comentados, dentro do artigo 373, do CPC.
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
A previsão normativa em questão escora-se na pretensão processual de que a lide deve guiar-se pela verdade real dos fatos, sendo as provas relativas à lide discutidas destinadas ao cumprimento dessa premissa, inclusive no que pertine a competência/habilidade de se colacionar os autos a prova com a qual se dirige o julgamento.
Colocando em miúdos, a produção probatória da origem deveria não só ter permitido a realização da perícia das pastagens, no interesse do apelante (réu) Rodrigo Resende Lobo, permitindo-o fazer prova do fato impeditivo da pretensão autoral (imputação de responsabilidade civil pela resolução contratual), como, de maneira equivalente, facultado ao autor Espólio Sérgio Stamato Filho e outros, a produção probatória também no sentido de confeccionar laudo pericial, ainda que indireto (sob o contraditório) acerca da perda de arroba pelo gado (fato constitutivo de seu direito sobre a pretensão de danos).
Essa produção, aliás, deveria ter se estendido, inclusive, para a avaliação documental da área debatida, isso porque, dentre as teses que foram ventiladas na lide, ambas as partes trouxeram como questão prejudicial a tese de que parcela dos pastos estava inserida em “área de preservação ambiental”. A identificação da veracidade dessa tese, seja no interesse da defesa ou do autor, somente poderia ser obtida se houvesse a colação da escritura do imóvel, com anotação ou não da reserva mencionada, bem como análise da região dos pastos, ambas as quais (prova documental da escritura e inspeção da área) não foram produzidas, deixando a questão em aberto.
De maneira resumida, a negativa, portanto, de produção probatória, suplantada pelo julgamento de mérito baseado em prova unilateral e indireta, deixou, em aberto, uma série de quesitos que, imprescindíveis ao julgamento dos fatos, foram cerceados de ambos os litigantes, ainda que o resultado, ao fim, tenha beneficiado a um deles. A instrução probatória, nesse sentido, deveria – e podia – ter se valido da saída pericial para efetivar o contraditório e o ônus da prova dos litigantes (art. 373, CPC), mas não o fez, incorrendo em cerceamento de defesa cujo consectário lógico-jurídico é a nulidade da sentença.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. EXISTÊNCIA DE MATÉRIA DE FATO . NECESSIDADE DE SANEAMENTO DO PROCESSO EM OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 357, DO CPC. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. SENTENÇA CASSADA. 1 . A ausência de produção de provas suficientes e indispensáveis ao desate da ação implica cerceamento de defesa e gera nulidade da sentença proferida prematuramente, impondo-se, assim, sua cassação, com o retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de que seja exaurida a instrução probatória, garantindo aos litigantes uma efetiva e justa entrega da prestação jurisdicional. 2. A sentença que, antecipadamente, julga o feito, sem saneá-lo nos moldes do art. 357, do CPC, e dispensa a produção de prova destinada a demonstrar o direito alegado para, em seguida, julgar de forma contrária à pretensão da parte, padece de nulidade absoluta por cerceamento de defesa .APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJ-GO 50054092620238090134, Relator.: VICENTE LOPES DA ROCHA JÚNIOR - (DESEMBARGADOR), 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 09/08/2024)
Ainda que o magistrado possa se valer da noção hermeneuticamente equivocada do “livre convencimento motivado”, em asserção que o blinda para a vinculação à prova, a doutrina moderna da teoria geral da prova já concebe, a tempos, a ideia de que o refúgio à sobredita tese não possui correspondência lógica no processo, este que, orientado a verdade, precisa dar atenção aos elementos objetivos que são colhidos pela instrução. Deixar de colhê-los pura e simplesmente pela avocação de um convencimento descomedido reduz a prova a um “ato de fé” que coloca o magistrado na posição de usurpador da validade dos enunciados, ao pressupor que a veracidade dos objetos está no protagonismo cognitivo do juiz, e não na prova que, enquanto objeto, existe a parte dos sujeitos cognoscentes.
O “livre convencimento motivado” deve, sempre, ceder lugar a ideia de uma valoração racional, operante pelo contraste empírico, o que significa dizer que a verdade dos enunciados que registram experiências imediatas será obtida pela observação, e a verdade dos demais enunciados terá de ser comprovada por meio de suas relações lógicas, num processo que considera e dá primazia a confecção probatória. Ferrajoli, a este respeito, pontua que “para justificar as decisões judiciais, não é suficiente que “satisfaçam” ou “tenham” “êxito”, “ou que sejam aceitas”, nem mesmo de forma unânime, sendo necessário, isto sim, que seus pressupostos fáticos sejam verdadeiros no sentido de correspondência com os fatos”. (FERRAJOLI, 1995, pág. 68).
O processo, a prova e a argumentação, portanto, não são instrumentos de confirmação de interesse X ou Y; a dialética que um processo impõe exige comprometimento com a realidade.
No caso em análise, encontra-se evidente a necessidade de produção de provas justamente pelo fato de que o magistrado sentenciante, embora tenha tomado consciência dos fatos necessários a elucidação do caso, deixara de perquirir aludida matéria, determinante ao julgamento da lide.
A instrução deficitária, inerte, sem observar a necessidade da busca da verdade real para efetiva pacificação social por meio do Judiciário, transcende à eventuais argumentos de preclusão sobre a matéria, e tampouco pode ser suprida pela produção unilateral, que, via de regra, não satisfaz o preceito de devido processual legal, previsto na Constituição:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Na esfera do direito probatório, o referido direito se manifesta na oportunidade que os litigantes têm de requerer a produção de provas e de participar de sua realização, assim como também de se pronunciar a respeito de seu resultado. O julgamento, portanto, na pendência de questão fática controversa, caracteriza cerceamento de defesa, sobretudo quando os elementos de prova constantes dos autos não são suficientes para o julgamento da questão e não se oportunizou às partes a produção das provas que entendessem importantes para o deslinde da causa, não se mostrando viável o julgamento do processo, notadamente em razão de ser a aludida omissão suficiente a causar prejuízo à parte apelante.
Nesse caso, violada a prerrogativa das partes de contribuírem cooperativamente para com o resultado do processo, a sentença recorrida deve ser cassada, oportunizando às partes e ao magistrado do feito a produção das provas necessárias ao deslinde do feito, dentre elas a pericial, para esclarecer os quesitos que ficaram pendentes. Essa falta, a ser suprida, inclusive, judicialmente, dentro da amplitude da iniciativa probatória do Juiz pode ser indicada por esta Corte, viabilizando melhor correição no processamento dos autos após a cassação.
“(…) 3. O STJ, ao interpretar o art. 130 do CPC, consagrou o entendimento de que "a iniciativa probatória do juiz, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça" (REsp 1.012.306/PR, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 07.05.2009). (…) (AgInt no AREsp n. 1.826.545/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 11/5/2022.)”
Nesse sentido, com a cassação da sentença, deverão os autos retornarem ao magistrado singular para que, dentro das questões submetidas ao processo, sejam elucidados os seguintes pontos sugeridos, com a utilização de perícia de identificação de pastagens nativas e monitoramento de alterações de uso com auxílio de imagens de satélite de alta resolução espacial de, no mínimo, quatro períodos distintos, ou seja, imagens no dia que houve a inserção do gado da fazenda (maio de 2016; imagens na data da saída do gado (dezembro de 2016) ; imagens no dia em que encerraria o arrendo (eventual beneficio que o réu teve com a retirada antecipada das reses, para futuro arrendo). Imagens em dezembro de 2017, quando havia outro arrendamento para 2.000,00 cabeças, embora com a ressalva que idade de era das reses era diferente da objeto da presente ação. Diz-se no mínimo quatro, porque as partes podem, livremente, entenderem necessários outros períodos.
Esta última – visualização no período posterior ao arrendamento – justifica-se pelo fato de que, como mencionado na contestação, o mesmo pasto que o autor questiona a capacidade foi arrendado logo em seguida por parte outra (contrato na mov. 39, arq. 03), a qual não impugnou sua qualidade. Perquirir sobre esse evento poderá auxiliar no esclarecimento sobre a capacidade da vegetação, mormente porque uma mesma premissa constante – falta de capacidade do pasto – não pode, ora ser verdadeira, ora ser falsa, mudando de acordo com os sujeitos do contrato.
Além do mencionado, eventual perícia precisará avaliar o (I) tipo de capim dos pastos fora da (suposta) reserva, (II) a existência ou não de capoeira ou declive acentuado que torne inapropriado o cultivo do gado, (III) a quantidade de pastos e o tamanho de cada um e (IV) as condições tanto dos pastos usados quanto dos não utilizados, facilitando o direito de defesa do réu dentro do seu ônus probatório (art. 373, II, CPC). Como também há ponto controvertido quanto a existência de reserva ambiental nos pastos alvos da contratação, a perícia deverá avaliar a matéria em questão, perquirindo-se, documentalmente, se necessário, acerca de eventual anotação de reserva na matrícula do imóvel e sua eventual correspondência (ou não) para com a área arrendada.
No interesse do autor, sugere-se que a produção probatória também avalie as condições sobre (a) tipo de sal, para tanto deve informar em qual estabelecimento comercial comprou o sal/proteinado para o gado, devendo o juiz oficiar pedindo cópia das notas fiscais referentes ao ano de 2016 (após a entrada do gado), (b) perda de peso, ainda que por estimativa (de zero a 3 arrobas), na medida em que ambas as partes concordam que o gado emagreceu (o autor culpando o réu, em razão da falta de pasto; o réu culpando o autor, em razão do manejo inadequado), isso porque, se a pretensão é estabelecer o que deu causa ao resultado danoso perquirido (rescisão contratual por incapacidade do pasto que resultou em prejuízo ao rebanho), é preciso avaliar, também, não só a variável das pastagens (obrigação do réu), mas, também, a qualidade do manejo do gado (fato constitutivo do direito do autor e sua obrigação).
Nesse mesmo ínterim, cabe, também, perquirir esclarecimentos acerca da tese levantada veiculada pelo autor na impugnação acerca do comprovante de transferência do numerário dos bois, isso porque o autor trouxera como fundamento dos danos o fato de que o apelante (réu) teria se utilizado dos pastos arrendados para criar seu próprio gado, em detrimento do gado do arrendatário ali inserido. O réu, por sua vez, alegou que o único gado que tinha na propriedade era o gado de leite, pois 150 bois foram vendidos para o autor da ação e transferidos conforme nota fiscal juntada a contestação. Em relação a esta nota fiscal, deve o réu comprovar o recebimento de numerário correspondente, na medida em que ninguém vende gado, especialmente este quantitativo, sem o respectivo pagamento em dinheiro.
O contraste empírico, o que significa que a verdade dos enunciados que registram experiências imediatas será obtida pela observação, e a verdade dos demais enunciados terá de ser comprovada por meio de suas relações lógicas.
Nesse caso, não tendo o juízo a quo apreciado regularmente os fatos processuais (error in judicando), incidido em equívoco na condução processual (error in procedendo) e, ainda, havendo conteúdo relevante sobre o qual remanesce dúvida razoável, somente suscetível de resolução mediante nova fase instrutória, impõe-se a cassação do ato judicial recorrido, com o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento do feito, o qual deverá, na medida do possível, perquirir as questões controvertidas indicadas no presente voto.
Pelas razões expostas, CONHEÇO do recurso de apelação e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para desconstituir a sentença recorrida, a fim de reconhecer, como vícios que lhe tolhem a sobriedade, a ocorrência de julgamento em cerceamento de defesa, determinando o retorno dos autos à origem para realização de nova instrução, ficando o segundo recurso adesivo tendente a discutir os consectários da indenização prejudicado.
A perícia referente às pastagens deverá ser custeada pelo réu, enquanto que aquela referente a perda de peso dos animais, ainda que por estimativa, deverá ser custeada pelo autor, ficando a critério deste a realização dela concomitante à primeira ou em momento posterior, já que, conforme o resultado da primeira, pode tornar-se inócua a segunda.
Desde logo adianto que não serão acolhidos embargos de declaração que visem a rediscussão de matéria, não se prestando o referido recurso para rever a justiça ou injustiça de determinado ponto da decisão, tampouco para reverter o resultado do julgamento, sendo outro o recurso cabível.
Na hipótese de oposição de embargos de declaração protelatórios, sobretudo dentro da pretensão de rediscussão acima, por mero inconformismo, a parte embargante será condenada à MULTA
prevista nos §§ 2° e 3° do art. 1.026 da Lei Adjetiva Civil, bem como condicionada a interposição de qualquer recurso ao depósito prévio do valor correlato.
Esclareço, outrossim, que o prequestionamento se dá pelo mero enfrentamento da matéria decidida, inclusive para fins de interposição de recursos às instâncias superiores, nos termos do art. 1.025, do CPC.
É como voto.
Goiânia, data da assinatura eletrônica
Altamiro Garcia Filho
Desembargador Relator
AGF9
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.
Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quinta Turma Julgadora de sua Décima Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER do recurso de apelação cível e DAR-LHE PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do (a) Relator (a).
Presidente da sessão, relator (a) e votantes nominados no extrato de ata de julgamento.
A Procuradoria-Geral de Justiça esteve representada pelo membro também indicado no extrato da ata.
Goiânia, datado e assinado eletronicamente.
Goiânia, data da assinatura eletrônica
Altamiro Garcia Filho
Desembargador Relator
AGF9
Ementa: DIREITO AGRÁRIO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E APELAÇÃO ADESIVA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL IMPRESCINDÍVEL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO COMPLEMENTAR. SENTENÇA CASSADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de rescisão contratual cumulado com indenização por suposta inadequação das condições de pastagem em contrato de arrendamento rural. O apelante sustentou cerceamento de defesa em razão do indeferimento de prova pericial previamente requerida para esclarecimento de questões técnicas sobre o objeto do contrato.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em cerceamento de defesa ao indeferir prova pericial sobre a suficiência da pastagem, condições do rebanho e presença de área de preservação ambiental, apesar da existência de controvérsia fática relevante sobre tais elementos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A produção de prova pericial, quando voltada à verificação de fatos controvertidos que dependem de conhecimento técnico, é assegurada pelas normas processuais como meio essencial à formação do convencimento judicial, não podendo ser indeferida sob o fundamento de decurso de prazo, quando é possível, através de imagens de alta resolução de satélite, verificar se a pastagem era nativa ou plantada.
4. A decisão de indeferimento da perícia, seguida de julgamento meritório amparado apenas em provas testemunhais indiretas e laudos unilaterais, afronta o princípio da ampla defesa, notadamente quando o ponto controvertido diz respeito à suficiência nutricional da pastagem fornecida e seu impacto na saúde do rebanho, matéria eminentemente técnica e cuja valoração judicial, isoladamente, não pode suprir.
5. A sentença fundamentada em elementos unilaterais e indiretos, com exclusão de prova pericial requerida previamente à decisão de saneamento, incorre em error in procedendo, por cerceamento de defesa, devendo ser oportunizada a produção de prova pericial com participação de ambas as partes, incluindo apresentação de quesitos técnicos, nos termos do contraditório, do princípio da comunhão das provas e do artigo 373 do CPC.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Recurso de apelação conhecido e provido para cassar a sentença recorrida por cerceamento de defesa, com retorno dos autos à origem para complementação da instrução probatória. Recurso adesivo prejudicado.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CPC, arts. 7º, 369, 370, 373, 464, 469; STJ, REsp 1.012.306/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 07.05.2009.
Jurisprudência relevante citada: TJGO, Apelação Cível 5005409-26.2023.8.09.0134, Rel. Des. Vicente Lopes da Rocha Júnior, 2ª Câmara Cível, DJe 09/08/2024; STJ, AgInt no AREsp 1.826.545/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 11/05/2022.
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